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Ambientes para Brincar, Interagir e Criar:

a construção dos espaços para crianças de 0 a 2 anos.

Adriana Klisys1

“Para a criança, o espaço é o que sente, o que vê, o que faz nele. Portanto, o
espaço é sombra e escuridão, é grande, enorme ou, pelo contrário, pequeno: é
poder correr ou ter que ficar quieto, é esse lugar onde ela pode ir para olhar, ler,
pensar.
O espaço é em cima, embaixo, é tocar ou não chegar a tocar, é barulho forte, forte
demais ou pelo contrário, silêncio, é tantas cores, todas juntas ao mesmo tempo
ou uma única cor grande ou nenhuma cor...
O espaço, então começa quando abrimos os olhos pela manhã em cada despertar
do sono, desde quando, com a luz, retornamos ao espaço” Battini

A Exploração do espaço como primeira construção de conhecimento


Vamos pensar no bebê que acabou de sair do útero materno. Um enorme espaço
se abre em sua vida, cheio de cores, sons, texturas, formas e sobretudo muita
interação com parceiros novos que ajudam na construção deste espaço e que o
acompanharão adiante em sua trajetória de vida.

Criar ambientes educativos interessantes que supõem a natureza lúdica das


crianças com menos de 2 anos, parece ser o grande desafio para profissionais
que trabalham com esta faixa etária, somado a isto, é claro, cuidar das interações
que se estabelecem neste contexto.

O brincar de uma criança de 0 a 2 anos


Ao brincar, a criança desta faixa etária está principalmente interessada em
aprender como funcionam as coisas de seu mundo. Está totalmente empenhada
em conhecer as propriedades dos objetos, suas funções, bem como as reações
do outro diante de suas ações.

Piaget nos ensina que o bebê tem uma inteligência sensório-motora, isto significa
que suas ações são pautadas pela sensação e emoção. Interessante lembrar que
a palavra emoção, do inglês emotion, significa “ em movimento”. Sensação é, de
certa forma, sentido em ação. A criança pequena está numa fase de total
desenvolvimento de sua percepção sobre o mundo. Todas suas experiências são
inaugurais, portanto vividas com muita intensidade. É um aprendizado que
realmente deveríamos conservar com mais cuidado na educação, pois não tem
como desenvolvermos a ação e, portanto, também a reflexão sem
desenvolvermos a percepção.

1
Coordenadora da Caleidoscópio Brincadeira e Arte (www.caleido.com.br)
A criança de 0 a 2 anos tem um conhecimento prático e afetivo, por que não dizer
efetivo. Seu conhecimento é de natureza sensório-motora: sentimento e
motricidade dão origem às primeiras formas de interagir da criança, nas quais o
que está em jogo é a descoberta do funcionamento de seu próprio corpo, do
movimento e da interação com os objetos e pessoas.

O papel do adulto junto ao bebê


A criança em sua fase inicial de vida interage com seu meio através dos objetos
essencialmente pela apresentação do adulto à este universo, numa relação
carregada de afeto e de muito conhecimento a respeito do universo cultural e
simbólico. Neste sentido não basta uma caixa cheia de brinquedos, é preciso
brincar com as crianças, apresentar-lhes as possibilidades de uso e, sobretudo,
estar atento para as novas possibilidades de uso que a criança cria em sua
interação com os objetos e pessoas, para, a partir daí, ter uma troca efetiva de
conhecimento e brincadeiras com as crianças.

Ajudar a criança a socializar suas brincadeiras e descobertas é uma importante


contribuição para o desenvolvimento da atividade lúdica. Um professor que leva a
seu grupo caixinhas com sons pode ser surpreendido por uma criança querendo
equilibrar a caixinha em sua cabeça. Socializar este conhecimento e portanto novo
jeito de brincar com a caixinha sonora que ofereceu, sem dúvida contribui para
que as crianças possam compartilhar suas brincadeiras com os outros.

O processo de aprendizagem do bebê se dá na interação com o adulto. Sabe-se


que a criança não descobre por meio de simples manipulação espontânea as
qualidades ou propriedades de um objeto: ela precisa da ajuda do adulto, de um
modelo de ação. Este processo de aprendizagem das ações com os objetos
desenvolve-se apenas em atividades conjuntas com os adultos ou com parceiros
mais experientes, que lhe ensinam o processo de execução do ato, até que a
criança tenha autonomia para realizá-lo sozinha.

Durante esta atividade conjunta, a criança busca o estímulo, a atenção e o elogio


do adulto. Como bem observou Elkonin, na relação com o objeto, a criança não
busca somente obter um resultado material, mas essencialmente travar relações
com o adulto. Ao realizar determinadas ações o bebê antecipa emocionalmente as
conseqüências sociais de seu cumprimento, ou seja, a avaliação positiva ou
negativa do adulto. Bem se vê que é de fundamental importância essas inter-
relações no processo de formação das ações com os objetos.

