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VITTORIO BERGO
(Da Academia Evangélica de Letras do Brasil)

ABÍBLIA COMO
FONTE LITERÁRIA
Todos os Direitos Reservados. Copyright © 1985 para a língua portuguesa da Casa
Publicadora das Assembléias de Deus.

809.9

BERb Bergo, Vittorio

A Bíblia como fonte literária. Rio de Janeiro, Casa Publicadora das Assembléias de
Deus, 1985.

CDD 809.9

1. Gêneros literários 2. Bibliologia. I. Título

Código para Pedidos: EB-U5

Casa Publicadora das Assembléias de Deus

Caixa Postal, 331

20001 Rio de Janeiro, RJ, Brasil

3.000/1985
Índice

Prefácio

1. Formas de exposição

2. Romance e ficção

3. Narração histórica

4. Gêneros literários

Notas
Prefácio
No Salmo 119.105, dirigindo-se reverentemente a Deus, diz o cantor sagrado:
"Lâmpada para os meus pés é a tua Palavra, e luz para os meus caminhos".

De fato, a Palavra de Deus dá segurança aos pés dos que a seguem, firmando-os na
caminhada, e a sua luz se projeta ao longo da estrada a palmilhar, não só lhes
disciplinando a conduta rigorosa, mas indicando-lhes também a meta da salvação.

Além disto, durante o percurso, esta luz aponta aos homens as faculdades da alma e os
elementos da cultura nos seus princípios mais positivos.

Fugindo à apreciação de outros valores ponderáveis, que devem ser apreciados à parte,
examinamos neste trabalho alguns dos lanços em que podem ter-se inspirado os homens
de letras para produzir composições através das quais se veio a ampliar o uso dos
clássicos gêneros literários.

Como origem desses gêneros é que se deve entender o título - A Bíblia, Fonte Literária,
que, todavia, poderia gerar a suposição de tratar-se propriamente das incontáveis
produções de poetas e prosadores inspiradas nos fatos e episódios na verdade
impressionantes que se acumulam nas páginas da Bíblia.

Não temos a ilusão nem a veleidade de apresentar trabalho de todo satisfatório, mas
julgamos constituir ele, pelo menos, sugestão para que alguém, retomando o assunto,
beneficie os leitores com obra de melhor acabamento.

É de crer, no entanto, que alguns esclarecimentos ai encontrem aqueles que se


interessam pela leitura, tanto sagrada como secular.

Que o julgue o leitor.

O Autor
1. Formas de exposição
Não pode haver dúvida de que na Bíblia - repositório de composições que variam das
mais simples canções populares até os mais ponderados poemas filosóficos, constituído
de 66 livros os mais diversos elucubrados no longo curso de 15 séculos pelos mais
diferentes autores, cada qual com o seu estilo pessoal a serviço da inspiração divina - se
encontram as nascentes de todos os gêneros literários, que evoluem no correr do tempo
e tomam características de cada região e de cada povo, sem que se turvem ou esgotem
todavia as fontes primitivas.

Efetivamente, todo o esquema atual de composições literárias encontra nas páginas das
Escrituras exemplificação farta e expressiva, sem embaraço da época e das
diferenciações lingüísticas.

As formas de exposição aí se harmonizam - a descrição, a narração a dissertação, e a


simples enumeração - na história do povo e dos reis de Judá e Israel, na pintura das
paisagens envolventes e dos caracteres individuais, na doutrinação das gentes, na
elaboração das leis, genealogias ou itinerários e no recenseamento da população ou das
classes.

Descrição
Caracteriza-se pela seqüência de aspectos; torna-se monótona como uma simples
enumeração quando nela se empregam apenas verbos de estado. Daí o recurso aos
verbos dinâmicos, de que se serve o autor do livro de Gênesis ao retratar singelamente a
Criação.

Gênesis 2.8-14: "E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, da banda do Oriente; e
pôs ali o homem que tinha formado. E o Senhor fez brotar da terra toda árvore
agradável à vista e também ao paladar; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore
da ciência do bem e do mal. E saía um rio do Éden para regar o jardim; e daí se dividia e
se tornava em quatro outros rios. O nome do primeiro é Pisão; este é o que rodeia toda a
terra de Evilá, onde se acha oiro. E o oiro dessa terra é excelente; ali também se
encontram o bdélio e o alabastro. E o nome do segundo rio é Gerão; este é o que rodeia
todo o país da Etiópia. O terceiro rio é o Tigre, que vai para a banda do oriente da
Assíria; e o quarto é o Eufrates. E tomou o Senhor Deus o homem, e o pôs no jardim do
Éden para o lavrar e o guardar. E ordenou-lhe ainda o Senhor Deus: De toda árvore do
jardim comerás livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não
comerás; porque no dia em que dela comeres certamente morrerás."

1 Reis 6.1-5: "E sucedeu que no ano de quatrocentos e oitenta, depois de saírem os
filhos de Israel do Egito, no ano quarto do reinado de Salomão sobre Israel, no mês de
Zive (que é o mês segundo), começou ele a edificar a casa do Senhor. E a casa que o rei
Salomão edificou ao Senhor era de sessenta côvados de comprimento, e de vinte
cevados de largura, e de trinta côvados de altura. E o pórtico diante do templo da casa
era de vinte côvados de comprimento, segundo a largura da casa, e de dez côvados de
largura diante da casa. E fez à casa janelas de vista estreita. Edificou em redor da parede
da casa câmaras colaterais."

Narração
Os verbos dinâmicos ou de movimento, aliás, são os próprios da narração, que se
distingue pela seqüência de fatos ou episódios, os quais animam todas as Escrituras e
empolgam no Gênesis, vibram nos livros dos Reis, Samuel e Crônicas e esplendem nos
Evangelhos. Do primeiro livro, em que se narram as origens do Universo, veja-se
pequeno trecho na trama em que se livram de José os irmãos enciumados.

Gênesis 37.19-28: "E disseram um ao outro: Eis lá vem o sonhador-mor! Vinde, pois
agora, e matemo-lo, e lancemo-lo numa destas covas, e diremos: Uma besta-fera o
comeu; e veremos o que será dos seus sonhos. E ouvindo-o Ruben, livrou-o das mãos
deles e disse: Não lhe tiremos a vida. E acrescentou: Não derrameis seu sangue; lançai-o
nesta cova, que está no deserto, e não lanceis mãos nele. Disse isto para livrá-lo das suas
mãos, e para restituí-lo a seu pai. E aconteceu que, chegando José a seus irmãos,
tiraram-lhe a túnica de várias cores que trazia. E tomaram-no, e lançaram-no na cova;
porém esta se achava vazia, sem água. Depois assentaram-se para comer pão; e
levantando os olhos, viram uma caravana de ismaelitas que vinha de Gileade; em seus
camelos traziam especiarias, e bálsamo, e mirra, que iam levar ao Egito. Então Judá
disse a seus irmãos: Que proveito há em matarmos nosso irmão, e ocultarmos a sua
morte? É melhor que o vendamos a esses ismaelitas, e não manchemos nossas mãos
sobre ele; porque afinal é nosso irmão, nosso sangue. E seus irmãos obedeceram.
Passando pois os mercadores midianitas, retiraram a José da cova, e o venderam por
vinte moedas de prata aos referidos ismaelitas, que levaram José para o Egito."

