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Arte e linguagem de cada distiplina envolvida, seus cial e usando o acervo conceituai

.
problemas específicos e seus mé­ de sua disciplina - no sentido
todos. De qualquer modo, a pos­ lévi-straussiano do termo, aplica­
Coletânea. Petrópolis, Editora Vo­
sibilidade de pensar objetos como da a um texto de ficção". Exercí­
zes, 1973. 141 p.
o discurso artístico ou a cultura cio brilhante e pioneiro, exempli­
de massa através do instrumental fica excelentemente o potencial da
e.la antropologia e da lingüfstica análise estrutural lévi-straussiana
está aberta, e caminha resoluta­ e a importância da antropologia
mente para o abandono de alguns para a compreensão da literatura
impasses já antigos nesta área: e dos fenômenos simbõlicos em
apesar das diferenças teóricas no geral. Ele demonstra -ainda como
AOSER'.TO DA MATfA
MILTON JOS� PiNTO
campo da análise do discurso, fica o "método" de Lévi-Strauss não
LUÍS FELIPE BAETA NEVES
ALENCAR GUIMAAÁES UMA
patente uma recusa geral do so­ se reduz a um receituário formal,
JOS� CÀRLdS ROORIGUE.S'
ANTôNIO S�AGlO UMA MENDONÇA
ciologismo ingênuo, das divisões mas que exige, ao contrário, o
pragmáticas entre os tipos de dis­ uso de "uma imaginação altamen­
curso e do isolamento tranqüilo te estimulada", no dizer de Poe,
de cada ciência social. A alterna­ citado em epígrafe. Registre-se,
ARTE E além disso, a coragem de Da Mat­
tiva que se busca pode ser resu­
LINGUAGEM
mida, em seus traços mais gerais, ta em sair de seu domínio acadê­
assim: trata-se de refinar a cor­ mico - .passo que continuaria
relação entre as formações "supe­ dando em suas obras, pois seu
VOZES
restruturais" e sua base social, último livro ( Ensai�s de antropo­
por meio de um estudo dos me­ logia estrutural, publicado recen­
canismos específicos das instân­ temente pela Vozes) retoma a
cias discursivas, que encontre a obra de Poe e traz um estudo so­
dimensão simbólica como objeto bre o carnaval.
A primeira impressão deixada pela teórico irredutível. Nessa busca Da Matta apóia-se na categoria
leitura da coletânea Arte e lingua­ se cruzam todas as ciências que de bricolage (Lévi-Strauss) que,
gem é a de uma inesperada hete­ vêm obtendo resultados satisfa­ qualificando o modo de operação
rogeneidade que não se explica tórios nas áreas do simbólico de­ do "pensamento selvagem", é
pela variedade de objetos analisa­ sua "competência", como as apon­ igualmente útil para a compreen­
da nos seis ensaios do livro: con­ tadas acima (antropologia, lingüís­ são do discurso artístico, que tam­
tos, romances, fotonovelas, histó­ tica·, psicanálise). E seu entrecru­ bém opera com um repertório
ria em quadrinhos, peça teatral. zamento, definindo a análise do limitado de signos (por razões
·Tal heterogeneidade resulta sobre­ discurso, coloca a seguinte· ordem histórico-sociais), reorganizando-o
tudo da diversidade teórica mate­ de questões, especialmente para o continuamente segundo suas ne­
rializada nos textos (além de di­ caso dos objetos · tratados pela co­ cessidades de expressão. O artis­
letânea da Vozes: o estudo das re­ ta é um bricoleur porque não cria
ferenças no grau de elaboração,
lações entre arte e linguagem an­ novos instrumentos de acordo com
na fecundidade e, simplesmente,
tecede epistemologicamente o es­ as situações (como faz o cientis­
na qualidade destes). Ela só será
tudo das relações entre arte e so­ ta), mas que se apropria de frag­
inesperada, entretanto, para quem
ciedade, o que não significa abso­ mentos do discurso da comuni­
supuser que a análise do discurso
lutamente uma incompatibilidade dade e da tradição,artfstica, deslo­
narrativo - rubrica que define a
entre as questões, que, de resto, cando seu significado, utilizando­
coletânea - consiste em uma teo­
são complementares. os para outra coisa. Poe, para
ria. A análise do discurso, efeito 131
Mas, vejamos como os autores Da Matta, é o bricoleur por exce­
mais ou menos direto da revolu­
de Arte e linguagem desenvolvem lência. Seria _mesmo um antropó­
ção "estruturalista" nas ciências
seus temas. O primeiro ensaio - logo estruturalista avant la lettre,
sociais, é antes um domínio pos­
Edgar Allan Poe, o 'Bricoleur': um na medida em que seus escritos
sível de objetos, aberto pela con­
exercício em análise simbólica - denotam uma preocupação expe­
fluência recente de disciplinas co­
é assinado por Roberto Da Matta. rimental, uma tentativa de cons­
mo a antropologia, a lingüfstica e
O autor é o nome mais conhecido truir modelos "cuja simplicidade
a psicanálise. A unificação teórica
dentre os que compõem a cole­ e possibilidade de manipulação
deste domínio, bem como a i:ons­
tânea: é antropólogo, diretor do lançasse alguma luz em áreas obs­
tituição de uma metodologia in­ Departamento de Antropologia do curas e de difícil conceptualização
tegrada, pertencem ainda a um Museu Nacional do Rio de Janeiro, da vida humana". Não deixa de
futuro problemático: em torno do possuindo vários trabalhos publi­ ser curioso observar um antropó­
objeto discurso, idealmente situa­ cados em livros e revistas espe; logo chamar seu "objeto" de an­
do num nível de abstração tal que cializadas, no Brasil e no exterior. tropólogo - lembremos, entre­
permitisse a sistematização e rela­ Seu ensaio, republicado aqui neste tanto, que Lévi-Strauss qualifica
tiva padronização de tratamento 1 ivro, data de 1965, e é, como es­ suas Mythologiques como sendo
de suas manifestações regionais creve o apresentador da coletânea, um mitq sobre a mitologia; e que,
(discurso artístico, político, míti­ "uma das primeiras tentativas para ele, a bricolage é o sujeito
co, científico), persiste uma po­ brasileiras de análise estrutural - e o objeto do discurso da antro­
lêmica onde pesam as tradições exercida por um antropólogo so- pologia.

