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RESUMO
ABSTRACT
No presente texto, que se pretende um passo
introdutório para uma leitura consorciada da In the present text, that intends an introductory
Teoria do Direito com a Semiologia, vamos step for a joined reading of the Theory o f Law
procurar nos aproximar de alguns importantes with the Semiotics, we look for approaching to
conceitos da lógica clássica e da lingüística some important concepts of the classic logic and
através do seguinte trajeto: 1) cotejando aspectos the linguistics through the following passage: 1)
para uma tecnologia do discurso; 2) resgatando comparing aspects for a speech technology; 2)
alguns p rincípios da lógica clássica; 3) rescuing some principles of the classic logic; 3)
correlacionando a teoria do signo lingüístico com correlating the theory of the linguistic sign with
alguns aspectos da teo ria do D ireito; 4) some aspects of the Theory of Law; 4) observing
observando como a teoria do ordenamento how the Bobbio’s theory of the legal system
jurídico de Bobbio transita entre silogismo transits between A ristotelian silogism and
aristotélico e signo saussuriano, apontando para saussurian’s sign, pointing to a decision dogmatic
uma teoria dogmática da decisão. theory.
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silogismo aristotélico e signo saussuriano,
apontando para uma teoria dogmática da decisão.
E x istiria um a m aneira correta de
interpretar a lei? Essa questão tem levantado
muita polêmica há peio menos 250 anos, com o 1. Tecnologia do discurso democrático.
apogeu do Estado moderno e a consagração do
modelo ocidental de tripartição dos poderes. A Muito se tem falado sobre a globalização
afirmação de Montesquieu de que o juiz é uma da tecnologia democrática. Diversas embaixadas
marionete, “a boca que fala as palavras da lei” e consulados de diferentes países vêm estreitando
obviamente não visava denegrir tão nobre classe, planejamentos estratégicos de forma a colaborar
mas, pelo contrário, frisar o fato de que a lei teria com o grau líquido de cidadania em diferentes
substância e seria autovaíorativa ’. Bastaria, povos. Desse modo, alguns elementos são
portanto, ao servidor público, bem servir. O aferidos, desde os considerados mais básicos,
modelo francês revelava explicitam ente a como o respeito aos direitos humanos e a
influência da revolução liberal inglesa, para a existência de eleições livres, até o sucesso de
qual, na dicção de Locke, a lei seria a supremacia program as sociais e o incentivo à
e a base para uma convivência harmoniosa 2. descentralização de decisões face à conseqüente
Com Rousseau, a lei recebe nova ênfase, tratava- organização da sociedade civil.
se, então, de uma vontade geral a expressar a Certo que este modelo é também carregado
verdadeira soberania de um Estado3. de contradições e permite leituras as mais
O resgate da lógica aristotélica durante um diferenciadas. Enquanto o sociólogo português
bom período serviu como método a expressar Boaventura de Souza Santos propagandeia a
parâmetros mínimos que orientassem respostas democracia como contraface da globalização
com pretensões científicas. Afmal, as estruturas econôm ica, a preparar o palco para uma
silogísticas permitiam aproximar a linguagem do mundialização do socialismo 6, o presidente
rigor matemático, demonstrando correlações e americano, George W. Bush, em seu discurso de
abrangências entre termos e proposições. posse para o segundo mandato, em janeiro de
Diversas escolas jurídicas se pronunciam 2005, prometeu perseguir todas as tiranias do
no correr do século XIX. Ferraz Jr. destaca duas mundo (sic).
diretivas, a objetivista (voltada ao fato social e De todo modo, podemos afirmar que o
na qual a lei seria mera expressão ocasional) e a estatuto discursivo das diferentes sociedades
subjetivista (voltada à literalidade da lei como mundiais tornou-se um padrão através do qual
fundam ento para edificação de um a regra se pode mensurar a efetividade da cidadania, o
suprasocial). Aponta razões e contrarazões em reconhecimento de direitos e mesmo o acesso à
cada vertente, sugerindo que o século XX teria justiça. Se em diversas épocas a caneta já se
representado a junção dessas correntes4. revelou como arma mais forte que a espada, trata-
A obra de F erdinand de Saussure, se agora de reconhecer o apogeu da palavra, em
redefinindo os estudos em L ingüística e especial a palavra oral e o estatuto da alteridade,
cunhando o termo Semiologia abriu novas onde o reconhecimento da voz do outro, até então
perspectivas para os campos da interpretação, alijado do reconhecimento diante de discursos
que se espraiaram nas teorias de comunicação homogeneizadores, aponta para o direito à
emergentes 5. Com o apogeu do conceito de dissonância. Como dizia o músico João Gilberto,
interdisciplinaridade, áreas diferentes da ciência “os desafinados também têm um coração”.
