Você está na página 1de 21

ENTRE DUALISMOS, PRECONCEITOS, SUPERAÇÃO E PROSPERIDADE: A

HISTÓRIA DA URBANIZAÇÃO DA COMUNIDADE NOIVA DO CORDEIRO


COMO A FORÇA DE UM GRUPO PREDOMINANTEMENTE FEMININO TIROU UMA
COMUNIDADE DA ZONA RURAL DE BELO VALE (MG) DA MISÉRIA E LEVOU A UM
CAMINHO DE CENTRALIDADE

Odilon Amaral1

RESUMO

O presente estudo se propõe a contar e analisar como uma comunidade predominantemente


feminina, do interior de Minas Gerais, superou um passado de atraso, miséria, segregação e
preconceito, para exercer uma espécie de centralidade na região de Belo Vale, a cerca de 100
quilômetros de Belo Horizonte. Além de passar pela história, em si, da Noiva do Cordeiro, este
artigo mostra como a comunidade foi se modernizando e passando por uma espécie de urbanização
alternativa, adotando as práticas de uma economia solidária e tendo o comum como uma das marcas
principais, gestado, criado e amadurecido sob uma governança solidária, coletiva, em que as
mulheres desempenham um papel central na tomada de decisões e na organização da vida cotidiana.

Palavras-chave: Urbanização, comum, comunidade, rural, economia popular

1. INTRODUÇÃO

Afinal, sobre qual lugar nós (e tantos outros) falamos? Para os seus
moradores, Noiva do Cordeiro é uma grande “família”, contudo, em
certos momentos, eles mesmos se definem como uma “comunidade”. Se é
difícil enquadrar Noiva do Cordeiro em apenas uma dessas definições, é
igualmente desafiador contar a história desse lugar. Não porque faltem

1Aluno do curso de pós-graduação na disciplina Economia Política da Urbanização, da UFMG, jornalista,


especialista em Comunicação e Gestão Empresarial e bacharel em Relações Econômicas Internacionais.
odilon@odilonamaral.com.br
2

dados, documentos ou relatos orais, mas pelo fato de que reconstituir a


complexidade de tantas existências seja, talvez, impossível.
(PERDIGÃO, Juliana. 2020)

Certo e errado, macho e fêmea, pecado e virtude, sagrado e profano, urbano e rural, nós e
eles, natureza e cultura, preto e branco, selvagem e civilizado. Estas “oposições” são exemplos de
dualismos que fazem parte de sistemas de classificação pelo quais vão-se construindo significados
para que se dê sentido ao mundo social, “definindo, por exemplo, práticas aceitas ou não, grupos
incluídos ou excluídos […] a produção da diferença é um componente chave dos sistemas de
classificação” (PERDIGÃO, 2020, p. 34).
Segundo esse caminho, os modos de pensamento são estruturados em torno de polarizações,
muitas delas deliberadamente equivocadas (como machismo x feminismo), para se construir uma
diferença, “promovendo-se a marginalização daqueles que são definidos como “outros”, uma vez
que os termos que circunscrevem esses dualismos podem receber pesos desiguais e, assim,
pautarem-se por relações de poder” (PERDIGÃO, 2020, p. 35).
Até mesmo a palavra comunidade é frequentemente analisada por meio de dicotomias e,
segundo a pesquisadora e jornalista Juliana Perdigão (2020, p. 66), em vez de vir investida de um
necessário poder de resgate da solidariedade humana, é utilizada para designar grupos que estão à
margem dos recursos alocados pelo mercado, em tempos de competitividades e individualismo, na
era do globalismo neoliberal. Assim, aparece em debates como local x global; tradicional x
moderno; gueto x sociedade; povoado x cidade; rural x urbano.
Tal dualismo é manifestado e concretizado em instrumentos de dominação e opressão,
numa estrutura conceitual opressora, de viés machista, que visa, por exemplo “justificar” a
subordinação das mulheres pelos homens. “A base conceitual dessas estruturas de dominação está
localizada nos dualismos de valor hierarquicamente organizados: homem/razão/branco/cis/humano/
cultura de um lado, e mulher/emoção/negra/trans/animal/natureza do outro” (MODEFICA, 2023).
A história (ou a “contação” da história) da urbanização, segundo Brenner (2018, p. 241), até
então enraizadas em seus dualismos ideológicos, vem se desmantelando, para usar palavra do autor,
frente a formas emergentes de urbanização. “Isso vem acontecendo não só entre as noções de cidade
e campo, urbano e rural, núcleo e periferia, metrópole e colônia, sociedade e natureza, humano e
não humano, mas também entre as escalas urbana, regional, nacional e global”. Nesse esteio,
3

