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PROC.º Nº 0357286078
Ação administrativa
SUMÁRIO: No presente caso, foram tidas em conta todas as matérias levantadas nos articulados,
nomeadamente no que se refere ao cumprimento dos requisitos processuais e aos vários pedidos formulados
em cumulação, designadamente a impugnação das normas do Decreto n.º 8/2020 e da Resolução do Conselho
de Ministros n.º 96-B/2020, e a indemnização por responsabilidade extracontratual. Em concreto, foram
analisados os princípios da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade. Ainda foi abordada a questão da
responsabilidade por factos ilícitos por danos decorrentes do exercício da função administrativa e da
responsabilidade por factos lícitos, mais especificamente a indemnização pelo sacrifício.
I. RELATÓRIO
A ASSOCIAÇÃO PÃO E VINHO (em diante designada AA 1), devidamente identificada nos autos, veio
apresentar a sua petição inicial nos termos do artigo 78.º do Código Processo nos Tribunais Administrativos
(CPTA) propondo uma ação administrativa, segundo os artigos 35.º e 37.º, nº1, alínea a), 72º e 73º do CPTA,
nomeadamente:
I. Uma ação de impugnação de normas constantes do Decreto n.º 8/2020
II. Uma ação de impugnação da Resolução do Conselho de Ministros de 12 de novembro, n.º 96-B/2020
BARRABÁS MARIA DE POMBAL MEIRELES (AA 2), devidamente identificada nos autos, em
coligação com a APV veio apresentar a sua petição inicial nos termos do artigo 78.º do CPTA propondo uma
ação administrativa segundo os artigos 35.º e 37.º/1, alíneas a) e k), 72.º e 73.º do CPTA, nomeadamente:
O CONSELHO DE MINISTROS, cuja secretaria geral tem sede na Rua Professor Gomes Teixeira, No 2,
1350-249 Lisboa.
Tendo sido devidamente citado para o efeito, o CONSELHO DE MINISTROS deduziu contestação segundo
os artigos 82.º e 83.º do CPTA defendendo-se por exceção e por impugnação. Veio apresentar a sua defesa,
por exceção quanto i) incompetência do tribunal ii) falta de indicação do pedido iii) ilegitimidade passiva, e
no mais impugnando o alegado pela requerente, concluindo no sentido da improcedência do pedido, por
considerar que as medidas tomadas são absolutamente indispensáveis na atual situação de pandemia, e as
mesmas cumprem integralmente todos os requisitos constitucionais e legais.
Foi deduzida contestação com fundamento no facto de a AA 1 ter remetido a sua petição inicial por correio
postal, preterindo, desta forma, o processo administrativo eletrónico. A revisão de 2019 veio efetivamente
alterar o paradigma do artigo 24.º CPTA, passando a instituir legalmente a obrigatoriedade do processo
eletrónico ao invés da mera preferência. Confirma-se, de facto, que as peças processuais e respetivos
documentos que as integrem dever ser entregues em formato digital. No entanto, ainda que não estejam
preenchidas as exceções dos n.º 4 e 5, o n.º 7 daquele artigo admite a digitalização dos documentos em casos
fora das exceções anteriormente referidas. A Portaria n.º 380/2017, de 19 de dezembro (art. 12.º), referida no
n.º 1, não contraria a disposição. Deste modo, não consideramos procedente a exceção invocada pelo
demandado.
III. OBJETO
O Conselho de Ministros alega que a AA 1 pediu apenas a impugnação do Decreto n.º 8/2020 e da Resolução
n.º 96-B/2020, porém, e de acordo com o regime de impugnação de normas e condenação à emissão de normas
(artigos 72.º e seguintes do CPTA), é necessário explicitar sob que fundamento é que se deve dar a
impugnação, já que a decisão não pode ser igual sem se saber a “modalidade” sobre a qual se devem impugnar
as normas. Se assim fosse, a inexistência de pedido configura uma exceção dilatória. No entanto, apesar de no
ponto 146.º da petição inicial da AA 1 esta efetivamente apenas requerer a impugnação das normas
regulamentares, não deixou de mencionar que o efeito pretendido seria a declaração de ilegalidade com efeitos
circunscritos ao seu caso (pontos 96.º, 100.º, 127.º e 128.º). Deste modo, não consideramos procedente a
exceção invocada.
