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Confronto entre Princípios Da Administração Pública

Análise do Acórdão n.º 0870/17 de 20 de dezembro de 2017 do Supremo Tribunal


Administrativo

Introdução:

O objetivo do seguinte Post, passa por analisar o Acórdão nº 0870/17 de 20 de


dezembro de 2017 do Supremo Tribunal Administrativo (doravante STA). Assim, torna-
se necessário atribuir particular relevância à matéria do curso de Direito Administrativo
II relativamente aos Princípios, uma vez que estarão em conflito respetivos Princípios
basilares da Administração Publica, que em caso algum podem ser violados. Mas será
que podem prevalecer uns sobre os outros em determinadas situações justificadas e
fundamentadas?
Para uma resposta à questão colocada, desenvolver-se-á um balanço da colisão
destes Princípios presentes no mencionado Acórdão.

Questão Jurídica:

A principal questão jurídica que se retira desta análise, baseia-se no confronto


entre, por um lado, o Princípio da proteção de dados (Art 80º do Código Civil – Doravante
CC), o Direito à Reserva da Intimidade da Vida Privada (Art 18º do Código do
Procedimento Administrativo – Doravante CPA) e, de outro, o Princípio da
Administração Aberta (Art 17º do CPA) e o Direito de Acesso à Informação (Art 268º n1
da Constituição da República Portuguesa – Doravante CRP). Sendo, também possível,
adicionar uma outra questão, que assenta na avaliação da decisão do STA à luz Princípio
da Proporcionalidade (Artigo 7º do CPA).

Factualidade:

Após a decorrência de um concurso público para o cargo de Diretor de Serviços


da Direção de Serviços dos Recursos Humanos e Formação, “aberto pelo Aviso n°
4870/2016, n° 71, de 12 de Abril de 2016”1, ao qual a Recorrida deste Acórdão foi
candidata, esta dirigiu no dia 2 de dezembro de 2016, um requerimento à Diretora-Geral
da Administração Escolar, solicitando que lhe fosse “disponibilizada toda a informação
relativa ao mencionado concurso (…) a que os candidatos têm direito (…) nomeadamente
as atas, incluindo as da respetiva preparação, da definição de critérios e das classificações
dos candidatos, bem como a respetiva fundamentação” 2, invocando, deste modo, os
Artigos 83° e 84° do CPA.

Foi-lhe assim facultada, no dia 14 de dezembro de 2016, a documentação relativa ao


procedimento concursal, designadamente as fichas de avaliação curricular e as
entrevistas. No entanto, a Requerente do Acórdão (Diretora-Geral da Administração
Escolar), ocultou a identificação de todos os restantes candidatos do respetivo concurso.

Insatisfeita com tal limitação, que na sua opinião, era injustificada, a candidata interpôs
uma ação no Tribunal Administrativo Central de Lisboa (doravante TAC), que para sua
infelicidade, não lhe atribuiu razão. Desta forma, com o objetivo de obter tais
informações, que afirmava a sujeita, possuir interesses superiores aos dos titulares dos
respetivos dados, recorreu ao Tribunal Central Administrativo Sul (doravante TCAS),
que revogou a decisão do TCA, dando razão à candidata. Por sua vez, o Ministério
Público da Educação interpôs um recurso de revisão desta decisão ao STA.

Alegações e Contra-alegações:

Uma primeira discussão, passa por saber se a questão jurídica em causa é suscetível de
ser admitida no STA, porque de acordo com o Artigo 150º/1 do Código do Processo dos
Tribunais Administrativos (doravante CPTA), o STA tem apenas competência para rever
decisões da segunda instância que sejam proferidas pelos TCA, “quando esteja em causa
a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de
importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária
para uma melhor aplicação do direito”. Deste modo, a Recorrente, no sentido de fortalecer
e manter coerente a decisão revista, refere que matéria da proteção de dados pessoais tem

1 Ac. do STA de 20/12/2017, p. 4.


http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c55aff4669f54d38025820c005b160e?
OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,União,Europeia
2 Ac. do STA de 20/12/2017, p. 4.
uma relevância fundamental para o legislador, tanto a nível nacional como europeu,
acrescentando ainda, que a matéria dos procedimentos concursais assume uma relevância
especial para o funcionamento da Administração Publica, e não havendo decisões prévias
do STA quanto a estas matérias, acaba por possuir uma grande relevância jurídica, por
ser uma situação que se pode multiplicar em numerosos processos contenciosos.