começaram a elaborar plataformas comuns e, Talvez seja, então, o momento de falarmos
nesse sentido, a Ciência Jurídica vem a se sobre acesso ao discurso. Poderíamos apurar o
aproximar das Ciências da Linguagem e das grau de tecnologia democrática de uma dada
Ciências Sociais na tentativa de elaborar, de comunidade a partir de sua capacidade em
forma mais nítida, o campo que se convencionou organizar-se discursivamente e de fazer com que
cham ar de A nálise do D iscurso e, mais esse discurso tenha força para dialogar, em
detidamente, de Comunicação Dogmática. igualdades de condições, com os dem ais
Portanto, nesse passo introdutório, vamos discursos socialmente articulados. Tal dinâmica
procurar nos aproxim ar de alguns desses sócio-lingüística obviamente estaria exposta ao
conceitos, através do seguinte trajeto: 1) “Mercado Internacional das Idéias”. Mas, afinal
cotejando aspectos para uma tecnologia do de contas, não fora justamente este o estatuto do
discurso; 2) resgatando alguns princípios da humanismo desde Francis Bacon?7
lógica clássica; 3) correlacionando a teoria do Na nossa aldeia global comunicacional, as
signo lingüístico com alguns aspectos da teoria ciências sociais aplicadas recebem novos
do Direito; 4) observando como a teoria do estatutos, ampliando o campo da chamada
ordenamento jurídico de Bobbio ttansita entre comunicação dogmática. O Direito, em especial,
a um tempo comunicação e código de conduta,
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a um tempo literatura e contrato, é um campo como metonímia das Ciências Jurídicas e dos
documental e proposicional permanente, sobre poderes constituídos correlates então não mais
o qual as técnicas de análise do discurso cada se relacionaria com “Esquerdo” e se relacionaria
vez mais se debruçam, com renovado interesse. de forma positiva com “Justo” (“Todo Direito é
P esquisadores são levados a reler, com justo”) e de forma negativa com “Injusto” (“Todo
afastam ento critico , peças p ro cessuais e Direito não é injusto”). Desse modo, se, adiante,
coletâneas de jurisprudências, relativizando fosse possível determ inar, por exemplo, a
argum entos e passando a elaborar perfis vinculação do term o “Ju stiça” com
discursivos do Judiciário. “Democracia”, seria possível construir nova
Quando se fala em Teoria da Decisão proposição do tipo “Toda justiça é democrática”.
Jurídica procura-se aferir se aquela decisão Ora, o silogismo é a técnica que vai criar a
corresponde ao um plano lógico de articulação conexão ainda ausente, estabelecendo a união
discursiva, consentânea com os propósitos de entre os termos “Direito” e “Democracia”.
uma tecnologia discursiva dem ocrática. E Descrevendo do modo aristotélico:
quando se fala em Teoria da Motivação da
Decisão, sublinha-se que a atuação do juiz não é Premissa M aior: Todo Direito é justo
mais centrada no auto-convencimento, mas na Premissa M enor: Toda justiça é democrática
atuação do especialista discursivo que garantiu Conclusão: Todo Direito é democrático
que as diferentes vozes obtiveram acesso ao
discurso e que o resultado discursivo produzido N a teoria dos conjuntos da lógica
é um produto da racionalidade. simbólica, o conjunto “Direito” estaria contido
no conjunto “Justo” que, por sua vez, estaria
contido no conjunto “Democracia”.
2. Lógica silogística.
Como se sabe, Aristóteles lançou as bases
da metodologia científica ao elaborar a Lógica
como uma técnica de apoio a todas as ciências.