A AA 1 procede a uma cumulação simples de pedidos, nomeadamente de impugnação das normas do Decreto
n.º 8/2020 e das normas da Resolução do Conselho de Ministros, n.º 96-B/2020. A admissibilidade desta
cumulação de pedidos alegada deve ser aferida tendo em conta os critérios definidos no artigo 4.º CPTA. Os
requisitos são, em alternativa, os seguintes: unidade da fonte das relações jurídicas controvertidas em virtude
de os pedidos se fundarem numa mesma causa de pedir; dependência entre os pedidos; conexão entre os
pedidos por dependerem da apreciação dos mesmos factos ou envolverem a interpretação e aplicação das
mesmas regras de direito. Aqui estaríamos perante a mesma causa de pedir relativamente aos dois pedidos,
pelo que se considera admissível a cumulação nos termos do art. 4.º/1 a).
A estes dois pedidos foi ainda cumulado pelo AA 2 um pedido condenatório de indemnização por perdas e
danos causados às grandes superfícies na sequência da limitação imposta pela referida Resolução. O artigo
4.º/2 contém uma lista exemplificativa de cumulações de pedidos, podendo o caso em apreço inserir-se na
alínea f), cumulando-se um pedido de condenação da Administração à reparação de danos causados, com os
pedidos anteriormente referidos, que se incluem na alínea b). Assim, também esta cumulação seria admissível.
A coligação é uma situação de pluralidade de partes que assenta numa pluralidade de relações jurídicas, neste
caso, quando vários autores litigam com um só demandado. Os requisitos para que se verifique uma coligação,
nos termos do artigo 12.º são os mesmos que dizem respeito à cumulação de pedidos e, por isso, o Tribunal
considera admissível a coligação das autoras, visto que a causa de pedir é a mesma (12.º/1 a).
A apensação é permitida nos termos do art. 28.º, de modo a que vários processos possam ser reunidos de forma
a serem tramitados num único processo, para promover a redução do número de litígios a apreciar pelos
tribunais. Esta só pode ter lugar quando se verifiquem os requisitos da cumulação de pedidos e da coligação
de autores ou réus previstos no 4.º/1 e 12.º/1. Neste sentido, estando verificados os pressupostos da cumulação
de pedidos e da coligação, e visto que os processos estão pendentes perante o mesmo juiz, é por isso de
conhecimento oficioso nos termos do 28.º/3 a determinação da apensação dos mesmos, devendo as ações em
causa ser reunidas num único processo.
V. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
1.1.Em razão da jurisdição
A competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais recai no julgamento de ações e recursos contenciosos
que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, de acordo
com o art. 212.º/3 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), sendo que esta competência se
3. PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
Nos termos do art. 11.º CPTA, nos processos de competência dos tribunais administrativos, é obrigatória a
constituição de mandatário. Os termos em que o mandato é conferido são regulados supletivamente pelos
artigos 43.º ss do Código de Processo Civil (CPC), segundo o disposto no art. 1.º CPTA. Ambos os AA
anexaram procuração forense às suas petições iniciais, conferindo poderes forenses para serem representados
nesta ação. As entidades públicas podem fazer-se patrocinar em todos os processos por advogado, solicitador
ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico. A representação do Estado pelo
Ministério Público (MP) era obrigatória e, com a revisão de 2019, passou a ser meramente uma possibilidade.
Quanto ao Conselho de Ministros, encontra-se representado pelo Ministério Público.
4. LEGITIMIDADE
4.1. Legitimidade ativa
Nos termos do art. 9.º/1, tem legitimidade ativa quem alegue ser parte na relação material controvertida. A
AA 1, sendo parte nesta relação material controvertida, tem legitimidade ativa para impugnar as normas aqui
em causa de acordo com o art. 73.º/1 a) CPTA. A AA 2 também se configura como parte na relação material
controvertida (9.º/1 e 73.º/1 a). Ambos os AA são diretamente prejudicados pela vigência das normas que
pretendem impugnar, pelo que ambos têm interesse processual na demanda.
5. FORMA DO PROCESSO
O processo segue a forma de processo comum da ação administrativa (35.º e 37.º CPTA) tanto para a
impugnação de normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo (37.º/1 d), 72.º e 73.º
CPTA), como para a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (ao abrigo
da Lei n.º 67/2007, 31 de dezembro). Esta observa a tramitação regulada nos artigos 78.º e ss.
6. ARROLAMENTO DE TESTEMUNHAS
Ambos os autores, de acordo com o artigo 78.º/4 CPTA, pretendem apresentar rol de testemunhas, requerendo,
deste modo, meios de prova. O mesmo deve ser feito no final da petição, podendo indicar, quando seja caso
disso, que os documentos necessários à prova constam do processo administrativo. No final da contestação,
os demandados devem apresentar o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer outros meios de prova.
De acordo com o artigo 90.º/1 CPTA, a instrução tem por objeto os factos relevantes para o exame e decisão
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da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova. De acordo com o n.º 2, a instrução
rege-se pelo disposto na lei processual civil, sendo admissíveis todos os meios de prova nela previstos.
