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GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 3
2 O QUE É LITERATURA? ............................................................................................ 4
2.1 Abordagens teórico-críticas para o estudo do espaço na literatura ......................... 5
2.2 Texto e contexto em narrativas literárias em língua portuguesa .............................. 9
3 TEXTO LITERÁRIO ................................................................................................... 13
3.1 Valoração do texto literário .................................................................................... 15
4 A LINGUAGEM LITERÁRIA...................................................................................... 32
4.1 Literariedade .......................................................................................................... 34
5 GÊNEROS LITERÁRIOS........................................................................................... 17
6 GÊNEROS LITERÁRIOS ATUAIS: POESIA, ROMANCE E ENSAIO ...................... 25
6.1 Texto literário X texto não literário ......................................................................... 29
7 RECURSOS LINGUÍSTICOS DO TEXTO LITERÁRIO ............................................. 42
7.1 Linguagem literária — poesia e prosa ................................................................... 40
7.2 Prosa de ficção ...................................................................................................... 45
7.3 Ficção e discurso ................................................................................................... 50
7.4 Níveis do discurso.................................................................................................. 53
7.5 Níveis do discurso específicos da narrativa ........................................................... 57
7.6 Recursos técnico-discursivos utilizados nas narrativas literárias ........................... 58
8 NATUREZA E FUNÇÕES DA LITERATURA............................................................ 61
9 NARRATIVA LITERÁRIA .......................................................................................... 67
10 O TEXTO LITERÁRIO NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO ................................. 74
10.1 Da compreensão à análise do texto literário .......................................................... 78
11 LITERATURA MARGINAL ........................................................................................ 81
12 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .............................................................................. 85
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1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
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2 O QUE É LITERATURA?
Fonte: pixabay.com
A literatura tem origem do latim littera, que significa “letra”, trata-se de uma das
manifestações artísticas do ser humano, ao lado da música, dança, teatro, escultura,
arquitetura, dentre outras. Ela representa comunicação, linguagem e criatividade, sendo
considerada a arte das palavras, ou seja, é uma manifestação artística, em prosa ou
verso, muito antiga que utiliza das palavras para criar arte, assim como, a tinta é a matéria
prima para o pintor, a palavra é a matéria prima da literatura.
De tal maneira, o conceito de literatura também pode compreender o conjunto de
histórias fictícias criadas por escritores em determinadas épocas e lugares, sejam
poemas, romances, contos, crônicas, novelas. Os textos literários possuem uma função
muito importante para o ser humano, de forma que provocam sensações e produzem
efeitos estéticos os quais nos fazem entender melhor a nós mesmos, nossas ações bem
como a sociedade em que vivemos. Segundo o crítico literário Afrânio Coutinho (2008,
p.24).
A Literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo possa haver conflito
entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas
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suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as
verdades da mesma condição humana (COUTINHO, 2008, p.24)
Nesse sentido, devemos lembrar que o conceito de literatura foi alterando ao longo
do tempo, e seu significado tal qual conhecemos hoje, é diferente da visão clássica de
épocas passadas. Para o filósofo Grego Aristóteles, um dos primeiros a focar nos estudos
sobre essa arte: “A Arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra”.
Com efeito, o conceito de literatura foi se ampliando e abrangendo assim, diversos textos
que englobam os gêneros literários que hoje conhecemos: literatura infantil, literatura de
cordel, literatura marginal, literatura erótica, dentre outros.
A arte literária representa recriações da realidade produzidas de maneira artística,
ou seja, que possui um valor estético, de onde o autor utiliza das palavras em seu sentido
conotativo (figurado) para oferecer maior expressividade, subjetividade e sentimentos ao
texto. Dessa forma, a literatura possui um importante papel social e cultural envolvido no
contexto em que fora criada, posto que abarca diversos aspectos de determinada
sociedade, dos homens e de suas ações, portanto, provoca sensações e reflexões do
leitor. Para o filósofo francês Louis-Gabriel-Ambroise, Visconde de Bonald (1754-1840)
“A literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem.” Isso
nos faz refletir sobre dois aspectos: o poder de representatividade da literatura e o seu
poder comunicativo.
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Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora,
reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e
surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e
amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora
aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus
primitivos sonhos de ambição; para idealizar felicidades novas, picantes e
violentas; tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de
guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso
resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com
que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria
contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram
reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo
abrasileirou-se (AZEVEDO, 1977, p. 44).
[...] visam determinar o valor humano dos espaços de posse, dos espaços
defendidos contra forças adversas, dos espaços amados. O espaço percebido
pela imaginação não pode ser o espaço indiferente entregue à mensuração e à
reflexão do geômetra. É um espaço vivido. E vivido não em sua positividade, mas
com todas as parcialidades da imaginação (BACHELARD, 2000, p. 28).
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todo o livro. Nesse sentido, o leitor precisa ler o texto como lê a poesia moderna,
organizando mentalmente os fragmentos e alusões para reflexivamente fazer as
associações a fim de poder compreender o todo a partir de suas partes.
O espaço como focalização — nessa forma, a focalização é entendida como
um recurso espacial. Aqui o espaço se desdobra em espaço observado e espaço que
torna possível a observação. Por essa via é que se pode afirmar que o narrador é um
espaço, ou que se narra sempre de algum lugar.
A espacialidade da linguagem — aqui entende-se uma espacialidade própria
da linguagem verbal, composta por signos que possuem materialidade. O texto literário
é tão mais espacial quanto mais a dimensão formal, ou do significante, é capaz de se
destacar da dimensão do conteúdo, ou do significado. O sentido da narrativa é dado pelas
relações que se estabelecem entre os signos, numa operação de abstração a partir da
imaginação do leitor. Como os signos possuem materialidade, eles podem exprimir outros
significados, que subvertem a relação estabelecida inicialmente pelo leitor.
Atravessou a sala com o brando arfar que tem o cisne no lago sereno, e que era
o passo das deusas. No meio das ondulações da seda parecia não ser ela quem
avançava; mas os outros que vinham ao seu encontro, e o espaço que ia-se
dobrando humilde a seus pés, para evitar-lhe a fadiga de o percorrer. Se Aurélia
contava com o efeito de sua entrada sobre o espírito de Seixas, frustrara-se essa
esperança, porque os olhos do mancebo [...] não viram mais que um vulto de
mulher atravessar o salão e sentar-se no sofá (ALENCAR, 1997, p. 47).
Mrs. Dalloway disse que ela própria iria comprar as flores. Quanto a Lucy, já
estava com o serviço determinado. As portas seriam retiradas dos gonzos; pouco
a pouco chegaria o pessoal de Rumpelmayer. Mas que manhã, pensou Clarissa
Dalloway — fresca como para crianças numa praia! Que frêmito! Que mergulho!
Pois sempre lhe parecera quando, com um leve ringir de gonzos, que ainda agora
ouvia, abria de súbito as vidraças e mergulhava ao ar livre, lá em Bourton. Que
fresco, que calmo, mas que hoje, não era então o ar da manhazinha; como o tapa
de uma onda; como o beijo de uma onda; frio, fino e ainda (para a menina de
dezoito anos que ela era em Bourton) solene, sentindo, como sentia, parada ali
ante a janela aberta que alguma coisa terrível ia acontecer (WOOLF, 1980, p. 7).
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Na narração dissimulada, não há pausa para se falar do ambiente e depois voltar
à ação. É como se o espaço nascesse da própria personagem numa relação dialética.
Nesse tipo de ambientação, tem-se a diluição da moldura do espaço e da ordem
cronológica. No romance moderno, a ambientação dissimulada é incorporada como
estrutura narrativa, juntamente com o fluxo de consciência, a fragmentação do enredo e
a fusão de níveis temporais e espaciais.
Na relação texto–contexto na narrativa, a configuração espacial estrutura, em
muitos casos, aspectos extraliterários que expandem o sentido do texto, como no caso
da obra do autor moçambicano Mia Couto, em que o espaço tem um valor político. Tanto
em seus contos quanto em seus textos infantis, o espaço delineia uma paisagem cultural
e valores da sociedade moçambicana que precisam ser discutidos com o novo público
leitor. São questões importantes para o contexto de uma sociedade pós-colonial, como
miscigenação, preconceito e alteridade, entre outros. Na obra de Mia Couto, a categoria
espacial não funciona apenas como moldura para as cenas representadas, mas também
como um elemento que se vincula à história da nação.
Veja como o autor ilustra os conflitos sociais e a questão racial no livro O gato e
o escuro (PINHEIRO, 2019). A obra narra a história de Pintalgato, um gatinho que queria
transpor os limites de um espaço que dava para a escuridão. A despeito das advertências
da mãe acerca dos perigos que rondavam aquele lugar, certo dia o gato não resistiu à
curiosidade e passou para a outra margem. Logo percebeu que a sua pele ficava negra
à medida que adentrava na penumbra; e, para seu espanto, ainda permanecia com essa
cor quando retornava à luz.
Receoso de expor as marcas da desobediência, o gato prefere não voltar mais
para casa. Sua mãe, contudo, logo aparece no local e institui um diálogo amistoso com
a obscuridade. Em determinado momento, ela chega mesmo a desejar que o escuro
fosse um de seus filhos. É então que o felino Pintalgato acorda e descobre que tudo não
passara de um sonho. Mesmo assim, já de pé, reconhece nos olhos da mãe uma dose
considerável de breu, como se ela tivesse engravidado da noite (PINHEIRO, 2019). Em
uma das passagens do texto, o autor mostra como o preconceito se refere ao discurso
do observador, e não ao objeto em si:
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— Os meninos têm medo de mim.
Todos têm medo do escuro.
— Os meninos não sabem que o escuro só existe é dentro de nós.
— Não entendo, Dona Gata.
— Dentro de cada um há o seu escuro. E nesse escuro só mora quem lá
inventamos. Agora me entende? (COUTO, 2008, p. 25).
Analisando outro exemplo, na obra de João Gilberto Noll temos uma configuração
espacial que estrutura as narrativas. Os deslocamentos errantes de seus personagens
em trânsito contínuo e ininterrupto por espaços fragmentados e vazios se alinham à
fragmentação do próprio sujeito, anônimo e desenraizado, que não organiza suas
experiências temporais linearmente em passado, presente e futuro. Nos romances Hotel
Atlântico (1989) e A fúria do corpo (1981), o espaço revela o espaço flutuante e instável
do sujeito contemporâneo.
No caso do primeiro, a personagem inicia sua perambulação pelo Rio de Janeiro,
se acomoda em um hotel, símbolo de transitoriedade e desenraizamento, e viaja a outros
locais, como Florianópolis, levado pelo acaso e pelo destino, sempre marcados pela
presença da morte, com quem o personagem se encontra no final da narrativa. No
segundo, a configuração espacial traz a imagem de um labirinto, espaço opressivo e
enigmático.
A partir desses exemplos, podemos perceber que a configuração do espaço na
narrativa pode tanto funcionar como uma moldura para as cenas representadas quanto
adquirir uma relevância de estruturar a trama a partir dele. O cronótopo, que funde tempo
e espaço, funciona muitas vezes possibilitando o enredo, como no cronótopo da estrada,
por exemplo, em que espaço e tempo se articulam intensamente em função da referência
que ela sugere: “[...] lugar no qual o tempo se derrama no espaço e flui por ele [...]. [Onde]
o sustentáculo principal é o transcurso do tempo” (BAKHTIN, 1990, p. 350). Nesse
caminho, vários tipos de encontros podem ocorrer quando as personagens se colocam
em movimento.