De posse deste conhecimento, é preciso inventar e recuperar formas de brincar


com os bebês de nossa tradição, seja nas brincadeiras cantadas, de embalar, seja
na criação de espaços, oferta de brinquedos, materiais que ofereçam uma
interação tanto com os objetos como com as pessoas.

A criança nesta fase também está em plena construção de sua identidade,


portanto é fundamental como o adulto a olha, como investe na relação com ela,
que vínculo estabelece. Nas creches como são sempre muitas crianças, não
podemos perder de vista o grupo, mas também ter um olhar muito apurado para o
indivíduo, um olhar atento para cada criança. Para brincar com a criança é preciso
de fato conhecê-la, saber interpretar seus gestos, sua forma de se comunicar, é
preciso dar aconchego, mostrar confiança em seus atos e conquistas para seguir
aprendendo e aventurando-se no mundo.

A construção de ambientes que promovem interações lúdicas


Todo ambiente se define pelo conjunto de relações das pessoas entre si e com o
espaço físico. Não existe espaço vazio de significados, embora muitas vezes não
o notemos, pois fazem parte de nossa rotina. Portanto, os espaços das instituições
educativas precisam ser objetos de reflexão de todos nós, como nos alerta a
grande educadora e arquiteta Mayumi de Sousa Lima.

A presença de materiais e brinquedos apropriados e mobiliário adequado traz


informações importantes para a criança que está aprendendo a interagir num
espaço educativo.

Se percebo que os bebês precisam de apoio para aprender a andar, o que posso
promover para tanto? Caixas recheadas de jornal, encapadas com lindas imagens,
para que possam empurrar é uma dentre tantas possibilidades. Se observo que a
criança passa boa parte de seu tempo em contato direto com o chão, que
intervenções posso pensar no plano horizontal? Uma possibilidade é investir em
materiais interessantes para as crianças explorarem como tapetes especiais,
presos ao chão para não escorregar, como plástico bolha, e.v.a, papel ondulado,
ou então colocar à disposição almofadas dos mais diversos tipos, bóias,
brinquedos infláveis, colchões enrolados com fitas para rolarem, etc. Enfim as
propostas para o brincar vão partir do que conhecemos a respeito do que as
crianças já sabem e precisam aprender.

Nossas propostas devem sempre ir em direção do que detectamos como interesse


e desafio para as crianças. Se observamos que gostam de colocar e tirar objetos
de dentro das caixas. Por que não se ter uma caixa grande com muitas outras
caixas dentro? Baldes com elástico presos ao teto para brincarem de colocar e
tirar objetos do mesmo? Uma dica simples e que ajuda muito na organização é
prender ganchos no teto e nas paredes, para facilitar a montagem de tendas,
divisórias, prender móbiles, bambolês com tules e o que mais o educador inventar
para seu grupo.

Intervenções nos planos: alto, médio e baixo do espaço


Perceber cada vez mais a sala, o espaço do parque, solário, etc sob o prisma da
criança pequena é pensar também espacialmente como o ambiente pode estar
organizado. Partindo sempre da observação e investigação didática acerca das
relações que a criança estabelecem com o espaço, para que possa interagir nele
com desenvoltura e segurança. Podemos propor intervenções nos planos: alto,
médio e baixo do espaço que evoquem situações de convivência interativa:
Plano Baixo – propostas que considerem o engatinhar, rastejar, estar no chão, o
berço, o aconchego – um primeiro modo de estar no mundo.

Plano Médio – propostas que considerem as conquistas possíveis: ficar em pé –


começar caminhar pelos próprios pés. Estar no mundo. A ação.

Plano Alto – propostas que considerem intervenções nos espaços da parede,


teto, aquilo que a criança pode vislumbrar, que precisa de uma ajuda para se
alcançar – ou então que pode se somente apreciar, observar, refletir.

É preciso o olhar atento, pesquisador e curioso do educador para observar


texturas nos diversos planos, as cores, formas, etc. Por exemplo, colocar espelhos
no teto, próximos ao trocador, ou móbiles, celofanes no vidro, onde bate sol,
enfim, autorizar-se a transformar o ambiente constantemente! Ensinamos as
crianças com isto que muitos mundos cabem dentro de uma sala de aula de
dimensões muitas vezes reduzidas em nossa realidade brasileira.