Na ação administrativa de impugnação de normas regulamentares e de responsabilidade civil
extracontratual
1. César Baixo (dono da cadeia de hipermercados “Preço Minúsculo”, referido no ponto 12º dos factos -
Ponto 12º: Os representantes de algumas cadeias de hipermercados, como é o caso do “Preço Minúsculo” ou
“Elefante com um trevo”, vieram demonstrar a sua revolta e indignação publicamente). A apresentação desta
testemunha não acrescenta nada à ação, nem beneficia, os autores na ação, pois o mesmo não apresentou
qualquer tipo de demonstração da realidade dos factos. Não apresentou qualquer tipo de prova, seja ela
documental ou testemunhal. Sendo essa a função da prova, o arrolamento desta testemunha torna-se
dispensável.
2. Luísa Luís (cientista que conduziu o estudo realizado por equipas do Instituto de Saúde Pública da
Universidade do Porto e da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, em
colaboração com o Instituto Ricardo Jorge e a ARS Lisboa e Vale do Tejo, mencionado no ponto 14º dos
factos). Ponto 14º: De acordo com os estudos conduzidos por equipas do Instituto de Saúde Pública da
Universidade do Porto e da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, em
colaboração com o Instituto Ricardo Jorge e a ARS Lisboa e Vale do Tejo, a frequência de lojas, centros
comerciais ou restaurantes não parece estar associada a uma maior probabilidade de contrair o novo
coronavírus. No caso desta testemunha, que efetuou um estudo relativo à propagação do Covid-19, deveria
ter apresentado, em anexo, um documento, ou seja, uma prova documental, que sustentasse o estudo em
questão, o que não se verificou. Na primeira instância, os factos vão ser julgados pela primeira vez, por isso,
todos os meios de prova são admissíveis. Na audiência final, de acordo com o artigo 91.º/1 CPTA, há lugar à
realização de audiência final quando haja prestação de depoimentos de parte, inquirição de testemunhas ou
prestação de esclarecimentos verbais pelos peritos. Conclui-se, assim, que as provas testemunhais
apresentadas não são admitidas.
III. FUNDAMENTAÇÃO
1.DE FACTO
1.1. FACTOS PROVADOS
Quanto aos factos alegados pelo Ministério Público
– Dá-se provado pelo parecer em anexo que as medidas do Governo visam assegurar o bem comum através
da salvaguarda da saúde pública.
– É facto notório que as medidas do Governo não impedem os estabelecimentos de funcionar, sendo
permitidos serviços de entrega ao domicílio e, nos casos em que tal não seja possível, o Governo concede
apoio para mitigar as perdas.
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– Dá-se provado pelo parecer em anexo que é mais provável contrair o vírus em estabelecimentos de
restauração do que em espaços ao ar livre.
– Dá-se provado pelo parecer em anexo que a entrega ao domicílio não possui riscos de propagação
comprovados.
– É facto notório que, no contexto de uma pandemia, são proibidos ajuntamentos de pessoas tanto na via
pública como em espaços fechados.
– Dá-se provado pelo parecer em anexo que a maior dimensão dos estabelecimentos comerciais torna mais
difícil a tarefa de controlo da circulação; e que os estabelecimentos de restauração são propícios ao
ajuntamento de pessoas.
2.DE DIREITO
Da impugnação do Decreto n.º 8/2020 de 8 de novembro
- Violação do princípio da legalidade
Ambas as AA pediram a declaração de ilegalidade do Decreto n.° 8/2020 à luz dos artigos 73.º/2 e 74.º/1
CPTA. O argumento invocado relaciona-se com a falta de lei habilitante para a aprovação deste Decreto, sendo
portanto ilegal (e consequentemente inconstitucional). Seria necessária uma lei de autorização da Assembleia
da República (AR) para restringir direitos, liberdades e garantias, nos termos do art. 266.º/2 da CRP. O
princípio da legalidade diz-nos que toda a atuação administrativa se encontra submetida à lei, que funciona
como garantia da liberdade e da propriedade dos cidadãos perante o poder público e serve como mecanismo
de tutela e respeito das posições jurídicas dos particulares. A lei confere legitimidade democrática à ação
administrativa, enquanto expressão da vontade geral. A vinculação administrativa à lei comporta vários
princípios, nomeadamente o princípio da reserva de lei. Como refere PAULO OTERO, este “define um espaço
de regulação exclusivo do poder legislativo, que envolve o afastar de qualquer intervenção decisória primária
por parte da Administração e dos tribunais, correspondendo, à luz da Constituição, a matérias obrigatoriamente
disciplinadas por lei, decreto-lei ou decreto legislativo regional”.
