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45º Encontro Anual da ANPOCS

GT 18 – Etnografias do capitalismo: pessoas no(s) mundo(s)


Notas etnográficas sobre solidão e capitalismo
Martina Ahlert
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
Universidade Federal do Maranhão
No início dos anos 2000, um município do interior do Maranhão chamado Codó
recebeu destaque em rede nacional como “capital da magia negra” em virtude de uma
exploração midiática do trabalho de pais de santo que teriam entre seus “clientes”1 políticos
de renome internacional (REVISTA ÉPOCA, 2002; REDE TV, 2011). Nos anos seguintes,
em diferentes meios de comunicação, a presença expressiva das tendas de religiões afro-
brasileiras (como o terecô, a umbanda e o candomblé), assim como os índices de relações
das pessoas com as entidades nas casas e nas ruas, continuaram chamando atenção à cidade
como “esquina do além” (REVISTA NATIONAL GEOGRAPHIC, 2010).
No início do meu doutorado, há mais de dez anos, eu conheci Codó e percebi que
esses rótulos exógenos estigmatizavam práticas religiosas. Foi quando passei a estudar o
terecô, uma religião que possui elementos banto, mas também jeje-nagô. Estima-se que o
terecô esteja presente nesse contexto desde o período do regime escravocrata no Brasil,
que incidiu sobre o Maranhão de maneira expressiva (ASSUNÇÃO, 2015; FERRETTI,
2001). Nele, as pessoas (chamadas de terecozeiros ou “brincantes”) “recebem”, em seus
corpos, entidades definidas genericamente como encantados, seres de origens e famílias
distintas. Eles estão presentes tanto no cotidiano quanto nos rituais que acontecem,
majoritariamente, nas “tendas de umbanda” encontradas na cidade e no interior do
município2.
Desde 2010, quando fui pela primeira vez a Codó, até o momento atual, por razões
acadêmicas e também pessoais, alguns moradores da cidade fazem parte da minha vida de
maneira constante. Nos conhecemos quando vivi um ano no município, entre 2010 e 2011,
fazendo o trabalho de campo da minha tese de doutorado. Nos reencontramos em
momentos posteriores, esporadicamente, quando fui visitá-los para conversas informais e
pesquisas, para trocar lembranças e conhecer novos festejos de santo (AHLERT, 2013;
2021). Como há algum tempo resido no Maranhão, onde trabalho como professora,
algumas vezes amigos e interlocutores entram em contato quando vem a São Luís, me
convidando para vê-los “brincar” em um terreiro, ou, no contexto da pandemia, para que
os ajude com mantimentos para o período que permanecem em algum hospital.

1
“Clientes” é a forma de denominar aqueles que procuram pais e mães de santo para atendimentos e
consultas. Apesar do termo, nem sempre a relação com um cliente implica em qualquer forma de pagamento
financeiro. Durante o texto, opto por utilizar alguns termos entre aspas, evidenciando seu caráter êmico.
2
As tendas de Codó se denominam, na maior parte dos casos, como ‘tenda espírita de umbanda’ embora não
sejam casas de umbanda stricto sensu. Há combinações entre denominações (como terecô, tambor de mina,
umbanda e candomblé) e também composições entre seres que indicam para uma multiplicidade de
experiências. Para saber mais, ver Ahlert, 2021.

2
Neste artigo retomarei algumas considerações sobre diferentes momentos de
convivência com os terecozeiros, com o intuito de discorrer sobre os impactos do
capitalismo na vida ordinária de mulheres e homens que, junto com seus encantados,
passaram por inúmeras transformações nos últimos anos. Como a palavra capitalismo não
é usual no meu campo de pesquisa, eu sugiro aqui um exercício analítico de relacioná-la à
solidão, um termo presente na etnografia e que remete, segundo uma das minhas amigas,
à “pior coisa que pode acontecer a alguém”. Pretendo, portanto, aproximar a solidão do
capitalismo, na medida em que ela fala do desamparo, da impossibilidade ou da diminuição
das relações, dos processos de desvinculação – elementos destacados como característicos
desse sistema no momento atual (VIEIRA e VILLELA, 2020).
A solidão me permite conectar as preocupações anunciadas pelos meus amigos e
interlocutores sobre o “esvaziamento da vida”, com efeitos do capitalismo presentes nas
expropriações de terra, na ausência de trabalho digno, na fome e na intolerância religiosa.
Esses efeitos falam da extensão dos impactos do sistema em cenários onde imagens
paradigmáticas ligadas às classes trabalhadoras assalariadas urbanas (e suas derrogatórias
fábricas, salários, operários) assim como o próprio tempo marcado por horas ou jornadas
(RUI, et al¸ 2021, p. 36) se apresentam de maneira muito particular ou mesmo não se
apresentam.
A partir do campo em Codó, demonstro que existem formas de evitar a solidão (e
quiçá respirar diante do capitalismo) que envolvem companhia e cuidado, extensão de
laços de parentesco, relações entre pessoas, encantados e mortos. Destaco que, mesmo
diante da “precisão” que marca a vida no capitalismo, se constitui uma ética do cuidado e
uma política da atenção que são elementos centrais para a vida fazer sentido. Considerando
a etnografia não apenas como um exercício de deslocamento, mas uma disposição à
coexistência (CAÑEDO RODRIGUEZ, 2013), minha intenção é compreender como as
pessoas que lidam com a solidão e seus efeitos devastadores podem indicar caminhos
ordinários e cotidianos (DAS, 2015) – e quiçá mais amplos, mais conectivos - para
construir sentido às urgências3 que nos interpelam no capitalismo.