O mote do encontro é um dos mais universais não apenas na literatura (é difícil
deparar com uma obra em que esse mote absolutamente não exista), mas também em
outros campos da cultura, bem como em diferentes esferas da vida e dos costumes da
sociedade. Nos romances, os encontros ocorrem frequentemente em travessia, na
estrada. Para Bakhtin (1990, p. 223), é enorme o significado desse cronótopo na
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literatura: “[...] rara é a obra que passa sem certas variantes do motivo da estrada, e
muitas obras estão francamente construídas sobre o cronótopo da estrada, dos encontros
e das aventuras que correm pelo caminho”. Assim como o cronótopo da estrada, outros
propiciam o desenvolvimento da narrativa, e a sua identificação facilita a análise da obra
literária.
3 TEXTO LITERÁRIO
Fonte: novaescola.org.br
Fonte: https://bityli.com/s2fhi
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Em relação às características da função poética, destaca-se o uso de:
• linguagem elaborada;
• figuras de linguagem;
• palavras em sentido conotativo;
• expressões do cotidiano com valor metafórico.
“Antes bonita, olhos de viva mosca, morena, mel e pão. Aliás, casada. Sorriram-
se. Viram-se. Era infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor.”
(Desenredo, Guimarães Rosa, 1967, p. 38-40).
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Muitas obras que hoje têm valor literário internacional levaram tempo para serem
assim aceitas. Inclusive, Compagnon (2003), observa que a avaliação de textos literários
deve ser diferenciada do valor da literatura em si mesmo. Mas é claro que os dois
problemas não são independentes: um mesmo critério de valor preside, em geral, à
distinção entre textos literários e não literários, e à classificação de textos literário em si”.
Ou seja, o autor relaciona os critérios de avaliação de texto literário como operacionais.
É possível, então, comparar um texto literário em relação ao outro. Por exemplo, pode-
se afirmar que Iracema, de José de Alencar, é menos literário que O cortiço, de Aluísio
de Azevedo. Tudo vai depender dos critérios de quem faz a análise. Porém, vale ressaltar
que esses critérios precisam ser elucidados para justificar a sua complexidade.
Como o conceito de ser ou não texto literário é social e historicamente
construído, não se pode deixar de mencionar que, até o século XVIII, o público leitor era
formado pela sociedade polida e elitizada (ZAPPONE; WIELEWICKI, 2005). Depois
dessa época, começou a surgir uma classe intermediária, que não estava relacionada às
discussões dessa camada mais intelectualizada. Portanto, os críticos precisam
considerar para qual público leitor a obra é destinada. Candido (2006), ao discutir o
sistema literário, afirma que:
Dessa forma, o autor deixa evidente que há influência das obras sobre os leitores,
bem como dos leitores sobre as obras. O aspecto social citado por Candido (2006) reitera
que a literatura e o conceito de texto literário estão relacionados com a sociedade em que
eles surgem. Não se pode deixar de destacar que os padrões de referência para uma
obra ser considerada literária sempre foram os cânones da literatura.
Por mais que a literatura tenha se distanciado desse purismo, hoje valorizando
mais as questões culturais, a ideia de cânone permanece viva, sobretudo quando se
refere às comparações. Aqui, convém trazer a concepção de cânone, porque está
imbricada na valoração de poder:
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“A formação de um cânone tem uma função específica: preservar uma estrutura
de valores que seja considerada como fundamental seja para o indivíduo ou para
o grupo; esses valores constituem uma norma, sob a qual este ou aquele se guia”
(CORRÊA, 1995, p. 324).
Assim, vemos que as verdades vão sendo reiteradas, construindo uma tradição
que, muitas vezes, configura a tradição de uma literatura. Por isso, Corrêa (1995) destaca
que o “[...] cânone obrigatoriamente reflete características positivas reguladoras de um
comportamento compatível com a sociedade em questão”. Essa definição está atrelada
a jogos de interesse e de poder dentro dos contextos históricos.
4 GÊNEROS LITERÁRIOS
Fonte: gestaoeducacional.com.br
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De acordo com o esquema proposto por Aristóteles, os gêneros literários eram
divididos em: Lírico (“palavra cantada”), Épico (“palavra narrada”) e Dramático (“palavra
representada”). (MUNIZ,2019)
Atualmente, o gênero épico, que envolvia as narrativas históricas baseado nas
lendas e na mitologia, foi substituído pelo gênero narrativo. Sendo assim, os gêneros
literários são classificados em:
Lírico
O gênero lírico, conforme Rosenfeld (1985), pode ser definido como o mais
subjetivo dos três, pois a sua principal característica é justamente a presença de uma voz
central que traduz no poema a expressão de um estado da alma, as suas emoções e
também as suas reflexões sobre o ser humano e o mundo. Nesse sentido, a poesia lírica
tem como ponto de partida a manifestação verbal das emoções e dos sentimentos do eu
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lírico. A partir desse objetivo, o mundo, a natureza e as outras personagens que
porventura apareçam nesse tipo de poema são evocados, apenas, para ressaltar os
sentimentos do eu lírico.
A esse respeito, Rosenfeld (1985, p. 23) afirma que “a bem-amada, recordada
pelo eu lírico, não se constituirá em personagem nítida de quem se narrem as ações e
enredos; será apenas nomeada para que se manifeste a saudade, a alegria ou a dor da
voz central”. Em relação às características formais da lírica, Rosenfeld aponta a curta
extensão como um traço fundamental estilístico. Uma vez que não narra acontecimentos,
mas sim emoções, a poesia lírica não é extensa como o poema épico, senão efêmera,
como a metamorfose dos sentimentos e das sensações humanas.
Outros dois traços estilísticos apontados pelo autor são o ritmo e a musicalidade
das palavras e consequentemente dos versos. Esses traços se destacam de tal maneira
que, por vezes, são priorizados em detrimento do sentido, de modo que o poeta se atém
antes à sonoridade do poema que ao seu conteúdo.
De acordo com Abaurre e Pontara (2005), o ritmo se define como “um movimento
regular, repetitivo” que se marca na poesia pela alternância entre pausas e acentos
(sílabas tônicas e átonas). Quando o esquema rítmico possui o mesmo número de
sílabas, os versos são considerados regulares; quando possui números diferentes, são
irregulares. Outro fator importante, embora não seja obrigatório, para a construção da
musicalidade é a rima, que pode ser definida como “a coincidência ou a semelhança de
sons a partir da última vogal tônica dos versos” (ABAURRE; PONTARA, 2005, p. 43).
Ademais, na poesia lírica, ao contrário do que ocorre no poema épico, as ações
não são situadas nem no tempo, nem no espaço. Prepondera a voz do presente,
indicando uma ausência de distância que o passado traria. Assim, há a impressão de que
a poesia trata sempre de um momento eterno. Rosenfeld (1985) apresenta um exemplo
importante para a compreensão da temporalidade do gênero lírico:
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Narrativo/Épico
Musa, reconta-me os feitos do herói astucioso que muito peregrinou, dês que
esfez as muralhas sagradas de Tróia; muitas cidades dos homens viajaram,
conheceu seus costumes, como no mar padeceu sofrimentos inúmeros na alma,
para que a vida salvasse e a de seus companheiros a volta.
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Notemos que, em fins do século XVI, a epopeia como gênero puro declina em
detrimento de novas formas de narrativas derivadas dos próprios poemas épicos, todavia
que passam a ser escritas em prosa. Surgem, assim, os gêneros narrativos modernos,
como o romance, o conto e as novelas, que veremos de forma mais detalhada
posteriormente.
Dramático
Uma das principais diferenças do texto dramático em relação aos gêneros épico
e lírico é a forma como é narrado, ou melhor, como não é narrado, já que o narrador é
dispensável nesse formato literário. Isso porque os acontecimentos se dão por meio das
falas e das ações das personagens (ROSENFELD, 1985). Para melhor ilustrarmos a
questão, observemos o trecho a seguir, extraído da peça Édipo Rei, do dramaturgo
ateniense Sófocles ([406 a.C.], documento on-line):
Sacerdote: Realmente, tu falas no momento oportuno, pois acabo de ouvir que Creonte
está de volta
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Édipo: Ó rei Apolo! Tomara que ele nos traga um oráculo tão propício, quanto alegre se
mostra sua fisionomia.
Entra Creonte
Creonte: Uma resposta favorável, pois acredito que mesmo as coisas desagradáveis, se
delas nos resulta algum bem, tomam-se uma felicidade.
Édipo: Mas, afinal, em que consiste essa resposta? O que acabas de dizer não nos
causa confiança, nem apreensão.
Creonte: (indicando o povo ajoelhado) Se queres ouvir-me na presença destes homens,
eu falarei; mas estou pronto a entrar no palácio, se assim preferires.
Édipo: Fala perante todos eles; o seu sofrimento me causa maior desgosto do que se
fosse meu, somente.
Chicó e João Grilo estão na frente da igreja de padre João, querem convencê-lo
a benzer o cachorro de sua patroa, a mulher do padeiro.
Chicó Padre João!
João Grilo Padre João! Padre João!
Padre (aparecendo na frente da igreja) Que há? Que gritaria é essa?
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Chicó Mandaram avisar para o senhor não sair, porque vem uma pessoa aqui trazer um
cachorro para o senhor benzer.
Padre Para eu benzer?
Chicó Sim
Padre (com desprezo) Um cachorro?
Chicó Sim Padre Que maluquice! Que besteira!
João Grilo Cansei de dizer a ele que o senhor não benzia.
Padre Não benzo de jeito nenhum.
Chicó Mas padre, não vejo nada de mal em se benzer o bicho.
João Grilo No dia em que chegou o motor novo do major Antônio Morais o senhor não
benzeu?
Padre Motor é diferente, é uma coisa que todo mundo benze. Cachorro é que eu nunca
ouvi falar.
João Grilo É,
Chicó, o padre tem razão. Uma coisa é benzer o motor do major Antônio Morais e outra
benzer o cachorro do major Antônio Morais.
Padre Como?
João Grilo Eu disse que uma coisa era o motor e outra o cachorro do major Antônio
Morais.
Padre E o dono do cachorro de quem vocês estão falando é Antônio Morais?
João Grilo É. Eu não queria vir, com medo de que o senhor se zangasse.
Padre (desfazendo-se em sorrisos) Zangar nada, João! Falei por falar, mas também
vocês não tinham dito de quem era o cachorro!
João Grilo Quer dizer que benze, não é? Padre Não vejo mal nenhum em se abençoar
as criaturas de Deus.
João Grilo Então fica tudo na paz do Senhor, com cachorro benzido e todo mundo fica
satisfeito.
Padre Digam ao major que venha. Eu estou esperando (Entra na igreja).
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que porventura a encenarão. Esses trechos são denominados rubricas, que se somam
aos diálogos para completar o texto dramático e podem servir como indicação cênica
quando as peças são encenadas ou como complemento do texto quando lidas.