No correr dos séculos, diversos autores vieram
a trabalhai- a existência de uma lógica pura,
distinta da lógica aplicada. Nesse sentido, através
de um mecanismo sim ples de aferição de
conclusões - o silogismo - estaria proposta uma
espécie de átomo da ciência. Cada complexo de
afirmações deveria, então, ser fractuado em
afirmações menores, as mínimas possíveis, as
quais deveriam passar pelo crivo do silogismo. O silogism o poderia ser exam inado
Se fosse possível reconstruir a afirm ação também quanto às funções técnicas de seus
complexa, de forma concatenada, constatar-se- termos. Assim:
ia um avanço científico.
O silogism o aristotélico clássico é a PM (Premissa M aior): Todo (PLqt -Palavra
comprovação da vinculação de dois termos lógica quantificadora) Direito (T - Termo maior)
criando uma proposição; se um desses termos é (PLql - Palavra lógica qualificadora) justo (M
vier a se vincular a um terceiro termo, em - Termo médio)
determinadas proporções comuns a ambos, seria Pm (Premissa Menor): Toda (Plqt) justiça (M)
possível estabelecer uma nova conexão, até então é (PLql) democrática (t - Termo menor)
inédita, ou, pelo menos, que ainda não havia sido Cl (Conclusão): Todo (PLqt) Direito (T) é (PLql)
comprovada. democrático (t).
Tomemos, por exem plo, os term os:
Esquerdo —Direito - Justo —Injusto. Centrando Como também pode ser reduzido a uma
nossa análise no termo “Direito’'' teríamos que fórmula do tipo:
defmir sua extensão, uma vez que a palavra em
si perm ite um a gam a diferenciada de PM: Todo A é B
significados, podendo ter o sentido de direção, Pm: Todo B é C
de atitude correta, de Ciência Jurídica, de Poder Cl: Todo A é C
Judiciário etc. A ssim , se aceitarm os sua
semântica como externando direção, o termo se Importante notar que, pela chamada “teoria
relacionaria com o termo “Esquerdo” e não com do terceiro excluído” (tertium non daíur), em
os termos “Justo” e “Injusto”. De forma distinta, lógica ou se afirma ou se nega, não existe uma
se considerarmos que o termo “Direito” funciona outra possibilidade (não se indaga, não se
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questiona). O campo proposicionaJ é feito de Cl: João é criminoso” ou “PM: Esbulho é crime/
assertivas - externadas nas palavras lógicas Pm: O MST esbulha/ Cl: O MST é criminoso”
qualificadoras - tomadas como premissas a partir estarão corretos tecnicamente, mas, obviamente,
das quais se pretende deflagrar uma conclusão. dificilmente passariam por um exame acurado
Se as premissas estiverem corretas, a conclusão das premissas, que traria a necessidade de
forçosamente também estará, se respeitadas as relativizar caso a caso, apurando a conceituação
regras de composição do silogismo. Muitas de termos e a deflagração de proposições.
vezes, portanto, a questão relativa à motivação Por sua vez as palavras lógicas
de uma decisão pode estar no exame acurado das quantificadoras limitam a leitura sobre os
premissas. Caso contrário, o decididor poderá conjuntos simbólicos em dois tipos centrais:
estar a camuflar na técnica boas doses de Todo (o conjunto inteiro) e Algum (parte do
preconceito ou de ideologia. Afinal silogismos conjunto). Com esse molde básico é possível
do tipo: “PM: Matar é crime/ Pm: João matou/ elaborar o chamado Quadrado Lógico:
Unidade: Completude:
Ordenamento estático Critério cronológico Espaço jurídico vazio
Ordenamento dinâmico Critério hierárquico Norma gérai exclusiva
Critério de especialidade
O ordenam ento ju ríd ic o tra d u z sua (sucessões), ou, caso se queira, para eixos
integridade pela presença constante de seus três sintagmáticos e paradigmáticos. Descreve o
elementos, a fazê-lo, a um tempo, uno, coerente ordenamento estático como substancial, e o
e com pleto. M uito bem; todavia, em sua associa ao jusnaturalismo, ao passo que, quanto
definição de unidade, Bobbio chama a atenção ao ordenamento dinâmico, classifica-o de formai,
p ara aspectos estáticos e dinâm icos do e o associa ao positivismo. Ora, o resultado final
ordenam ento, vale dizer, para aspectos é o que poderíamos chamar de signo jurídico, a
sincrônicos (simultaneidades) e diacrônicos saber:
Como já visto acima, AE representam as temporal - uma norma, p. ex., pode ser válida