Para além destes argumentos, a Recorrente para justificar a razão deste recurso ao STA,
e para sustentar o anonimato dos restantes concorrentes, fundamenta que a documentação
solicitada pela Candidata ao concurso, continha dados pessoais de outros concorrentes,
invocando, desta forma, o Artigo 83º n2 do CPA, que determina a proteção legal dos
dados pessoais. Fez ainda referência, ao Artigo 6º alínea e) da Lei n.º 67/98 de 26 de
outubro, a partir do qual todo o sujeito que pretenda valer o seu direito à informação,
cabe-lhe o ónus de provar que “o seu titular deu de forma inequívoca o seu consentimento
ou se o tratamento for necessário para a prossecução de interesses legítimos do
responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados”.
Todavia, como a candidata não apresentou qualquer fundamento ou interessente legítimo
na consulta dos documentos pedidos, a Recorrente interpretou a atuação da primeira como
“mera curiosidade”3, não estando esta segunda obrigada à prestação de tal informação.

Por seu lado, a Recorrida contra-argumenta, salientando que a matéria debatida não se
insere no Artigo 150º/1 do CPTA, não podendo a decisão proferida pelo TCAS ser revista
pelo STA.

Direito:

Com destino à justificação da admissão da revista da decisão em causa, o STA mencionou


em primeiro lugar o Artigo 150º/1 e, consequentemente, o Artigo 150º/5 do CPTA. Neste
seguimento, o Tribunal defendeu ser essencial uma decisão do STA sobre esta matéria,
descrevendo-a como “a latitude dos direitos dos cidadãos no acesso à informação em
poder da Administração sobretudo, como é o caso, quando se sabe que essa informação
pode ser decisiva para o exercício do seu direito impugnatório” 4.

3 Ac. do STA de 20/12/2017, p. 2.


4 Ac. do STA de 20/12/2017, p. 3.
Deparamo-nos, de seguida, com um parecer emitido pelo EMMP, onde se faz referência
ao Artigo 146º/1 do CPTA, que atribui ao Ministério Público a prerrogativa de se
pronunciar sobre o mérito do recurso. No entanto, esta identidade mencionada optou pela
improcedência deste, argumentando que o acesso aos documentos administrativos por
parte dos cidadãos é um direito inerente à existência do Estado de Direito Democrático,
apesar de ser vedado com alguns limites, nomeadamente, quando choque com outros
interesses e valores constitucionais, como o que está em causa (a proteção da intimidade
e privacidade das pessoas), isto porque, como já mencionado previamente, o Artigo 3º
alínea a) da Lei n.º 67/98, alega que a identidade dos candidatos se refere a dados pessoais.

É neste sentido, que com a colisão entre dois grandes princípios - Princípio da
administração aberta e o Princípio da proteção dos dados pessoais – há que se realizar
uma ponderação dos mesmos, respeitando de tal modo, um outro principio - o da
Proporcionalidade.

Segundo o EMMP, os Artigos 18º e 83º do CPA salvaguardam sempre o acesso aos dados
pessoais dos particulares, e confrontando-os com o Artigo 6º alínea e) da Lei n.º 67/98,
que permite o acesso aos determinados documentos, caso se verifique a prossecução de
interesses legítimos, que na visão da entidade mencionada se encontra preenchido este
requisito, já que sendo a Recorrida uma concorrente do concurso, tem um interesse
legítimo em saber a identidade dos restantes, pois, só com toda essa informação na sua
posse, pode impugnar o respetivo concurso. Assim, o EMMP conclui que o recurso da
revista não merece provimento.