Para Magaldi (1991), é necessário compreendermos o teatro como uma tríade
que não funciona sem os seus três elementos: ator, texto e público. Ao assumir esses
elementos como essenciais, podemos pressupor a existência de outros, como o gesto, a
interpretação, o cenário, o espaço cênico, o figurino e a iluminação, por exemplo.
Lírica moderna
Pereira (2012) ensina que esse poema é um ótimo exemplo da disputa entre a
tradição e a inovação presente na lírica do século XX. O eu lírico se debate na tensão
entre o “mundo caduco”, ao qual não quer ser associado, e o mundo futuro, mas explicita
a sua filiação ao “tempo presente”. Além disso, o poema questiona os temas sentimentais
ao expressar que não dirá “suspiros ao anoitecer”, em uma tensão entre negar a tradição
lírica de fundo subjetivo ao mesmo tempo em que alude a ela, como nos trechos finais:
“não distribuirei cartas de suicidas”, “nem serei raptado por serafins.”
Romance
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nos regem e que nos sufocam” (MARTINS, 2012, p. 252). Nesse sentido, o romance é
um gênero de reflexão, que proporciona ao homem desvendar-se.
Estruturalmente, o romance também atenderia a esses anseios do mundo
contemporâneo. Por esse motivo, o limite do romance deve ser o limite da vida do herói,
pois a sua trajetória tem a função de enfocar uma parcela do mundo. Dessa maneira,
podemos distinguir duas características essenciais do romance em contraponto à
epopeia: o herói, que agora é um homem comum, dividido e que poderia representar
qualquer um de nós; e o tempo, que não mais retrata necessariamente o passado, mas
se direciona para o futuro, adotando certo caráter de imprevisibilidade que não se
configurava na epopeia (MELLO; OLIVEIRA, 2013). Nesse sentido, também o espaço
adquire outra importância: conquanto na epopeia a ação se dava em um espaço restrito,
no romance o espaço extrapola a questão dimensional.
Se essas são características ligadas ao momento fundador do romance ou,
ainda, a uma análise relativa ao século XIX e ao início do século XX, o romance
contemporâneo transformou-se e desprendeu-se de tais pressupostos. As noções de
tempo, espaço e a própria estrutura da narrativa têm sido constantemente reinventadas
pelos autores. Virginia Woolf e James Joyce são dois autores bastante apontados como
precursores de uma nova forma de narrativa. Uma dessas inovações é o uso do fluxo de
consciência, que, no Brasil, tem em Clarice Lispector uma forte representante.
Como vimos, também a prosa poética é uma forma de inovação no romance.
João Guimarães Rosa, juntamente com Clarice Lispector e outros escritores,
representam a narrativa contemporânea com a desconstrução do convencionalismo até
então vigente e um caráter de experimentação que segue até os dias atuais.
Ensaio
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Nesse entremeio entre literatura e teoria, poderíamos compreender o ensaio
como um “irmão” da literatura, ao mesmo tempo em que se distancia das formas artísticas
por abordar conceitos e possuir uma certa “pretensão à verdade desprovida de aparência
estética”, conforme afirma Adorno (2003, p. 18).
Carvalho (2012), por sua vez, defende que o ensaio é um tipo de texto que parte
da experiência pessoal para gerar um pensamento conceitual. Assim, o autor afirma que
no ensaio há um exercício de liberdade e espaço para a criação, convertendo o gênero
em algo pouco científico, diferindo, portanto, da monografia ou do artigo científico, por
exemplo. Apesar de situar-se próximo ao artístico, parece sempre tangenciá-lo. Ainda
segundo o autor, o ensaio é “o texto teórico que pode ser lido como literatura”, res
saltando ainda que neste gênero a forma é tão importante quanto o conteúdo
(CARVALHO, 2012, p. 196).
Em O ensaio como forma, Adorno escreve um ensaio sobre o próprio ensaio.
Observemos que no trecho destacado, a seguir, ele cita o autor Max Bense. Vejamos
como a linguagem é construída por ambos de forma literária e também argumentativa:
A literatura é definida como uma expressão artística realizada por meio da palavra,
no entanto, é preciso tomar um cuidado: nem todo texto é considerado literário.
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Basta se lembrar que a finalidade da literatura / de obras literárias é entreter o
leitor. Se determinado texto não tiver como finalidade o entretenimento, ele não será
considerado literário.
De modo geral, um texto não literário se caracteriza por ter as seguintes
características de maneira marcante e facilmente identificáveis:
Texto literário
“QUADRILHA”
INFORMAÇÕES AO PACIENTE
pela Anvisa.)
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5 A LINGUAGEM LITERÁRIA
Fonte: mundoeducacao.uol.com.br
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uma preocupação estética na linguagem literária que é inexistente ou secundária em
textos não literários.
E é aí que as diferenças começam a se estabelecer. Um conceito mais ou menos
abrangente de literatura é o que a define como uma arte verbal. De fato, na literatura há
um esforço criativo em relação à linguagem cotidiana. Além disso, a definição de literatura
também está relacionada à ideia de uma representação de mundo. Enquanto a
linguagem em uso cotidiano corresponde à ideia de uma verdade, a uma informação, a
linguagem literária corresponde a uma representação da realidade. Justamente por ser
uma representação, não é a realidade. Nesse processo de representação está o olhar
particular do artista, como revela Massaud Moisés (1995, p. 314):
Dado ser impossível captar a realidade por via direta, só resta conhecê-la por
meio de um sinal que a represente, não como tal, visto ser impossível, mas como
pode ser expressa, ou seja, enquanto se submete à expressão: assim,
conhecemos a representação da realidade, não ela própria. Mas fazê-lo implica
“mentir”, “fingir” a realidade que se mostra, de modo que a realidade espelhada
na representação não é a que se deseja conhecer, mas como aparece na mente
do artista; ou seja, como se reflete na sua imaginação. Daí a concluir que
Literatura é ficção, ou imaginação.
“Mentir” e “fingir” aqui não são empregados em sentido pejorativo, mas com o
propósito de mostrar que a literatura não é a realidade, e sim uma representação
(metafórica, multissignificativa, subjetiva) desta, que se vale das potencialidades da
linguagem para produzir novos sentidos. Tal conceito está ancorado na ideia aristotélica
de mimese, ou seja, a arte literária como imitação da realidade, com meios próprios
(linguagem) e também como possibilidade, como imaginação daquilo que poderia
acontecer. Nesse sentido, toda imitação é criação, não cópia.
Outro ponto que você deve considerar em relação à constituição da literatura é
seu caráter de fruição, ou seja, seu componente lúdico, sua capacidade de seduzir o
leitor, de dar-lhe prazer, de fazê-lo experimentar outras situações, esquecendo-se, muitas
vezes, da realidade. Isso não significa, de modo algum, que a literatura aliena. Pelo
contrário, é também por meio da experiência de leitura que o homem descobre a si
mesmo, o mundo e a sua relação com ele. Nesse processo, o texto literário assume uma
33
função essencial, de redimensionamento da realidade, de valores, de organizações
sociais, levando o leitor, inclusive, a posicionar-se criticamente.
5.1 Literariedade
Para compreender o que é um texto literário, ou seja, o que o distingue dos demais
tipos de linguagem, é interessante retomar o conceito de literariedade. Como você já viu,
diante de um objeto de estudo tão amplo e diversos quanto a literatura, não se pode
atribuir a um aspecto único (pontual e concretamente expresso) o ser literário. Trata-se,
portanto, de um conjunto de características, expressas com mais ou menos evidência na
constituição do texto literário.
O termo literariedade é bastante amplo e parece dar conta da necessidade teórica
de se estabelecer um objeto de estudo. Ele surgiu entre os formalistas russos, mais
especificamente referido por Roman Jakobson, em 1919. O termo surge pela
necessidade de se analisar a literatura por meio da identificação de seus traços poéticos.
Isso não significa que os traços definidores da literariedade sejam os mesmos para todos
os textos, nem que não mudem ao longo do tempo. Pelo contrário, é justamente a ampla
variabilidade inventiva e as várias formas de expressão que tornam possível pensar a
literatura como um objeto de análise tão singular. Para compreender um pouco mais
sobre os traços que podem constituir a literariedade e como a compreensão desse
conceito variou ao longo da história, considere os dois textos reproduzidos a seguir.
Texto 1
34
política de expansão ultramarina tenha repercutido tão profundamente sobre tantos
aspectos da vida portuguesa (SARAIVA, 1979, p. 132-133).
Texto 2
MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos,
quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por
casar para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Quem quer passar
além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deram,
Mas nele é que espelhou o céu (PESSOA, 2008, p. 82).
35
ou a equívocos em relação a fatos e narrativas. O historiador, em seu compromisso com
a verdade, busca evitar ao máximo esse tipo de ocorrência.
Fernando Pessoa (2008), por sua vez, na condição de poeta, ao compor o verso
“Por te cruzarmos, quantas mães choraram”, não precisa apresentar provas de que isso,
de fato, aconteceu. No entanto, o leitor percebe a legitimidade disso, na medida em que
aceita a ideia da separação como uma fonte de saudade. O mar, no poema, adquire
múltiplas significações, sendo, ao mesmo tempo, motivo de dor (composto de lágrimas,
abismo, perigo) e glória (“Mas nele é que espelhou o céu”). A partir da leitura, você pode
notar certa contradição entre a grandeza do mar e do futuro de Portugal ao desbravá-lo,
por um lado, e a dor da separação que essa audácia implica, por outro.
Ou seja, o texto de Pessoa é um modo poético de expressar a ideia do historiador
José Saraiva (1979) de que a conquista marítima “[...] tenha repercutido tão
profundamente sobre tantos aspectos da vida portuguesa”. Sob outro enfoque, o Texto 1
refere-se a uma realidade estanque, concreta, a um período específico da história. Já o
Texto 2, justamente por sua literariedade, não se encerra em si mesmo, nem se fixa em
um ponto específico.
Para confirmar isso, basta você lembrar-se de quantas vezes leu ou ouviu a
expressão “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” aplicada a diversos contextos de
comunicação. Inclusive, é possível ouvir esse trecho num contexto qualquer, sem
qualquer referência ao seu autor ou ao contexto português no qual o poema se insere.
Isso explicita outros dois aspectos da linguagem literária: sua atemporalidade e sua
universalidade. Ao contrário da linguagem cotidiana, de emprego puramente
comunicativo (como no caso de um texto de história), a linguagem literária possui
significação aberta, adapta-se, recebe novos sentidos, estimula reações e usos até
mesmo nem pensados por seu criador.
O poeta e crítico mexicano Octavio Paz (2012) afirma que “[...] a criação literária
tem início como violência sobre a linguagem”, na medida em que há o “[...]
desarraigamento das palavras”. Ou seja, a palavra literária, por ser empregada em
sentidos e formas diferentes daqueles convencionais, provoca, causa estranheza,
desperta admiração, choca. Daí que essa “violência” esteja associada à ideia de “desvio”,
de quebra de expectativas.
36
Quanto mais esses aspectos de ruptura chamam a atenção, mais perceptível é o
trabalho de criação e o efeito estético da obra. Essa ideia inicia com os formalistas, para
quem a literatura envolveria traços diferenciais entre um discurso e outro. Portanto, não
seria uma característica perene ou inerente, como explica Terry Eagleton (2006).