contrárias (não podem ser verdadeiras ao mesmo de dia e não de noite espacial - uma norma
tempo, mas podem ser falsas conjuntamente), pode proibir num lugar e não em outro -; pessoal
AO e EI representam as contraditórias (não - uma norma pode proibir menores e não adultos
podem ser falsas nem verdadeiras ao mesmo -; material - uma norma pode proibir, p. ex.,
tempo), IO representam as subcontrárias (não apenas determinados tipos de cigarros). As
podem ser falsas ao mesmo tempo, mas podem antinomias assim identificadas seriam de três
ser ambas verdadeiras) e AI e EO representam tipos: 1) to ta l-to ta l: as duas norm as
as subalternas (a verdade contida na parte é incompatíveis têm o mesmo âmbito de validade;
abrangida pelo todo). 2)parcial-parciah as duas normas incompatíveis
Das regras lógicas apontadas, Bobbio têm âmbito de validade em parte igual e em parte
d estaca três casos de in com patibilidade diferente; e 3) total-parcial. uma das normas tem,
normativa (AE, AO e EI): na íntegra, âmbito de validade igual a parte da
outra. Bobbio faz ainda uma ressalva no sentido
1) entre uma norma que ordena fazer algo de apontar a existência de antinom ias
e uma norm a que p ro ib e fa z ê -lo impróprias, com referência ao fato de que um
(contrariedade); ordenamento jurídico pode ser inspirado em
2) entre uma norma que ordenafazer e uma valores contrapostos. Nesse caso, poder-se-ia
que permite não fazer (contraditoriedade); falar de antinomias de princípio, que não são
3) entj-e uma norma que proíbe fazer e uma antinomias propriamente ditas, mas podem
que permite fazer (contraditoriedade). 18
deflagrar normas incompatíveis. Outro tipo
impróprio de antinomia seria a antinomia de
Todavia, para que possa ocorrer antinomia avaliação, quando, por exemplo, uma norma
são necessárias duas condições óbvias: as duas pune um delito menor com uma pena mais grave
normas devem pertencer ao mesmo ordenamento do que a infligida a um delito maior. Um terceiro
e as duas normas devem ter o mesmo âmbito de tipo seriam as antinomias teleológicas, traçando
validade (considerados os quatro âmbitos:
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uma oposição entre as normas meio e as normas enfrente uma de três possibilidades: 1) eliminar
fim (ao se aplicar a norma que prevê o meio não uma das normas; 2) eliminar as duas normas; 3)
se alcança o fim, e vice-versa). conservar as duas normas. Chama o primeiro
Resultam três critérios de resolução de caso de interpretação ab-rogante (ab-rogação em
antinomias: 1) critério cronológico - entre duas sentido impróprio, posto que o jurista não tem o
normas incompatíveis, sucessivas, terá validade poder normativo) - onde o juiz tem o poder de
a norma posterior; 2) critério hierárquico - entre não aplicar a norma que julgar incompatível no
duas normas incompatíveis, em níveis diversos, caso concreto. No segundo caso, tratar-se-ia do
prevalece a hierarquicamente superior; e 3) exem plo vinculado a uma oposição de
critério da especialidade — entre duas normas contrariedade e, portanto, na dúvida entre a
incompatíveis, sendo uma gera! e outra especial, obrigação e a proibição, o intérprete poderá ser
prevalece a segunda. induzido a considerar que as duas normas
Pode, contudo, ocorrer casos de contrárias se excluem uma à outra, não sobrando
insuficiência dos critérios e de conflito entre os nenhuma das duas (dupla ab-rogação). O terceiro
critérios. Na primeira hipótese, de insuficiência caso, conservando am bas as normas
de critérios, que Bobbio também chama de incom patíveis, seria aquele para o qual o
antinomias insolúveis ou de antinomias reais, o intérprete recorre com mais freqüência, buscando
intérprete é abandonado a si mesmo. Tais casos, eliminai- a incompatibilidade. Vale dizer, trata-
como adverte, são mais freqüentes do que se pode se de dem onstrar que não existe uma
imaginar. Correspondem à situação de duas incom patibilidade de fato, que a
normas incompatíveis que se encontrem no incompatibilidade é puramente aparente e, como
m esm o código, sendo, portanto, tal, deriva de uma interpretação ruim, unilateral,
contemporâneas, do mesmo nível e ambas gerais. incompleta ou errada de uma das normas ou de
Que fazer? Ora, Bobbio se socorre mais uma vez ambas.