3
Para pensar a ideia de urgência de uma forma menos linear, tomo a liberdade de relacionar arbitrariamente
eventos que aconteceram em anos distintos na medida em que aos nos falarem sobre a morte – um dos temas
mais presentes nas nossas vidas nesses últimos meses – eles indicam elementos sobre a solidão e as formas
de enfrentá-la.

3
O artigo está dividido em três partes. A primeira discorre sobre os sentidos dados à
solidão pelos meus interlocutores, a partir da forma como percebem pessoas e situações
que a materializam. Nessa etapa do texto, trago elementos de anos distintos da pesquisa,
finalizando com a narrativa de um caso de morte que aconteceu recentemente, no contexto
da pandemia de Covid-19, pois ele, do meu ponto de vista, conjuga à solidão ao
capitalismo. A segunda parte do artigo é uma descrição de dois outros episódios
relacionados à morte, vividos em momentos distintos e que aqui servem a um propósito
diferente do anterior, uma vez que expressam como a morte pode ser uma ocasião para a
expansão das relações sociais e o enfrentamento à solidão. Enfatizo práticas como os
velórios e as visitas aos mortos que servem para criar e ativar relações sociais, pois estão
baseadas no cuidado, na atenção e na companhia. Por fim, busco demonstrar como as
pessoas garantem certos preceitos fundamentais à vida, como a autonomia e certa
concepção de liberdade, presentes, inclusive, na morte.

[2011] e [2021] Solidão, pandemia e capitalismo

Luiza costumava me dizer que a solidão era a coisa que mais temia, era o que de
pior que poderia acontecer a alguém durante sua vida. Em sua concepção, a solidão se
evidenciava na ausência de relações sociais e ela costumava exemplificar com sua própria
trajetória: acontecia quando algumas pessoas que ela tinha ajudado em anos anteriores,
com suas qualidades de curadora e mãe de santo, passavam em frente à sua casa e não a
cumprimentavam. Solidão indicava, para ela, uma desvinculação, mas também um
esquecimento do passado - no caso, um apagamento de sua presença como uma
participante na vida dos outros.
Havia pessoas no mundo que se encontravam, em determinados momentos, em
situações de desvinculação, pois “andavam sós”. Um caso corriqueiramente mencionado
no meu campo era o dos trabalhadores do roçado da juquira – homens empregados em
fazendas para limpar os terrenos que seriam então ocupados pelas atividades pecuárias que
têm dominado parte expressiva das terras da zona rural. Na atividade do roçado da juquira,
há alguns anos, foi encontrado trabalho escravo em Codó, não apenas de pessoas de outras
cidades, mas também de moradores do próprio município que, deixados a quilômetros de
distância nas roças e vigiados constantemente pelos funcionários dos fazendeiros, não
conseguiam meios para retornar às suas casas.
4
Seu João Tavares, um pai de santo que conheci, me contou sobre outra situação
onde a solidão se colocava. Ainda vivo, em 2011, ele me disse que sua avó foi uma
terecozeira conhecida pelas previsões que fazia em relação ao futuro (AHLERT, 2013,
2021). Foi ela quem “cuidou” (ou “segurou”) seus encantados enquanto ele ainda não
aceitava se tornar pai de santo. Em certa ocasião, quando falava sobre seu futuro, ela teria
dito a ele que tivesse muito cuidado, pois previa a possibilidade de que ele fosse morrer
sozinho, sem família e sem amigos. A previsão, me contou, era assustadora e não havia
nada que ele temesse mais em sua vida do que morrer longe dos seus.
A companhia no momento da morte surgia na fala de muitos dos meus amigos e
interlocutores como algo fundamental e, se não fosse possível morrer em casa, se deveria
ao menos empregar todos os esforços para trazer os corpos dos parentes e vizinhos para
serem enterrados na cidade, dividindo sepulturas com a família. A partir de então, nem
mesmo os mortos deveriam ser deixados sozinhos e o cultivo de sua lembrança passava a
ser tarefa daqueles que com ele (ou ela) conviveram. Seu Louro, um amigo que fiz e que
tocava na banda municipal, em uma ocasião na qual nos encontramos em 2011, me disse
que eu deveria ter filhos, pois do contrário, ninguém lembraria de mim caso eu falecesse.
A ideia de que os mortos precisam ser lembrados pelos parentes me parece explicar
os pequenos álbuns de fotografia de enterros, onde é comum encontrar imagens tiradas ao
lado do caixão para guardar a recordação do rosto da pessoa falecida, ou ainda, as
lembranças de velórios que são fotos de quem morreu, sobre as quais se grava as datas de
nascimento e falecimento, uma frase preferida ou versículo bíblico. Não raro, esses álbuns
eram mostrados para quem visitava as casas, talvez como uma forma de se lembrar ou
ainda de evidenciar que as pessoas não eram apenas aquelas que estavam ali, antes, eram
continuadas em naquelas que já se despediram, mas que de diversas formas, continuavam
presentes.
A pandemia de Covid-19 tem sido um período em que se redimensiona a ideia de
solidão e especialmente a forma como ela se relaciona com a morte. Assim como as roças
destinadas à pecuária, que valorizaram as terras monetariamente e transformaram
pequenos produtores rurais em moradores da cidade – e, posteriormente - em “escravos da
precisão” nos roçados (MOURA, 2009) – alguns efeitos da pandemia de Covid-19
evidenciaram e espalharam o capitalismo. Para esclarecer meu argumento, vou escrever
sobre um falecimento que, infelizmente, aconteceu na família de alguns amigos neste ano,