Todavia, estamos perante uma situação excecional, uma vez que o Decreto em causa procede à execução da
declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020, de 6 de
novembro. Consequentemente, o Parlamento autorizou a declaração do estado de emergência através da
Resolução da AR n.º 83-A/2020. Nos termos do art. 19.º/1 CRP, os órgãos de soberania podem, conjunta ou
separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias neste tipo de casos. Efetivamente,
poderia considerar-se inconstitucional a aprovação de medidas restritivas nestas matérias, por serem de
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competência reservada da AR (165.º/1 b) CRP) e não haver lei habilitante para o Governo legislar, uma vez
que a distribuição constitucional de competências se mantém no estado de emergência. No entanto, como
realçam JORGE REIS NOVAIS e PEDRO MONIZ LOPES, nem sempre há inconstitucionalidade. Nos casos
em que o Governo se limita a executar a declaração do estado de emergência ou quando legisle mantendo-se
estritamente no âmbito normativo delimitado pela suspensão de um direito fundamental, o que é precisamente
o nosso caso, não há inconstitucionalidade. O Decreto n.º 51-U/2020 refere no seu art. 4.º quais são os direitos
a restringir, nomeadamente o direito à liberdade e de deslocação (alínea a). O Conselho de Ministros, ao
aprovar este Decreto, apenas veio densificar o âmbito já estabelecido pelo Decreto do Presidente da República
(PR) que declarou o estado de emergência, onde foram parcialmente suspendidos os referidos direitos. Se um
direito fundamental foi suspenso, logo, se a respectiva norma constitucional de garantia deixou de produzir
efeitos jurídicos durante o estado de emergência, então todo o âmbito normativo protegido por essa garantia
– desde que observados os limites traçados no decreto presidencial – foi temporariamente recortado
excludentemente da reserva de competência legislativa reservada da AR. Logo, “como o Governo passou a
ter competência própria para legislar nesse domínio (artigo 198.º/1, a), não tem necessidade de autorização
legislativa da Assembleia da República desde que não vá para além da delimitação do âmbito da suspensão a
que o Presidente da República procedeu. Para além desses limites o direito fundamental não está suspenso e,
continuando a desenvolver todas as suas virtualidades jurídico-constitucionais, mantém-se fora da
competência legislativa própria do Governo” (JORGE REIS NOVAIS). Assim, suspendendo o decreto
presidencial de declaração do estado de emergência o direito à liberdade, o Governo, na execução dessa
declaração, pode decidir, nomeadamente, proibir a circulação na via pública durante um determinado período,
excetuando certas situações de referida necessidade (art. 3.º Decreto n.º 8/2020).
Contudo, este Decreto foi aprovado sob a forma de decreto simples e não sob a forma de ato legislativo, ao
contrário do que seria de esperar tendo em conta a importância do que estava em causa, o carácter restritivo
da regulação, a relevância dos sacrifícios de liberdade implicados e a controvérsia que os envolvia. Deste
modo, há inconstitucionalidade quando o Governo restringe através de acto infralegislativo (decreto simples):
a normação é primária e inovatória, é matéria importante, é politicamente controversa, logo, deveria ser tratada
por acto legislativo. No entendimento de JORGE REIS NOVAIS, quando o Governo assume essa tarefa não
está a executar ou a regulamentar, “está a constituir o regime que os cidadãos devem observar, ainda que nos
limites fixados pelo Presidente da República, está a definir primariamente o regime, a intensidade, a medida
e o sentido da restrição. Isso não é regulamentar, é uma actuação primária, própria da função político-
legislativa, exactamente da mesma forma e com a mesma natureza com que o legislador o faz quando aprova
leis restritivas expressamente autorizadas pela Constituição. Não é o facto de tais restrições estarem
constitucionalmente autorizadas que dispensa o Governo ou a Assembleia da República de terem de recorrer
a acto legislativo para restringir”. No entanto, o Tribunal considera que, perante a situação excecional que o
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país enfrenta, não faria sentido esta exigência de forma de ato legislativo dada a celeridade com que as medidas
têm de ser tomadas e a sua adaptabilidade à evolução da situação. Todavia, o ponto 87 da petição inicial da
AA 1 consubstancia um pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas regulamentares do Governo
com força obrigatória geral. Tal pedido não pode sequer reconduzir-se a uma desaplicação em concreto, antes
reclama tutela para todos os cidadãos, o que determina que o pedido caia fora do âmbito de jurisdição deste
Tribunal, por consubstanciar um pedido de nulidade das normas administrativas com fundamento em
inconstitucionalidade com efeitos gerais.