A Ressurreição de Jesus - João 20.1-10: "E no primeiro dia da semana Maria Madalena
foi ao sepulcro de madrugada, sendo ainda escuro, e viu a pedra de lá removida. Correu,
pois, e foi a Simão Pedro, e ao outro discípulo, a quem Jesus amava, e disse-lhes:
Levaram o Senhor, do sepulcro, e não sabemos onde o puseram. Então Pedro saiu com
o outro discípulo, e foram ao sepulcro. E os dois corriam juntos, porém o outro
discípulo correu mais apressadamente do que Pedro, pelo que chegou primeiro ao
sepulcro. E abaixando-se, viu postos os lençóis; todavia não entrou. Chegou finalmente
Simão Pedro, que o seguia, e entrou no sepulcro, e viu postos os lençóis. E viu mais que
o lenço, que havia sido posto sobre a cabeça de Jesus, não estava com os lençóis, mas
dobrado num lugar à parte. Então entrou também o outro discípulo, que chegara
primeiro ao sepulcro, e viu, e creu. Porque ainda não haviam compreendido a Escritura:
que Jesus havia de ressurgir dentre os mortos. Tornaram então os discípulos para casa."
Dissertação Seqüência de juízos ou de opiniões, é certamente a mais intelectiva das
formas de exposição, em se tratando especialmente de matéria de elevado alcance. Daí o
sábio recurso à ilustração, de quem também foi exímio mestre Jesus Cristo, graças à
qual, com a amenidade da narração, se atenuam as asperezas do discurso.
A Palavra de Deus, mercê do seu próprio conteúdo, é opulenta de dissertações, que se
estendem desde o Gênesis até o Apocalipse. É esta a forma em que se cristaliza a
doutrina do primitivo Pacto e a do novo, e em que se expressam os mistérios e as
realidades das relações entre a criatura e o Criador. Exemplificá-la-emos, considerando
a conveniência da síntese, com um fragmento da vida de Jó. Neste relato, em que reluz a
experiência do resignado patriarca de Uz, figuravam várias personagens a debater o
problema do mal e das suas conseqüências, bem como a justiça de Deus na desigual
partilha da felicidade e da desventura. Tomás Carlyle considera este poema "uma das
coisas mais sublimes que jamais se escreveram um nobre livro, um livro para todos os
homens e a cujo mérito literário nada há que se compare".

Eliú justifica a Deus perante Jó - Jó 36.1-14: "Prosseguindo, disse Eliú: Não tardarei a
demonstrar-te que tenho outras razões em favor de Deus. Retomarei meus argumentos
desde o princípio e provarei que o Senhor é justo. Verás que as minhas palavras têm
todo o fundamento, pois usarei contigo de toda a sinceridade. Deus é realmente
poderoso, todavia a ninguém despreza. Não deixa prosperar o ímpio e faz justiça aos
que sofrem. Não desvia os olhos dos justos e coloca-os como a reis no trono, para que
sejam sempre exaltados. Se acaso vierem eles a sentir-se oprimidos ou encontrar-se em
situação de penúria, será isto uma provação para reconsiderarem atos e repararem erros
devidos à soberba que porventura deles se tenha apossado. O Senhor lhes aponta
pecados que tenham cometido para adverti-los convenientemente, e exorta-os para que
se apartem da iniqüidade. Se o ouvirem e se submeterem, acabarão os seus dias em bem
e seus anos em glória. Porém, se não o ouvirem, serão devidamente castigados,
consumindo-se na sua cegueira. Os simuladores e maliciosos provocam a ira de Deus e
não terão condições de clamar por socorro quando se virem em aflição. A sua alma se
mortifica em plena mocidade e a sua vida se extingue tal qual a dos efeminados."
2. Romance e ficção
Em se tratando de romance da vida real, nenhum há mais empolgante do que o de José
do Egito, figura impoluta do cidadão perfeito, de quem disse deslumbrado, o Faraó:
"Porventura poderemos achar um tal varão, que esteja tão cheio do espírito de Deus?"
(Gn 41.38). Desta fascinante e extensa narrativa, que vai de Gênesis 30.22 a 50.26,
vejamos um fragmento:

Romance
Faraó exalta a José - Gênesis 41.38-52: "Depois disse Faraó a José: Pois que Deus te
fez saber tudo isto, poderei eu achar outro tão sábio como tu? Tu estarás sobre a minha
casa, e ao mando de tua boca obedecerá todo o meu povo; apenas no trono eu serei
maior que tu. Disse ainda Faraó a José: Eis que te tenho posto sobre toda a terra do
Egito. E tirou Faraó de sua mão um anel e o pôs na mão de José; e fê-lo vestir roupa de
linho fino, e pôs-lhe no pescoço um colar de ouro; e fê-lo subir no seu segundo carro, e
os pregoeiros clamavam diante dele: Ajoelhai! Deste modo o pôs Faraó como
superintendente em toda a terra do Egito. E disse ainda a José: Eu sou Faraó, porém sem
ti ninguém moverá mão ou pé em toda a terra do Egito. E mudou Faraó o nome de José,
chamando-lhe em língua egipcíaca Zafenate-Panéia, e deu-lhe por mulher a Azenate,
filha de Potífera, sacerdote de Helíope; e saiu José por toda a terra do Egito. Era ele da
idade de trinta anos quando se apresentou a Faraó. E dele se despedindo, saiu em visita
a toda a terra do Egito. A terra produziu abundantemente durante sete anos, e ajuntou-se
toda a produção desse tempo, reduzida a molhos, em cada cidade, conforme a recolhida
em cada uma. A fartura de trigo foi tão abundante como a areia do mar, tal que não se
podia calcular. Antes que sobreviessem os sete anos de fome, nasceram a José dois
filhos, que lhe gerou sua mulher Azenate. Ao primeiro deu José o nome de Manasses,
dizendo: Deus me fez esquecer de todo o meu trabalho, e da casa de meu pai. Ao
segundo chamou Efraim, explicando: Deus me fez prosperar na terra em que fui
afligido."

Ficção
É o seguinte exemplo, em que Jesus supõe como protagonista um rico louco:

Lucas 12.13-21: "E disse-lhe um da multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparta
comigo a herança. Mas Ele lhe disse: Homem, quem me pôs a mim por juiz ou
repartidor entre vós? E disse-lhes: Acautelai-vos e guardai-vos da avareza; porque a
vida de qualquer não consiste na abundância dos bens que possui. E propôs-lhe uma
parábola, dizendo: A herdade de um homem rico tinha produzido com abundância. E
refletia ele consigo mesmo: Que farei, já que não tenho onde recolher a minha
produção? E chegou a esta conclusão: Derribarei os meus celeiros e construirei outros
maiores, e ali recolherei tudo quanto produzir e os demais bens; e direi à minha alma:
Alma, tens em depósito fartos bens para muitos anos: descansa, come, bebe e folga.
Porém Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que ajuntaste para
quem será? Assim é o que para si acumula tesouros, e não é rico para com Deus."

Conto
Aparece também com freqüência ao longo das Escrituras. É um como romance
abreviado e de um deles daremos apenas uma síntese:

Davi e Abigail - 1 Samuel 25.2-42: "Nabal era um homem muito rico, porém intratável,
perverso e malicioso, que possuía propriedades no Carmelo. Casara-se com Abigail,
mulher formosa e sensata, e contava entre os seus bens 3.000 ovelhas e 1.000 cabras.

Os empregados de Nabal, convivendo com os homens de Davi no deserto de Maon,


deles recebiam toda sorte de auxílios.

Certa ocasião, precisando de um favor de Nabal, Davi enviou-lhe mensageiros com o


fim de lho pedir, recomendando-lhes que o tratassem com toda a cortesia. Nabal, porém,
sem ter em conta os favores recebidos, tratou-os hostilmente, perguntando ironicamente:
Quem é Davi? Quem é este filho de Isaí? Não o reconheço. É uso inculcarem-se como
pertencentes a famílias importantes indivíduos que, no entanto não as honram
devidamente. Darei, pois, a indivíduos cuja origem desconheço o mantimento
destinado aos meus servos?