5
2021. Ele fala a solidão e sobre os limites da ação das pessoas diante de agentes do Estado
que representam os cuidados com a proliferação do vírus.
Eu não estava em Codó quando Fátima4 me enviou um áudio de WhatsApp com
uma frase só, me contando que Seu Tião tinha falecido. Eu demorei a entender a
mensagem, mesmo que no contexto da pandemia de Covid-19 as notícias de morte tenham
se tornado mais comuns nas nossas plataformas e redes digitais. Tião foi uma pessoa com
quem convivi durante a pesquisa de campo, ele era primo, vizinho e padrinho de uma das
tendas de terecô que acompanhei nos últimos dez anos.
Tião plantava “linhas de roça” no interior, em terras que pertencem a outras pessoas
(quando se pagava o uso com parte da produção) ou em terras sem proprietários
conhecidos. Muitas famílias da cidade tinham prática semelhante, especialmente depois
que foram expulsas ou mobilizadas a sair do campo em função de não possuírem
documentos das terras onde historicamente plantavam. Para continuar com seu trabalho,
ele então se deslocava entre a casa no perímetro urbano e a roça, utilizando uma
motocicleta como forma de transporte. Com ele, sobre a moto, não raro trazia a produção,
como os sacos de arroz que depois espalhava no asfalto da rua para secar com o sol quente.
Desta última vez, entretanto, no retorno da roça para casa, ele teve um acidente, ou
como dizem, uma queda de moto. Decidiu não ir ao hospital, pois entendeu que as dores
passariam sozinhas com o tempo. As mulheres do seu entorno – Fátima, sua mãe e as tias
– disseram que não era normal ficar com “uma banda do corpo roxa” e insistiram que
procurasse ajuda. Ele, entretanto, permaneceu dias em casa, fazendo suas atividades
rotineiras, até o momento em que a dor se tornou insuportável. Os médicos descobriram
que uma costela quebrada havia perfurado o pulmão e a lesão tinha causado danos severos
ao seu corpo.
Do hospital, Tião nunca retornou. Segundo boletim médico, ele contraiu Covid-19
no local e não resistiu. Faleceu em um fim de tarde, sozinho e – como tantas outras pessoas
durante a pandemia – longe de sua família. Segundo destacado por minha amiga, ele
permaneceu no local desta forma durante toda a noite. Na manhã seguinte, a funerária o
colocou no carro, passou por sua casa para que as pessoas vissem o caixão e seguiu ao
cemitério, onde ele foi enterrado.

4
Como a situação é recente e não desejo expor meus amigos, alterei os nomes utilizados nessa e em outras
passagens presentes no texto.