A AA 1 alega que houve violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da CRP, por parte do
Governo, de modo que este último criou medidas restritivas diferentes para vários concelhos que pertencem
ao mesmo território e regras diferentes para os estabelecimentos do mesmo setor da atividade. PAULO
OTERO refere que este princípio assume uma dupla vertente: em termos formais, “todos devem ser tratados
do mesmo modo, sem discriminação, pois a igual dignidade de cada um postula a igualdade de todos perante
a lei” (ninguém pode exigir que os seus interesses tenham maior proteção ou mais tutela jurídica do que os
interesses idênticos titulados por qualquer outra pessoa); em termos materiais, “as diferenças factuais podem
justificar um tratamento diferenciado, desde que objetivo, razoável ou racionalmente alicerçado, pois a
igualdade exige que se trate por igual o que é igual e de modo desigual o que é desigual”. Também no Acórdão
do Tribunal Constitucional n.º 563/96, de 10 de abril de 1996, se proíbe precisamente “o tratamento desigual
de situações iguais e o tratamento igual de situações desiguais”.
O Governo, ao adotar medidas restritivas, em função da gravidade pandémica, para cada concelho, não viola
o princípio da igualdade, na medida em que todos os territórios que foram alvo destas medidas configuram
concelhos de risco muito elevado, dado o número de casos que se tem registado diariamente. O princípio
constitucional da igualdade envolve precisamente a proibição de discriminações arbitrárias, irracionais ou
infundadas. O tratamento diferencial destas situações tem motivos objetivos que o justificam, na medida em
que estamos perante situações materialmente distintas. Não se justificaria impôr as mesmas medidas a
concelhos que não apresentem um risco tão elevado de contágio. Assim, não haveria violação do princípio da
igualdade, uma vez que este princípio habilita exigir que as situações de facto semelhantes se encontrem
solucionadas em termos semelhantes e que as situações de facto desiguais encontrem soluções desiguais.
A AA 1 alega que foi restringido o direito de livre circulação e livre iniciativa económica (artigo 61.° da CRP)
sem ter em conta o princípio da proporcionalidade do artigo 18.°/2 da CRP na sua tripla vertente, ou seja,
necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito.
A AA 2 alega que a aprovação desta Resolução padece de ilegalidade, por violação do princípio da legalidade
(reserva de lei e separação de poderes). Como já foi exposto, o Decreto Presidencial n.º 51-U/2020 possibilita
a densificação das medidas a adotar pelo Governo, sem ser necessário lei habilitante em situações execionais
O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do Estado de Direito que conta com dois séculos
de evolução e de divergências doutrinárias. Nomeadamente, este princípio é genericamente consagrado no
artigo 13.º CRP, que o associa materialmente à dignidade da pessoa humana no n.º 1 e proíbe expressamente
qualquer forma de discriminação no n.º 2. Para além disto, o artigo 18.º/3 da CRP estipula que as leis que
restrinjam direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato, ou seja, como explica JORGE
REIS NOVAIS é estipulada uma proibição que, no domínio dos direitos fundamentais, de alguma maneira
ajuda a delimitar o campo das diferenciações ilegítimas.
DIOGO FREITAS DO AMARAL afirma que a igualdade pressupõe que se trate de maneira igual o que é
juridicamente igual, e que se trate de modo diferente aquilo que é juridicamente diferente, na medida da
diferença. Portanto, não obstante o facto de o princípio da igualdade não poder ser visto como algo de
perfeitamente estabilizado e indiscutido, vem sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência que este
princípio se projeta essencialmente em duas direções, designadamente na proibição de discriminação e na
obrigação de diferenciação. Uma disposição será discriminatória se não tiver uma justificação material
bastante para a diferenciação de tratamento. Adicionalmente, a obrigação de diferenciação tem como base a
ideia de que não pode haver uma igualdade absoluta, ou seja, tem de se reconhecer que há situações que
exigem um tratamento desigual.
Adicionalmente, a disposição não é “duplamente discriminatória” pelas restrições impostas em função da área
e acesso à via pública e pela restrição ao horário de funcionamento estabelecido no artigo 29.º/1 da Resolução
n.º 96-B/2020. JORGE REIS NOVAIS explica que “o comando constitucional da igualdade seria violado se
diferentes categorias ou grupos de destinatários fossem tratados de modo diferente sem que existissem entre
os dois grupos diferenças de tal natureza e de tal peso que pudessem justificar a diferença de tratamento”.
Com efeito, não se deve esquecer que abrangidos por esta norma estão os concelhos referidos no anexo ii da
Resolução que são considerados de elevado risco de contágio pelo que se justifica a desigualdade de
tratamento.