tendem a ser superados os “dualismos estáticos da teoria urbana popular (cidade/campo, urbano/
rural, interior/exterior, sociedade/natureza)” (BRENNER, 2018, p. 317)
No estudo aqui apresentado, contamos, de forma suscinta, a história da Comunidade Noiva
do Cordeiro, analisamos a chegada de serviços básicos e de infra-estrutura à comunidade, em ordem
cronológica, a partir de entrevista semi-estruturada feita às moradoras -que são as porta-vozes da
Noiva do Cordeiro. Em seguida, encaixamos essa cronologia em alguns dos aspectos da Economia
Política da Urbanização que explicam e são ilustrados pelos progressos da Noiva do Cordeiro, como
o conceito de rururbano, a economia popular e solidária e, principalmente, a noção do comum, por
meio de uma breve revisão bibliográfica.
As citações referentes à entrevista semi-estruturada, em sua maioria, foram mantidas com a
redação original, para dar maior identidade, originalidade e proximidade aos relatos reproduzidas.

2. UMA HISTÓRIA DE PRECONCEITO, FOME, SEGREGAÇÃO E SUPERAÇÃO

Um adultério, uma separação, seguidos da segregação. Esses três substantivos abstratos


foram a pedra fundamental que concretizaram o início da história de uma comunidade que, hoje,
tem cerca de 400 integrantes, unidos por laços sanguíneos. Direta ou indiretamente, a maioria é de
descendentes de Maria Senhorinha e Chico Fernandes que, por volta de 1890, “foram proibidos de
frequentar as celebrações religiosas e foram isolados pela própria família” (PERDIGÃO, 2020, p.
29), quando ela, ainda casada, ficou grávida do amante.
A história é marcada pela oralidade. Uma das porta-vozes mais qualificadas para se contar,
hoje, a saga da Noiva do Cordeiro é dona Delina, chamada de mãe por filhos, netos, sobrinhos,
genros e toda sorte de parentes que hoje compõem a comunidade. “Mãe Delina” é neta de Maria
Senhorinha e exerce uma espécie de matriarcado. O que ela ouviu da história foi de forma
escondida, ainda criança: “Se a gente perguntasse eles batiam na gente. Nem eles queriam escutar
aquela conversa. Era assunto proibido”, segundo Delina Fernandes relatou à jornalista e
pesquisadora Juliana Perdigão (2020). De acordo com a neta de Maria Senhorinha, o casamento da
avó com o francês Artur Pierre foi arranjado e Maria Senhorinha engravidou de Chico Fernandes
depois de permanecer virgem nos dois primeiros anos de matrimônio.
Os dois fugiram para um local perto de Roças Novas de Cima, zona rural de Belo Vale, a
cerca de 100 quilômetros de Belo Horizonte (MG). A história do adultério se espalhou pela região.
4

Relatos orais apontam que Maria Senhorinha e Chico Fernandes foram excomungados, com a
punição sendo aplicada às quatro gerações seguintes da família. Essa exclusão também se deu no
nível social, com os moradores das comunidades do Vale do Paraopeba se afastando do convívio da
família formada a partir de um adultério. O preconceito nos anos que vieram, naquele início do
século XX, “foi forte o suficiente para silenciar o assunto em toda família pelas décadas seguintes,
até a morte do casal” (PERDIGÃO, 2020, p. 35).
Dona Delina tinha 16 anos quando, na década de 1960, casou-se com o pastor evangélico
Anísio Pereira, que tinha 43 anos à época. Ele se autodenominada como “o cordeiro que guiaria a
comunidade” (PERDIGÃO, 2020, p. 36) e ergueu uma igreja com o nome Noiva do Cordeiro. O
casal teve 12 filhos. A rotina de orações, vigílias e longos períodos de jejum dificultava o trabalho
na roça, levando a comunidade a um estado grave de miséria e privações. O pastor não deixava que
as mulheres cortassem os cabelos, usassem maquiagem e, muito menos, fizessem uso de métodos
contraceptivos. Muitas tiveram dez, doze filhos ao longo da vida.
Por volta dos anos de 1980, os jovens começaram a questionar as imposições feitas pelo
pastor. De acordo com Perdigão (2020, p. 41), a proibição de ouvir música, dançar, a pobreza e a
rotina de orações e jejuns foram afastando a nova geração da igreja. No início da década seguinte,
uma noiva (ironicamente…) quis ter uma festa com música no seu casamento, desejo que,
realizado, encheu a comunidade de alegria e orgulho. Com a morte do pastor, em 1995, chegou a
vez de “evitar menino e fazer fartura”, segundo a moradora que organizou a festa de casamento
(PERDIGÃO, 2020, p. 42). A igreja foi demolida e o trabalho na roça organizado de maneira
coletiva.