Não obstante, o STA analisou a procedência do recurso de revista, assim, numa primeira
instância o Tribunal apresentou a distinção entre direito à informação não procedimental,
que se pressupõe estar “conferido a todas as pessoas à margem de qualquer procedimento
administrativo, decorrente do princípio da administração aberta” e o direito à informação
procedimental que “pressupõe a existência de um processo pendente e um interesse direto
ou legítimo do destinatário da informação, ou seja, qualquer interesse atendível”5.

Refere ainda, com grande relevância, o Artigo 83º do CPA, que confere à Recorrida o
direito de “consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que
revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária,

5 Ac. do STA de 20/12/2017, p. 9.


artística ou científica”6, direito esse que abrange os documentos relativos a terceiros,
pelos termos do número 2 do já mencionado artigo. Desta forma, da interpretação do
STA, entende-se que se impõe à Administração a prova de que a disponibilização dos
documentos violam a proteção dos dados pessoais nos termos da lei, ou seja, cabia à
Recorrente deste acórdão, o ónus da prova de uma violação de dados pessoais. O que não
se verificou, ou se efetivamente se realizou, foi insuficiente.

O STA concluiu que esta questão se enquadra no Artigo 6º alínea e) da Lei n.º 67/98,
logo, o interesse legítimo em causa é o direito a impugnar o concurso. Portanto, não
bastava à Recorrida conhecer a classificação final atribuída a cada um dos que ficaram
melhor classificados, era também essencial a graduação dos restantes concorrentes, os
relatórios de avaliação, as respetivas classificações que foram atribuídas em cada um dos
critérios de seleção e a sua fundamentação com expressa referência aos documentos que
se referem a cada candidato. Sem este suporte documental, e mantendo-se o anonimato,
a Recorrida não tinha como exercer o seu direito de sindicar o ato.

Assim, o Acórdão termina estabelecendo que era improcedente ocultar os dados pessoais
dos restantes concorrentes, sendo lícito a Recorrida ter acesso a toda a informação pedida,
uma vez que, segundo o Princípio da Proporcionalidade, esta possuía um interesse direto,
pessoal e legítimo suficientemente relevante que pela sua própria natureza não precisa de
ser demonstrado. Deste modo, os interesses de informação da mesma, prevalecem sobre
os interesses dos candidatos em manter em segredo a sua participação num procedimento
que é público.

Análise Crítica:

Com base no balanço exposto do Acórdão selecionado, propõe-se realizar uma análise
crítica da decisão do STA.

Começaremos pela apreciação da admissibilidade do recurso de revista junto do Tribunal,


onde partilho dos seus mesmos argumentos para admitir tal recurso, na medida em que se
está a tratar de uma questão suscetível de repetição regular em concursos como este,
acabando, por efetivamente, existir uma grande relevância jurídica na sua decisão assim,

6 Ac. do STA de 20/12/2017, p. 10.


servindo como referência para o surgimento de casos semelhantes, que coloquem em
causa o Princípio da Proteção de Dados Pessoais e o Direito à Informação.

Neste sentido, cabe clarificar, sucintamente, o âmbito dos Princípios acima mencionados:

O Princípio da Proteção de dados, consagrado no Artigo 18º do CPA e Artigo 35º/4 da


CRP, segundo o Professor TIAGO FIDALGO DE FREITAS, define-se como uma “decorrência
do direito à reserva da intimidade da vida privada, que constitui outro direito fundamental
internacional e constitucionalmente protegido” 7. Este Princípio concede aos particulares
e entidades, o seu direito de proteção de dados pessoais por parte da Administração.