Quanto à questão do artigo 29.º/3 da Resolução, volta a importar o parecer técnico ostentado pelo Governo.
Este preceito estabelece que os estabelecimentos cujo horário de abertura seja anterior às 8h podem continuar
a praticar esse horário de abertura habitual. O disposto faz sentido visto que a ratio do artigo passa por evitar
que os horários dos restantes estabelecimentos comerciais coincidam com os dos estabelecimentos aqui
referidos em concreto. Pretende-se precisamente assegurar que as grandes superfícies não possam abrir antes,
e, como resultado, reduzir a quantidade de tempo que as pessoas permanecem nestas áreas. Conclui-se com o
que foi exposto que não há uma violação do princípio da igualdade.
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- Violação do princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, especificamente consagrado nos artigos 266.º/2 da CRP e 7.º do CPA, é
manifestação da ideia de que num Estado de Direito as decisões e as medidas tomadas pelos poderes públicos
não devem exceder o estritamente necessário para a realização do interesse público. DIOGO FREITAS DO
AMARAL define-o como “o princípio segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados por atos dos
poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como
tolerável quando confrontada com aqueles fins”. Note-se que este princípio contém três dimensões:
adequação, necessidade e razoabilidade. A adequação significa que a medida tomada deve ser casuisticamente
ajustada ao fim que se propõe atingir. A necessidade veda que sejam adotadas condutas administrativas que
não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que se visa atingir. Por último, a razoabilidade proíbe que
os custos da atuação administrativa adotada sejam superiores aos benefícios que sejam de esperar da sua
utilização.
A exclusão do artigo 29.º/2 a) da Resolução n.º 96-B/2020 não viola o princípio da proporcionalidade na sua
vertente da necessidade. A questão da necessidade reside em perceber se a medida adotada é aquela que,
dentro do universo das medidas abstratamente idóneas, lesa em menor medida os direitos e interesses dos
particulares. Se tivermos em consideração o parecer técnico apresentado pelo Governo, é possível concluir
que os estabelecimentos comerciais que disponham de uma área de venda ou prestação de serviços superior a
200 metros quadrados constituem um risco muito mais elevado para a propagação do vírus, na medida em que
atraem mais pessoas. Consequentemente, o princípio da proporcionalidade é respeitado, uma vez que
suspender as atividades destes estabelecimentos a partir das 13 horas aos fins de semana, considerando que
há uma maior circulação de indivíduos neste período em especial, afigura ser uma medida necessária e a
menos gravosa para evitar novos surtos de infeção por COVID-19.
Do pedido de indemnização
Facto voluntário
Quanto ao facto voluntário este pode consistir num facto positivo e, portanto, numa ação ou num facto
negativo, e assim numa omissão. Para o professor FREITAS DO AMARAL basta, para que este pressuposto
esteja cumprido, que haja voluntariedade, ou seja, que os factos sejam objetivamente controláveis pela
vontade. AA 2 alega que a prática do ato resultou de uma decisão conjunta e voluntária do Conselho de
Ministros, considerando este pressuposto como preenchido.
Culpa
A culpa é eminentemente subjetiva, na medida em que só agem com culpa os indivíduos. Considerando-se
que uma pessoa coletiva agiu com culpa, é necessário imputar essa culpa a um ou mais indíviduos que tenham
atuado no exercício das suas funções ao serviço dessa mesma pessoa coletiva. Nesta situação estaria em causa
uma ação de várias pessoas ligadas à mesma pessoa coletiva, sendo aplicavél por remissão do 10.º/4 do
Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (RCEEP) o disposto no 497.º do Código Civil
(CC).
A AA2 alega que este pressuposto também se encontra preenchido pois houve um incumprimento do dever
de diligência por parte do Conselho de Ministros, visto este deveria saber que a adoção das medidas impostas
na Resolução limitava o previsto no Decreto regulador nº 8/2020, de 8 de novembro, ao impôr
condicionalismos inicialmente não exigidos no Decreto, agindo assim de forma culposa.
O presente Tribunal considera que ambos os pressupostos enunciados se encontram preenchidos, tal como
alegado pela AA2. Contudo os pressupostos são cumulativos importando ainda analisar o pressuposto segundo
o qual temos de estar perante um facto ilícito.