Aos poucos, a subsistência foi garantida para todos da comunidade, que já


contava com aproximadamente 300 moradores. As mulheres tomaram para
si a responsabilidade de criar novos modos de vida. Coordenavam e se
subdividiam entre as atividades, ao passo que os homens buscavam emprego
nas redondezas para ampliar a renda (PERDIGÃO, 2020, p. 43).

Um bar foi construído no lugar da igreja e foi estabelecido que ali não haveria mais qualquer outro
tipo de doutrinação religiosa.
Paralelamente, esse foi o momento em que, segundo Juliana Perdigão, a discriminação em
relação ao modo de vida da comunidade se tornou mais forte. Na região, foram alimentados boatos
de que a Noiva do Cordeiro era uma comunidade de prostitutas e alguns moradores deixaram de
frequentar espaços públicos e a escola (2020, p. 44). O isolamento foi ainda maior que nos
5

primeiros anos da comunidade. Numa tentativa de diversificar as atividades, as mulheres decidiram


fabricar roupas íntimas. Mas um desfile para promover as peças fomentou ainda mais o preconceito.
Mesmo com a fundação de uma associação comunitária para organizar as atividades de plantio,
nada do que era produzido pela comunidade era vendido fora de seus limites.
A entrada no novo milênio foi marcada pelas decisões de ampliar a produção para vender
em Belo Horizonte e eleger uma delas vereadora em Belo Vale. Rosalee Fernandes, filha mais velha
de dona Delina, foi eleita em 2004 pela coligação PDT/PMDB, com 356 votos (PERDIGÃO, 2020,
p. 51). Ela estendeu sua influência pelas comunidades vizinhas, que reivindicavam maquinário novo
para as plantações. Mas, na visão de Rosalee, a necessidade maior era ter estudo e computador. “O
projeto para criação de uma escola de informática foi escrito à mão e apresentado às mineradoras da
região. Em 2006, esse projeto tornou-se realidade” (PERDIGÃO, 2020, p. 51). Os moradores
começaram a ter aulas regulares e as planilhas de custos da plantação e da fábrica de costura
passaram a ser feitas no computador. Alguns deles foram treinados para ensinar informática nas
comunidades vizinhas.
Por causa da divulgação da Noiva do Cordeiro na mídia comercial, sob o pretexto de se
tratar de a primeira comunidade rural a receber um projeto de inclusão digital em Minas Gerais, a
comunidade passou a ser noticiada em jornais e na tv. A implantação da internet foi outro marco. Os
moradores passaram a produzir e veicular vídeos sobre a comunidade no Youtube. Com o aumento
da visibilidade, a comunidade ganhou páginas inteiras em jornais, documentário em rede nacional
pelo GNT e reportagens publicadas no exterior.
As atividades hoje se dividem entre a lavoura, a fábrica de roupas, tapetes, artigos para pets,
o minimercado local e a escola. Tudo é combinado em grupos no WhatsApp. Desde a faxina, o
cuidado dos idosos aos ensaios dos grupos de teatro e música.