Decepcionados, retornaram a Davi os seus mensageiros, repetindo-lhe fielmente as


palavras que lhes foram ditas.

Davi, enfurecido, voltou-se para eles e disse: Cinja-se cada um com a sua espada. Por
sua vez tomou ele as suas armas e ordenou-lhes que o seguissem em missão de
desagravo. Acompanharam-no quatrocentos homens armados e mais duzentos
incumbidos da bagagem.

Nesse ínterim um dos criados de Abigail lhe deu ciência de haverem sido desfeiteados
por Nabal os homens que Davi lhe enviara em missão pacífica e para pedir-lhe eventual
auxílio; e acrescentou que, no convívio com o pessoal de Davi, quando apascentavam
suas ovelhas, haviam recebido inteira proteção e desinteressada ajuda.

Abigail, prevendo justa represália da parte de Davi, fez tudo para evitá-la, sem nada
dizer, todavia, ao marido. Tomou para isto duzentos pães, dois odres de vinho, cinco
carneiros assados, cinco alqueires de farinha, cem cachos de uvas passadas e duzentas
pastas de figos secos, com que fez carregar vários jumentos. E, ordenando que os
criados a precedessem com a carga, montou um jumento e cavalgou em direção ao
deserto em que se achavam Davi e seus homens, com o firme propósito de aplacar-lhe a
ira.

Descia ela a encosta do monte quando se lhe deparou Davi, que vinha em sentido
oposto. Mal se encontraram, Davi se queixou de que, havendo dispensado a Nabal toda
a assistência, protegendo inclusive tudo quando ele havia deixado no deserto, ele lhe
retribuiu o bem com o mal. Estava, pois disposto a destruir tudo quanto pertencesse a
Nabal.

Abigail, apeando-se imediatamente, inclinou-se com todo o respeito diante de Davi e


rogou-lhe que não guardasse mágoa da atitude insensata e condenável de Nabal, que
procedeu como verdadeiro louco, pelo que esperava para ele o seu perdão. E
acrescentou que confiava, em conseqüência do entendimento ali mantido entre ambos,
que se evitasse qualquer derramamento de sangue inocente por iniciativa dele, Davi,
caso buscasse vingar-se pelas próprias mãos, pois isto lhe traria certamente
arrependimento e remorso.

Proferidas estas palavras, Abigail apresentou a Davi os presentes que lhe trouxera, como
penhor de amizade e reparação.

Aceitando as dádivas, Davi deu graças a Deus por lhes haver propiciado aquele
encontro, em virtude do qual se evitou a prática da verdadeira carnificina. Disse em
seguida a Abigail que tornasse em paz para sua casa, já que ele tomara na devida conta a
sua visita.

Ao entrar em casa, Abigail encontrou Nabal banqueteando-se como rei e completamente


embriagado, pelo que decidiu nada dizer-lhe de pronto. Mas no dia seguinte, ao
amanhecer, quando o marido se livrara do efeito das libações, ela lhe expôs
minuciosamente o ocorrido, deixando-o como morto, por assim dizer, petrificado.

Dez dias depois Nabal morreu efetivamente, e Davi deu graças a Deus por havê-lo
vingado do opróbrio a que havia sido exposto.

“Visto que deste modo se encontrava livre Abigail, com quem simpatizara
profundamente, Davi enviou-lhe embaixadores que a pedissem em casamento, e,
assentindo ela, ele a fez sua esposa.”
3. Narração histórica
Vinte e dois livros especializados - 17 no Antigo e 5 no Novo Testamento - ocupam-se
de história, que ocorre também, e fascinante, em não poucos dos livros proféticos e nos
Evangelhos.

A origem do Universo e dos seres em geral; a vida e ação dos patriarcas; a escravização
e o livramento do povo de Israel; a longa peregrinação pelo deserto; a vida e a obra de
sacerdotes, profetas, juízes e reis; a construção, a destruição e a reconstrução do templo
de Jerusalém; as guerras internas e externas de Israel e Judá; a instituição das leis e
cerimônias religiosas - tudo, enfim, que diz respeito à existência do povo eleito: suas
virtudes e falhas, bem como ao resgate da humanidade, tudo, sim, se registra com os
devidos pormenores nas páginas do Antigo e do Novo Testamento.

O nascimento de Jesus, envolto em circunstâncias aflitivas; sua infatigável atividade,


intensa doutrinação e morte gloriosa, ornam de princípio a fim as páginas do Evangelho.
A vida e ação dos apóstolos, com seus percalços, descaídas e triunfos, descortinam-se
nos Atos dos Apóstolos e nos registros dos evangelistas.

Vejam-se alguns exemplos de narração.

História
Origem do Universo e dos seres - Gênesis 1.1-13: "No princípio criou Deus os céus e a
terra. E a terra era sem forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o Espírito
de Deus se movia sobre a face das águas. E disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu
Deus que era boa á luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à
luz dia; e às trevas chamou noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. E disse Deus:
Haja uma expansão no meio das águas, e haja separação entre águas e águas. E fez Deus
a expansão, e fez separação entre as águas que estavam debaixo da expansão e as águas
que estavam sobre a expansão; e assim foi. E chamou Deus à expansão céus, e foi a
tarde e a manhã o dia segundo. E disse Deus: Ajuntem-se as águas debaixo dos céus
num lugar; e apareça a porção seca. E assim foi. E chamou Deus à porção seca terra; e
ao ajuntamento das águas chamou mares. È viu Deus que era bom. Disse Deus: Produza
a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua
espécie, cuja semente nela seja sobre a terra; e assim foi. E a terra produziu erva, erva
dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela
segundo a sua espécie; e viu Deus que era bom. E foi a tarde, e a manhã, o dia terceiro."

Formação do Homem - Gênesis 2.7: "E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra,
e soprou em seus narizes o fôlego da vida: e o homem foi feito alma vivente."

Criação da mulher - Gênesis 2.18-25: "E disse o Senhor Deus: Não é bom que o homem
esteja só: far-lhe-ei uma ajudadora que esteja como diante dele. Havendo, pois o Senhor
Deus formado da terra todo animal do campo, e toda ave dos céus, os trouxe a Adão,
para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda alma vivente, isso
foi o seu nome. E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a toda besta
do campo; mas para o homem não se achava ajudadora que estivesse como diante dele.
Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou
uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar. E da costela que o Senhor Deus
tomou do homem, formou uma mulher; e trouxe-a a Adão. E disse Adão: Esta é agora
osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada varoa, porquanto do
varão foi tomada. Portanto deixará o varão o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua
mulher, e serão ambos uma carne. E ambos estavam nus, o homem e a sua mulher; e
não se envergonhavam."

Noé e o Dilúvio - Gênesis 7.11-24: "No ano seiscentos da vida de Noé, no mês segundo,
aos dezessete dias do mês, naquele mesmo dia se romperam todas as fontes do grande
abismo, e as janelas dos céus se abriram. E houve chuva sobre a terra quarenta dias e
quarenta noites. E no mesmo dia entrou Noé, e Sem, e Cão, e Jafé, os filhos de Noé,
como também a mulher de Noé, e as três mulheres de seus filhos na arca. Eles e todo
animal conforme a sua espécie, e todo réptil que se roja sobre a terra conforme a sua
espécie, e toda ave conforme a sua espécie, todo pássaro de toda qualidade. E de toda
carne, em que havia espírito de vida, entraram de dois em dois para Noé na arca. E os
que entraram macho e fêmea de toda carne entraram, como Deus lhe tinha ordenado; e o
Senhor a fechou por fora. E esteve o dilúvio quarenta dias sobre a terra, e cresceram as
águas, e levantaram a arca, e ela se elevou acima da terra. E prevaleceram as águas, e
cresceram grandemente sobre a terra; e a arca vogava sobre as águas. E as águas
prevaleceram excessivamente sobre a terra; e todos os altos montes, que havia debaixo
de todo o céu, foram cobertos. Quinze côvados acima prevaleceram as águas; e os
montes foram cobertos. E expirou toda carne que se movia sobre a terra, tanto de ave
como de gado e de feras, e de todo réptil que se roja sobre a terra, e todo homem. Tudo
que tinha fôlego de espírito de vida em seus narizes, tudo que havia no seco morreu.
Assim foi desfeita toda a substância que havia sobre a face da terra, desde o homem até
o animal, até o réptil, e até a ave dos céus; e foram extintos da terra; e ficou somente
Noé, e os que com ele estavam na arca. E prevaleceram as águas sobre a terra cento e
cinqüenta dias."