A intenção dos formalistas, por essa razão, não era definir “literatura”, mas
“literaturidade” (ou “literariedade”), “os usos especiais da linguagem, que não apenas
podiam ser encontrados em textos ‘literários’, mas também em muitas outras
circunstâncias exteriores a ele” (EAGLETON, 2006). O problema disso, para sustentar
uma definição estável de literatura, é que essas características especiais (por exemplo,
o uso de figuras de linguagem, como metáforas) também podem ser encontradas em
outros textos não literários, como a fala cotidiana.
Mesmo assim, para os formalistas, a “essência” do literário era sua estranheza,
ou seja, o impacto que causa no leitor. Mais uma vez, porém, outros tipos de escritas
também poderiam ser considerados “estranhas”, e nem por isso seriam percebidas como
literárias. Ainda assim, um dos elementos que permanece como característica do literário
é o predomínio da linguagem conotativa em oposição à linguagem denotativa, que
caracteriza a linguagem comunicativa. No caso desta última, há um vínculo maior entre
o que está sendo dito/escrito e a realidade.
Já na linguagem conotativa predomina a representação da realidade, implícita,
figurativa, interferindo, de certa forma, no sentido denotativo. Como exemplo, considere
a palavra “mar”. No poema de Fernando Pessoa indicado previamente, a palavra faz
referência a um significado conhecido por todos (sentido denotativo): uma extensão de
águas salgadas. No entanto, vai além dele. O “mar” de Pessoa é “humanizado”, o eu
lírico dialoga com ele, faz perguntas, o que coloca essa palavra em um plano de
significação para além do seu sentido geográfico. Assim, o mar passa a envolver o
mistério, a grandiosidade, o abismo. O sentido conotativo do texto requer que o leitor
recorra a conhecimentos que estão além do domínio da estrutura da língua.
Envolve questões culturais, míticas, filosóficas, entre outras. Assim, o texto literário
torna-se atemporal na medida em que é sempre ressignificado no tempo (um mesmo
leitor pode ler um texto em momentos diferentes de sua vida e construir sentidos diversos,
assim como leitores diferentes em momentos diferentes). O texto literário também visa
37
ao universal, já que os temas e a linguagem são comuns a várias culturas. Pense em
como os temas amor, viagem e guerra são tratados na literatura mundial desde os tempos
mais remotos.
São assuntos prontamente reconhecíveis, que impactam diretamente o leitor, em
qualquer lugar ou época, ainda que constantemente recriados pela linguagem. Daí aquilo
que Ezra Pound (2006, p. 33) infere: “Literatura é novidade que permanece novidade”.
Você deve, ainda, considerar a ficcionalidade e a verossimilhança. Na medida em que a
literatura é representação, figuração, é produto de uma imaginação (ficção). Por mais que
um romance, por exemplo, seja histórico, não se pode exigir dele “verdade”, fidelidade
aos fatos, e sim uma equivalência da verdade, a verossimilhança. Por verossimilhança
entende-se a impressão que o texto passa de poder ser verdade, pode acontecer, mesmo
que a história seja fantástica ou sobrenatural.
O texto literário requer uma coerência interna. Ou seja, a pertinência e a
consistência do texto seguem a lógica da imaginação proposta pelo autor. Assim é que,
como leitor, você aceita que um homem seja transformado em inseto, como Gregor
Samsa, em A metamorfose, de Kafka. Afinal, pela lógica interna do texto, você entende
como isso se dá. Sobre essas questões, no entanto, também há questionamentos.
Mesmo os textos históricos partem também de pontos de vista, ainda que possam ser a
reunião de muitos pontos de vista convergentes, e sua “verdade” pode ser contestada.
Além disso, há textos que não necessariamente nasceram como literatura, mas
foram assim considerados posteriormente (como é o caso de “Os sertões”, de Euclides
da Cunha, identificado também como jornalismo literário). Na literatura, de qualquer
modo, exaltam-se a liberdade de expressão e a criatividade do autor em ressignificar e
reestruturar a linguagem referencial, dando forma à linguagem literária. Por conta dessa
liberdade e dessa criatividade, há certa dificuldade para se descrever o texto literário ou
para se prescrever como fazê-lo, já que os limites de criação inexistem. Logo, as
expressões literárias são incontáveis.
O poeta pode ou não se valer das convenções e buscar ressignificá-las, reordená-
las. Na tentativa de classificar ou descrever esses muitos modos de literatura, pense em
quantos estilos literários há, agrupados conforme o tema ou o público leitor (literatura
38
infantil, gótica, de aventura), ou conforme a época (medieval, barroca, romântica). Mesmo
se você considerar apenas uma dessas subcategorias, há diferentes usos da linguagem.
Considerando todas as características apontadas acima, é possível perceber que
nem sempre todas estão presentes em todas as obras literárias. Há obras que nascem
como literatura, e outras que apenas se tornam literatura depois de um tempo. Há obras
que visam o belo e outras que são consideradas “marginais”. Há um uso especial da
linguagem literária, mas outras linguagens podem por vezes utilizar os mesmos recursos.
Assim, a identificação de um texto como literatura depende também do modo como
alguém o lê, e do valor que lhe é dado. Podemos concluir disto que a literariedade como
conceito passou por transformações ao longo da história. Para Antônio Candido, por
exemplo, na Formação da literatura brasileira, a literatura é um sistema, ou seja, a
literariedade também não dependerá de fatores imanentes à obra, mas sim de sua
relação com a sociedade, partindo de uma tradição e gerando um público leitor.
Nesse sentido, o sistema literário seria constituído por autor, obra e público.
Qualquer desses aspectos que faltasse não geraria um sistema, mas sim apenas uma
manifestação literária. Houve respostas a essa teoria, como a de Haroldo de Campos,
em O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira, em que o autor
argumenta contra a noção de história defendida por Candido e discute a importância do
Barroco para a literatura brasileira, que teria sido excluído do cânone nacional a partir da
teorização de Candido.
Recentemente, estudiosos como Terry Eagleton (2006) chamam atenção para o
fato de que, na seleção de um conjunto de obras consideradas literárias, entra em jogo
também juízos de valor e ideologias. Antoine Compagnon, em Literatura para quê?
(2009), por exemplo, assim define o conceito de literariedade: “qualidade da forma que
estabelece a literatura como literatura mais que a função cognitiva, ética, pública da
literatura” (2009, p. 24). Assim, reafirma que a forma é fundamental na composição do
literário, mas também aponta que essa arte está além de outras funções, como a
cognitiva ou a ética, talvez justamente por ser poética.
Ela não se limita, portanto, a uma só função ou definição, mas é uma combinação
de fatores e escolhas. Tudo o que você viu até aqui converge para a conclusão de que a
literatura reúne elementos diversos e não um grupo homogêneo de características
39
definitivas. Porém, apesar desses traços serem variáveis, é importante descrevê-los e,
mais ainda, discuti-los e questiona-los. A seguir, você vai ver que há diferenças em
relação ao modo como os textos são organizados e aos seus efeitos. Em especial, notam-
se caminhos específicos para a poesia e para a prosa.
Poesia
40
Ainda que não seja regra, na poesia, tem-se uma linguagem mais “aberta”, ou seja,
mais sugestiva. A própria organização em versos leva a isso. Na prosa, por outro lado,
inclusive pela extensão do texto, as ideias são construídas de modo mais detalhado. Na
poesia, de modo geral, o aspecto estético e visual, o ritmo e os recursos sonoros são
mais evidentes. Já na prosa essa disposição das palavras e dos sons para fins de
apreciação por si só pode ser secundária ou até dispensável, conforme o estilo. Como
você já viu, em textos mais modernos, essas características específicas tendem a se
mesclar.
Em textos mais clássicos, as distinções entre prosa e poesia são mais evidentes.
Nota-se, por exemplo, a organização do texto poético em estrofes, a preocupação intensa
com o ritmo, com o tamanho do verso, com a rigidez formal. No poema a seguir, de
Alberto de Oliveira, é clara a preocupação do poeta com a métrica, a rima e o emprego
do soneto: forma clássica de composição poética.
Horas mortas
41
Sobre o papel — rastro das asas tuas,
Um verso, um pensamento, uma saudade (OLIVEIRA, 1967).
Além de ser possível, pela leitura, imaginar o espaço, a casa, percebe-se, ainda,
o cansaço do eu lírico, a expectativa do repouso e da escrita. A Poesia (personificada,
escrita em letra maiúscula) remete a uma ausência, a uma saudade, a alguém que o eu
lírico não esquece. O próprio título apresenta uma simbologia interessante, tanto se
referindo à noite (horas mortas), ao final do dia, quanto a um estado de espírito de
desistência, de inutilidade, de desperdício. O poema constrói-se, então, a partir de vários
sentidos. Retomando a ideia da circularidade, proposta por Paz (2012), você pode
perceber que o poema se volta para si mesmo, ou seja, centra-se na figura do “eu” e em
sua percepção sobre a vida, no seu modo particular de sentir e representar.
O poema parte de uma descrição mais concreta (fim do dia, descanso, casa) e
avança até um sentido mais aberto, remetendo a uma grande possibilidade de
interpretações (“Um verso, um pensamento, uma saudade”) (OLIVEIRA, 1967).
42
paráfrase, em que é mantido o significado original, mas se usam palavras e estrutura
sintática diferentes. (COUTO, 2009, p. 189–197).
As figuras de linguagem também são úteis na produção escrita — se usadas de
forma intencional e pensada. Elas podem ser organizadas em figuras de som, de sintaxe
ou de semântica. Veja alguns exemplos e sua classificação:
43
Polissíndeto: Repetição de conjunção.
Exemplo:
“Quero vivê-lo em cada vão momento/ E em seu louvor hei de espalhar meu
canto/ E rir meu riso e derramar meu pranto” (Soneto de fidelidade, de Vinícius de
Moraes)
44
“Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, / — não sei, não
sei. Não sei se fico/ ou passo.” (Motivo, de Cecília Meireles)
Ironia: Nela se diz o que parece ser diferente do que realmente é. Consiste em
afirmar o oposto do que se quer dizer.
Exemplo:
“Eu agora — que desfecho! / Já nem penso mais em ti…/ Mas será que nunca
deixo/ De lembrar que te esqueci?” (Do amoroso esquecimento, de Mário Quintana)
No caso da prosa, com seu caráter progressivo, que avança, como afirma Paz
(2012), outros aspectos são mobilizados. A prosa de ficção está relacionada à narrativa.
Romance, conto e novela são alguns exemplos da ficção em prosa, distintos entre si
conforme a extensão e a ênfase dada a um ou mais episódios narrativos. Em comum, há
o fato de que, diferentemente do que ocorre na poesia, focada nas percepções do eu
lírico, tem-se, na prosa, a presença de um narrador. Esta é uma instância que organiza
o discurso literário a partir de um ponto de vista, que pode ser mais ou menos pessoal,
conforme o tipo de narrador (primeira pessoa, terceira pessoa). O texto narrativo parte
de uma situação-problema.
Em torno dela se desenvolve a história, pela ação de personagens e pela
progressão no tempo e no espaço. A ênfase do texto em prosa não é na sonoridade das
frases ou mesmo na sugestão de ideias: é na apresentação de um caso por meio de
narrativa e descrição. Nesse sentido, a verossimilhança adquire importância maior do
que na poesia. É necessário ter maior atenção à coerência interna do texto. O conto a
seguir, de Moacyr Scliar (1979), exemplifica bem a linguagem do texto em prosa.