Figura 1 - Tela de celular com os grupos de trabalho da Noiva do Cordeiro. Fotografia cedida por Juliana
Perdigão.
6

As refeições são servidas na “Casa Mãe”, uma construção central com cozinha, fogão a
lenha, refeitório e 36 quartos. Cerca de 90 construções já foram erguidas em torno da casa principal.
hoje, segundo a comunidade, são cerca de 400 moradores, sendo em torno de 90% nascidos na
Noiva do Cordeiro, segundo a comunidade. Durante a semana, a maioria dos homens deixa o local
para trabalhar em Belo Horizonte e em mineradoras e indústrias da região de Belo Vale. Na casa
central, há um teatro com capacidade para 100 pessoas. Lá são feitas apresentações teatrais,
contando a história da comunidade, e exibidos shows musicais da dupla sertaneja local (Márcia e
Maciel) e um cover da cantora Lady Gaga, encarnada por Keila Fernandes, uma das produtoras
locais. Os shows da dupla viajam pelo interior de Minas e por outros estados, principalmente São
Paulo. As apresentações de “Keila Gaga” -que teve sua identificação como sósia da artista norte-
americana pela comunidade graças à chegada da internet- ganharam espaço em programas de
televisão e shows na parada LGBTQIA+ em Belo Horizonte, na Praça da Estação.

Figura 2 - Cena do Show do grupo de Keila Gaga no teatro da comunidade. Fotografia cedida por Juliana
Perdigão.
7

As atividades artísticas são mais uma fonte de renda para 50 jovens que se dividem como
bailarinos, cantores e produtores nos shows (PERDIGÃO, 2020, p. 63). Recentemente, o pequeno
bar que foi construído no lugar da antiga igreja foi reformado e transformado num enorme espaço
de lazer, com palco espaçoso e moderno, onde visitantes de fora da comunidade, inclusive,
passaram a frequentar, por causa das atrações que vêm de fora, fruto do intercâmbio criado com as
diversas viagens dos artistas da Noiva do Cordeiro (como Milionário e José Rico, Padre Alessandro
Campos -cantor e apresentador de tv, conhecido como “Padre Sertanejo”-, a dupla Gino e Geno,

Figura 4 - As atrações artísticas da Noiva do Cordeiro rompendo os limites da com unidade. Imagens: redes
sociais.

Figura 3 - Espaço para shows e lazer, onde era o antigo bar da comunidade. Fotografia do autor.
8

entre outros) e, também, por dar espaço a artistas da vizinhança, sem oportunidades em outros
palcos.

3. O PROCESSO DE EVOLUÇÃO E URBANIZAÇÃO

“Nóis é da roça!”
A afirmação acima é ouvida com frequência para quem pergunta sobre os moradores da
Noiva do Cordeiro. Em questionário respondido para este trabalho, uma comissão reunida pelas
moradoras refuta que a localidade esteja se tornando uma comunidade urbana:

A Noiva do Cordeiro é 100% rural, as famílias sobrevivem do que plantam e


colhe [sic] legumes, frutas, cereais e verduras e está distante a quase 20km
da sede do município. Temos muito orgulho de vivermos da agricultura
familiar.

De fato, a Noiva do Cordeiro pode ser caracterizada como uma comunidade rural que
passou por mudanças e adaptações ao longo do tempo, incorporando elementos de urbanização,
como diversificação econômica e acesso a serviços básicos. Porém sua história e evolução têm
algumas peculiaridades. Marques (2016, p.223) utiliza o termo rururbano para se referir a arranjos
socioespaciais como a Comunidade da Noiva do Cordeiro, porque, segundo a autora, o conceito
“valoriza o caipira e o provinciano que caracterizavam as comunidades outrora rurais que agora
estão em rápida mudança”. Mas não é complicado elencar uma série de variáveis cronológicas que
demonstram um processo, se não de transformação da localidade numa comunidade urbana, de
caracterização de um comunidade rural urbanizada -rururbana.
Neste estudo, analisamos a chegada de serviços básicos e de infra-estrutura à comunidade,
em ordem cronológica, a partir de entrevista semi-estruturada feita às moradoras - que são as porta-
vozes da Noiva do Cordeiro. Depois de décadas (quase um século!) de privações, a comunidade viu
enfim, a energia elétrica chegar até lá, em 1984, levada pela Prefeitura de Belo Vale. Segundo as
moradoras, a distribuição é feita “através de padrão colocado nas moradias, sendo que ainda tem
casas que usam luz emprestada, devido a [sic] burocracia exigida para extensão da rede elétrica em
algumas ruas” (sim! A comunidade tem ruas em seu interior).
9

Figura 4 - Padrão de luz da escola da comunidade. Fotografia do autor.