Observar para propor espaços lúdicos aos bebês


A observação das crianças é ponto chave para se propor qualquer intervenção
lúdica. Filmar, registrar, fotografar são apoios importantes para entender estes
pequenos! Quem já experimentou fotografar uma seqüência quadro a quadro das
crianças em suas interações, brincadeiras e jogos, procurando entender o
processo de ação de bebês, sabe disso! Tal recurso é altamente revelador!
Imaginar o que eles estão pensando e descobrindo acerca do mundo, das
relações... Ajuda a analisar o percurso de criação dos bebês, seus gestos,
intenções, afinal eles têm uma linguagem muito própria, já que ainda estão
aprendendo a se comunicar.

Registros escritos também são muito bem vindos! Anotações no que diz respeito
ao comportamento da criança diante das propostas. Ao que se deve o
envolvimento das crianças? O que nós educadores podemos aprender com o
retorno que as crianças demonstram? Durante a semana, podemos acompanhar o
percurso das crianças e suas interações com um determinado brinquedo para
entender o processo de construção de conhecimento e a partir daí pensar em
novas intervenções.

Uma parceria fundamental para propor espaços lúdicos e brincadeiras que as


crianças pequenas gostam é saber contar com o conhecimento dos pais acerca do
que seus filhos brincam e o que gostam no espaço de casa. Ampliar o repertório
de brincadeiras, cantigas de ninar, parlendas do educador, incorporando o que os
pais conhecem, saber como criam os espaços em casa, como preparam o quarto,
o berço do bebê, acabam sendo um jeito de socializar os conhecimentos das
crianças pequenas. Descobrir uma curiosidade como um sininho que um bebê tem
em casa e se acalma com seu som, pode ajudar nas propostas do educador em
pensar o ambiente, inclusive sonoro da instituição na qual trabalha.
As diferentes dimensões do ambiente
Temos visto que toda e qualquer proposta de criação de um ambiente lúdico
precisa considerar muito quem ocupa tal ambiente, como ocupa, o que faz e como
interage. No intuito constituir ambientes que educam, a pesquisadora Lina Iglesias
nos ajuda a perceber o ambiente em suas diferentes dimensões, a saber:

- Dimensão física – Refere-se ao aspecto material do ambiente .


É o espaço físico ( berçário, pátio, refeitório, solário, brinquedoteca, a sala de aula
e os espaços anexos) e suas condições estruturais (dimensões, tipo de piso,
janelas, etc.) Também compreende os objetos do espaço (materiais, mobiliário,
elementos decorativos, etc) e sua organização (diferentes formas de distribuição
do mobiliário e dos materiais dentro do espaço)

- Dimensão funcional
Relaciona-se com a forma de utilização dos espaços, a sua polivalência e o tipo
de atividade à qual se destinam. A polivalência refere-se às diferentes funções que
um mesmo espaço físico pode assumir. Interessante que um espaço para o
brincar possa ser móvel, oferecendo diferentes possibilidades de reorganização do
espaço. O berçário pode ter uma configuração que permita diferentes propostas
que possam ocorrer neste espaço.

Dimensão temporal
Refere-se à organização do tempo e, portanto, aos momentos em que serão
utilizados os diferentes espaços. O tempo das diferentes atividades está
necessariamente ligado ao espaço onde se realiza cada uma delas.

Dimensão relacional
Refere-se às diferentes relações que se estabelecem dentro da sala de aula.
Tais relações têm a ver com aspectos como:
- os diferentes modos de ter acesso ao espaço (livremente ou por ordem do
educador);
- as normas e o modo como se estabelecem (impostas pelo educador ou
consenso do grupo).
- os diferentes agrupamentos (grande grupo, pequeno grupo, duplas, individual)
- participação do educador nos diferentes espaços e nas atividades que as
crianças realizam (sugere, estimula, dirige, impõe, observa, não participa...)

O ambiente comporta multifacetas que se relacionam, e torna-se evidente que a


organização do ambiente é um importante elemento do currículo a se investigar. A
proposta de criar ambientes convidativos para os bebês e crianças pequenas
circularem, transitarem, apreciarem e desfrutarem é uma forma de considerar no
processo educativo os ambientes que privilegiem a autonomia e interação da
criança, sua tomada de decisões em relação ao que fazer, como agir, dentre as
possibilidades oferecidas. Espaços que façam o bebê interagir, se apropriar e
apoderar-se do espaço.
- O papel das interações
Manter a presença constante de desafios às crianças gerados por propostas de
organização do ambiente de sala de aula é um aspecto ao qual o professor de
crianças pequenas precisa estar mais atento. É importante que ele comece a olhar
a questão da organização do espaço, considerando o pensamento sensório-motor
da criança como elemento curricular, como um conteúdo integrante do trabalho.