45
Mílton e o concorrente
Mílton ainda não abriu a sua loja, mas o concorrente já abriu a dele; e já está
anunciando, já está vendendo, já está liquidando a preços abaixo do custo. Mílton ainda
está na cama, ao lado da amante, desta mulher ilegítima, que nem bonita é, nem
simpática; o concorrente já está de pé, alerta, atrás do balcão. A esposa fiel companheira
de tantos anos está a seu lado, alerta também. Mílton ainda não fez o desjejum
(desjejum? Um cigarro, um copo de vinho, isto é desjejum?) O concorrente já tomou suco
de laranja, já comeu ovo, torrada, queijo, já sorveu uma grande xícara de café com leite.
Já está nutrido.
Mílton ainda está nu, o concorrente já se apresenta elegantemente vestido. Mílton
mal abriu os olhos, o concorrente já leu os jornais da manhã, já está a par das cotações
da bolsa e das tendências do mercado. Mílton ainda não disse uma palavra, o
concorrente já falou com clientes, com figurões da política, com o fiscal amigo, com os
fornecedores.
Mílton ainda está no subúrbio; o concorrente, vencendo todos os problemas de
trânsito, já chegou ao centro da cidade, já está, solidamente, instalado no seu prédio
próprio. Mílton ainda não sabe se o dia é chuvoso, ou de sol, o concorrente já está
seguramente informado de que vão subir os preços dos artigos de couro. Mílton ainda
não viu os filhos (sem falar da esposa, de quem está separado); o concorrente já criou
as filhas, já as formou em Direito e Química, já as casou, já tem netos.
Milton ainda não começou a viver. O concorrente já está sentindo uma dor no
peito, já está caindo sobre o balcão, já está estertorando, os olhos arregalados, já está
morrendo, enfim (SCLIAR, 1979, p. 44-45).
47
antagonista. Quanto à sua natureza, os personagens podem ser humanos, animais e
elementos da natureza. Eles podem ser: individuais (quando são caracterizados de forma
nítida, como Ana Terra, de O tempo e o vento); típicos (quando representam um grupo,
como Capitão Rodrigo, também de O tempo e o vento, que representa o gaúcho); e
caricaturais (quando há exacerbação de certas características marcantes e definidoras,
como ocorre com a comadre de Memórias de um sargento de milícias).
Narrador: é também uma entidade na história, uma criação do autor, que lhe
permite assumir perspectivas e posições que não necessariamente coincidem com as
suas. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o personagem principal e também
narrador está morto. Em Lolita, o personagem principal e narrador é o pedófilo. Essas
duas figuras não se confundem com os respectivos autores Machado de Assis e Vladimir
Nabokov. O narrador determina em qual ponto de vista a história é contada. Ele pode ser
confiável ou não. No caso do primeiro, é comumente identificado com narrador em
terceira pessoa, isto é, um ser de fora que conta a história, podendo ser onisciente (que
sabe de tudo) ou observador, chamado às vezes de câmera (que está limitado ao que é
visível).
Entretanto, mesmo o narrador em terceira pessoa pode apresentar uma visão
tendenciosa da história. O narrador em primeira pessoa nunca é confiável, pois sempre
apresenta o ponto de vista de um personagem da história e sempre depende de sua
memória ou interpretação. Esse narrador pode ser o protagonista, como Humbert, de
Lolita; ou pode ser coadjuvante, chamado de narrador-testemunha, como Dr. Watson,
nas histórias de Sherlock Holmes. (PROENÇA JÚNIOR, 1986, p. 51).
Tempo: há classificação dupla para o tempo nas narrativas: psicológico e
cronológico. O tempo psicológico é subjetivo, “[...] interior e relativo, situado no âmbito da
experiência individual, que avalia a partir de padrões variáveis [...]” (PROENÇA JÚNIOR,
1986, p. 52). O tempo cronológico é objetivo, marcado por de horas, dias, meses, etc. A
história pode se desenvolver linearmente, do começo ou fim, ou não linearmente.
Espaço: é onde se passa a ação na narrativa.
Gêneros do verso
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Os versos são segmentos frasais que apresentam ritmo de forma nítida e
sistemática. Para a caracterização tradicional do verso, são indicados três elementos
interdependentes: metro, rima e formas fixas. De acordo com Proença Júnior (1986),
metro é, em língua portuguesa, constituído por meio da combinação regular do número
de sílabas e da disposição do acento tônico.
A rima é a coincidência de fonemas (vocálicos e consonantais) em lugares
específicos de cada verso, podendo ser no início, no meio ou no fim. As formas fixas são
gêneros de poemas que apresentam certo número de versos compondo certo número de
estrofes, como soneto, balada, lira. Os versos também podem ser livres e brancos. Os
versos livres não apresentam metrificação, enquanto os versos brancos, sim, mas não
rima. Sua organização de dá com base na “[...] sucessão de grupos fônicos valorizados
pela entoação, pelas pausas e pela maior ou menor rapidez da enunciação [...]”
(PROENÇA JÚNIOR, 1986, p. 58).
É possível indicar uma classificação tripartida clássica de gêneros textuais do
verso: poesia lírica, épica e dramática. A poesia épica (epopeia) é aquela em que, por
meio de versos, é narrada uma história, exaltando um povo representado por um herói.
É o caso de Ilíada, Os Lusíadas e Beowulf. A poesia dramática é aquela destinada à
dramatização, ao teatro. Nesse caso, a narração e as falas são apresentadas em versos.
A poesia lírica é aquela destinada para a representação e a expressão de sentimentos e
estados de espírito. Assim como ocorre com o narrador, o autor não se confunde com o
eu lírico na poesia.
De acordo com Soares (2007), é no modo como a linguagem é usada que o eu
lírico ganha forma, sendo diferente em cada texto, guiando o leitor e a recepção. Por isso,
o eu lírico não é o mesmo (necessariamente) que o eu biográfico (autor), ainda que o
texto seja escrito em primeira pessoa. A seguir, você pode conhecer alguns gêneros:
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Soneto: tem forma fixa bem determinada. Os versos não são livres. O soneto é
organizado em quatro estrofes, dois quartetos (quatro versos) seguidos de dois tercetos
(três versos).
Ode: é um poema que visa à exaltação de algo ou alguém. Tem forma bem
estruturada.
Romance: na poesia, é a novela de cavalaria, em que se exalta a coragem, a
generosidade, a lealdade e o amor cortês. Como exemplo, você pode considerar
Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles.
Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho,
portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava
Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio
chamam-se alcunha ou vulgo.) Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque,
colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de
duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta
medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da
família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios.
Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal
selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntese para os nossos pequenos leitores:
o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado
de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, natural seria que, volta
e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).
Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo, que lhe disse: (Outro parêntese; os
animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e
que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é
ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda
menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha
que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes
geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e
cinco minutos da tarde". Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos
reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everyday Life", The Modern Library Inc. N.Y.).
Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez o que, segundo o conceito
materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a ideia do
capitalismo devorando o proletariado e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com
a roupa da avó (FERNANDES, 1967, p. 31).
51
Para a compreensão do texto, o leitor recorre ao conhecimento prévio da história
de Chapeuzinho Vermelho. O autor, por sua vez, reforça a trama conhecida a menina na
floresta, a visita à avó, o encontro com o lobo. Porém, no caso da obra de Millôr, tem-se
um desvio desses sentidos morais da fábula conhecida.
E o desvio se dá justamente pela presença de várias vozes além do discurso do
narrador. Aliás, o próprio narrador reproduz a voz “tradicional” do narrador da fábula (“Era
uma vez...”) em associação com um narrador intruso, que comenta o próprio processo
de composição do texto, o que é perceptível por meio do discurso entre parênteses
(“admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia
da história”). Além disso, o narrador intruso projeta outros sentidos não diretamente
inferidos (discurso científico, marxismo, teorias freudianas).
Você pode notar também a intertextualidade, aspecto que contribui para a
expressão de múltiplas vozes do texto: fábula de Perrault sobre Chapeuzinho Vermelho,
Freud, Marx. Essas múltiplas vozes também se expressam na percepção de leitores
diferentes (criança, adulto, interessados na fábula, interessados na desconstrução do
discurso fabular): Um parêntese para os nossos pequenos leitores”; “monstruosidade
botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou
pelos pecíolos”.
A referência ao discurso do provável autor (“indica uma intenção crítica do autor,
estando oculta aí a ideia do capitalismo devorando o proletariado”) também cria a
percepção do outro (autor referencial, nesse caso, já que é o próprio criador). A descrição
das personagens, a interação de Chapeuzinho com o lobo, o modo como as ações são
interpretadas também contrastam com as falas do narrador. As interações entre as
personagens ora se dão em discurso direto (uso do travessão), ora indireto, o que
destaca o caráter “híbrido” do texto. O texto, assim, é formado por várias vozes. Note a
constante referência ao outro (dialogismo), a presentificação do discurso do outro
(intertextualidade, falas das personagens, manifestações do narrador), bem como a
coexistência, sem sobreposição, desses vários discursos (polifonia). O trabalho do leitor
é identificar essas camadas, perceber os desvios que essa construção propõe e apreciar
a novidade dessa criação única.
52
5.6 Níveis do discurso
53
de poderem ser de ficção, ou sobre mundos alternativos, inventados, as obras literárias
precisam ter verossimilhança. Não necessariamente o que está sendo contado,
declamado ou lido necessita existir no mundo real, mas a história inventada necessita de
verossimilhança, isto é, lógica interna, o que ocorre no interior da história deve fazer
sentido naquele mundo interno ao texto. Em resumo, a narrativa literária é um tipo de
texto específico que constitui o gênero literário narrativo. A narrativa literária é, portanto,
um gênero do discurso e difere de outros gêneros literários quanto às suas características
formais. A narrativa possui elementos indispensáveis para a sua caracterização e
técnicas discursivas próprias. (Ceia, 2009).
O Quadro 1 nos ajuda a visualizar e a entender a diferença entre gêneros do
discurso e gêneros literários.
54
Fonte: Adaptado de Bakhtin (1992)
55
Émile Benveniste é o primeiro linguista, cientista da linguagem, a distinguir a língua
em si do emprego da língua. Benveniste introduz uma visão enunciativa da linguagem
com a Teoria da Enunciação, trazendo para análise o discurso, que é a língua posta em
ação pelo sujeito. Segundo Benveniste (1995), há dois tipos de signos, códigos utilizados
na linguagem: os que pertencem à sintaxe da língua e os que são característicos das
“instâncias do discurso”. Segundo o autor, “Instâncias do discurso” são “[...] atos discretos
e cada vez únicos pelos quais a língua é atualizada em palavra por um locutor”
(BENVENISTE, 1995).
Os signos que são característicos às instâncias do discurso são os pronomes
pessoais eu e tu, que só existem na rede de indivíduos que a enunciação cria e se
produzem na e pela enunciação do locutor. Enunciação, para Benveniste, é o ato de se
apropriar da língua e colocá-la em prática no discurso. Cada eu, tem sua referência
própria e corresponde cada vez a um ser único. Eu, é o “[...] indivíduo que enuncia a
presente instância de discurso que contém a instância linguística ‘eu’” e tu é o “[...]
indivíduo alocutado na presente instância de discurso contendo a instância linguística
‘tu’” (BENVENISTE, 1995).