Em 2006, a Noiva do Cordeiro deu um importantíssimo salto rumo à modernidade e ao


rompimento do isolamento. Uma parceria entre a ACNC (Associação Comunitária Noiva do
Cordeiro), o CDI (Comitê para a Democratização da Informática) e a Fundação Vale resultou num
projeto de informatização, que levou à criação de uma Escola de Informática e Cidadania (EIC),
dentro do Centro de Inclusão e Desenvolvimento da Educação Comunitária (CIDEC). Uma sala na
Associação Comunitária da Noiva do Cordeiro recebeu computadores, scanner e impressora, onde
os moradores passaram a ter aulas regulares (PERDIGÃO, 2020, p. 51-52).
A ampliação de horizontes provocada pela janela aberta ao mundo, via tela do computador,
estimulou o crescimento cultural e artístico da comunidade. Em 2011, num projeto com patrocínio
da Vale e em parceria com o Palacio das Artes, as moradoras contam que

profissionalizamos […] um grupo de 25 jovens e adultos agricultores em


artes cênicas, música e dança e através desse grupo o passado da Noiva do
Cordeiro é contado para a nova geração, além disso eles ensinam arte para
as crianças que vão crescendo, isso também ajuda a preservação da
identidade e cultura da Noiva do Cordeiro.
10

A comunidade chegou mesmo a receber um projeto assinado pelo cenógrafo, figurinista e


arquiteto Raul Belém Machado: o Palácio da Cultura Chico Fernandes. O projeto tem dois
pavimentos, com 1,6 mil metros quadrados de área construída, com previsão para “estacionamento,
salões de ensaio, sala multimídia, ateliê de produção, três camarins, elevador, auditório e teatro com
capacidade para 200 pessoas” (COUTINHO, 2012).

Figura 5 - Rosalee Fernandes, filha mais velha de dona Delina, abre o projeto desenhado por Raul Belém
Machado. Fotografia cedida por Juliana Perdigão

Em 2013, a conectividade da Noiva do Cordeiro foi aprimorada com a chegada da telefonia


celular. Juntando as economias a uma “vaquinha” formada por parentes e amigos de Montes Claros,

Figura 6 - Antena de telefonia celular instalada pelas moradoras da comunidade. Fotografia do autor.
11

Desterro de Entre Rios (MG) e São Paulo (SP) e pagando em várias parcelas, os moradores da
comunidade conseguiram instalar uma torre repetidora de sinal de 30 metros. Com a praticidade do
serviço móvel, a comunidade não cogitou fazer maiores investimentos em telefonia fixa. Porém, o
equipamento, hoje, está à beira da obsolescência, deixando o serviço precário: “Dependemos
urgentemente de uma antena oficial de uma das operadoras Vivo, Tim, Oi ou Claro”, relatam.
Com relação aos uso e compra de terras, a comunidade relata que a única aquisição feita foi
ainda em 2013, “através do PNCF, Programa Nacional de Credito Fundiário, no MDA, Ministério
do Desenvolvimento Agrário, este terreno é usado somente para plantações”. O terreno foi agregado
à herança da família e as construções são feitas pelos parentes, sem necessidade de autorização: “As
casas são feitas na base de vaquinha e a mobília também, sempre que alguém decide construir”.
Ainda de acordo com a comunidade, hoje, existem 90 construções na área, entre casas e prédios.
Mais precisamente, são 83 construções habitacionais e oito de outras atividades comunitárias. A
comunidade possui seis prédios com 12 moradias, além de um prédio que abriga uma moradia, uma
loja de artesanato, um salão de costura e um supermercado comunitário. A Noiva do Cordeiro conta
ainda com uma Unidade Básica de Saúde, um escola, um centro de lazer, uma oficina mecânica e
uma miniloja de peças automotivas.
Uma característica marcante da comunidade é que, como é tudo propriedade comum, há um
grande rodízio entre os moradores. “

A rotatividade das moradias acontece espontaneamente pelos envolvidos,


ex.: se uma família é maior e estar [sic] morando em uma casa pequena e
uma família menor esta [sic] numa casa grande, por consideração a família
menor se disponibiliza a trocar de casa, visando o bem estar das duas
famílias.

