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yorubá
Orality and new literacy studies: reports of experiences in a Yoruba course
ABSTRACT: In problematizing Ong's 'great division' and the dichotomy between literacy and
orality Brian Street inaugurates 'new literacy studies', taking a sociological approach. Such a
consideration constitutes a tool to question the dogmas instituted in formal education that
structured with hegemonic intentions promotes misunderstandings and prejudices. When
considering a possible form of literacy, it induces all the others to marginality and orality has
long integrated this second group. This work develops in the logic of problematizing this
context and methodologically brings the experience of a course of the Yoruba language
occurred in the city of Juazeiro, as an experience report.
Uma das formas de combate é o conhecimento e a representação das muitas e ricas formas
como nosso povo se comunica e se forma sujeitos culturais. Como são múltiplos os sujeitos
habitantes deste país/continente, são múltiplas as suas formas de interpretar a vida e elaborar
sentidos para ela. Com a perspectiva de evidenciar o sentido real “aquilo que, resistindo a toda
caracterização absoluta, se apresenta como estritamente singular, como único” (SODRÉ,
1988, p. 38) das elucubrações filosóficas deste texto traz-se a língua yorubá como exemplo de
prática de letramento oral “são modos culturais gerais de utilização do letramento aos quais as
pessoas recorrem a um evento específico” (BARTON in STREET, 2014, p. 18), dentre as
inúmeras formas de praticar o yorubá elege-se neste contexto o curso como evento de
letramento, pois “a pertinência de uma fala ou de um discurso depende de seu instante, de sua
ocasião particular. Não há verdade absoluta, e sim práticas de fala, jogos discursivos, espaços
ritualísticos de linguagem” (SODRÉ, 1988, p. 136-137).
Para tal trabalho foi utilizado como procedimento metodológico a observação participante
de uma das aulas e entrevistas informais com o professor ministrante e três participantes do
curso, imagens das atividades e o áudio das entrevistas estão documentadas. A pesquisa
ocorreu no domingo dia 09 de julho de 2017, na Associação de Moradores e Amigos do
Bairro Quidé em Juazeiro no estado da Bahia.
A experiência do letramento social no curso de yorubá
A partir destas constatações sobre a abrangência da língua para além da palavra e sua
modernização a partir da compilação numa forma escrita são indícios significativos de que o
conteúdo e o contexto são fundamentais e rebate aquele primeiro mito sobre o que por muito
tempo estudos clássicos do letramento consideravam, trazido no início deste texto de que “a
forma é mais importante do que o conteúdo e o contexto”.
Street já critica tal afirmação no seu texto considerando o letramento como prática social
“serve para produzir sentido” (2014, p. 106), portanto informação, valores, ética, moral,
conceitos tudo isso citado está atrelado ao conteúdo, citação confirmada pelos testemunhos
das entrevistadas do curso quando a pergunta segue na direção de identificar as motivações
que as levaram até o curso:
Pra gente de terreiro ganha uma dimensão mesmo da vida, apesar da gente ter muito foco
na questão do sagrado, mas quando você está na religião de matriz africana toda sua vida se
modifica, (...) a gente tem toda uma forma de comunicação oral que ultrapassa as paredes
do terreiro, a gente vai mesmo no dia-a-dia até pra entender o ser humano, entender a
dinâmica da vida em sociedade, partindo do idioma, partindo dos fundamentos (...) O olhar
da gente quando a gente passou pela iniciação em terreiro muda, o olhar e a relação da
gente muda completamente porque traz outro sentido. (Makota Ioná Pereira)
Com opinião semelhante a Ioná, a educadora Suzana de Almeida acrescenta que além da
religiosidade, reverbera na sua prática profissional escolar “no estudo da história da África, da
cultura africana” e cita ainda a aquisição de habilidade comunicativa
a oralidade trabalha com a sonorização (…) ela me remete a uma memória, a partir dessa
memória agora eu consigo observar algumas palavras, (…) percebo que já ouvi aquele som
(…) Eu tinha uma limitação para a oralidade diferentemente de quem tem a limitação para a
escrita. O curso me estimulou a oralidade (…)
Outro resultado importante do curso foi avaliado por Maria Rosa Almeida Alves, ao
estudar a língua yorubá acessa-se conhecimentos ancestrais formadores do nosso povo e de
contestação a algumas afirmações defendidas pela mal contada história do Brasil, cujos
muitos equívocos são cometidos.
uma aproximação mesmo com o universo africano, não naquela perspectiva de que a África
está lá e eu aqui, mas numa perspectiva de diáspora contante e de que essas Áfricas são
muitas, são multiplicadas e que elas estão presentes de várias maneiras aqui no nosso
cotidiano e principalmente estão presentes no sertão, coisa também que alguns
pesquisadores diziam que no sertão não houve escravidão, mas a gente testemunha isso
com esses vínculos que ainda estão aqui permanentes, que a África também veio ao sertão e
ela continua se reinventando, hoje e atualmente.