Sacrifício simbólico de Isaque - Gênesis 22.1-13: "E aconteceu depois destas coisas que
tentou Deus a Abraão e disse-lhe: Abraão! E ele respondeu: Eis me aqui. E disse: Toma
agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e
oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi. Então se levantou
Abraão pela manhã, de madrugada, e albardou o seu jumento, e tomou consigo dois dos
seus moços e Isaque, seu filho; e partiu lenha para o holocausto, e levantou-se, e foi ao
lugar que Deus lhe indicara. Ao terceiro dia levantou Abraão os seus olhos, e viu o
lugar de longe. E disse Abraão aos seus moços: Ficai-vos aqui com o jumento, e eu e o
moço iremos até ali; e havendo adorado, tomaremos a vós. E tomou Abraão a lenha do
holocausto, e pô-la sobre Isaque, seu filho; e ele tomou o fogo e o cutelo na sua mão, e
foram ambos juntos. Então chamou Isaque a Abraão, seu pai, e disse: Meu pai! E ele
disse: Eis-me aqui, meu filho. E ele disse: Aí estão o fogo e a lenha, mas onde está o
cordeiro para o holocausto? Respondeu Abraão: Deus proverá para si o cordeiro para o
holocausto, meu filho. Assim caminharam ambos juntos. E vieram ao lugar que Deus
lhe indicara, e edificou Abraão ali um altar, pôs em ordem a lenha, amarrou a Isaque,
seu filho, e deitou-o sobre o altar, em cima da lenha. E estendeu Abraão a sua mão, e
tomou o cutelo para imolar o filho. Mas o anjo do Senhor lhe bradou desde os céus, e
disse: Abraão, Abraão! E ele respondeu: Eis-me aqui. Então disse: Não estendas a tua
mão sobre o moço, e não lhe faças nada: porquanto agora sei que temes a Deus, e não
me negaste o teu filho, o teu unigênito. Então levantou Abraão os olhos, e olhou; e eis
que estava um carneiro detrás dele, embaraçado pelos chifres num mato; então pegou o
carneiro e ofereceu-o em holocausto, em lugar do filho."

Faraó aflige os israelitas - Êxodo 5.6-9: "Portanto deu ordem Faraó naquele mesmo dia
aos exatores do povo e aos seus oficiais, dizendo: Daqui em diante não tornareis a dar
palha ao povo para fazer tijolos, como fizestes ontem e anteontem: vão eles mesmos e
colham palha para si. E lhes imporeis a conta dos tijolos que fizeram ontem e
anteontem: nada diminuireis dela, porque eles estão ociosos; por isto clamam, dizendo:
Vamos, sacrifiquemos ao nosso Deus. Agrave-se o serviço sobre esses homens, para
que se ocupem nele, e não confiem em palavras enganosas."

Os egípcios perecem no mar - Êxodo 14.27-31: "Então Moisés estendeu a mão sobre o
mar, e o mar tornou-se em sua força ao amanhecer, e os egípcios fugiram ao seu
encontro; e o Senhor derribou os egípcios no meio do mar, porque as águas, tornando,
cobriram os carros e os cavaleiros de todo o exército de Faraó, que os havia seguido no
mar; nem sequer um deles ficou. Mas os filhos de Israel caminhavam a pé enxuto pelo
meio do mar; e as águas eram para eles como muros, à sua direita e à sua esquerda.
Assim o Senhor livrou Israel naquele dia das mãos dos egípcios; e Israel viu os egípcios
mortos na praia do mar. E viu Israel o grande poder que o Senhor exercitara contra os
egípcios; e o povo temeu ao Senhor, e confiaram no Senhor e em Moisés seu servo."

Tomada de Jericó - Josué 6.4 e 5: "Sete sacerdotes levarão sete trombetas de chifres de
carneiros adiante da arca; no sétimo dia rodeareis a cidade '"- sete vezes, e os sacerdotes
tocarão as trombetas. E será que, tocando-se longamente a trombeta de carneiro,
ouvindo vós o sonido dela, todo o povo gritará com grande alarido; o muro da cidade
virá abaixo, e o povo o galgará, cada qual diante de si."

A rainha de Sabá visita Salomão - 1 Reis 10.1-9: "Tendo à rainha de Sabá ouvido a
fama de Salomão, com respeito ao nome do Senhor, veio prová-lo com perguntas
difíceis. Chegou a Jerusalém com uma enorme comitiva, com camelos carregados de
especiarias, muitíssimo ouro e pedras preciosas. Dirigiu-se a Salomão e expôs-lhe tudo
quanto trazia em mente. Salomão respondeu-lhe a todas as perguntas, e nada achou tão
profundo nas suas argüições a que não pudesse dar resposta cabal. Vendo pois a rainha
de Sabá a sabedoria de Salomão, e admirando a construção que levantara, a comida da
sua mesa, a instalação dos seus oficiais, os serviços dos seus criados e os trajes por eles
usados, seus copeiros e mais o holocausto que oferecia na casa do Senhor, ficou
deslumbrada, e disse ao rei: Foi verdadeira a palavra que a teu respeito ouvi na minha
terra, e a respeito da tua sabedoria. No entanto eu não cria naquelas palavras, mas afinal
vim e vi tudo com os meus próprios olhos. E é certo que não me contaram a metade,
pois sobrepujas em sabedoria e prosperidade a fama que ouvi. Felizes os teus homens,
felizes os teus servos, que estão sempre diante de ti, e aproveitam a tua sabedoria!
Bendito seja o Senhor teu Deus, que se agradou de ti para te colocar no trono de Israel;
porque o Senhor ama a Israel para sempre, por isto te constituiu rei, para executares
juízo e justiça. Deu ela ao rei cento e vinte talentos de ouro e muitíssimas especiarias e
pedras preciosas; nunca mais veio especiaria em tanta abundância como a que a rainha
de Sabá ofereceu ao rei Salomão."

Nascimento de Jesus - Lucas 2.8-18: "Ora havia naquela mesma comarca [Belém]
pastores que estavam no campo, e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho.
E eis que o anjo do Senhor veio sobre eles e a glória do Senhor os cercou de resplendor,
e tiveram grande temor. E o anjo lhes disse; Não temais, porque eu vos dou novas de
grande alegria, o que será para todo o povo: que hoje, na cidade de Davi, vos nasceu o
Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: achareis o menino envolto
em panos, e deitado numa manjedoura. E, no mesmo instante, apareceu com o anjo uma
multidão dos exércitos celestiais, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas alturas,
paz na terra, boa vontade para os homens. E aconteceu que, ausentando-se deles os
anjos para o Céu, disseram os pastores uns aos outros: Vamos, pois até Belém, e
vejamos o que aconteceu e que o Senhor nos notificou. E foram apressadamente, e
acharam Maria e José, e o menino deitado na manjedoura. E, vendo-o, divulgaram a
palavra que acerca do menino lhes fora dita; e todos os que os ouviram se maravilharam
do que os pastores lhes diziam."
4. Gêneros literários
O gênero oratório haveria de ser naturalmente dos mais freqüentes, numa obra entre
cujos objetivos se contam a orientação e a doutrinação das massas. E, de fato, desde que
Jeová purificou os lábios incircuncisos de Moisés até que Jesus empostou a rude voz
dos seus apóstolos e missionários, inumeráveis homens eleitos se levantaram diante das
multidões para, exercitando a eloqüência e a dialética, proclamar-lhes as verdades
eternas e indicar-lhes o caminho a seguir.