Mas toda essa movimentação é restrita aos integrantes da comunidade: “Não temos estrutura
física para acolher imigrantes, pois até maridos e filhos ainda precisam sair para trabalhar fora”.
De acordo com as moradoras, por volta de 30% da área da comunidade é ocupada por
moradias; 15% são dedicados à pecuária, as plantações ocupam cerca de 35%; e 20% são
compostos por reservas, para a conservação das nascentes. “As áreas reservadas à conservação
ambiental são exclusivamente por consciência dos moradores, visando a qualidade de vida de todos
os seres”, afirmam.
Em 2014, um outro garnde passo em relação à infraestrutura básica foi dado na Noiva do
Cordeiro, com a implantação do abastecimento de água por meio de uma empresa terceirizada
12

contratada pela Prefeitura de Belo Vale. Foi furado um poço artesiano “que deu tanta água, que
abastece também a comunidade vizinha, Roças Novas de Cima. A água não é tratada, “mas o
pessoal da saúde estão [sic] prometendo fazer a análise”. O processo de saneamento (esgoto) se dá
de duas formas segundo as moradoras: na “Casa Mãe”, onde mora a maioria das pessoas, existe
uma fossa séptica, idealizada por dona Delina e construída com recursos próprios. Nas outras casas,
fossa negra2.
Nesse mesmo ano, foi construída uma Unidade Básica de Saúde, mantida pela prefeitura, na
área da Noiva do Cordeiro. Uma vez por mês, a comunidade conta com atendimento médico de
geriatra, ginecologista, clínico geral, pediatra e assistente de dentista para avaliação. Antes, os
atendimentos eram feitos num quarto cedido pelos moradores. Eles não participam coletivamente de
qualquer plano de saúde privado e, em tratamentos que não são cobertos pelo SUS (Sistema Único
de Saúde), “fazemos vaquinhas para pagar todos os custos. A vaquinha é nossa companheira diária
para toda necessidade extra que alguém precise e não tenha condições de resolver sozinho”. Se há a
necessidade de se transportar algum morador para outra localidade, por motivo de saúde, a
comunidade diz que conta com o apoio integral da Prefeitura de Belo Vale.

Figura 7 - Unidade Básica de Saúde, instalada no alto do morro, no terreno da comunidade. Fotografia do
autor.

2 Asfossas negras são caracterizadas por uma escavação realizada sem revestimento ou tratamento adequado,
onde os dejetos são despejados (DE OLIVEIRA, 2015)
13

Aqui cabem parênteses e um pequeno avanço na linha do tempo, para exemplificar quão
coesa e organizada é a comunidade. Até o meio de 2023, a Noiva do Cordeiro não teve registro de
um caso sequer de Covid-19. Abaixo, segue o relato das moradoras:

No momento que a OMS declarou a pandemia do COVID-19 altamente


contagioso, fizemos uma reunião com os moradores e decidimos fechar
totalmente a entrada e saída das pessoas, criamos uma portaria que
funcionava 24h para atender visitas que chegassem sem saber que
estávamos isolados, na portaria também era feito [sic] a higienização
rigorosa de qualquer produto antes de entrar na comunidade. Em caso de
necessidade de alguém ir ao médico ou tratar de algum assunto particular,
foi disponibilizada, para este fim, por um morador uma casa para fazer a
quarentena e antes de voltar ao nosso convívio era feito o teste de PCR.

A Noiva do Cordeiro também busca a autossuficiência na educação. Segundo as moradoras,


o primeiro passo rumo à evolução do sistema de ensino na comunidade se deu quando 11 moradores
concluíram a faculdade e se tornaram professores. A primeira escola a funcionar foi de educação
infantil, pela portaria SER Metropolitana A nº 057/2015. A escola Maria Senhorinha de Lima, de
ensino privado, foi montada numa casa da comunidade. As crianças e 4 a 11 anos da comunidade
passaram a frequentar as aulas de graça e estudar até a quinta série do ensino fundamental. Hoje, a
Maria Senhorinha de Lima, de acordo com as moradoras, “possui 4 portarias: nº 057/2015, nº
225/2016, nº 1502/2016, nº 97/2022, nos níveis infantil, fundamental e médio”. A escola é mantida
pelos moradores. Os professores, integrantes da comunidade, “formados em faculdades, alguns em
aula presencial e outros à distância”, dão aulas gratuitas “e o esforço de todos é visando preservar
nossa cultura para as próximas gerações”, dizem. Um dos sonhos da família Noiva do Cordeiro é a

Figura 8 - Escola Maria Senhorinha de Lima. Fotografia do autor.