6
Dois elementos sobre essa trágica história foram enfatizados pelas minhas amigas,
as que entraram em contato para me avisar da notícia. Primeiro, havia uma desconfiança
sobre a Covid-19 e parecia que ninguém acreditava realmente que essa fora a causa da
morte. Silva (2021) percebeu uma atitude semelhante entre pessoas de comunidades
tradicionais em outra região do Maranhão, quando notou uma resistência generalizada com
a definição médica da morte pelo coronavírus. No meu caso, não se tratava de uma
acusação de erro médico, mas da perspectiva de que não havia fatos sobre os quais alicerçar
tal certeza, uma vez que Tião estava sozinho no hospital quando tudo aconteceu.
O que as minhas amigas ressaltavam ainda com maior tristeza, era o fato de que
Tião, ainda que morto, tinha “passado a noite sozinho” no hospital municipal. Essa solidão
parecia a parte mais dolorida dos lamentos da morte que acompanhei pela plataforma
digital de troca de mensagens e foi repetida por algumas pessoas, diversas vezes. Ficava
evidente na nossa conversa que os mortos não são seres totalmente distintos de quem eram
poucos minutos antes quando ainda vivos. Eles precisam de companhia até o momento de
serem enterrados, quando passam a ser lembrados nas conversas e por intermédio de
objetos – como as fotos que mencionei anteriormente.
Sobre esse episódio, eu ainda soube que, a despeito do pedido da família que
gostaria de fazer uma despedida no ambiente da casa, o serviço de saúde e a funerária
seguiram os protocolos indicados pelos organismos internacionais e pelos agentes do
Estado em relação à impossibilidade de fazer os rituais de velório e enterro. Havia certa
tristeza em perceber que não havia agência ou argumento que pudesse ser utilizado para
garantir os ritos nesse cenário. Dessa forma, as pessoas me contaram que “o carro [da
funerária] não ficou nem dez minutos na frente da casa para a família ver o caixão” e
seguiu, em direção ao cemitério.
***
Os vírus, dependendo da forma como percebidos, dos valores e dos interesses em
jogo, podem ser inspiradores e nos ajudar na solução de alguns dos nossos problemas. Eles
são seres não humanos com os quais podemos construir relações e podem participar de
composições perigosas, mas também potentes (VIEIRA e VILLELA, 2020)5. A questão é

5
Nas palavras dos autores “Tivéssemos prestado mais atenção aos vírus no lugar de os desqualificar, quem
sabe poderíamos ter sido expostos a um modo de existência inspirador, no lugar de associá-lo
obrigatoriamente à morte” (VIEIRA e VILLELA, 2020, p. 12). Para eles, o capitalismo é que fornece ao
contágio a sua face mortífera.

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que no cenário do capitalismo atual, caracterizado pela proliferação descontrolada da
plantation, pela propagação de espécies isoladas sem suas companheiras, pela
transformação do mundo em ativos, eles se tornam ameaçadores (TSING, 2019). Se
pensarmos o capitalismo como alienação, no sentido dado por Anna Tsing, como um
desembaraçar de laços no mundo, podemos sugerir que a contextos como o do meu
trabalho de campo, a pandemia carrega a solidão e espalha o capitalismo.
Eu penso que aqui nós chegamos em um ponto importante do argumento deste
artigo: a solidão é a ausência de relações de diversas naturezas. É assim que ela, por
contraposição, nos motiva a falar da relação entre pessoas vivas, mas também entre elas,
os mortos, os encantados, os santos. É o conjunto desses seres que está implicado nas
formas de evitar a solidão (AHLERT, 2021) e é a todos eles que devemos estar atentos ou
nos responsabilizar por.

[2013] e [2011] Visitas, velórios e cuidados

Depois de morar em Codó por um ano, em trabalho de campo, passei a ir à cidade