Resenha bibliográftca
O conto "O Gato Preto" surge crito por Milton José Pinto, reto­ verossimilhança que, centrada no
como adequado ao exercício estni­ ma a problemática da teoria da sujeito empírico da narrativa, se
tural de Da Matta por sua proxi­ interpretação semântica dos dis­ estabelece na relação entre esse
midade com o mito: tematiza as cursos, à qual se vem dedicando, sujeito e o mundo empírico; é ela
relações entre os sexos e entre o "procurando mostrar que toda que fornece o contexto cultural
homem e os animais - proble­ leitura estrutural, em qualquer para leitura, ao apontar para um
mas caros ao antropólogo - e se nível que se coloque, é sempre referente (real ou imaginário).
caracteriza por uma harmonia e uma interpretação hipotética a Essa estrutura denotativa, em si,
concisão semelhantes à do mito. partir de um contexto de refe­ permitirá apenas uma leitura des­
Ele é ainda o tipo de narrativa rência, que não tem o caráter critiva que explicite o contexto.
"translingüística", isto é, que não ontológico de objetividade que Já a outra estrutura discursiva,
perde seu sentido quando tradu­ lhe empresta, por exemplo, Clau­ da ordem do mito, permite dar
zida (exatamente como o mito). de Lévi-Strauss" (L. F. Baeta Ne­ conta da conotação, da ambigüi­
Pode-se objetar aqui que essa pro­ ves, apresentador e organizador dade constitutiva da obra de arte.
ximidade com o mito, se facilita da coletânea). Partindo de uma Trata-se aqui do estabelecimento
o emprego do instrumental antro­ análise da novela "A hora e a de um metacontexto, não mais si­
pológico e tem importante valor vez de Augusto Matraga", de Gui­ tuado no sujeito empírico, mas
exploratório, não permite que se marães Rosa, o autor propõe-se num sujeito conceituai, que, dei­
possa avaliar em toda a sua ex­ a mostrar como "determinadas xando de operar com oposições
tensão a aplicabilidade do método estruturas lógicas a priori (arma­ locais, denotativamente identificá­
estrutural à literatura. O proble­ dura) são preenchidas num con­ veis, passa a atualizar oposições
ma fundamental da Poética - a texto cultural dado por determi­ míticas, cosmológico-metafísicas.
relação entre som e sentido, con­ nados valores semânticos redun­ O nível da conotação, ou da enun­
forme Jakobson - não aparece; dantes (código), gerando uma sé­ ciação (e não mais do enunciado,
e nos remetemos, como exemplo, rie de mensagens articuladas entre como na primeira estrutura) não
aos poemas do próprio Poe. si e que se imbricam na lineari­ pode ser objeto de uma descrição
A demonstração do autor ini­ dade aparente do discurso" . Es­ objetiva, ele exige uma interpre­
cia-se pela descrição dos poucos ses conceitos são originalmente tação. Caberá ao analista articular
elementos presentes no conto de lévi-straussianos, mas M. J. Pinto dialeticamente as duas estruturas.
Poe; a seguir, estudam-se as com­ divergirá, em sua interpretação, i= esta a hipótese que Milton José
binações dentro desse repertório de Lévi-Strauss. Roland Barthes Pinto procura ilustrar através da
que permit�m a emergência das (especia 1 mente por sua reflexões análise da novela de Guimarães
mensagens. i=-nos apresentada a sobre o nível conotativo do dis­ Rosa. Não nos arriscamos a ava-
máquina da narrativa numá pers·­ curso) e o semanticista A. J. Grei­ 1 iar tal hipótese; seria melhor es­
pectiva sincrônica que dá igual­ mas - responsável pela elabora­ perar desenvolvimentos posterio­
mente conta das mudanças suces­ ção de um método de análise se­ res por parte do autor. De qual­
sivas na posição dos elementos. mântica fundado em Hjelmslev, quer modo, pareceu-nos levar a
Recortadas as dimensões organiza­ Propp e, reinterpretado, Lévi­ contradições acentuadas quanto às
doras do "Gato Preto", da Matta Strauss - são as referências prin­ tendências dominantes na análise
analisa a posição dos personagens cipais do texto. Este termina com do discurso (Lévi-Strauss, Lacan
dentro dessas dimensões e as fi· uma tentativa de repensar a tipo­ etc. ) ; e o endosso das posições
guras que ocupam o papel de me­ logia dos discursos esboçada por teóricas da Nova Crítica francesa
diação entre ela�, permitindo sua Lévi-Strauss no Pensamento selva­ pode significar uma regressão da
ligação. A partir daí, torna-se_ in­ gem; a partir da identificação de análise literária a soluções pré-
132 teligível b sentido do conto. Ape­ dois níveis de leitura dos discur­ estruturalistas.
·