Não basta organizar um espaço rico, é primordial pensar nas relações que se
estabelecem neste espaço. Como o adulto apresenta o mundo à criança e como
ele é apresentado também ao mundo pela criança que o vê de uma ótica muito
particular, pois está inaugurando suas impressões, seu olhar sobre o mesmo. Daí
dizer que se as crianças tem muito a aprender com os adultos, certamente estes
também tem muito a aprender com as crianças.

O contato com cada criança precisa ser bem cuidado e o contato se dá de


diversas formas, pela modulação da voz, pelo olhar, por sua interação, e também
pelos brinquedos e objetos oferecidos às crianças.

Constância de propostas x novidades


Com os bebês, constância é fundamental para apropriarem-se do conhecimento.
É preciso reapresentar as propostas muitas vezes para que eles incorporem uma
nova brincadeira, cantiga ou história. Não adianta trazer uma novidade tão
interessante, como bolhas de sabão, se não repito esta proposta muitas vezes
para que a criança possa desfrutar deste encantamento que é a brincadeira de
estourar as bolhas e acompanhar o seu percurso e se apropriar da brincadeira,
lembrando-se dela e mesmo chegando a propô-la mais tarde.

Entretanto, é preciso também diversidade de propostas. Um ambiente que está


sempre do mesmo jeito é aborrecido para a criança. Trocar de materiais, a cada
momento do dia, é como se dentro de um mesmo espaço contivessem muitos
outros, além do que ajuda a criança a ir percebendo as mudanças da rotina, de
uma atividade para a outra. Assim sendo em um momento do dia posso organizar
espaços que ajudem na brincadeira simbólica, separando bonecas, banheiras,
paninhos, colheres, pratinhos, embalagem vazias e limpas de creme, talco para
brincarem e assim por diante, em outro momento posso organizar circuitos para
percorrerem, como túneis feitos com caixas de papelão unidos com barbante,
túneis feitos com a própria mesa e papel celofane, tecidos, ou então, oferecer
colchões enrolados com barbante para servir de rolinho para se apoiar, montar,
rolar, brincar de cavalinho...

Ao propor uma e outra atividade é como se a sala ganhasse outros espaços,


enriquecendo assim a vivência da criança.

Sabemos que é imprescindível à criança uma rotina, uma constância de


propostas, entretanto os espaços não precisam estar sempre da mesma forma,
pelo contrário, a constante reformulação do ambiente é uma necessidade no
trabalho com as crianças pequenas. Portanto saber dosar constância x variedade
de proposta é uma arte do educador.

Intervenção educativa
Em geral quando vamos trabalhar com as crianças maiores, sempre nos
remetemos a nossa infância para nos inspirarmos nas propostas das brincadeiras.
Mas como lembrar do que gostávamos quando tínhamos 3 ou 4 meses, um ou
dois anos? Boa parte de nosso repertório vem então do conhecimento que temos
da faixa etária. Mas é também interessante um exercício de se colocar no lugar do
outro. Quem sabe pegar uma foto de quando era bebê, olhar para ela e responder:
- Se eu estivesse num ambiente educativo com esta idade, como eu queria que
ele fosse, o que esperaria dos adultos? Do que gostaria de brincar?

Como será que as crianças enxergavam o ambiente de sala? Que mudanças


podemos fazer para que as crianças enxerguem este espaço cada vez mais
interessante, brilhante, cheio de cores, idéias e com muita possibilidade de
interação seja com companheiros de aprendizagem ou com o próprio
conhecimento? Tais questões são norte de nossa ação enquanto educadores da
primeira infância. A busca de soluções para respondê-las precisa ser construída
por cada um de nós implicado neste processo de cuidar e educar crianças, numa
pesquisa interessada no que a criança realmente gosta. Que tal começar por um
caderno de pesquisa anotando muitas coisas:

- Repertório de brincadeiras cantadas


- Brincadeiras que envolvem movimento
- Brinquedos preferidos nessa faixa etária
- Objetos que auxiliam na exploração e interação com outros
- Tipos de materiais/sucatas que ofereçam possibilidade de interação e
descobertas.
- Imagens interessantes, desenhos, fotos de ambientes instigantes que sirvam
como repertório para criar novos espaços dentro da sala de aula.

Estes e outros itens servem para irmos construindo esta arte de criar ambientes
instigantes e cheios de vida para nossos pequenos.

Referências bibliográficas:
D. B. Elkonin - Psicologia do Jogo – ed. Martins Fontes
Lina Iglesias Forneiro “ A Organização dos Espaços na Educação Infantil” in
Qualidade de Educação Infantil – Miguel A. Zabalza – artmed
Mayumi de Sousa Lima – A Cidade e a Criança – ed. Nobel
Mayumi de Sousa Lima – Arquitetura e Educação –ed. Studio Nobel

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