14

instalação de uma unidade de ensino superior na comunidade. E sonhos são algo que elas costumam
realizar com alguma frequência…
Outra questão de infraestrutura básica, o transporte, é resolvido na base da solidariedade
entre os moradores e com o serviço prestado por uma empresa privada que, às segundas, quartas e
sextas-feiras, provê uma linha que leva da Noiva do Cordeiro a Belo Vale. A ligação da comunidade
à capital do estado passou por transformações recentes (2023). Um dos caminhos segue, saindo de
Belo Horizonte, pela BR-040 (Sul) até o trevo de Belo Vale (Pires), de onde se pega a MG-442,
uma estrada sinuosa, estreita, sem acostamento, passando por uma extensa área explorada pela
mineração, até se chegar ao centro urbanos e atravessar a cidade. O asfalto segue até certo ponto,
quando se tem que passar por uma estrada de terra, para, enfim, reencontrar o caminho
pavimentado, já próximo à entrada da comunidade. Uma alternativa é pegar o trevo de Moeda
(Itabirito), antes da saída para Belo Vale, na BR-040, e seguir pela LMG-825, atravessando a cidade
de Moeda. Até 2022, a ponte que passava sobre o rio Paraopeba, desmoronada, obrigava a se dar
uma volta por uma estrada estreita de terra, passando por várias fazendas, até se retomar a estrada
Bonfim/Moeda, ainda de terra, e se reencontrar com o asfalto no distrito de Roças Novas de Cima,
há cerca de dois quilômetros da Noiva do Crodeiro.
Em junho de 2023, antes de o autor visitar a comunidade pela primeira vez depois da
pandemia, ao ser perguntada qual o melhor caminho para se chegar até lá, a filha mais velha de
dona Delina, Rosalee, exclamou: “passa por Moeda! Está tudo asfaltado! Até que enfim!”.

Figura 9 - Estrada de acesso à Comunidade Noiva do Cordeiro, em 2018. Fotografia cedida por Juliana
Perdigão.
15

Figura 10 - Estrada de acesso à Noiva do Cordeiro em junho de 2023. Fotografia do autor.

A Noiva do Cordeiro, nos últimos tempos, tem uma forte tradição de autossuficiência, com
grande parte dos alimentos consumidos sendo produzidos localmente. A agricultura e a produção
artesanal desempenham um papel importante na economia da comunidade, mantendo-a conectada
às suas raízes rurais. As plantações são variadas. Segundo as moradoras, a comunidade cultiva
milho, feijão, arroz, mandioca, abóbora, cenoura, beterraba, tomate, pimentão, cebola, cebolinha,
coentro, salsa, couve, almeirão, alface, espinafre, rúcula, vagem, agrião, tomatinho, baroa, inhame,
mexerica, couve-flor, laranja, chuchu, abobrinha, cana, limão, abacate, banana, repolho, brócolis,
café, ora-pro-nobis, taioba, dentre outros. As criações se dividem entre porcos, galinhas, bovinos:
“então temos carne, ovos, leite, queijos, requeijão, doces e manjares”. Toda produção excedente é
comercializada para fora. O lucro é usado para comprar o que não é produzido localmente e para o
pagamento do empréstimo feito para a aquisição das novas terras em 2013, prestação de veículos,
entre outras necessidades em comum.
Ao contrário das décadas de privações, o cultivo de alimentos traz muita fartura para a mesa
da Noiva do Cordeiro. O que não é produzido localmente é adquirido no supermercado comunitário.
Para os produtos de limpeza, elas compram a matéria prima e fabricam ali mesmo. Elas vão atrás de
16

ferramentas e outros utensílios em mercados fora da comunidade ou adquirem via internet. A


prosperidade, hoje, é uma das marcas da comunidade, depois do “sofrimento do passado com tanta
dor, humilhação, extrema pobreza. É muito triste um filho te pedir comida e você não ter o que dar,
temos certeza que não necessitamos de mais nada, só torcer para que a nossa futura geração siga os
nossos passos”.