sar de seu caráter de esboço, não sos (denotativo e conotativo), M. "Economia e sociedade em Bon­
é difícil concordar com Da Matta J. Pinto situa a literatura, especi­ go-Bongo" é um interessante exer­
quando ele diz, na introdução a ficada segundo os gêneros literá­ cício antropológico (anteriormen­
seu ensaio, que decidiu republicá­ rios, no interior de um conjunto te publicado na revista Caderrios
lo porque sua análise "permanece de discursos (mito, ciência, jogo, de Jornalismo e Comunicação) de
de pé, quando comparada a certas rito) diferenciado internamente autoria de Luiz Felipe Baeta Ne­
tentativas de aplicação do método segundo a relação estabelecida por ves sobre um dos mais antigos e
estrutural (seja ele de Lévi­ cada tipo de discurso entre os dois resistentes exemplares da cultura
Strauss, Propp ou Barthes) à aná­ níveis de estruturação citados. de massa: a história em quadri­
lise em literatura". Gostaríamos Observe-se que a problemática do nhos Os sobrinhos do Capitão.
apenas de observar que a categoria "pensamento selvagem" e da bri­ Trata-se de uma descrição etnc;>­
bricolage pode ser substituída com colage, presente no artigo de Da gráfica do universo da história (a
vantagem, no artigo de Da Matta, Matta, vai ser retomada aqui, em ilha de Bongo-Bongo, seus habi­
pelo conceito de inconsciente, fun­ outras bases. tantes etc. ), e de uma análise da
damental na obra de Lévi-Strauss O problema central de M. J. estrutura familiar que liga os per­
e mais explicativo que a primeira: Pinto consiste em distinguir duas sonagens centrais da série, com
Mais marcadamente teórico que estruturas no interior do discurso suas práticas econômicas, seus sis­
o primeiro, o segundo ensaio - narrativo: uma superificial, icôni­ tema de poder e sua distribuição
Literatura: símbolo e mito - es- ca, dominada pelo princípio da de papéis sociais. O autor, evi-