Mas nenhum modelo mais excelente nem mais impressionante de peça oratória do que o
maravilhoso Sermão do Monte, em que Jesus, fundindo no verbo os primores da
Suprema Verdade, empolga a multidão sequiosa dos seus ouvintes, incontáveis no
espaço e no tempo. Vejamos como amostras, fragmentos dessa oração magistral e de
outras proferidas por bons discípulos:

Amor ao inimigo - Mateus 5.43-48: "Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo, e
aborrecerás o teu inimigo. Eu vos digo, porém: Amai a vossos inimigos, bendizei os que
vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos
perseguem; para que sejais dignos filhos do vosso Pai que está nos céus; pois faz que o
seu sol se levante sobre os maus e os bons, e a chuva desça sobre os justos e os injustos.
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão havereis? Não fazem os publicanos
também o mesmo? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos
céus".

Pedro e o Pentecoste - Atos 2.14-21: "Varões judeus, e todos os que habitais em


Jerusalém, seja-vos isto conhecido, e escutai as minhas palavras: estes homens não
estão embriagados, como vós pensais, sendo a terceira hora do dia. Mas isto é o que foi
dito pelo profeta Joel: E nos últimos dias acontecerá, diz Deus, que do meu Espírito
derramarei sobre toda carne; e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão; os vossos
mancebos terão visões, e os vossos velhos sonharão sonhos; e também do meu Espírito
derramarei sobre os meus servos e as minhas servas naqueles dias, e profetizarão; e farei
aparecer prodígios nas alturas, no céu; e sinais embaixo na terra, sangue, fogo e vapor
de fumo: o Sol se converterá em trevas, e a lua em sangue, antes de chegar o grande e
notável dia do Senhor; e acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será
salvo."

Epistolar
Que diremos da importância, em relação à Bíblia, do gênero epistolar? A Palavra Santa
não podia transmitir-se a todo o mundo apenas oralmente, através de diálogos, palestras
ou alocuções. Nem seria aceitável que ela se evolasse com as lufadas do vento, no
instante em que fosse proferida. Importava que a sua mensagem se perpetuasse, para
meditação dos que a houvessem escutado, e corresse mundo, para alcançar os que não
podiam ouvi-la diretamente.
Assim, a força persuasiva dos santos pregoeiros trocou o púlpito e a tribuna pela pena e
pelo pergaminho e vieram eles a pregar à distância, gravando nas epístolas os magistrais
ensinos recolhidos ao pé do Mestre.

Entre as 21 cartas apostólicas, doutrinárias por natureza, até exemplos de


correspondência familiar se encontram como 3 João, inserida, todavia, entre as demais,
graças à cristã advertência que nela se contém, o que vemos a seguir.

Testemunho confortador - 3 João 1-4: "O ancião ao amado Gaio, a quem em verdade
amo. Amado, antes de tudo desejo que te vá bem, e que tenhas saúde, assim como bem
vai à tua alma. Muito me alegrei quando os irmãos vieram e testificaram da tua verdade,
como andas na verdade. Não tenho maior gozo do que nisto, de ouvir que os meus
filhos andam na verdade."

Prática do bem - 3 João 11-15: "Amado, não imites o que é mau, senão o que é bom.
Aquele que pratica o bem procede de Deus, o que pratica o mal jamais viu a Deus.
Quanto a Demétrio, todos lhe dão testemunho, até a própria verdade, e nós também
damos testemunho; e sabes que o nosso testemunho é verdadeiro. Muitas cousas tinha
que te informar; todavia não quis fazê-lo com tinta e pena, pois em breve espero ver-te.
Então conversaremos de viva voz. A paz seja contigo. Os amigos te saúdam. Saúda os
amigos, nome por nome."

Exortação á unidade - 1 Coríntios 1.1-2; 10-13; 18-21: "Paulo, chamado pela vontade
de Deus para ser apóstolo de Jesus Cristo, e Sóstenes, à Igreja de Deus que está em
Corinto... Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a
mesma cousa, e que não haja entre vós divisões; antes sejais inteiramente unidos, na
mesma disposição mental e no mesmo parecer. Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui
informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós. Refiro-me ao fato de
cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo e eu de Apolo, e eu de Cefas, e eu de Cristo.
Acaso Cristo está dividido? foi Paulo crucificado em favor de vós, ou fostes porventura
batizados em nome de Paulo?... Certamente a palavra da cruz é loucura para os que se
perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus. Pois está escrito: Destruirei a
sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos entendidos. Onde está o sábio?
Onde o escriba? Onde o inquiridor deste século? Porventura não tornou Deus louca a
sabedoria do mundo? Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por
sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem, pela loucura da pregação."

Didático
Do gênero didático é óbvio que igualmente se haveriam de encontrar entre os escritos da
Velha e da Nova Dispensação numerosos e expressivos exemplos, tal a finalidade do
Livro dos livros. Ei-los aí se lêem, para resumirmos citações, na transparente síntese dos
Provérbios, nas cintilantes e amenas parábolas de Cristo e em não poucos apólogos e
alegorias, que permeiam as inúmeras composições que formam as Escrituras Sagradas.
Os Provérbios - coleção de preceitos que constituem um tratado de filosofia prática e
encerram o código moral dos hebreus - superam, no juízo de críticos profanos, as mais
famosas coletâneas análogas, como os Ditos dos Sete Sábios da Grécia, os Aurea
Carmina, de Pitágoras; os Jacula prudentum de Jorge Herbert, o Lexicon Tetraglotton
atribuído a Jaime Howell, e outros. Vejam-se algumas pérolas das que constituíram o
colar da sabedoria salomônica, o sempre citado livro do sapientíssimo rei:

"O temor do Senhor é o princípio da sabedoria: os loucos desprezam a sabedoria e a


instrução" (1.7).

"O Senhor é o que dá a sabedoria: da sua boca é que sai o conhecimento e o


entendimento" (2.6).

"Filho meu, não te esqueças da minha lei, e o teu coração guarde os meus
mandamentos" (3.1).

"Confia no Senhor com todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio
entendimento" (3.5).

"Não sejas sábio a teus próprios olhos: teme ao Senhor e aparta-te do mal" (3.7).

"Filho meu, não rejeites a correção do Senhor, nem te enojes da sua repreensão.
Porque o Senhor repreende aquele a quem ama, assim como o pai ao filho a quem quer
bem" (3.11-12).

"Não maquines mal contra o teu próximo, pois habita contigo confiadamente" (3.29).

"Melhor é a sabedoria que os rubins; e tudo o que mais se deseja não se pode
comparar com ela" (8.11).

"Melhor é o pouco com o temor do Senhor do que um grande tesouro, onde há


inquietação" (15.16).

"Ao Senhor empresta o que se compadece do pobre, e Ele lhe pagará o seu benefício"
(19.17).

"Instrui o menino conforme o seu caminho; e até quando envelhecer não se desviará
dele" (22.6).