Facto ilícito
Atendendo ao disposto no art. 9.º/1 da Lei n.º 67/2007, a ação para ser ilícita teria de violar disposições ou
princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infringir regras de ordem técnica ou deveres objetivos
de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos. Daqui resulta que a
ilegalidade é condição necessária mas não suficiente da ilicitude sendo, segundo FREITAS DO AMARAL,
necessária a violação de posições juridicas subjetivas de terceiros, com a inerente produção de danos ou
prejuizos. Quanto aos danos, a AA 2 alega que as limitações impostas ao funcionamento de estabelecimentos
de venda de alimentação com área superior a 200 metros quadrados se traduziram num prejuízo excessivo
para si comparando com restantes estabelecimentos do mesmo setor que, por terem dimensão inferior, não se
viram impossibilitados de continuar em funcionamento. Refere ainda que viu frustrado o seu investimento
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realizado na campanha da “Grande Festa das Compras dos Sábados e Domingos do Confinamento”, que
incluía uma “Happy Hour” entre as 6h30m e as 8h da manhã. E por isso o pressuposto do dano estaria
preenchido.
Contudo, importa perceber se ocorreu de facto uma ação ilícita. A AA 2 alega a este respeito que a Resolução
do CM deveria fundar-se em legislação prévia por se tratar materialmente de um ato administrativo, sob pena
de violar o disposto no 112.º da CRP. Refere que o regulado naquela Resolução diverge do disposto no Decreto
n.º 8/2020 pois limita o seu âmbito de aplicação e ainda alega que a mesma não encontra fundamento no
Decreto presidencial de declaração do estado de emergência (Decreto n.º 51-U/2020, de 6 de novembro).
Assim entende que é uma norma sem habilitação legal, violando o princípio da legalidade constante do 266.º/2
da CRP e que, por isso, é ilegal. Sustenta ainda que a mesma viola o princípio da igualdade (13.º CRP) ao
discriminar estabelecimentos de venda de bens alimentares, que exercem uma atividade comercial idêntica,
somente com base na sua dimensão. E ainda uma violação do princípio da proporcionalidade (18.º CRP), pois
a restrição imposta para salvaguardar o interesse público (64.º CRP) é desproporcional quando ponderada com
os interesses contrapostos à saúde pública, nomeadamente a liberdade de iniciativa económica e.o direito ao
trabalho (58º CRP). A este respeito o Tribunal considera que, tendo conta os argumentos expostos acerca do
princípio da legalidade, da igualdade e da proporcionalidade, não consideramos que esteja em causa um facto
ilícito. Por este motivo não deve proceder o pedido de indemnização por responsabilidade extracontratual do
Estado, na modalidade de responsabilidade por factos ilícitos e culposos alegado pela AA 2.
Apesar disso, poderia ponderar-se a atribuição de uma indemnização pelo sacrifício que constitui uma das
formas de responsabilidade civil da função administrativa. Dentro da responsabilidade civil extracontratual,
em particular no campo da função administrativa, estabelece-se uma classificação tripartida das modalidades
dos entes públicos: responsabilidade por factos ilícitos e culposos; responsabilidade pelo risco; e,
responsabilidade dos entes públicos por facto lícitos. Podemos situar a indemnização pelo sacrifício nesta
última modalidade.
Esta foi objeto de novo tratamento legislativo integrado agora no artigo 16º do RRCEE, aprovado pela Lei n.º
67/2007, de 31 de dezembro, que revogou o Decreto-Lei n.º 48 051 de 1967, criando, desta forma, um novo
quadro normativo da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos. Esta figura pretendeu
estabelecer como requisito da indemnização, a existência de quaisquer razões de interesse público,
independentemente de a ação causadora do dano se inserir na função administrativa ou nas restantes funções
do Estado, autonomizando tal figura. É possível retirar do princípio do Estado de Direito, presente no artigo
2.º da CRP, o direito geral dos cidadãos à reparação dos danos, que cobre todo o tipo de responsabilidade
pública, mas é insuficiente retirar deste princípio o fundamento para a indemnização pelo sacrifício. Esta
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consiste numa indemnização aos particulares, como consequência da imposição de encargos ou danos
especiais e anormais, por parte do Estado, na prossecução do interesse público. Essa imposição de encargos e
a produção de danos pretende abranger as situações que resultam da intencional imposição de encargos, assim
como os danos ocasionalmente ocorridos no exercício de uma atividade lícita ou que resultem de ações
praticadas em estado de necessidade administrativa. Assim, esta categoria de responsabilidade civil apenas
assegurará o pagamento de uma compensação a quem tenha sido afetado na sua esfera jurídica por razões de
interesse comum, assentando no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos, tal como
fundamenta a doutrina e jurisprudência, desvalorizando a ocorrência de danos generalizados ou de pequena
gravidade que devam ser entendidos como um encargo normal exigível como contrapartida dos benefícios
que derivam do funcionamento dos serviços públicos.