Eu e tu não existem como signos virtuais, pois só existem à medida que são
atualizados nas instâncias de discursos, e são eles que marcam o processo de
apropriação do discurso pelo locutor. Benveniste ressalta que eles não remetem à
realidade nem a posições objetivas no espaço ou no tempo, mas remetem à enunciação,
cada vez única, que os contém.
Aqui, vemos que Benveniste amplia a visão de linguagem para uma linguagem
que é assumida como exercício pelo indivíduo, em contrapartida a uma linguagem vista
como um sistema de signo, códigos escritos, sem interação com o mundo. Dessa
maneira, é possível perceber a preocupação de Benveniste com o discurso, com a
enunciação e o sujeito, ressaltando a presença do homem na língua.
A comunicação intersubjetiva proposta por Benveniste se realiza no discurso. E
“[...] é no discurso atualizado em frases que a língua se forma e se configura. Aí começa
a linguagem” (BENVENISTE, 1995, p. 140), ou seja, “[...] o discurso como a linguagem
posta em ação e necessariamente entre parceiros” (BENVENISTE, 1995, p. 284). Para
56
Benveniste, o discurso é a língua assumida pelo homem que fala, sob a condição de
intersubjetividade, isto é, entre sujeitos, o que torna possível a comunicação linguística.
57
dentro da história, dialogam entre si e põem, de certa forma, a língua em prática, se
utilizam do discurso.
As personagens são denominadas interlocutor e interlocutário, pois dialogam
dentro do texto (FIORIN, 2007). A proposta de sujeitos da enunciação feita por
Benveniste abriu novas possibilidades de análise do discurso. O locutor e o destinatário
não são somente polos da comunicação, mas sim entidades que se situam num
determinado tempo histórico e espaço sociocultural.
Assim, as Teorias da Enunciação de Benveniste, bem como as demais teorias de
discurso, abrem a possibilidade de análise das vozes, dos enunciadores, dos sujeitos que
participam da transmissão e da recepção da mensagem da narrativa literária. O narrador
é o enunciador da mensagem do autor, e este, por sua vez, é o eu real que instancia o
discurso da narrativa.
Alguns dos elementos das narrativas literárias que vimos são recursos técnico
discursivos utilizados pelos autores na escrita da obra literária narrativa. O recurso mais
enfatizado neste capítulo foi o diálogo estabelecido na narrativa entre narrador e
narratário. O narrador é um importante recurso, pois pode tornar a narrativa mais
subjetiva ou mais objetiva.
O narrador pode ser onisciente e contar os fatos, ou pode ser uma personagem e
contar a sua visão da história. Já o narratário, como vimos, é um recurso utilizado pelos
escritores para falar com o leitor, atingir o público, chamá-lo para integrar a narrativa.
Uma outra técnica discursiva que compõe as narrativas literárias são os tipos de discurso
utilizados pelo narrador para registrar as falas das personagens.
As personagens interagem na história, e o registro dessas falas é feito pelo
narrador. Há três tipos de discurso que são utilizados pelos narradores: o discurso direto,
o discurso indireto e o discurso indireto livre. O discurso direto é o registro direto da fala
do personagem, a transcrição ipsis litteris que é o modo como o personagem falou. Você
pode identificar a fala dos personagens em discurso direto pelo travessão, pelos dois
pontos e pelas aspas. A fala direta dos personagens ficam bem evidentes nas narrativas
58
em que há diálogos, em que um personagem fala com outro diretamente, sem
intervenção do narrador. O discurso indireto é diferente do direto, pois nele temos a
interferência do narrador. (BENVENISTE, 1995, p. 277).
No discurso indireto, a fala do personagem é transmitida indiretamente, tendo o
narrador como intermediário, ou seja, o leitor não tem acesso à fala literal do personagem.
Assim, como leitores, somente lemos a voz do narrador, que passa a nós a mensagem
da fala do personagem. Nas narrativas, podemos ver falas indiretas dos personagens
quando o narrador utiliza verbos de introdução de discurso indireto, por exemplo: “Capitu
falou que...”, “Quincas Borba contestou o que foi decidido por.…”. O discurso indireto livre
é uma mistura do discurso direto e do indireto, é um meio termo entre a fala literal do
personagem e a voz do narrador. Normalmente, são falas típicas dos personagens,
expressões ou, principalmente, pensamentos que são mediados pelo narrador.
Quando lemos alguma expressão, como “droga!”, por exemplo, no meio do texto,
é uma fala indireta de um personagem, mediada pelo narrador e transmitida para nós,
leitores, no texto da narrativa. Como vimos, a narrativa literária tem elementos
específicos, como narrador, personagens, tempo, espaço, enredo. Além disso, o gênero
narrativo é um gênero do discurso, e a narrativa possui técnicas discursivas específicas
a esse gênero. As técnicas discursivas são utilizadas pelos autores para criar o mundo
da narrativa e transmitir a mensagem da história ao leitor, seu receptor final. Os níveis do
discurso são importantes neste jogo de comunicação entre autor/escritor e leitor/receptor.
O Quadro 2, a seguir, apresenta os diferentes papéis discursivos das narrativas literárias
e esclarece quem são os sujeitos envolvidos nessas narrativas.
59
Fonte: Adaptado de Bakhtin (1992).
60
6 NATUREZA E FUNÇÕES DA LITERATURA
Fonte: /escolakids.uol.com.br
Arte e literatura
61
Hannah Arendt (2016), comenta que o interesse que é dado ao artista não se limita
ao seu individualismo subjetivo, mas principalmente ao fato de ser ele, afinal, “o autêntico
produtor daqueles objetos que toda a civilização deixa atrás de si como a quintessência
e o testemunho duradouro do espírito que a animou” (ARENDT, 2016, p. 252). A relação
entre arte e literatura passa pela leitura das diversas “imagens” que as compõem.
Segundo Paz, (1970) “La imagen es cifra de La condición humana.” Essa noção
apresentada por Paz nos deixa mais atentos para o que é, o que não é e o que deveria
ser... A arte e a literatura entendida como tal têm esse papel: de desencontrar o homem
para reencontrá-lo consigo mesmo. Imaginemos a seguinte frase: “Piedras son plumas”
(PAZ, 1970), e embarquemos em uma leitura que poderá fazer com que pensemos de
forma diferente sobre as definições que nos cercam.
Quem não conhece aquela pergunta capciosa: “O que pesa mais: um quilo de
pedra ou um quilo de penas?” A redução ao aspecto científico (quilo) que reduz duas
coisas diferentes a uma mesma instância é algo difícil quando tentamos ver cada coisa
com sua própria característica. Ao dizer que pedras são plumas de maneira mais direta,
sem o atenuante científico, caminhamos na direção de entendermos a realidade de outra
forma. Aqui reside não a utilidade de uma obra de arte, mas o seu valor. (OLIVEIRA,
1967).
Prazer e utilidade
Como vimos anteriormente, a literatura não tem a ver com o prazer por si só nem
com o viés utilitário, mas sim com o valor propiciado a partir de cada experiência reflexiva.
Ficamos muito atrelados ao condicionante imposto socialmente, ou melhor, definido por
leituras que nos antecederam e que comprometem, não raras vezes, nossa própria
possibilidade de ler de outra forma. O termo prazer deve ser lido com cuidado e atenção.
Todas as palavras possuem significados diversos e possibilidades igualmente
diversas. Vamos refletir sobre o seguinte pensamento: “Muitas vezes procurei prazer na
leitura, poucas vezes o encontrei”. Se nós entendermos que o prazer é sempre algo bom,
podemos ser induzidos a pensar que existe alguma coisa errada com a leitura ou com o
leitor. Que algo está errado com o texto ou até mesmo com o contexto. No entanto, se
62
pensarmos que toda a palavra possui aspectos positivos e negativos e que, se
encararmos o prazer como algo negativo, poderemos ter uma nova possibilidade de
leitura.
Assim, não há nada de errado com a leitura ou com o leitor ou com o texto... a
leitura realizada não provocou o prazer como sinônimo de estagnação e limitação tal
como os efeitos entorpecentes de uma droga, mas sim exerceu seu papel mais
importante: ao contrário de estagnação, deu indignação, revolta, angústia, medo,
motivação, não conformismo com aquilo que nos cerca. “Poucas vezes encontrei na
leitura o conformismo e a estagnação que muitos procuram” talvez seja a resposta.
Muitos procuram o prazer pelo prazer, sem se aterem ao fato de que este pode ser o
problema.
Antes de avançarmos, é importante apresentarmos algumas perspectivas
advindas da psicanálise evidenciando sua relação com a arte ou, no mínimo, com as
possibilidades interpretativas que se abrem aos nossos olhos. Na virada do século XX, a
arte rompe, através da pintura, com a organização espacial tradicional, vigente desde o
Renascimento. Com Freud, é o sujeito representado por este olho que perde sua
estabilidade, sua posição central. Pois, após o conceito freudiano de inconsciente, o eu,
deixa de ser o senhor de sua própria casa e passa a estar irremediavelmente dividido.
O espelho quebrado, oferecido pela arte e pela psicanálise, reflete apenas um eu
fragmentado (RIVERA, 2005). Essa fragmentação tem a ver com a noção de prazer, não
aquele prazer limitador, mas a compreensão deste como elemento impulsionador que
influencia e direciona o indivíduo. O prazer é a realização do desejo. E o desejo, segundo
Freud, é a instância na qual todas as tensões se exprimem. Pelo próprio fato de ficar
inconsciente e, portanto, mais ou menos recalcado, o desejo que não se pode satisfazer
ao nível do real transforma-se em permanente.
Permanece eternamente insatisfeito e exigente como se fosse intemporal.
Continuará indefinidamente a manifestar-se simbolicamente através de um disfarce. O
disfarce protege geralmente o indivíduo contra o perigo da angústia que se
desencadearia se o desejo se manifestasse abertamente. O recalcamento (repressão),
ou mesmo a repulsa, supõe que o desejo é condenado por uma parte do indivíduo e não
pode exprimir-se livremente.
63
O desejo não pode ser verbalizado no diálogo com o outro. O que interessa mais
decisivamente à literatura é a originalidade do desejo humano, dos interesses culturais
que dele advêm e das consequências que podem produzir; o que a sensibilidade humana
pede não é efetivamente a satisfação de uma necessidade, é uma relação com o outro:
um diálogo e um intercâmbio. É a busca do desejo do companheiro que responda ao
desejo do sujeito. A fome, que é uma necessidade, tem como objeto uma coisa, ao passo
que o amor, que é um desejo, tem como objeto o desejo de um outro.
O amor pede um outro desejo que corresponda ao seu. A diferença entre o desejo
e a necessidade é a tendência e a capacidade do desejo de ser dito a um outro, de ser
recebido por outro, de se exprimir e de se verbalizar. É pelo desejo que o homem acede
à palavra.