As parábolas de Jesus, convenientemente explicadas, são luz para a inteligência e


enlevo para o espírito. É de notar como se universalizaram, entre outras, as do
Semeador, do Trigo e do Joio, do Grão de Mostarda, dos Talentos, do Bom Samaritano,
do Fermento, do Filho Pródigo, do Fariseu e o Publicano, - deixando profunda marca,
algumas delas, na evolução semântica das línguas em que se traduziram. Vejamos uma
amostra dessa singela e instrutiva peça.

O Fariseu e o Publicano - Lucas 19.9-14: "E disse (Jesus) também esta parábola a uns
que confiavam em si mesmos, que eram justos, e desprezavam os outros: Dois homens
subiram ao templo, a orar: um fariseu e o outro publicano. O fariseu, estando em pé,
orava consigo desta maneira: Õ Deus, graças te dou porque não sou como os demais
homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. Jejuo duas
vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo. O publicano, porém, estando
em pé, de longe, nem sequer ousava levantar os olhos ao céu, mas batia no peito,
dizendo: Ô Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Digo-te que este desceu
justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será
humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado."

Do mesmo gênero didático são composições semelhantes o apólogo e a fábula; só que


nesta se põem a falar animais, e naquele, seres inanimados. Recordemos um famoso e
sempre oportuno apólogo:

As árvores que desejam um rei - Juízes 9.8-15: "Foram uma vez as árvores a ungir para
si um rei; e disseram à Oliveira: Reina tu sobre nós. Porém a Oliveira lhes disse:
Deixaria eu a minha gordura, que Deus e os homens em mim prezam, e iria a labutar
sobre as árvores? Então disseram as árvores à Figueira: Vem tu, e reina sobre nós.
Porém a Figueira lhes disse: Deixaria eu a minha doçura, o meu bom fruto, e iria labutar
sobre as árvores? Então disseram as árvores à Videira: Vem tu, e reina sobre nós. Porém
a Videira lhes disse: Deixaria eu o meu mosto, que alegra a Deus e aos homens, e iria
labutar sobre as árvores? Então todas as árvores disseram ao Espinheiro: Vem tu, e reina
sobre nós. E disse o Espinheiro às árvores: Se, na verdade, me ungis por rei sobre vós,
vinde, e confiai-vos debaixo da minha sombra; mas, se não, saia fogo do Espinheiro que
consuma os cedros do Líbano."

Poético
Também os gêneros poéticos - épico, lírico, dramático, satírico e didático, hoje comuns
à prosa - têm sua origem nos inexauríveis mananciais da Bíblia.

Importa observar que já hoje não se confunde verso com poesia, pois tanto pode haver
poesia em prosa como prosaísmo em verso. Assim é que, na literatura brasileira,
Iracema, de José de Alencar, se classifica como poema lírico; e Os sertões, de Euclides
da Cunha, se têm por poema épico, tais o encanto e a elevação com que os compuseram
seus inspirados autores.

Da epopéia, narração poética de um grande empreendimento nacional ou humano, que


tem na literatura secular as mais altas expressões na Odisséia, de Homero; na Eneida, de
Virgílio; e nos Lusíadas, de Camões, não pode haver melhor modelo do que o heróico
relato da marcha dos Hebreus ao longo do Deserto, no seu ansiado retorno à terra pátria.
Baste a demonstrá-lo a sucessão de estorvos e contratempos com que se defrontaram os
milhares de peregrinos, descrentes e rebeldes às vezes a despeito da proteção divina,
que os guiou de dia por meio da coluna de nuvem e de noite pela de fogo; que lhes
proporcionou a memorável travessia do mar Vermelho e que, nas horas de fome e de
sede, prodigalizou-lhes farto maná, carne abundante e água pura - bênção por eles
esquecidas nos breves momentos em que se lhes deparava uma fonte de água amarga,
ou um bando de serpentes, ou um inimigo imprevisto...
De volta do cativeiro, através da épica jornada, nos dá idéia este fragmento:

Cântico de Moisés - Êxodo 15.1-9: "Cantarei ao Senhor, porque sumamente se exaltou:


lançou ao mar o cavalo e o seu cavaleiro. O Senhor é a minha força, e o meu cântico;
Ele me foi por salvação; este é o meu Deus, portanto lhe farei uma habitação; Ele é o
Deus de meu pai, por isto o exaltarei. O Senhor é varão de guerra: o Senhor é o seu
nome. Lançou ao mar carros de Faraó e o seu exército; e os seus egrégios príncipes
afogaram-se no mar Vermelho. Os abismos os cobriram: desceram às profundezas como
pedra. A tua destra, ó Senhor, se tem glorificado em potência: a tua destra, ó Senhor,
tem destroçado o inimigo; e com a magnitude da tua glória derribaste os que se
levantaram contra ti: enviaste o teu furor, que os reduzia a nada. E com o impulso do teu
furor amontoaram-se as águas, as correntes se detiveram em um montão: os abismos
coalharam-se no coração do mar. O inimigo dizia: Perseguirei, alcançarei, repartirei os
despojos: fartar-se-á a minha alma deles, arrancarei a minha espada, a minha mão os
destruirá. Fizeste soprar o vento, o mar os encobriu: afundaram-se como chumbo em
turbulentas águas. Õ Senhor, quem há, como tu, em poder, quem é como tu glorificado
em santidade, digno de respeito e de louvor, capaz de obrar maravilhas? Estendeste a
tua mão direita: a terra os tragou. Tu, com a tua misericórdia, guiastes este povo, que
salvaste: com a tua força o levaste à tua morada santa. Os povos saberão disto e
estremecerão: dor profunda apoderar-se-á dos habitantes da Palestina. Então os
príncipes de Edom pasmarão dos poderosos dos moabitas apoderar-se-á grande temor,
apavorar-se-ão todos os habitantes de Canaã. Espanto e pavor lhes sobrevirão; ante o
poder do teu braço emudecerão como pedra; até que o teu povo haja passado, ó Senhor,
até que passe este povo que adotaste. Tu os introduzirás e os fixarás no monte da tua
herança, no lugar que Tu, ó Senhor, aparelhaste para a tua habitação, o santuário, ó
Senhor, que as tuas mãos estabeleceram. O Senhor reinará eterno e perpetuamente. “Os
cavalos de Faraó, com os seus carros e os seus cavaleiros, entraram no mar, e o Senhor
fez tornar as águas do mar sobre eles; mas os filhos de Israel passaram a pé enxuto pelo
meio do mar.”

Lírico
Os hebreus, como os demais povos, são sensíveis aos encantos da natureza, às
excelências do convívio familiar, às vibrações do sentimento patriótico e às atrações da
índole religiosa. Não podiam reprimir, por isto, as espontâneas manifestações de
encantamento quando contemplavam o céu, obra das mãos de Deus, a lua e as estrelas
por Ele criadas; nem calar os júbilos da alma, quando bafejados por êxitos felizes, nem
domar os impulsos do coração, quando aquecido pelas chamas do amor; nem estancar as
torrentes de entusiasmo, quando um braço heróico alcançava um triunfo para a sua
gente; nem tampouco conter os íntimos lamentos, quando atormentados pela dor. Por
isto mesmo o lirismo impregna também as páginas da sua história sagrada, sejam elas as
dos Salmos, das Crônicas, do livro de Rute, dos Juízes ou quaisquer outras, o que
exemplificaremos com breves citações.

Davi canta hinos a Jeová, celebrando as obras da criação:


"Ó Senhor, nosso Senhor, quão admirável é o teu nome em toda a terra, pois puseste a
tua glória sobre os céus!" (SI 8.1).