da lógica formal, esclarecendo que, embora não Na segunda hipótese aventada acima,
exista uma quarta regra, alguns aspectos formais podem ocorrer conflitos entre critérios. Sendo
poderão ser considerados. Desse modo, segundo três os critérios, três tam bém serão as
a forma, e como já visto, as normas podem ser possibilidades de conflito. No caso de um
de três tipos: imperativas (obrigam), proibitivas conflito entre o critério hierárquico e o
(proíbem ) e p erm issiv a s (não obrigam ). cronológico, prevalece o hierárquico,
Estabelecendo uma graduação de prevalência obviamente, em razão do próprio conceito de
entre estas três formas, poder-se-ia imaginar um hierarquia. Quanto a um conflito entre o critério
conflito entre uma norma permissiva e outra de especialidade e o cronológico, de igual
norma imperativa ou proibitiva, prevalecendo a maneira prevalece o de especialidade (embora
permissiva, em razão do cânone interpretativo não com a mesma pujança do caso anterior). Vê-
segundo o qual. em caso de ambigüidade, a sc, portanto, que os critérios de hierarquia e de
interpretação favorável prevalece sobre a odiosa. especialidade são mais fortes em face do critério
Para esse efeito, subtende-se que uma norma cronológico, mais fraco. Na úitima possibilidade,
permissiva representa uma liberdade, enquanto face a um conflito entre os critérios fortes, ou
um a norm a im perativa ou p roibitiva seja, entre o critério hierárquico e o de
representariam uma obrigação e uma sanção, especialidade, uma resposta segura é impossível.
restringindo aquela liberdade. Contudo, por se A princípio deveria prevalecer o critério
tratar de um conflito entre normas contraditórias, hierárquico, mas m uitas vezes princípios
mesmo esse cânone necessitaria ser relativizado, constitucionais se valem de normas especiais
posto que o problema real a ser colocado não para sua efetividade, o que colocaria em xeque a
seria a prevalência entre as normas, mas sim questão. O mais recomendável seria o exame de
determinar qual dos interesses em conflito é justo caso a caso.
fazer prevalecer. Do mesmo modo, no conflito Enfim , quanto à com pletude do
entre duas normas incompatíveis, em que uma ordenamento, considerando que este tem de ser
norma é imperativa e a outra é proibitiva, do tipo capaz de responder a todas as questões do
AE, tratam-se de normas contrárias e que. universo da comunicação pragmática - tem de
portanto, não podem ambas ser verdadeiras, mas existir uma norma para regular cada caso -,
podem ser ambas falsas. Nesse caso, o tertium é Bobbio apresenta duas teorias. Na primeira
a permissão. delas, diz-se que existem leis sobre todos os fatos
Bobbio, porém, reconhece que essas jurídicos relevantes e que as chamadas lacunas
regras, deduzidas da forma, não têm a mesma representariam, na verdade espaços jurídicos
validade daquelas deduzidas dos três critérios vazios, ou seja, fatos sociais que ainda não
(cronológico, hierárquico e da especialidade), alcançaram relevância jurídica. Não haveria,
sugerindo, então, que, de uma maneira mais portanto, de se falar propriamente em lacuna
geral, no caso de antinomias reais, o decididor ju r íd ic a , mas da esfera do juridicam ente
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irrelevante e, logo, dos limites do campo jurídico. regulam entado, aplicando a norm a geral
Essa teoria, atribuída ao ju risfiló so fo inclusiva.