Mas afinal, o que se define por Dados Pessoais? A resposta é-nos dada pelo Regulamento
Geral sobre Proteção de Dados nº 679/2016, de 27 de Abril, constatando que são
“informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos
dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta
ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um
nome (…)”. Desde logo, podemos então concluir que o nome de cada candidato presente
no concurso, é considerado um dado pessoal.

Em contraposição, surge o Princípio da Administração Aberta, que impõe um dever de


divulgar a informação necessária aos requerentes, todavia, é um mero dever prima facie,
ou seja, não é um dever absoluto, pois, em todos os casos terá de se ponderar outros bens
constitucionais, tal como cita o Professor anteriormente mencionado.

Um outro aspeto de grande relevância que terá de ser abordado, é o Direito à Informação
que está ligado ao Princípio da Colaboração com os Particulares (Artigo 11º do CPA) e
ao Principio da Participação (Artigo 12º do CPA), que segundo os Professores JOSÉ
NORONHA RODRIGUES e DANIELA MEDEIROS TEVES, o primeiro “estipula que os órgãos
da Administração Pública devem atuar em estreita colaboração com os particulares,
prestando-lhes informação necessária e esclarecendo qualquer dúvida” 8 e o segundo,
“consagra a obrigatoriedade de os órgãos da Administração Pública assegurarem a

7 Cfr, TIAGO FIDALGO DE FREITAS, As restrições ao Direito à Informação Administrativa com


Fundamento na Proteção de Dados Pessoais: Algumas Notas, Direito à Informação Administrativa e
Proteção de Dados, Centro de Estudos Judiciários, (2021), p.115 Versão PDF disponível em
https://www.sgeconomia.gov.pt/ficheiros-externos-sg/arquivo/direito-a-informacao-administrativa-e-
protecao-de-dados-pessoais-centro-de-estudos-judiciarios-outubro-2021-
pdf.aspx#%5B%7B%22num%22%3A405%2C%22gen%22%3A0%7D%2C%7B%22name%22%3A%22
FitR%22%7D%2C-105%2C241%2C700%2C845%5D
8 Cfr, JOSÉ NORONHA RODRIGUES e DANIELA MEDEIROS TEVES, A Proteção de Dados Pessoais e a

Administração Pública, AAFDL Editora, Lisboa, (2020), p. 129.


participação dos particulares na formação das decisões que lhe digam respeito”9.
Enquanto, o Direito à Informação, está plasmado no Artigo 268º/1 da CRP, que pelas
palavras da Professora ALEXANDRA LEMOS RAMOS, “A maioria da doutrina entende que
(…) é um direito fundamental, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e
tem aplicabilidade direta”. 10

A Professora mencionada, indica ainda uma distinção entre, por um lado, informação
procedimental, regulada pelo Artigo 268º/1 da CRP e que tutela os interessados num
determinado procedimento administrativo, e tal como o Professor JORGE MIRANDA refere
“concretiza apenas no direito que assiste ao imediatamente interessado num procedimento
administrativo de ser informado sobre o andamento do mesmo, sempre que o requeresse
ao órgão responsável”11, relacionando-se também com Artigo 267º/5 da CRP, que
salvaguarda a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que
lhes disserem respeito. E por outro, informação não procedimental, prevista no Artigo
268º/2 da CRP, que como nos indica sucintamente a autora ALEXANDRA LEMOS RAMOS,
se prende com o direito à informação administrativa que qualquer cidadão possui,
incluindo o acesso aos arquivos e registos administrativos, à partida sem necessidade de
invocar qualquer interesse ou justificação. A autora salienta ainda, que o Artigo 17º do
CPA, acolhe o acesso à informação não procedimental, logo, “um direito geral de acesso
aos arquivos e registos administrativos”. 12

Como já diversas vezes mencionado, a Recorrida tinha um interesse direto e legitimo,


sendo por isso obvio, que no caso concreto, estamos no âmbito da informação
procedimental (Artigo 82º do CPA).