apenas esporadicamente e a receber algumas notícias por telefone. Foi assim que fiquei
sabendo que um dos pais de santo que conheci, seu Zé Preto, cujas festas e a casa
frequentei, estava doente há algum tempo. Eu soube, ainda, que ele havia passado alguns
períodos internado até que foi “desenganado pelos médicos” e ficou em casa até o seu
falecimento. O termo “desenganado pelos médicos” já era por mim conhecido, mas meu
trabalho de campo me deu familiaridade com a prática de morrer em casa que essa ideia
carrega.
Eu cheguei em Codó, para mostrar minha tese aos meus interlocutores alguns dias
depois do enterro de seu Zé Preto, em 2013. Foi visitando Luiza, logo da minha chegada,
que eu soube da notícia. Decidi ir à casa onde ele vivia para dar os pêsames à sua filha que
conheci durante a pesquisa de campo. Quando cheguei em frente à residência, me deparei
com um homem muito parecido com o pai de santo, porém mais jovem. Era um dos seus
filhos (biológicos), que tinha vindo do garimpo na Guiana Francesa, para os rituais pós-
morte do pai, as chamadas “visitas”.
Sentamos no batente da entrada de casa e conversamos, ele queria saber como eu
conhecia seu pai e eu queria saber sobre a vinda e a vida no garimpo. Contei a ele que eu
tinha morado na cidade e assistido duas festas importantes da tenda de seu Zé Preto – um
8
homem que tinha aprendido a cuidar de seus encantados ainda muito jovem, quando
frequentou a casa de um mestre muito afamado no interior do município vizinho. Foi ainda
na juventude que ele começou a compreender como se relacionar com os seus guias, e a
fazer trabalhos como banhos, benzimentos e perfumes.
Seu Zé Preto era muito respeitado e conhecia muita gente. Tinha, como me disse,
mais de quinhentos afilhados. Colocou tenda, pela primeira vez, em 1979. Quando nos
conhecemos, ela ficava nos fundos do terreno e era de alvenaria, suas paredes eram
pintadas, todos os anos, para suas festas. Antes dela, no terreno, ficava sua casa, voltada à
rua, onde ele costumava promover uma seresta animada por teclados e dançarinos. Além
dessas ocupações na cidade (onde cuidava da tenda, dos encantados, dos filhos de santo e
clientes), ele também trabalhava na roça, na zona rural do município, de onde provinha
parte de seu sustento.
Naquele 2013, quando sua saúde piorou e permanecer no hospital de nada
adiantaria, sua família de sangue e de santo decidiu que ele deveria retornar à sua casa.
Uma rede foi então colocada em um espaço coberto, mas ventilado, entre a casa e a tenda
de terecô. O espaço era uma cozinha externa à residência, que fazia papel de corredor entre
ela e o salão de umbanda. Seus familiares e alguns de seus filhos de santo – ele tinha quase
sessenta deles - estenderam redes ao seu redor e passaram os últimos dias lhe fazendo
companhia. Foram vendo, passo a passo, o corpo se tornar mais frágil e ficar “menor”,
como me disseram6. A morte não era assunto restrito ou escondido, antes evento
compartilhado por aqueles que lhe eram mais próximos.
Escutar sobre a morte de seu Zé Preto me lembrou de uma situação que, alguns anos
antes, eu tinha vivido ao seu lado. Em 2011, eu fui até sua casa para conversarmos sobre
sua trajetória. Cheguei no horário marcado, mas ele não estava, havia ido ao cemitério
limpar a sepultura de um amigo. Quando chegou, ele me contou que na semana seguinte
faria seis meses da morte de Antônio, um “brincante” de sua tenda, um companheiro de
roça e um grande amigo, que lhe fazia muita falta. Ele e seus filhos de santo fariam uma
“visita de seis meses” à sepultura. Em Codó, quando do falecimento de uma pessoa –
brincante ou católica – existe a prática de realizar visitas, em datas específicas, à sua