Revista de Administração de Empresas


tando especulações antropológicas lico do autor, sua carga mítica e Trabalhando sobre D. Casmurr�,
sobre seu material, se atém a uma as oposições cosmológicas que o autor utiliza um instrumental
explicitação do que é dado se ver manipula. Através dessa análise cuja origem lingüística foi reela­
pela história: e, fazendo isso, vai em profundidade, o que se depre­ borada - e mesmo invertidz; -
sublinhar a significativa ausência ende do texto de Guimarães Lima pela obra do psicanalista Jacques
de informações que refinam uma é a vigência de vários níveis de Lacan. Os problemas que se de­
comunidade verossímil - as rela­ interpretação na obra de arte. Es­ batem no texto giram em torno
ções de parentesco são ambíguas sa questão: a polissemia do dis­ da constituição de uma teoria do
e imprecisas; a subsistência eco­ curso artístico, sua ambigüidade simbólico, baseada na postulação
nômica dos habitantes da ilha é. essencial, a dominância da conota­ dos planos real, simbólico e ima­
inexplicável; a historicidade é ra­ ção na comunicação artística etc. ginário da linguagem (Lacan). As
dicalmente abolida. As únicas di­ é muito mais antiga que o estru­ categorias de denotação e cono­
mensões enfatizadas pela narrati­ turalismo ou a análise do discur­ tação são retomadas e diferencia­
va consistem no que o autor cha­ so; ela vai aparecer em pelo me­ das internamente segur.ido a lógi­
mou de "sistemas de alianças de nos metade dos ensaios de Arte ca que rege a relação entre os
ação/ reta 1 iação" entre os persona­ e linguagem, mais ou menos ela­ · eixos sintagmático e paradigmáti­
gens, e na distribUição dos papéis borada, em posição secundária ou co do discurso. Preocupado ainda
sociais dentro ·da estranha família principal � mas esse problema com a diferenciação entre texto
dos "Sobrinhos do Capitão", dado comum receberá sempre soluções literário e ideologia, a inflexão
que estas dimensões são funda­ diferentes. Dentro dessa diversi­ teórica do texto de A. S. Men­
i"l)entais para o desenrolar das si­ dade talvez se possa aproximar o donça coloca-o em polêmica vir­
tuações centrais da história: os ensaio de Guimarães Lima com o tual com o ensaio de Milton José
"Sobrinhos do Capitão" são a hi;: de Milton José Pinto, na colocação Pinto present� nesta mesma co­
tória dos intermináveis conflitos do problema e tentativa de so­ letânea. t preciso avisar que o
entre grupos de aliança no seio da lução. ensaio de Antônio Sérgio Mendon­
diminuta comunidade de Bongo­ "Fotonovela: decomposição e ça não é de fácil compreensãO,
Bongo, a qual se perpetua fora do recomposição" ensaio de José Car­ seja pela dificuldade da própria
tempo num equilíbrio instável mas los Rodrigues reconstitui os "pa­ fonte teórica em que se baseia
sólido, mantido pela figura cata­ drões-modelo" que, socialmente (Lacan), seja pelo estilo não exa­
lizadora de Dona Chucruts, a Ma­ motivados, geram os produtos da tamente transparente do autor. D
mãe autoritária e bonachona. Co­ indústria cultural. Efetua-se pri­
mo descrição preliminar; a análise meiramente uma análise imanente Eduardo Viveiros de Castro
de L. F. Baeta Neves é instigan­ da narrativa de alguns textos de
te; abre caminho para um estudo f�tonovelas; decompondo-se esses
mais detalhado do material, bem textos segundo o modelo de Lévi­
como deixa ver a possibilidade Strauss para a análise dos mitos
de tratamento análogo de outros chegar-se-á então ao estabeleci­
exemplares de história em quadri­ mento de feixes de oposições se­
nhos e da produção da cultura de mânticas que subjazem aos tex­
massa em geral . 1 ndique-se ape­ tos. Construído o quadro de re­
nas a ausência de uma abordagem lações, decompostas as mensagens,
que envolva os aspectos visuais do torna-·se então possível entender a
material, uma análise da lingua­ mensagem da fotonovela, seu sen­
gem .gráfica do texto - mas isto tido geral - em outros termos,
é outra questão, que pede outros a ideologia que veicula. Aparece '133
instrumentos. nesse ensaio claramente a exigên­
O artigo de Alencar Guimarães cia imposta pela análise do dis­
Lima: "O pecado de João Agonia: curso: a abordagem "imanente"
vigência e duplicação do símbolo" precede .a abordagem " transcen­
·

trata de uma peça teatral do au­ dente", ou seja, é preciso cons­


tor português contemporâneo Ber­ truir o objeto discursivo em sua
nardo Santareno. Como indica o especificidade para depois articu­
título do ensaio, efetua-se aqui o lá-lo a outros objetos, discursivas
estudo da simbologia empregada ou não. A função social da foto­
pelo dramaturgo, suas raízes na novela, por mais diretamente cons­
tradição popular, e o modo pelo titutiva que seja quanto a esta, só
qual a. mensagem básica da peça . pode ser encontrada em toda a
se desdobra em símbolos redun· sua significação se se construir o
dant.es, que a análise revela expri­ õbjeto
· fotonovela - ·e não tomá­
mirem a mesma relação em regis­ lo como dado.
tros diferentes. O levantamento Finalmente, temos Antônio Sér­
dos motivos recorrentes na obra gio Mendonça assinando " Comu­
de Bernardo Santareno permitirá nicação e linguagem", anterior­
a explicitação do universo simbó- mente publicado em três partes.

Resenha bibliográfica

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