Nestes termos e, tal como refere ALVES CORREIA, sempre que um particular em comparação com os
restantes cidadãos, suportar um sacrifício especial e desigual em benefício da comunidade, deve ser, por
efeito do princípio da igualdade, indemnizado por essa mesma comunidade. Tal princípio resulta da
vinculação da Administração ao princípio da igualdade previsto no artigo 13.º/1 da CRP. Daqui resulta que
apenas serão indemnizáveis os encargos ou danos especiais e anormais, determinados no artigo 2.º RRCEE.
GOMES CANOTILHO refere que o sacrifício deve tratar-se de um ataque grave, devendo evidenciar a
consistência jurídica suficiente para, no caso de compressão grave, poder justificar, a favor do titular, uma
proteção ressarcitória, resultando da intervenção dos entes públicos uma imposição de um sacrifício desigual
perante os outros cidadãos. A jurisprudência, nomeadamente deste Tribunal, adere a esta doutrina,
considerando que o dano indemnizável deverá ter certo peso ou gravidade, em termos de ultrapassar os limites
daquilo que o cidadão tem de suportar enquanto membro da comunidade. O dano especial tem sido entendido
como um dano sofrido por uma determinada pessoa ou um certo grupo de pessoas, em virtude de uma certa
posição relativa, sendo o dano anormal concebido como um dano que ultrapassa os custos inerentes à vida em
sociedade, pelo que não recai sobre o particular o dever de suportar o prejuízo causado pela intervenção lícita
dos entes públicos. O artigo 16.º do RRCEE atende ainda, para o cálculo da indemnização, designadamente,
ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado, sendo que tal
indicação pressupõe uma apreciação equitativa do valor do encargo ou dano que poderá não corresponder ao
montante económico que esteja efetivamente em causa, assim como evidencia o carácter compensatório, e
não meramente reparatório da indemnização.
CARLOS CADILHA entende que cabe ao tribunal o controlo da legitimidade do interesse público invocado,
sendo necessário distinguir entre os atos ablativos ou praticados em estado de necessidade administrativa –
atos estes legitimados pela realização do interesse público e, que por isso, justificam a indemnização limitada
nos termos deste artigo 16.º – e os atos que importam um desvio aos critérios de legalidade e que caem sob a
alçada da responsabilidade por facto ilícito, violando, deste modo, os princípios da necessidade e da
proporcionalidade. É de mencionar igualmente que MARCELO REBELO DE SOUSA, equiparando as
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noções de indemnização pelo sacrifício e de responsabilidade por factos lícitos, considera que o artigo 16.º do
RRCEE padece de inconstitucionalidade, por violar o artigo 62.º/2 da Constituição, em virtude de submeter
as intervenções ablativas de direitos patrimoniais à verificação dos pressupostos de especialidade e
anormalidade do dano, o que implicaria aplicar a tais hipóteses o modelo da responsabilidade civil, o que
violaria este preceito constitucional, que prescinde destes requisitos e considera a indemnização como
pressuposto da intervenção ablativa. Assim, haveria que interpretar restritivamente este preceito, cabendo no
seu campo de aplicação apenas as hipóteses de responsabilidade pelo sacrifício de direitos pessoais e os casos
de danos causados em estado de necessidade, que fornece à lei prevalência às exigências prementes de perigo
para o interesse público que se revelem manifestamente superiores ao direito ou interesse a sacrificar.
MENEZES CORDEIRO vai mais longe e aponta um lapso da redação do novo regime presente na referência
ao direito ou interesse violado, considerando ser incompatível com a noção de responsabilidade por factos
lícitos, em que não existe violação por falta do requisito da ilicitude do ato. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA,
aplaude as alterações resultantes do novo diploma e considera que o novo instituto da indemnização pelo
sacrifício se distingue claramente da responsabilidade indemnizatória, invocando o artigo 16.º do RRCEE e o
revogado artigo 37.º, n.º 2, alínea g) do CPTA, considerando esta última revogação incompreensível, na
medida em que, independentemente da existência ou não de tal menção, a jurisdição administrativa é a sede
competente para atribuir as indemnizações decorrentes da imposição de sacrifícios por razões de interesse
público.
IV. DECISÃO
Nos termos e de acordo com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Supremo Tribunal
Administrativo em julgar:
Custas pelos demandantes, nos termos do art. 189.º/2 CPTA e Código das Custas Judiciais.
O TRIBUNAL,
António Almeida N.º 58261
Fátima Gerardo N.º 58198
Francisco Pêgo N.º 58588
Jéssica Santos N.º 58365
Nexus Faria N.º 59337
Nuno Guerreiro N.º 56814
Mariana Nunes N.º 56984
Mariana Vaz N.º 58477
Miguel Costa N.º 24896
Sofia Nobre N.º 58303