novecentista Karl Bergbohm, é questionada em Ora, como se pode acompanhar até aqui,
seu fundamento lógico, afinal perm itiria se vimos que a preocupação científica de Norberto
conceber que uma determinada situação fosse, Bobbio é justamente a de criar um marco teórico
ao mesmo tempo, nem lícita nem ilícita. Ora, que consiga abranger toda uma verdadeira
termos contraditórios não podem se excluir lingüística pragmática sincrônica. Ao tempo em
mutuamente, pois se não podem ser ambos que Ferdinand de Saussure assegurava uma
verdadeiros tampouco podem ambos ser falsos. plataforma de estudos que abrangeria desde as
O erro do teorema estaria no fato de Bergbohm entidades concretas da língua, com seus métodos
estar a considerar jurídico como equivalente a de delim itação, passando por identidades,
obrigatório. Lembra Bobbio, mais uma vez, que realidades e valores, até estabelecer relações
a esfera ju ríd ic a se co nstitui de norm as sintagmáticas e associativas, mecanismos da
imperativas, proibitivas e permissivas. O espaço língua e subdivisões da Gramática, Bobbio
jurídico vazio estaria desconsiderando a esfera procura fornecer um painel estruturalista que
permissiva. permita tomar o ordenamento jurídico enquanto
A segunda teoria relativa à completude do comunicação dogmática.
ordenamento jurídico, uma vez rechaçada a Todavia, não se pode creditar a completude
existência de um espaço jurídico vazio, e do ordenamento jurídico unicamente à norma
tomando, portanto, como pressuposto, o espaço geral exclusiva. O próprio Bobbio adverte que,
ju ríd ico pleno, é a teoria da norm a geral entre os casos inclusos expressamente e os casos
exclusiva. Segunda esta, não existem lacunas em exclusos existe, em cada ordenamento, uma zona
Direito, pois o Direito nunca falta; ao expor uma incerta. Volta-se, portanto, para a interpretação,
norma, o Direito a um tempo delimita seu objeto classificando-a em dois tipos: interpretação
e exclui todos os demais. Algo próximo da textu a l e interpretação extra -textu a l ou
solução platô n ica para as indagações de integraüva, mas, salienta, nunca antitextual. Vale
Parmênides, quando, para a definição do ser que dizer, o conteúdo do universo (ordenamento)
é, acrescenta que o não-ser não é19. Desse modo: jurídico está tomado pela lógica lingüística.
No primeiro grupo, relativo à interpretação
Uma norma que proíbe fumar exclui da textual, relaciona, a partir do cânone positivista,
proibição, ou seja, permite, todos os os chamados meios hermenêuticos, com leves
comportamentos que não sejam fumar. Todos retoques. Assim os enumera: 1) meio léxico -
os comportamentos não-compreendidos na que define o significado dos termos empregados
norma particular são regulados por uma pelo legislador, m ediante a análise e a
norma geral exclusiva, isto é, pela regra que comparação dos contextos lingüísticos nos quais
exclui (por isso é exclusiva) todos os tais termos são empregados; 2) meio teleológico
comportamentos (por isso é geral) que não
sejam aquelesprevistos pela norma particular. -baseia-se no motivo ou finalidade para os quais
Poder-se-ia dizer, também, que as normas a norm a foi posta; 3) meio sistem ático -
nunca nascem sozinhas, mas aos pares: cada pressupõe a racionalidade do legislador, sua
norma particular, que podemos chamar de unidade e coerência, onde o conteúdo de uma
inclusiva, está acompanhada, como se fosse norma será esclarecido considerando-a em
por sua própria sombra, pela norma geral relação a todas as outras; d) meio histórico -
exclusiva. 20 utilização de documentos históricos diferentes
do texto legislativo, como, por exemplo, os
A esta teoria, atribuída a E. Zitelmann e, trabalhos preparatórios, para reconstruir a
com variações, a Donato D onati, Bobbio vontade do legislador.
contrapõe a idéia de uma norma geral inclusiva. M as é no segundo grupo, relativo à
Desse modo, a teoria da norma geral exclusiva interpretação extra-textual ou integrativa, que
teria como ponto fraco o fato de que, em um está em bojo uma concepção “diacrônica” do
ordenam ento, não existem apenas normas ordenamento jurídico. A partir de terminologia
particulares inclusivas e uma norma geral pega de empréstim o a Carnelutti, Bobbio
exclusiva que as acompanha, mas, também o com enta dois m étodos de integração do
comando, segundo o qual, diante de omissões e ordenamento: a heterointegração e a auto-
lacunas, o juiz deva proceder segundo princípios integração. Parece a descrição com a de um
gerais ou normas e matérias análogas. Assim, corpo cósmico a sofrer os ritmos de rotação e
frente a um caso não regulamentado, abrem-se translação.