Moisés, posto o livro da Lei ao lado da Arca da Aliança, pronunciou um cântico em que
apela para os sentimentos do seu povo. Ele assim começa:

"Inclina os ouvidos, ó Céus, e falarei; e ouça a terra as palavras da minha boca. Goteje a
minha doutrina como a chuva, destile a minha palavra como o orvalho, como chuvisco
sobre a relva. e como gotas de água sobre a erva. Porque proclamarei o nome do
Senhor. Engrandecei o nosso Deus! Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos
os seus caminhos são juízos; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça: É justo e reto"
(Dt 32.1-4). As mulheres de Israel, tangendo a harpa, entoam uma ode a Davi pela
magnífica vitória contra os filisteus:

"Saul feriu os seus milhares, porém Davi os seus dez milhares" (1 Sm 18.7).

Maria exalta o Senhor num belo canto genetlíaco, ao sentir-se mãe da natureza humana
do Messias.

"A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu
Salvador, porque considerou a humildade da sua serva. Pois desde agora todas as
gerações me considerarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas.
Santo é o seu nome. A sua misericórdia vai de geração em geração sobre os que o
temem. Agiu com o seu braço valorosamente; dispersou os que no coração alimentavam
pensamentos soberbos. Derrubou dos seus tronos os poderosos e exaltou os humildes.
Encheu de bens os famintos e despediu vazios os ricos. Amparou a Israel, seu servo, a
fim de lembrar-se da sua misericórdia, a favor de Abraão e de sua descendência para
sempre, como prometera a nossos pais (Lc 1.46-55). Esposa e esposo, com o coração a
transbordar de ternura, entretêm-se em delicado idílio:

"- Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales, - Qual o lírio entre os espinhos, tal é a
minha querida entre as donzelas. - Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o
meu amado entre os jovens; desejo muito a sua sombra, e debaixo dela me assento; e o
seu fruto é doce ao meu paladar. Leva-me à sala do banquete, e o seu estandarte sobre
mim é o amor. Sustentai-me com passas, confortai-me com maçãs, pois desfaleço de
amor. A sua mão esquerda esteja debaixo da minha cabeça, e a direita me abrace.
Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, pelas gazelas e cervas do campo, que não acordeis
nem desperteis o amor, até que este o queira. Ouço a voz do meu amado; ei-lo aí
galgando os montes, pulando sobre os outeiros. O meu amado é semelhante ao gamo, ou
ao filho da gazela; eis que está detrás da nossa parede, olhando pelas janelas,
espreitando pelas grades. O meu amado fala e me diz: - Levanta-te, querida minha,
formosa minha, e vem" (Ct 2.1-10). O esposo solícito convida a esposa neste
epitalâmio:

"Vem comigo do Líbano, ó esposa, comigo do Líbano vem; olha desde o cume de
Amana, desde o cume de Senir e de Hermom, desde a morada dos leões, desde os
montes dos leopardos. Tiraste-me o coração, irmã minha, ó esposa; tiraste-me o coração
com um dos teus olhos, com um colar do teu pescoço. Que belos são os teus amores,
irmã minha! Oh! esposa minha! quão melhores são os teus amores do que o vinho!

E o odor dos teus ungüentos do que o de todas as especiarias!

Favos de mel estão manando dos teus lábios, ó esposa!

“Mel e leite estão debaixo da tua língua, e o cheiro dos teus vestidos é como o cheiro do
Líbano” (Ct 4.8-11). Ainda no mesmo poema se encontra exemplo da écloga, na qual o
esposo evoca aspectos da vida pastoril, valendo-se de figuras bem românticas.

Como és formosa, querida minha, como és formosa!

Os teus olhos são como os das pombas, e brilham através do teu véu. Os teus cabelos
são como o rebanho de cabras que descem ondeantes do monte de Gileade.

São os teus dentes como o rebanho das ovelhas recém-tosquiadas, que sobem do
lavadouro, e das quais todas produzem gêmeos, e nenhuma delas há sem crias. Os teus
lábios são como um fio de escarlate, e tua boca é formosa; as tuas faces, como romã
partida, brilham através do véu. O teu pescoço é como a torre de Davi, edificada para
arsenal; mil escudos pendem dela, todos broqueis de valorosos.

“Os teus dois seios são como duas crias, gêmeas de uma gazela, que se apascentam
entre os lírios”

(Ct 4.1-5). Entre as amostras líricas que no poema se entrelaçam surge ainda algo do
madrigal, em que o poeta decanta os atrativos da amada:

"Se tu não o sabes, ó mais formosa entre as mulheres, sai-te pelas pisadas dos rebanhos,
e apascenta os teus cabritos junto às tendas dos pastores. Formosa são as tuas faces
entre os teus enfeites, o teu pescoço com os colares. Enfeites de ouro te faremos, com
incrustações de prata" (Ct 1.8,10,11).

Até o acróstico se inspira numa sugestão bíblica dos Provérbios, colhidos nessa gema
literária sem paralelo na antiga literatura, que é o capítulo 31, no qual o poeta exalta a
mulher virtuosa nas suas relações domésticas e sociais, num louvor que transcende
qualquer galanteio de ordem pessoal, visto que “da família, de que a mulher é o anjo
custódio - no dizer de eminente escritor cristão - provém não só a virtude privada, senão
também a pública, e, em conseqüência, a própria prosperidade nacional”.

Antes disso se utiliza a ordem alfabética na seriação das estrofes do Salmo 119.

Composição lírica - A propósito dos versos líricos, impõe-se dizer algo da versificação
nos poemas bíblicos.

Quanto à estrutura, tais composições variam de época para época, de povo para povo, e
até de indivíduo para indivíduo. Há formas, porém, que estão moldadas no instinto
popular e que tanto se encontram na técnica dos antigos povos orientais como na poesia
trovadoresca da Idade Média e até, em grande parte, na literatura moderna e na
paremiologia universal.

Estão neste caso as paralelísticas, em que geralmente se repetem, com ligeiras


alterações, as mesmas idéias.

Da poesia medieval portuguesa temos este exemplo de D. Sancho I, em que se patenteia


a reiteração da idéia, comum também nas cantigas de amigo:

"Ai eu coitada, como vivo em grã cuidado Por meu amigo que hei alongado!

Muito me tarda O meu amigo na Guarda! Ai eu coitada, como vivo em grã desejo por
meu amigo que tarda e non vejo! Muito me tarda o meu amigo na Guarda!"

Quanto aos provérbios populares, é fácil verificar que se constituem geralmente de dois
versos e que entre eles não são raros os dísticos formados por versos de sete sílabas, que
é, sem dúvida, a mais espontânea das nossas medidas poéticas. E ainda que neles não se
repita a idéia, como na para-I dística propriamente dita, há certo paralelismo na simetria
da composição, o que é lambem digno de nota. Vejam-se estes exemplos:

"Papagaio come o milho, periquito leva a fama".

"Quem nunca comeu melado, quando come se lambusa".

Cumpre ainda observar que, ao contrário do que pensam muitos, a rima, usada para
marcar mais acentuadamente o ritmo do verso, pelo que se constitui ainda valioso
recurso mnemônico, não lhe é todavia essencial. Por isto são comuns, em todos os
tempos e em todas as literaturas, os chamados versos soltos ou brancos.

Na metrificação dos poemas bíblicos o ritmo depende antes da idéia que da fornia: não
se determina pelo número de sílabas dos versos nem pela quantidade de versos na
estrofe.

A correspondência dos versos paralelísticos, que podem ser 2, 3, 4 ou mais em cada


estrofe, se estabelece de várias maneiras, a saber: pela identidade ou oposição de
sentido, pela gradação de idéias ou simplesmente pela simetria.

Vejamos alguns exemplos ilustrativos: A equivalência de sentido ocorre nestes dísticos:

"Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos"
(SI 19.1).