Entre uma lição e outra as participantes compartilhavam memórias que ganhavam sentido
na compreensão do equivalente aos termos conhecidos oralmente transpostos para a forma
escrita. Pode-se inferir desta reflexão que pelo letramento formal vivenciado por todas ao
longo da vida, esta conversão tem sentido, ao passo que nos seus relatos a este trabalho todas
afirmam estar com os mais velhos as habilidades e informações mais importantes desta
língua, sendo desnecessário para eles, letrados no yorubá, a conversão material dos sons das
orações, dos cumprimentos e das lições de vida transmitidas pela língua. O conhecimento se
processava de outra forma.
Com isso, argumenta-se o outro mito que o estudo pretendeu questionar é que sem o
registro escrito da memória o resultado é o esquecimento das informações, talvez seja
necessário para uma geração ou para um grupo de pessoas, mas a oralidade está vinculada à
memória, as informações estão registradas na experiência de vida e nas práticas sociais
“imagens, rituais, narrativas, tudo isso transforma o evanescente em quase permanente”
(STREET, 2014, p 168).
Há além destes elementos uma ética nas culturas de tradição oral, sem uma representação
formal escrita, as palavras ditas são consideradas a própria pessoa, isso traz uma crença/
confiança no outro sem mediação de registros escritos, a mediação é imediata, direta e afetiva,
constrói uma proximidade entre os envolvidos na comunicação.
Por tudo o que foi descrito acima e fundamentado pelos estudos de Street e Sodré, resta-
nos considerar a importância do letramento como prática comunicativa, sendo assim
representada por variações de formas, o que demonstra sua riqueza e criatividade, elementos
definidores da complexidade cognitiva humana. Além disso é na interação social que a vida
ganha sentido e a comunicação interpessoal contribui na produção da cultura de um grupo.
Embora ainda prevaleça o status de um registro pelo outro, o escrito e o oral, não devemos
deixar de considerar que não é coerente admitir padrão quando indivíduos estão envolvidos no
processo, quando sua história é objeto de investigação científica ou gestão para políticas
públicas, reconhecer uma versão monocórdia da realidade é antiético, incoerente e desumano,
extrai dele sua potencialidade cultural. Deve-se sempre, como propõe Street conceber a
realidade de uma “perspectiva mais culturalmente sensível e politicamente consciente” (2014,
p. 143).
E assim, numa proposta que deseja fomentar os novos estudos do letramento precisa estar
atenta a entender não “qual o ‘impacto’ que o letramento tem sobre as pessoas, mas como as
pessoas afetam o letramento” (KULICK E STROUD in STREET, 2014, p. 124). É a
conversão do olhar, a ciência moderna deformou de tal forma o pensamento científico que
coisificou as pesquisas e a contemporaneidade experimentando um momento de ruptura desse
paradigma precisa voltar para a gênese da questão, onde tudo se origina, o ser humano. Em
vez de objetos de pesquisa, pesquisemos sujeitos, não para dominá-los, mas para aprender
com eles.
Importante ressaltar que o letramento enquanto prática social não é um fim, é um processo
dinâmico que permeia toda a vida do sujeito tendo na aquisição de novas habilidades seu
objetivo mais sublime, a vida é uma conta de soma de conhecimentos, estamos no eterno
mundo do ensino-aprendizagem e ele é vivo, se renova e amplia.
Cada língua é única haja vista que sua estruturação se funda numa lógica muito particular
com a seleção de signos e seus significados associados, também possui múltiplas
modalidades: escrita, oral, gestual, leitura e cada uma delas requer um conjunto de habilidades
para sua compreensão e produção de sentido. A estas habilidades estão associadas atividades
cognitivas específicas e isto é letramento na língua, ou seja, o domínio de habilidades
múltiplas para sua compreensão.
O letramento não é único apenas porque possui muitas modalidades comunicativas como
também por ocorrer ao longo de toda uma existência social do indivíduo que, depara-se com
inúmeras formas de eventos dentro das práticas de letramentos sociais.
“O letramento, agora é evidente, não pode ser separado da oralidade com base seja na
coesão, seja na conectividade ou no fato de empregar recursos paralinguísticos em oposição
a recursos lexicais. Tampouco se pode sugerir que a língua oral é mais encaixada em
situações sociais e em ‘intercâmbios’, enquanto a escrita permanece independente e
autônoma”. (STREET, 2014, p. 187)
REFERÊNCIAS
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida: pro um conceito de cultura no Brasil. Rio de Janeiro:
Ed. Francisco Alves, 1988;
STREET, Brian. Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no
desenvolvimento, na etnografia e na educação. Tradução Marcos Bagno, 1ª ed. São Paulo:
Parábola Editorial, 2014.