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Sempre me pareceu muito interessante o processo de ter uma morte acompanhada de perto pelas pessoas.
Everton Luiz Pereira (comunicação oral) encontrou situações muito semelhantes em seu campo, quando
pessoas “desenganadas” por médicos ou mesmo compreendidas pelos familiares como próximas à morte
eram acompanhadas durante os últimos dias de vida, em suas casas, por parentes e vizinhos.

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sepultura, no cemitério, ou à sua casa. Há a visita de sete e de quinze dias de falecimento,
a visita de mês, de seis meses e de ano (realizada de ano em ano, pois as pessoas recordam-
se da data de morte de muita gente).
Naquele primeiro de setembro (de 2011), nos reunimos na tenda de Zé Preto e, já
com o sol baixando, caminhamos alguns minutos na direção do cemitério. O pai de santo
foi ficando para trás, pois parava para cumprimentar pessoas e convidá-las à visita em
homenagem ao amigo. No cemitério, outro pai de santo da cidade – e também rezador local
– conduziu uma ladainha, com terço, benditos, salve rainhas e orações aos anjos da guarda.
Todas as rezas foram (em todas as visitas onde estive) dirigidas à pessoa falecida, de
maneira que palavras de suas fórmulas eram alteradas e não raro, o nome do morto incluso
entre elas. Velas brancas foram colocadas em toda a lateral da sepultura, ancoradas na terra
de areia pelo qual era formada. Iniciamos a visita em cerca de vinte pessoas, no final, esse
número havia dobrado.
Embora o clima fosse carregado de emoção, a situação não deixava de comportar
brincadeiras, jocosidade e mesmo interessantes situações como a da senhora que nos
acompanhou e já no final do período que permanecemos no cemitério, perguntou-me se
rezávamos para um homem ou para uma mulher. Achei a pergunta curiosa porque ela
falava, sobretudo, da importância das visitas como um espaço de fortalecimento das
relações não apenas com o morto, mas com os vivos. É, nesse sentido, me parece, que elas
sempre têm como elemento a comensalidade e, naquele dia, não foi diferente, pois, nos
esperava, na cozinha entre a tenda e a casa de Seu Zé Preto, um verdadeiro banquete.
Se as visitas promovem relações entre as pessoas e lembranças em relação aos
mortos, naquele dia ainda estávamos diante de uma das maneias de articulação com os
encantados, uma vez que, depois do descanso do jantar, houve um toque de terecô no salão.
Em outros momentos do campo, quando, por exemplo, fui ao enterro de um padrinho de
uma tenda ou ainda de algum filho de santo, percebi que as entidades, no âmbito do terecô
e da umbanda, participavam dos rituais de morte. Tanto os encantados que eram recebidos
pela pessoa que faleceu quanto aqueles que a conheciam da convivência na tenda eram
incorporados para prantear a despedida (tanto nos salões, quanto nos cemitérios). Em letras
de “pontos cantados” nos rituais – chamados ainda de “doutrinas” -, encantados e santos
eram mencionados como responsáveis por acompanhar o morto em sua passagem.
Parece-me possível dizer, portanto, que encantados e humanos compartilham
lógicas de cuidado e companhia nos momentos de morte. Entre as pessoas, se espera uma
10
atenção cuidadosa dos parentes. Em sua acepção mais evidente, um parente é alguém com
quem se compartilha laços de sangue e descendência. Como em outras regiões do Brasil,
“o sangue puxa” também nesse contexto e pode-se reconhecer um parente mesmo sem vê-
lo por anos. Mas o sangue, sozinho, mobiliza apenas parte daquilo que é vivido como
parentesco. Existem, nesse sentido, outras substâncias e práticas que produzem e
mobilizam parentes (CARSTEN, 2014). A comensalidade, a ajuda mútua, a criação e a
consideração (PINA-CABRAL e SILVA, 2013), a oferta de uma rede dentro de casa, falam
do compartilhamento de práticas de cuidado e de companhia que constituem o parentesco.
Foi nesse sentido que Mariana, mesmo cuidado de seu esposo doente, recebeu um irmão
em sua casa por cerca de um mês para realizar uma cirurgia médica e recuperar-se dela na
cidade. Também nesse âmbito, a família de Isabel suplicou que sua neta voltasse a morar
em casa quando soube da violência doméstica que sofria em Goiás, para onde havia se
mudado.
É nesse sentido que, mesmo sabendo de todas as dificuldades no atendimento à
saúde no município, seja considerado melhor estar entre os seus do que distante de casa
quando doente. Pedindo a um filho que voltasse para casa, uma das minhas interlocutoras
me explicou que, a despeito dos problemas da cidade, “aqui tem quem lute por ele” – ou
seja, tem alguém que se responsabilize por sua situação. A mesma frase eu ouvi sobre o
início da “mediunidade” de alguns pais de santo antigos, que quando apresentaram aflições
e doenças depois lidas como “problema com encantado” tiveram ao seu lado parentes que
com eles “lutaram” para descobrir a origem do que sentiam e viviam. Familiares e parentes
são aqueles que observam práticas de companhia, cuidado e lembrança (em relação aos
vivos e aos mortos).
***
Enquanto ausência do reconhecimento da participação de uns na vida dos outros e
a impossibilidade de fazer companhia ou cultivar a lembrança, a solidão pode incidir sobre
a vida de qualquer pessoa. Não há garantias ou ações que possam dirimi-la ou afastá-la
completamente do horizonte. Há, entretanto, formas de ou investimentos para tentar evitá-
la. Um dos elementos que me parece central nessa tarefa é o contínuo investimento em
redes de relação produzidas seja pelo parentesco e vizinhança, seja pela religião (dois
elementos que, em alguma medida, se cruzam de formas inusitadas (AHLERT e LIMA,
2019)).

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Como indiquei anteriormente quando descrevi as visitas e os enterros, as relações
sociais envolvem os mortos, que não devem ser deixados sozinhos e não devem ser
esquecidos. É no escopo dessa conexão entre eles e os vivos que podemos compreender os
diversos cuidados que tem a ver com as visitas e os velórios: o convite aos rezadores, a
oferta de bebida e comida aos presentes, a compra de velas para a sepultura, as horas e
mesmo dias de espera pela chegada das pessoas distantes, as lembranças e as fotografias.
São esses movimentos que a solidão (e a pandemia) impossibilita e que são desvinculações
produzidas e reforçadas no âmbito do capitalismo.