"O princípio da sabedoria é o temor do Senhor; e a ciência dos santos é a prudência"


(Pv 9.10).

Nestes outros se verifica a oposição de sentido, freqüentíssima nos Provérbios, onde se


emprega seguidamente uma adversativa (mas, porém, contudo, etc):
"Balança enganosa é abominação ao Senhor, mas o peso justo é o seu prazer" (Pv
11.1).

"O Senhor conhece o caminho dos justos; e o caminho dos ímpios perecerá" (SI 1.6).

Já aqui se opera a gradação de idéias:

"Bem-aventurado o homem que acha sabedoria, e o que produz inteligência. Porque


melhor é a sua mercadoria do que a mercadoria de prata, e a sua renda do que o oiro
mais fino. Mais preciosa é do que os rubis, e tudo o que mais podes desejar não se pode
comparar a ela" (Pv 3.13-15).

Nestes versículos a correspondência se dá por simetria:

"Justo é o Senhor em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas obras" (SI
145.17).

"A luz dos olhos alegra o coração, a boa fama engorda os ossos" (Pv 15.30).

"O ornato dos mancebos é a sua força, e a beleza dos velhos as suas cãs" (Pv 20.29).

Como é fácil de compreender, a tradução de uma língua para outra, completamente


diferente, sobretudo em se tratando de versos, prejudica tanto o pensamento quanto a
forma, pelo que não se pode apreciar senão imperfeitamente a representação da poesia
traduzida do hebraico.

No caso da Bíblia, verifica-se que os tradutores, naturalmente preocupados com a


exposição da doutrina, não tiveram ii necessária preocupação com a técnica literária
propriamente dita ao executarem seu árduo e meritório trabalho, e isto se observa no
que toca aos versos, tanto no uso do vocabulário como no da ordem sintática.

Sátira - Passando-se à sátira, dir-se-á que a natureza da Bíblia não oferece ao gênero
ensejo propício. Mas nem por isto ela lhe é de todo alheia, dado que se ensaia em
expressões candentes, com que reagem Jesus e os apóstolos à presunção de adversários
renitentes. Aliás, uma das características da sátira é a censura ou condenação de vícios
individuais ou coletivos, e lances com este objetivo não faltam nas Escrituras Sagradas.

Na condenação da idolatria é de lembrar o estilo incisivo do. Salmista, quando diz:

"Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua misericórdia
e da tua fidelidade. Por que diriam as nações: onde está o Deus deles?

No Céu está o nosso Deus; e tudo faz como lhe agrada. Prata e ouro são os ídolos deles,
obra das mãos de homens. Têm boca, e não falam; têm olhos, e não vêem; têm ouvidos,
e não ouvem; têm nariz, e não cheiram. Suas mãos não apalpam; seus pés não andam;
som nenhum lhes sai da garganta. Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem, e
quantos neles confiam" (SI 115.18).
Entre as proposições com que Cristo profligou o formalismo religioso estão estas do
primeiro Evangelho:

"Na cadeira de Moisés se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e guardai, pois,


tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras: porque dizem e não
fazem. Atam fardos difíceis e pesados de carregar e os põem sobre os ombros dos
homens, entretanto eles mesmos nem com o dedo querem movê-los. Praticam, porém,
todas as suas obras com o fim de serem vistos dos homens; pois alargam os seus
filactérios e alongam as suas franjas. Amam o primeiro lugar nos banquetes e as
primeiras cadeiras nas sinagogas; as saudações nas praças, e o serem chamados mestres
pelos homens" (Mt 23.2-7).

Com ironia, que veio a ser um dos ingredientes da sátira, tratou o apóstolo-filósofo
aqueles que negavam a ressurreição do corpo, citando entre suas ponderações o profeta
Isaías:

"Doutra maneira, que farão os que se batizam por causa dos mortos? Se absolutamente
os mortos não ressuscitam, por que se batizam por causa deles? E por que também nós
nos expomos a perigos a toda hora? Dia após dia morro! Eu o protesto, irmãos, pela
glória Que tenho em vós outros, Em Cristo Jesus nosso Senhor. Se, como homem, lutei
em Éfeso com feras, que me aproveita isso? Se os mortos não ressuscitam, comamos e
bebamos que amanhã morreremos" (1 Co 15.29-32).

Dramático
Do gênero dramático não há mal em que nos dispensemos de citar exemplos, pois são
notórias não poucas situações do povo de Israel em que se inspiram numerosos
capítulos dos livros que compõem o Antigo Testamento.

Não nos parece que se deva classificar como tragédia, ao contrário do que pensam
muitos autores, o inefável episódio do Gólgota.

Dante Alighieri, na portentosa obra em que condensa a teologia romanista do seu


tempo, sem exclusão das crenças populares, e na qual faz penar tantas criaturas, não
julgou que por isso lhe conviesse tal designação, e antes lhe chamou comédia, tendo em
vista o epílogo feliz do grandioso poema.

Ora, a morte de Jesus Cristo, predeterminada para resgate dos pecadores, não constituiu
desenlace que se devesse lastimar, mas uma transição gloriosa, com o seu clímax na
vitória da ressurreição.

Não se lhe pode chamar comédia, todavia, como à obra do celebrado poeta italiano,
porque esta palavra assumiu afinal uma significação menos solene, mas podemos
considerá-la, sem dúvida, a epopéia das epopéias, pela magnitude do seu sentido
espiritual e pelo seu conteúdo de sublime sacrifício - pois não representa apenas a
glorificação de um batalhador audaz em prol de um povo oprimido, mas a imolação do
próprio Filho de Deus para redenção de toda a humanidade.
Vê-se, pelo exposto, que a Bíblia é, realmente, o abundante manancial a que recorreram
estetas de todo o mundo para moldarem suas produções em prosa ou verso.

Suposto que outras obras de remota antiguidade tenham contribuído para inspiração de
poemas, notadamente épicos, é indiscutível que à ampla divulgação das Escrituras
Sagradas se deve a farta colheita dos mais variados gêneros com que se tem enriquecido
a literatura, religiosa ou secular, de todos os países cultos.

Notas
Para aclarar algumas noções que tenham ficado acaso incompletas, damos a seguir umas
poucas notas, com definições que se apresentam resumidamente:

1. Canto genetlíaco - composição lírica que celebra o nascimento ou aniversário de


uma pessoa.

2. Comédia - composição teatral em que predominam fatos alegres ou jocosos e que


termina de modo feliz.

3. Dístico - pequena estrofe, de apenas dois versos.

4. Écloga ou égloga - diálogo poético, em cenário rural, entre pastores ou camponeses.

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5. Epitalâmio - composição lírica em que se celebra a alegria do casamento ou


aniversário deste.

6. Epopéia - narração heróica de um grande empreendimento de caráter nacional ou


humano.

7. Idílio - poemeto lírico geralmente dialogado em que se exaltam os encantos da vida


rural. Amor poético e suave.

8. Madrigal - pequena composição lírica em que se exalta a beleza ou graça de uma


mulher.

9. Ode - composição poética em que se louva uma pessoa ou coisa.

10. Sátira - poemeto em que se apontam e reprovam defeitos de um indivíduo ou da


sociedade.

11. Tragédia - composição teatral caracterizada pelo predomínio de acontecimentos


tristes que culminam com um desfecho infeliz.

12. Verbo dinâmico - é aquele que exprime atividade, movimento, e não apenas estado
ou qualidade.

13. Verbo estático - é o que exprime estado, quietação, repouso, condição.


14. Gênero literário - é a modalidade de composição em prosa ou verso que se
caracteriza pelo fim a que se destina: instruir, convencer, exaltar pessoas ou ações,
externar sentimentos, censurar costumes, divertir, etc.

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