duas possibilidades de solução: 1) considerá-lo
diferente do regulamentado e aplicar a norma
geral exclusiva 2) considerá-lo semelhante ao
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A hetorointegração pode ser operada que o autor faz entre elas é o fato de que a
através de recursos a ordenamentos diversos ou analogia legis cria uma nova norma jurídica, ao
de recursos a fontes diversas. A heterointegração passo que a interpretação extensiva expande uma
através de recurso a outros ordenamentos, norma para casos não previstos.
consiste na obrigação de o Direito positivo, em Por fim, a analogia iuris diria respeito à
caso de lacuna, recorrer ao Direito natural ou a auto-integração pela via dos princípios gerais,
outros ordenamentos positivos como no socorro normas fundamentais ou generalíssimas do
a ordenamentos anteriores no tempo, enquanto sistema, expressas ou não.
matriz histórica, ou do Direito Comparado ou Para terminar, destaquemos a seguinte
mesmo do D ireito canônico. Poderíam os constatação de Bobbio:
acrescentar, hoje, nesse sentido, os ordenamentos
de D ireito C om unitário. Q uanto a (...) não há nenhuma obrigação
heterointegração pela via de outras fontes juridicamente qualificada, por parte do
diversas, são destacados o recurso ao costume, legislador, de não contradizer-se, no sentido
enquanto fonte subsidiária da lei, o recurso ao de que uma lei, que contenha disposições
poder criativo do juiz, contumaz na common law, contraditórias, é sempre uma lei válida, e são
emitindo juízos de eqüidade, e o recurso às válidas, também, ambas as disposições
opiniões dos juristas, ou seja, à doutrina. contraditórias. Podemosfalar, quando muito,
nas ralações do legislador, de um dever moral
Já o método da auto-integração tem base de não contradizer-se, em consideração ao
em dois procedimentos: a analogia Jegis e a fato de que uma lei contraditória torna mais
analogia iuris (princípios gerais do Direito). É difícil, e às vezes vã, a administração da
interessante notar que Bobbio, diferentemente de justiça. Quanto aojuiz, que se encontrafiente
outros autores, aproxima bastante analogia legis a uma antinomia entre normas, por exemplo,
e interpretação extensiva, beirando o liame da de um código, ele também não tem nenhum
mutabilidade e da imutabilidade do ordenamento dever juridicamente qualificado de eliminar
jurídico. Busca em Aristóteles a fórmula de a antinomia. Simplesmente, no momento em
raciocínio por analogia, que apresenta com o que duas normas antinômicas não puderem
seguinte exemplo: ser ambas aplicadas no mesmo caso, ele se
encontrará na necessidade de aplicar uma e
desaplicar a outra. Mas trata-se de uma
MéP Os homens são mortais necessidade de fato, não de uma obrigação
(ou de uma necessidade moral). Tanto é
S é semelhante a M Os cavalos são verdade que as duas normas antinômicas
semelhantes aos homens continuam a subsistir no ordenamento, lado
a lado, e o própriojuiz num caso posterior ou
SéP Os cavalos são mortais21 outro juiz no mesmo caso (por exemplo, um
juiz de segunda instância) podem aplicar, das
Adverte, contudo, que a conclusão só é duas normas antinômicas, aquela que
válida se a semelhança em questão for relevante, anteriormente não fo i aplicada ou vice-
ou seja, se atingir uma qualidade que seja razão versa11
suficiente para a PM. Ora, a interpretação
extensiva também atua por analogia e a distinção Portanto, um desafio resta colocado: não
se trata, como ficou patente no esforço
C ON FL UENCIAS - REVTSTA ÍNTERDISCIPLINAR DE SOCIOLOGIA E DIREITO - PPGSD-UFF - página 38
metodológico de Bobbio, de produzir atos isolados
de entendimento ou de interpretação, mas LEROY, Maurice. As grandes correntes da
decorrelações e resultados racionalemnte fundados. lingüística moderna. Tradução de Izidoro
Cabe, doravante, ao decididor fundamentar, Blikstein, José Paulo Paes e Frederico Pessoa
motivando, a resolução dos conflitos, corno parte de Barros. São Paulo: Cuitrix, 1982.
de uma prestação de serviço racionalmente fundada
e enquanto parcela de um a pragm ática da LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo.
comunicação normativa. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.