Literatura e escrita
Vamos começar pensando sobre os efeitos que podemos exercer sobre os demais
seres e dos efeitos de sentido que podemos lançar mão para dizermos o que ainda é
silêncio. Na originalidade do desejo humano somos capazes de pensar que a literatura é
o silêncio pleno de palavras. O homem se distingue do animal graças à capacidade de
“pensar que está pensando”. Isso o faz um ser sensível. A dor que ele sente é forte não
porque sente dor, mas porque sabe que está sentindo dor. O prazer que ele sente é
intenso não porque sente prazer, mas porque sabe que está tendo prazer.
O homem é, portanto, um ser inteligente, criativo e sensível graças à capacidade
de “pensar que está pensando”. E o instrumental que lhe permite isso é a linguagem.
Uma das manifestações da linguagem é a língua escrita. Ao escrever, o ser humano se
insere na matéria, imortalizando o seu pensar e o seu sentir. Escrever é, nesse sentido,
um ato de imortalidade, dado que o indivíduo é hoje o que foi ontem, e será amanhã o
que é hoje. Ao escrever o seu hoje, que amanhã será passado, ele continuará presente.
No entanto, a literatura, por mais difícil que seja aceitar, não se limita à escrita. As
manifestações orais advindas da tradição também fazem parte desse “processo cultural”,
dessa organicidade da qual a literatura é parte.
Mesmo assim, o privilégio da escrita da literatura entendida como essa
manifestação da linguagem por meio do código escrito faz parte do conjunto de valores
64
ideológicos que perpassam e integram nossa formação individual e coletiva. Nessa
perspectiva, talvez o elemento mais comumente aplicado para se entender o conceito de
literatura esteja calcado na noção de “literariedade”, ou seja, a literatura, segundo Terry
Eagleton (2006)., não é a escrita “imaginativa” nem tampouco se limita à distinção entre
“fato” e “ficção”, mas talvez seja “porque emprega a linguagem de forma peculiar. Essa
definição de literário foi apresentada pelos formalistas russos, conforme esclarece
Eagleton:
65
certos grupos sociais exercem e mantêm o poder sobre outros (EAGLETON,
2006, p. 24).
66
7 NARRATIVA LITERÁRIA
Fonte: brasilescola.uol.com.br
67
As narrativas possuem elementos estruturais que asseguram a sua
verossimilhança, isto é, a coerência interna da história. Para criar um texto narrativo com
verossimilhança, o autor deve responder a perguntas básicas: quem? Onde? Quando?
O que aconteceu? E por quê? Aqui, podemos observar uma importante diferença entre
autor, narrador e narratário. Autor é quem cria a história, inventa, escreve o texto
narrativo; narrador é aquele que conta a história ao leitor; ao passo que narratário é o
receptor desse texto e desse discurso, conforme veremos no próximo tópico. As
narrativas são sequências lógicas de acontecimentos que têm um estado inicial, um meio
e um fim. São sequências de ações que ocorrem e mudam o estado inicial dos fatos.
Segundo Bronckart (1999, p. 219), o esquema narrativo pode ser dividido conforme a
seguir.
• Situação inicial ou apresentação: há uma situação inicial estável.
• Complicação: provocada por uma força perturbadora, que instaura um
desequilíbrio.
• Clímax: é o ponto alto da narrativa, que determinará o final.
• Desfecho: o equilíbrio retorna.
68
Em geral, os eventos acontecem em ordem cronológica nas narrativas literárias,
mas há também o tempo psicológico. Quando um fato que aconteceu anteriormente ao
tempo presente da história é lembrado pelo narrador e contado ao narratário em ordem
não cronológica, isto é, não sequencial, ocorre o tempo psicológico.
A forma do texto e os recursos formais da linguagem atuam sempre em conjunto
com o conteúdo nos diferentes gêneros textuais. Na narrativa, os tempos verbais
utilizados ajudam o autor a escrever a sua história. Um dos tempos verbais mais
empregados em narrativas é o pretérito imperfeito, utilizado para descrever o estado
inicial da história, o cenário e as personagens. Por exemplo, na tradicional introdução dos
contos de fadas “era uma vez...”, o verbo “ser” está no pretérito imperfeito.
O pretérito perfeito, por sua vez, é utilizado para narrar os acontecimentos, o que
acontece na história que desestabiliza o estado inicial, bastante utilizado na complicação
e no clímax, mas que pode permear todo o texto para narrar as ações das personagens.
Por exemplo, em um final infeliz “o príncipe morreu”, “o príncipe virou sapo”, os verbos
“morrer” e “virar” estão no pretérito perfeito.
Os pretéritos perfeitos e mais que perfeito composto também são utilizados nas
narrativas. Esses tempos verbais podem ser empregados quando o narrador quebra a
ordem cronológica dos acontecimentos e conta ao leitor uma situação que ocorreu antes
de outra situação no passado. Por exemplo, quando o narrador da história lembra de
algo: “A essa altura, José já tinha visitado Maria”, “Quando a mãe chegou, Pedro já tinha
sido levado”. As locuções verbais “tinha visitado” e “tinha sido levado” estão no pretérito
perfeito composto.
Autor e narrador
O narrador é uma parte central do gênero narrativo, pois é ele quem conta a
história. O narrador é diferente do autor da obra literária, pois ele é integrado ao texto e,
como veremos, muitas vezes, é uma personagem da narrativa também. Já o autor é o
ser humano da vida real, aquele que escreveu o livro e inventou, inclusive, o narrador. O
foco narrativo é estudado na literatura, pois pode mudar a compreensão da história,
dependendo do ponto de vista do narrador. (CEIA, 2009)
69
A divisão clássica dos tipos de narrador são os narradores de primeira pessoa e
os narradores de terceira pessoa. Quando a história é contada em terceira pessoa, o
narrador é onisciente e está de fora da história. Os narradores dos contos de fadas são
todos oniscientes, pois eles sabem a história e estão narrando os acontecimentos sem
participar deles. Eles não são, portanto, personagens. Quando a história é contada em
primeira pessoa, o narrador é também uma personagem e está contando a história ao
mesmo tempo que participa ou participou dela. Aqui, reside a importância do foco
narrativo, pois os narradores em primeira pessoa contam a história desde o seu ponto de
vista.
O narrador-personagem não é neutro, pois a história contada passa pelo seu
julgamento subjetivo. O gênero diário, que é um tipo de narrativa literária, é um exemplo
de narrador em primeira pessoa, pois o narrador é justamente quem está escrevendo o
diário e contando histórias de seu dia a dia. (COUTO, 2009, p. 189–197).
O narrador é sempre fictício, é criado pelo autor e é ele o emissor do discurso da
narrativa. Assim, pertence somente ao mundo interno da obra literária. Já o autor
pertence à realidade, ao mundo empírico, e é o escritor das obras literárias. Ele pode
criar quantos narradores quiser, um para cada livro ou conto, se assim desejar. Podemos
citar o escritor brasileiro Machado de Assis como exemplo. Como autor, escreveu mais
obras utilizando narradores em primeira pessoa, mas também escreveu obras nas quais
criou narradores em terceira pessoa. No romance Quincas Borba, Machado de Assis
utiliza um narrador em terceira pessoa. Nesse tipo de narrador onisciente, há um
distanciamento entre narrador e personagens, pois o narrador não participa da história.
No entanto, pode comentá-la, quando se trata de um narrador intruso.
Nos romances Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, o escritor
Machado de Assis criou dois narradores que falam em primeira pessoa. Esses narradores
contam a história a partir de seus pontos de vista e também fazem parte dela, são
narradores-personagem. Esses dois romances de Machado demonstram a importância
do foco narrativo. Em Dom Casmurro, a história é contada pelo narrador-protagonista
Bento Santiago, Bentinho, que se transforma no velho Dom Casmurro. Bentinho é
supostamente traído por Capitu, sua esposa, e o ciúme permeia toda a história. No
entanto, os fatos e acontecimentos são todos narrados por Bentinho, impossibilitando o
70
leitor de ter certeza ao final da história se a traição realmente ocorreu, ainda mais porque
Bento Santiago era um homem extremamente ciumento. Ainda, Bento Santiago está
contando a história de maneira cronológica, mas Machado de Assis também utiliza o
tempo psicológico, pois Bento Santiago já é um homem maduro de 54 anos, advogado,
aristocrata, e está lembrando e contando a história que começou quando ele era jovem.
É interessante que, por muitos anos depois que o romance foi publicado, acreditou-se
que Capitu tinha traído Bentinho.
Somente com o passar dos anos, os pesquisadores e estudiosos atentaram para
o fato de o livro estar escrito em primeira pessoa e a história estar sendo contada pelo
narrador-personagem Bentinho. Dessa forma, o romance Dom Casmurro evidencia o
brilhantismo do autor Machado de Assis, que conseguiu, por meio do uso da técnica
discursiva do narrador-personagem em primeira pessoa, criar uma obra literária na qual
a dúvida do acontecimento principal da narrativa, a traição de Capitu, não fosse nunca
resolvida. (COUTO, 2009, p. 189–197).
Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis evidencia o seu
talento na escrita narrativa criando, pela primeira vez, um narrador-personagem morto.
Brás Cubas morre e começa a contar a sua história depois de morrer. É um narrador em
primeira pessoa, que conta a história e participa dela, ao mesmo tempo que já não está
mais vivo quando a história é narrada. É um bom exemplo de uso do tempo psicológico
como técnica narrativa.
Leitor e narratário
O leitor tem também o seu papel na construção da narrativa literária. Leffa (1996,
p. 17) diz que “[...] ler é interagir com o texto”. O leitor é o receptor da mensagem da
narrativa, é o público-alvo do autor, escritor da obra literária. No entanto, ao contrário do
que se pode pensar, o leitor não é um ser passivo, pois a leitura não é um processo
passivo, visto que ler é atribuir significado ao texto.
A obra literária, sem seus leitores, não produz significado, não tem sentido. É o
leitor que dá sentido ao texto. Dessa maneira, é o leitor que faz a interpretação, a
compreensão da narrativa literária, completando-a com a sua visão de mundo. O mesmo
71
texto pode ter uma interpretação diferente se for lido por pessoas distintas. Uma obra
literária pode provocar reações diferentes em cada pessoa que a lê. E mais ainda, uma
mesma narrativa literária pode ter efeitos de sentido diferentes para uma mesma pessoa
dependendo da época que a leitura acontece. Se você ler Harry Potter com 14 anos e
depois relê-lo aos 45 anos, sua interpretação do texto, dos acontecimentos da história,
pode não ser a mesma. Isso porque a interpretação de um texto, literário ou não, depende
também do conhecimento prévio do leitor. As pessoas têm diferentes visões de vida, da
realidade e da sociedade.
As obras literárias trazem em si elementos sociais que são escritos pelos autores
com uma intenção, mas nem sempre a intenção do autor é captada pelo leitor. Ao
escrever um texto e publicá-lo, o autor coloca no mundo a sua obra aberta para
interpretações distintas, mesmo que alguma não seja especificamente a interpretação do
autor ao escrever esse texto. Se a linguagem utilizada, o enredo narrativo da história e a
característica das personagens dão margem à interpretação do leitor, a interpretação é
válida. Também não se pode esquecer que as obras literárias são escritas em uma certa
época, em determinado contexto social. Ao lermos hoje a obra Dom Quixote, escrita por
Miguel de Cervantes, na Espanha, em 1605, podemos não entender todas as nuances
pertinentes à época. Leffa (1996) nos ajuda a entender o papel do leitor na constituição
da obra literária comparando a leitura de uma narrativa à leitura de mundo:
Numa leitura do mundo, o objeto para o qual se olha funciona como um espelho.