Já o importante Princípio da Proporcionalidade, previsto no Artigo 7º do CPA, pode ser


dividido em três dimensões, e de acordo com as palavras do Professor DIOGO FREITAS DO
AMARAL, impõe à Administração Pública que não adote medidas ou decisões que
excedam “o estritamente necessário para a realização do interesse público” 13.

9 Cfr, IBIDEM.
10 Cfr, ALEXANDRA LEMOS RAMOS, O princípio da administração aberta versus O princípio da proteção
dos dados pessoais, (2016), p. 13. Versão PDF disponível em
file:///C:/Users/Utilizador/Desktop/ulfd136607_tese.pdf
11 Cfr, JORGE MIRANDA, Constituição da República Anotada Vol. III, Universidade Católica Editora,

Lisboa, 2º Ed. revista, atualizada e ampliada, Lisboa, (2020), p. 538.


12 Cfr, IDEM, p. 18.
13 Cfr, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo Tomo II, Almedina, (2018), p. 112.
As três dimensões cumulativas do respetivo Principio, definidas pelos Professores
MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS14, são as seguintes:
Adequação (proíbe a adoção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do
fim que concretamente visam atingir); Razoabilidade (exige um juízo seguro de adoção
da medida e os seus custos gerais) e ainda a Necessidade (proíbe a adoção de condutas
que não sejam indispensáveis, sendo necessário a escolha da decisão menos lesiva,
havendo, portanto, uma certa obrigação de comparação com outras medidas possíveis e
adequadas).

Passaremos agora, a analisar a decisão final do STA, que entendeu improcedente o


recurso de revista, por considerar que o caso em questão, se enquadrava no Artigo 6º
alínea e) da Lei n.º 67/98.

Parece-me que esta foi a decisão correta, uma vez que, não tem qualquer cabimento o
argumento invocado pela Recorrente, segundo o qual a Recorrida, teria de possuir e
apresentar um interesse legitimo, tendo ainda de indicar uma hipotética intenção de
impugnar, se efetivamente quisesse impugnar o concurso. Todavia, no meu ponto de
vista, a Recorrida não pode nem consegue apresentar uma impugnação, se não tem
informações necessárias e suficientes, no sentido de realizar um juízo para impugnar.
Assim, entendo que o caso concreto se enquadrava na alínea e) do Artigo 6º, visto que a
Recorrida, sendo parte do concurso, teria um interesse direto e legítimo, que seria o
exercício do seu direito a impugnar o mesmo.

À luz do Princípio da Proporcionalidade, é ainda possível avaliar a conduta da


disponibilização dos nomes dos concorrentes. Deste modo, por um lado, entendo que a
conduta em causa era adequada, porque permitiria alcançar o fim da questão em juizo, ou
seja, a transmissão da informação e fundamentação necessária à concorrente. Por outro
lado, entendo ainda que a adoção desta conduta era fulcral, na medida em que era a
solução menos lesiva, significando isto que, atribuía à concorrente o estritamente
necessário para que esta exercesse o seu direito de impugnar. Considero ainda, esta
medida bastante razoável, pois apesar de se basear numa ingerência em dados pessoais

14
Cfr, MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral Tomo I,
Dom Quixote, (2004), pp. 207-209.
dos concorrentes, abrange uma escala relativamente pequena e justificada, como
verificado e analisado acima.

Cabe referir também que estando a Lei n.º 67/98 revogada 15, se este caso ocorresse
atualmente, a solução seria a mesma, já que o Artigo 6º/1 alínea f) do Regulamento Geral
sobre a Proteção de Dados, refere que “O tratamento só é lícito se (…) for necessário para
efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por
terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do
titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.”

Já que o legislador, mesmo após a revogação, decidiu manter a regra do “interesse


legítimo”, a Recorrida, na legislação atual, teria ainda o direito à informação, sem o
anonimato dos restantes concorrentes.