[2010-2021] Dignidade, trabalho e liberdade

Ao falar sobre a importância e sobre o investimento nas relações sociais não


pretendo transmitir a ideia de que todas as relações são cultivadas ou cuidadas. Existem
certos princípios ou preceitos éticos – empíricos, vividos – que podem nos ajudar a não
fazer uma leitura plasmada das situações que venho contando. Nesse sentido, a importância
do cultivo e do investimento nas relações sociais, que envolve perspectivas de cuidado,
atenção e companhia não deixa de comportar a negativa ou a recusa a certas relações. As
pessoas não necessariamente investem em todas as articulações ou associações possíveis
com os outros, mas, fazem escolhas e ações conscientes de aproximação e distanciamento
em relação aos seres com os quais convivem (MELLO, 2017).
Nessa perspectiva, por exemplo, minhas amigas preferiam a lida pesada no campo,
onde quebravam coco (um trabalho considerado pesado, fonte de problemas de saúde), ao
que o trabalho doméstico em “casas de família”. Nesse último, viam-se aprisionadas a uma
rotina com horários marcados e sujeitas ao mando constante de um patrão, o oposto do
sentido de liberdade que percebiam na quebra, no campo, onde elas mesmas ditavam o
ritmo de trabalho e os momentos em que seus corpos podiam descansar. Os homens, de
maneira razoavelmente fácil, conseguiam o trabalho do “roçado da juquira” se quisessem.
Mas, se pudessem, o evitavam, pois ele era considerado uma forma de cativeiro e de
precariedade - um exemplo evidente, para Luiza, de solidão. Ele era o contrário da roça,
considerada um trabalho livre (pois flexível em termos de horário ou do destino de parte
dos produtos) não vigiado pelos olhos dos administradores rurais e seus capatazes.
Ao contrário do que as condições de “precisão” parecem indicar, existem formas
de valorar e significar o trabalho e as relações sociais dele decorrentes. Assim, ao tempo
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em que é preciso ter dinheiro para sustentar casa e família, é ainda preciso manter a
dignidade. A quebra de coco e a roça, ainda que consideradas trabalho duro, eram muito
valorizadas, pois não colocavam as pessoas em posição de sujeição diante de patrões e de
vigilantes que medem as atividades por produtividade e por hora. Está em jogo uma
condição de liberdade – não a liberdade do capitalismo, que justifica a diminuição das
regulações estatais descrita por Foucault (2008) – mas àquela que remete às formas de
dispor (d)o corpo e (d)o tempo.
Compreender o trabalho, dessa forma, se conjuga com o que venho discutindo sobre
companhia e cuidado. Essas duas noções não são condizentes com o capitalismo porque
elas não são livres no sentido da ausência de laços sociais e compromissos, ou marcadas
pela celebração da individualidade (DUMONT, 1993). “Lutar por alguém”, receber
familiares e parentes, participar de rituais de enterro que duram alguns dias e algumas
noites, receber encantados nos corpos para as giras de tambor implicam em compromissos
que se desdobram no tempo, apresentam alterações imprevistas na rotina e exigem
disposição para o investimento em relações diversas.
Um dos elementos do trabalho de campo que para mim mais fala da autonomia no
controle do tempo e dos corpos são as festas dedicadas aos santos e aos encantados no
âmbito das tendas de terecô e umbanda. Cada Casa religiosa possui, por ano, pelo menos
um desses eventos, que tem duração variada, mas que podem alcançar nove dias e noites
preenchidos com rezas e ladainhas, aniversário de entidades, obrigações e trabalhos de
cura, apresentações artísticas e toques (ou giras) de tambor – normalmente regadas por
bebidas e comidas oferecidas pela mãe ou pai de santo anfitrião. O mais interessante é que
as pessoas não estão apenas cumprindo sua responsabilidade com os festejos quando
dançam e tocam aos encantados em suas tendas, estão também criando e reafirmando elos
de ligação com outros terreiros, pois são, continuamente, chamadas para visitar as festas
das outras Casas. Essas visitas são chamadas de “pagar noite” ou “pagar tambor”, mas
antes do que indicar qualquer relação monetária, trata-se de uma retribuição por uma visita
anterior. Existem pais e mães de santo que passam, em determinado mês, mais de vinte
dias visitando festejos de outros terreiros com seus filhos de santo.
Certa disposição de tempo semelhante é necessária para os rituais de morte. Um
velório e um enterro podem levar dias, pois é preciso esperar a chegada de parentes que
vivem em outras cidades. Nesse meio tempo, o morto não fica desacompanhado e sempre
há alguém em torno dele conduzindo um cântico, um bendito ou outra reza, contando quem
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ele era durante a vida – ou ainda, cozinhando para as pessoas, presentes, distribuindo algo
para ser bebido, jogando dominó ou atualizando histórias àqueles que vieram de longe.
Parte do que vivemos no contexto da pandemia desafia os sentidos de liberdade e
também uma compreensão local de autonomia no que condiz à morte e seus rituais –
enquanto formas de evitar a solidão. Maristhela Silva (2021), em sua tese de doutorado,
explora os sentidos de morte para as comunidades tradicionais que residem em povoados
que atualmente compõem a área do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. Estudando
associações mutuárias comunitárias, a pesquisadora sugere que a morte em casa carrega
um sentido de autonomia, uma vez que é a própria família que anuncia o momento do
falecimento; é ela quem classifica a morte no âmbito de uma tipologia compartilhada pela
comunidade; é ela quem cuida do corpo do doente e do falecido e providencia, de acordo
com o desejo da pessoa, os rituais de velório e enterro. Olhar para a morte entre os “que
lutam por você”, ou seja, em casa, como autonomia, parece-me uma saída para fugir dos
sentidos de precariedade evidentemente presentes nesse contexto: a ausência de rede de
saúde disponível ou de dinheiro para o acesso aos serviços relativos ao cuidado médico ou
aos ritos funerários.
Parece-me possível chamar as visitas aos mortos e as visitas aos terreiros de
movimentos de insurgência, ainda que não percebidos pelos meus amigos e interlocutores
como atos de resistência, pois são um “movimento de criação contínua das possibilidades
de vida, de ativação da potência de pensar, agir e sentir; movimento que traça um caminho
a despeito e em meio às ações de confiscação de modos de vida”, pois relevam certa “ética
do cuidado, alguma estética da criação e a política da atenção” (VIEIRA e VILLELA,
2020, p.22). Mais do que questões planejadas ou mobilizações declaradas, são ações
ordinárias marcadas pela coexistência de seres e pelo entendimento de que alguns
elementos, como a dignidade, a autonomia, o cuidado e a responsabilidade dever ser
manejados eticamente nesse mundo.