Se o objeto for, por exemplo, uma casa, vai oferecer tantas leituras quantas forem
as posições de cada um dos observadores em relação à casa. O arquiteto fará
uma leitura arquitetônica, o sociólogo uma leitura sociológica, o ladrão uma leitura
estratégica, e assim por diante. Sem triangulação não há leitura (LEFFA, 1996,
p. 11).
Dessa forma, vemos, na explicação do autor, que é na relação entre leitor e texto
que se dá a interpretação. O leitor parte de um ângulo singular e, dependendo dos seus
objetivos, toma um posicionamento em relação ao objeto, neste caso, o texto. Não temos
como fazer a leitura de uma casa se não for de uma das posições possíveis. Entretanto,
fica claro, na explicação, que o leitor é dono de sua compreensão da obra literária, e a
faz de seu ponto de vista, com o seu conhecimento de mundo, completando a leitura com
72
a sua interpretação dos acontecimentos narrados, por exemplo. Precisamos identificar
os papéis do leitor na narrativa literária em específico.
Como vimos na seção anterior, o autor e o narrador não têm a mesma função.
Aqui, também, falando de quem recebe o texto, leitor e narratário não têm a mesma
função. O leitor é o público, a audiência do autor, a quem o autor destina o texto. É
extratextual, isto é, tanto o leitor quanto o autor estão fora do texto. O narratário, por sua
vez, está dentro do texto. O narratário é o destinatário do narrador, o narrador conta a
sua história para um narratário, que faz parte do texto em si, constituindo uma relação
intratextual.
Tanto o narrador quanto o narratário estão dentro do texto. O leitor, ser empírico,
é o receptor final do texto, quem atribui a ele uma interpretação. Em algumas narrativas
literárias, os autores, escritores habilmente utilizam o narratário como técnica discursiva
na composição de sua narrativa. O narratário aparece evidente no texto, quando o
narrador se dirige ao leitor diretamente. O romance Dom Casmurro, de Machado de
Assis, é um exemplo. Podemos ver que o narrador, Bentinho, se dirige abertamente ao
leitor. Esse leitor que faz parte da narrativa do narrador é, na verdade, o narratário, pois
ele está dentro do universo do texto. Assim, podemos ver que, às vezes, o narratário fica
explícito nas obras literárias. (CEIA, 2009)
Dom Casmurro é um bom exemplo para entendermos como Machado de Assis
utiliza a técnica discursiva do narratário para chamar o leitor para a construção do
significado dessa narrativa literária. Quem interpreta, compreende e completa a obra
literária é o leitor, receptor final da obra, pois dá sentido a ela. No entanto, o ser que
aparece explícito no texto é o narratário, pois é fictício e comum a todos os leitores.
Analisemos o exemplo de Dom Casmurro. Na obra, o narrador, que é o
personagem protagonista, Bentinho, cria uma relação muito peculiar com o seu leitor, o
narratário, pois ele conversa com o narratário no meio da narrativa. O narrador se dirige,
assim, explicitamente, ao narratário no meio do texto, com intuito de convencê-lo, de
trazê-lo para o seu lado. Assim, no romance Dom Casmurro, o autor Machado de Assis,
habilmente, dá um papel explícito ao seu leitor, o de juiz. Bentinho, como narrador, tenta
convencer o leitor de que Capitu o traiu, contanto situações e mostrando acontecimentos
dúbios.
73
O leitor, no entanto, tem de estar atento para o fato de que Bentinho é também
personagem da história, e a sua versão é uma das versões da história. É o leitor quem
decide, ao final, se acredita na traição de Capitu ou não. A seguir, temos um trecho dessa
obra, em que podemos ver a fala direta do narrador Bentinho com o seu narratário, que
ele chama, obviamente, de leitor:
Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela
verossimilhança, que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se
casa bem à definição. Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um
quatuor..., mas, não adiantemos; vamos à primeira tarde, em que eu vim a saber
que já cantava, porque a denúncia de José Dias, meu caro leitor, foi dada
principalmente a mim. A mim é que ela me denunciou. Tudo isto me era agora
apresentado pela boca de José Dias, que denunciara a mim mesmo, e a quem
eu perdoava tudo, o mal que dissera, o mal que fizera, e o que pudesse vir de um
e de outro. Naquele instante, a eterna Verdade não valeria mais que ele, nem a
eterna Bondade, nem as demais Virtudes eternas. Eu amava Capitu! “Capitu
amava-me” E as minhas pernas andavam, desandavam, estacavam, trêmulas e
crentes de abarcar o mundo (ASSIS, 2008, p. 213).
74
Figura 2 – Cronologia das correntes literárias.
Ela permite uma retomada dos textos literários, das letras de músicas e das
poesias que nunca saem de moda, pois a literatura trabalha com o sentido textual
e seus temas estão sempre presentes na memória do leitor retomando-os de
tempos em tempos para reelaborá-los dando espaço para se fazer o novo
(BONA, 2013, p. 10).
78
Um texto está sempre em construção. Dessa forma, um texto não é um produto,
mas uma negociação de sentidos, a depender da sua historicidade. O sentido de um texto
é uma reconstrução que considera o tempo e o espaço, e eles desempenham um papel
relevante para esclarecer o contexto. Ao observar a proximidade temporal, a
contemporaneidade e a distância espacial e temporal, tem-se os primeiros passos para
iniciar os sentidos.
A começar pela intencionalidade do autor, estão os aspectos práticos. Por isso,
sempre se considera a biografia do autor, o seu espaço social e o seu ambiente histórico,
que são elementos capazes de alterar a compreensão do texto, evidenciando o lugar de
fala de quem escreve. Na materialidade do texto, estão expressos a língua, a cultura, o
estilo e as habilidades do autor para articular as ideias mantendo a textualidade e a
gramaticalidade.
Ao reunir todos esses elementos, inicia-se o processo de dialogismo textual, em
que começam as tensões e os conflitos sobre as verdades do autor e as verdades do
leitor, mediadas por meio do texto. É um momento de subjetividade para a formação de
juízos de valor quando o texto vive e (re)vive na perspectiva do leitor e da crítica.
O texto literário é permeado de complexidades e variados sentidos, por isso é
fonte de interpretações inesgotáveis. Há diversas leituras desse tipo de texto devido à
polissemia, o que torna o texto literário uma obra sempre aberta, no sentido de nunca
estar pronta para a construção de sentidos. Nessa direção, as verdades do texto vão de
encontro às verdades do leitor.
A interpretação de obras literárias carrega verossimilhança, que remete a um
local difuso entre aquilo que é real e aquilo que é imaginado. Por isso, muitas vezes, o
leitor é arremessado em contradições, naquilo que não está dito, na elipse e na tensão,
caracterizando o lugar do desconfortável, porque mexe intrinsicamente com o leitor.
Portanto, para interpretar um texto literário, é preciso ficar atento:
79
• à defasagem espaço-temporal, pois, embora muitos textos apresentem
uma linearidade temporal, há aqueles que quebram com o linear
presente, passado e futuro;
• à reconstrução de sensibilidade, ou seja, estabelecer a comunhão entre
as motivações emocionais do autor e a sensibilidade do leitor;
• às experiências compartilhadas, isto é, dividir as experiências do texto
na construção de sentidos;
• ao prazer de ler, pois ler é construir saberes, aprender, ter prazer de ver
o mundo por outros olhares.
80
9 LITERATURA MARGINAL
Fonte: rapforte.com
81
conhecidos como “geração mimeógrafo”, pois produziam artesanalmente seus livros, que
eram distribuídos em bares, museus, teatros e cinemas. O comportamento desses
artistas refletia sua atitude política, pela qual buscavam transgredir a lógica capitalista.
Alguns representantes desse movimento são Paulo Leminski, Chacal, Cacaso, Ana
Cristina Cesar, entre outros.
Na década de 1990, a nomenclatura marginal é novamente utilizada, mas para
designar autores da periferia, que tematizavam a vida nas favelas, a pobreza, os conflitos
sociais, o racismo e outras questões de cunho político e social. Aqui podemos mencionar
as autoras da periferia, que tiveram suas obras valorizadas, como Carolina Maria de
Jesus, que escreveu nas décadas de 1960 e 1970, e Conceição Evaristo, que estreou na
literatura em 1990. No entanto, enquanto Carolina não ascendeu socialmente, Conceição
Evaristo, também de origem humilde, é doutora em literatura comparada e atua na esfera
acadêmica, tendo sido indicada para a Academia Brasileira de Letras.
A nova geração de escritores marginais, como Sérgio Vaz, Ferréz, Sacolinha e
Geovani Martins, usa a periferia como temática, e o hip hop tem grande influência sobre
a sua escrita. O rap, a linguagem coloquial e as gírias dão forma aos seus escritos. A
postura política desses escritores se reflete em entrevistas, eventos e maior aproximação
com o público leitor.
Assim, quando falamos de literatura marginal a partir de 1990, falamos de autores
da periferia e que tematizam sobre a vida e a cultura nesses locais. Em relação aos
procedimentos estéticos, além da linguagem coloquial e das gírias, a incorporação de
elementos do rap na construção poética e narrativa traz um aspecto de inovação que se
alinha a escritas de vanguarda.
Como exemplo, podemos examinar o Manual prático do ódio, de Ferréz (2014).
O romance apresenta um narrador onisciente que relata a trajetória de um grupo de
criminosos que pretende realizar um assalto para ascender na carreira do crime
organizado. Vários criminosos são apresentados no romance, como uma galeria de
pessoas que transitam pela favela. Há exemplos de pessoas que estão de passagem,
algumas que saem e voltam, e aqui o espaço estrutura a narrativa, como vimos na seção
anterior desse capítulo.
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Segundo Carneiro (2017, p. 254): “[...] o entrelaçamento de histórias evidencia
uma cartografia rizomática da região”, o que comprova esse papel do espaço na
narrativa. Também podemos pensar esses próprios narradores como espaços, que falam
a partir da periferia, com linguagem coloquial, expressões e gírias locais, como a seguir:
Na mesma calçada passava Rodrigo, aluno do colégio São Luís, localizado nos
Jardins, o aluno passou despercebido, pois tinha trocado o uniforme por roupas
mais simples para ir embora para casa, todos na escola passaram O estudo do
espaço na literatura a adotar a prática depois que alguns colegas foram
assaltados no percurso entre a casa e a escola, as vítimas eram sempre jovens
de 14 a 16 anos, e os executores dos furtos também tinham a mesma idade, a
única diferença entre os jovens que roubavam e os roubados era o muro social
que divide o país (FERRÉZ, 2014, p. 32).
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tradição literária e pelo cânone: o gueto, a favela, a periferia, a partir do olhar de quem
vive nesses locais. Uma visão de dentro.
Muito bem! Neste material de estudo você pôde compreender o que é literatura,
diferenciar texto literário de texto não literário, os gêneros, como se dá a linguagem
literária, enfim, foram apresentados inúmeros conceitos, exemplos que serão de muita
valia para sua formação e vida acadêmica. Bons estudos!
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