Conclusão:

Após a análise do Acórdão n.º 0870/17 de 20 de dezembro de 2017 do STA, evidencia-


se o confronto entre vários princípios essenciais do nosso ordenamento jurídico, que
devem sempre ser respeitados pela Administração Pública na resolução de conflitos.

Neste caso concreto, estava em causa o Princípio da proteção de dados, o Direito à


Reserva da Intimidade da Vida Privada, o Princípio da Administração Aberta e o Direito
de Acesso à Informação, tal como o Princípio da Proporcionalidade, presentes num
concurso publico, onde o objetivo era encontrar uma solução para o problema gerado,
sem violar nenhum destes princípios base da Administração.

Tendo em conta o que foi dito supra, o problema jurídico em causa, era quanto à
disponibilização das informações pessoais dos restantes concorrentes do concurso. Desta
forma, no sentido da resolução do conflito, concordo com a decisão do STA, estando este
caso enquadrado no Artigo 6º alínea e) da Lei n.º 67/98, isto porque a Recorrida tinha

15Antes do CPA de 2015 entrar em vigor, aplicava-se a Lei n.º 67/98 aos casos de proteção de dados
pessoais. Todavia, de acordo com a Professora ALICE MANUEL MADEIRA POSSACOS, esta Lei foi
revogada pela Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do
Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados. Cfr, ALICE MANUEL MADEIRA POSSACOS, A (necessária)
articulação entre o direito à informação administrativa e o regime de proteção dos dados pessoais numa
perspetiva atual, U.Porto, (2020), p. 50, acedido em https://repositorio-
aberto.up.pt/bitstream/10216/131577/2/437402.pdf
direito a exigir os nomes dos restantes concorrentes, visto que tanto a legislação revogada,
como na que está em vigor, lhe atribuem essa legitimidade, na medida em que tem um
interesse legítimo e direto na obtenção da respetiva informação que, como vimos, é o
direito de impugnar o concurso. Deste modo, os interesses de informação da mesma,
prevalecem sobre os interesses dos restantes candidatos em ocultar os seus dados
pessoais.

Beatriz Cerqueira Teixeira

Nº 66495

Subturma 12
BIBIOGRAFIA:

Acórdão nº 0870/17 de 20 de dezembro de 2017 do Supremo Tribunal Administrativo;


Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9c55aff4669f54d3802
5820c005b160e?OpenDocument&ExpandSection=1&Highlight=0,União,Europeia

DE FREITAS, TIAGO; As restrições ao Direito à Informação Administrativa com


Fundamento na Proteção de Dados Pessoais: Algumas Notas, Direito à Informação
Administrativa e Proteção de Dados, Centro de Estudos Judiciários; (2021); Versão
PDF disponível em https://www.sgeconomia.gov.pt/ficheiros-externos-
sg/arquivo/direito-a-informacao-administrativa-e-protecao-de-dados-pessoais-centro-de-
estudos-judiciarios-outubro-2021-
pdf.aspx#%5B%7B%22num%22%3A405%2C%22gen%22%3A0%7D%2C%7B%22na
me%22%3A%22FitR%22%7D%2C-105%2C241%2C700%2C845%5D

DO AMARAL, D IOGO; Curso de Direito Administrativo Tomo II; (2018).


MIRANDA, JORGE; Constituição da República Anotada Vol. III, Universidade Católica;
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POSSACOS , ALICE ; A (necessária) articulação entre o direito à informação


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RAMOS, ALEXANDRA; O princípio da administração aberta versus O princípio da


proteção dos dados pessoais; (2016); Versão PDF disponível em
file:///C:/Users/Utilizador/Desktop/ulfd136607_tese.pdf

RODRIGUES, JOSÉ e TEVES, DANIELA; A Proteção de Dados Pessoais e a Administração


Pública; (2020).

SOUSA, MARCELO e DE MATOS, ANDRÉ; DIREITO Administrativo Geral Tomo I, Dom


Quixote; (2004).

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