Considerações finais

Em Codó, eu ouvia as pessoas – especialmente em situações de consulta com os


encantados – disserem que “todo mundo tem seus problemas” e deve buscar maneiras de
resolvê-los. Eles existem porque viver é um desafio e todo o tempo se está diante de
processos ameaçadores que podem destruir a saúde de alguém ou de sua família e que
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podem levar à solidão. A solidão é um dos elementos da vida que assusta, ela anuncia o
apagamento da participação de uns na vida dos outros e deixa algumas pessoas
desembaraçadas das outras, soltas, desprotegidas. É nesse sentido que propus sua
aproximação com as lógicas do capitalismo que regram corpos e rotinas, hierarquizam
contatos e favorecem a “precisão”, a humilhação e o domínio de uns sobre os outros.
A percepção de um mundo que possui processos ameaçadores, entretanto, não
paralisa as pessoas, mas as motiva às ações de proteção – por intermédio de rezas, de
banhos, de trabalhos, por exemplo. Por isso também é fundamental ter companhia, estar
cercado de seres diversos – adultos, crianças, encantados e mortos, parentes e amigos, com
os quais é possível construir colaborações. Mais do que perceber as diferenças entre as
pessoas (entre crianças e adultos, por exemplo) ou entre os seres, as situações analisadas
neste artigo, com o intuito de demonstrar as formas de enfrentar a solidão, destacam
coexistências que acontecem a despeito das incomensurabilidades, ambiguidades e
conflitos.
Nesse sentido, ao apresentar situações etnográficas vividas no trabalho de campo,
procurei apresentar um contexto onde a ideia de fazer companhia e cultivar a lembrança
são chaves fundamentais para enfrentar a solidão – enfatizando, especialmente, situações
que envolvem a morte e seus rituais. Essas ações colocam em relação as pessoas, os
encantados e os mortos, pois nenhum desses seres deve permanecer sozinho e nenhum
deles escapa às situações nas quais é preciso se responsabilizar pelos outros. Se
responsabilizar por alguém, acompanhar, “lutar por” se contrapõem às lógicas de
indiferença social (HERZFELD, 2016) que são tão corriqueiras nesse sistema que conjuga
Estado e mercado de forma constante.
Penso que a ideia de um mundo assustador ou a percepção dos perigos e riscos
implicados na existência se relacionam com a concepção da vida como uma “andança
sofrida” (CORTADO, 2020)7, encontrada em outros contextos etnográficos. Entretanto,
sugiro que os sofrimentos e as dificuldades – das doenças, da “precisão”, da parca oferta
de serviços – precisam ser considerados compreendendo que as pessoas, quando vivem
essas situações, carregam consigo uma ética ou política da atenção – do cuidado, da

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A forma de encarar a pandemia, diz Thomas Cortado, tem menos a ver com como se percebe a morte, mas
como se concebe a vida: há uma diferença entre “quem considera a vida um direito absoluto do indivíduo”
ou “para quem enxerga na vida uma “andança sofrida”” (CORTADO, 2020, p.04).

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responsabilidade, do lutar por alguém – e noções de dignidade e autonomia que esclarecem
escolhas e perspectivas.
Não me parece totalmente impreciso dizer, para esta análise, que a solidão pode ser
mais temida do que a morte. Não que as pessoas estejam acostumadas à morte ou que não
sintam falta de quem parte. Não se trata disso, mas do fato de que mais do que a morte em
si (algo previsto, algo em alguma medida esperado) são as condições nas quais se vive a
morte que merecem uma atenção cuidadosa. Seu Sebastião, um pai de santo que conheci,
(hoje já falecido) me disse que sentia muito a ausência da esposa que havia morrido
recentemente [2011], mas, se sentia feliz, pois “ela teve um bom enterro e uma boa visita”.
Era importante viver, mas também morrer acompanhado8.

Referências

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Social – Rio de Janeiro – Reflexões na Pandemia, p. 1-5, 2020.

8
[Comentário final] Enquanto a vida das pessoas se desenha como um ciclo, os encantados são ancestrais e
contemporâneos ao mesmo tempo. Compreende-se que eles foram pessoas que desapareceram sem viver a
experiência da morte. Eles a suplantaram e surgiram com outro estatuto, atravessaram e atravessam lógicas
lineares de tempo, conectando vivos e mortos, familiares e desconhecidos. Com os rituais nas tendas
suspensos por certo período durante a pandemia de Covid-19, eles se aliaram à tecnologia e participaram de
lives na internet, lembrando que as brincadeiras seguem sendo feitas e que novas conexões continuam
possíveis.

16
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2015.

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