Figura 11 - O casarão original da Noiva do Cordeiro em 2018 e em 2023, depois de recuperado e restaurado
pelas própria moradoras. Fotografias de Juliana Perdigão (esq.) e do autor (dir.)

Figura 12 - Placa antiga da chegada à comunidade, antes (2018) e depois do asfalto (2023). Fotografias de
Juliana Perdigão (esq.) e do autor (dir.)
17

4 TEORICAMENTE… A NOIVA DO CORDEIRO DENTRO DA ECONOMIA POLÍTICA


DA URBANIZAÇÃO

Vários traços da Economia Política da Urbanização podem ser identificadoras na história da


Noiva do Cordeiro. Um dos principais diz respeito à presença de uma economia popular, solidária,
comunitária. Segundo Fernandes & Diniz, investigações sobre as OEP’s (Organizações Econômicas
Populares) trouxeram à tona

modos de organização econômica fundados nas bases da reciprocidade e da


comunidade. A reciprocidade estaria nas relações de produção que se
caracterizam pela relação direta de trabalho entre sujeitos socialmente
iguais. A comunidade seria um modo distinto de organização da estrutura de
autoridade, em que a gestão coletiva é a característica principal (2018, p.
257).

A tomada de decisão tem participação direta. As células da economia popular são unidades
domésticas que dependem do trabalho próprios para se reproduzirem, fundadas em relações de
parentesco. Para Paul Singer, secretário da Secretaria Nacional de Economia Solidária de 2003 a
2016, a sociedade, para ser igualitária, necessita que a economia seja solidária, isto é, não
competitiva. A economia solidária faria parte de uma luta por uma “outra economia”, em oposição à
globalização neoliberal, ao uso desmedido do meio ambiente e à violação dos direitos humanos.
Ness espectro, quase que retratando a comunidade da Noiva dos Cordeiro ao novamente citarem
Singer, Fernandes & Diniz concluem que a forma de organização feminista é a mais adiantada no
sentido da construção de uma economia solidária e pode contribuir claramente para a crítica
feminista da economia popular e de sua herança patriarcal.
Vários elementos presentes na Nova do Cordeiro seriam alternativas aos limites da
economia popular: a igualdade racial, sexual, social entre os indivíduos; a organização do trabalho e
distribuição da produção pautadas pela reciprocidade; a (re)distribuição dos recursos e produtos de
forma igualitária; a associação em torno de modos de produção e gestão coletivos e diretos que
respeitem suas existências sociais; a crítica à globalização neoliberal, ao uso irrestrito do meio
ambiente e à violação dos direitos humanos; e a crítica feminista ao patriarcado e às formas
tradicionais de organização da atividade produtiva e da vida social (FERNANDES; DINIZ. 2018, p.
266).
18

Diniz (2019, p. 976) acrescenta que os trabalhadores da economia popular solidária


experimentaram avanços significativos em termos de escolaridade, acesso a serviços ligados a
moradia e presença de bens de consumo no domicílio. “Em especial, a presença de energia elétrica,
linha telefônica e de bens de consumo como microcomputador e geladeira influenciam diretamente
o trabalho no próprio domicílio”.
Como que comprovando o que Verónica Gago afirmou em 2018 (p.33), as forças
emancipatórias dentro das economias populares podem e desafiam os estereótipos de classe, gênero
e raça.
Na medida em que se fortaleceu e prosperou, o processo de emancipação da Noiva do
Cordeiro levou a comunidade a uma espécie de centralidade na região, quando se focaram em suas
necessidades internas e no fortalecimento das relações com as comunidades locais. Com a água
farta que foi distribuída à vizinhança, a antena de telefone celular que trouxe o sinal da
modernidade para o campo, o ensino de informática replicado nas comunidades adjacentes, a
unidade de saúde, os eventos culturais, a Noiva do Cordeiro tornou-se “uma referência para as
comunidades próximas”, ao receber e desenvolver características que as vizinhas não reuniam, seja
com relação à tecnologia, ao conhecimento ou na transformação em uma organização social que
chamasse a atenção de pessoas de fora. “Isso concedeu à comunidade um capital simbólico” . Ela se
tornou uma “periferia centralizada” (MARQUES, 2016, p. 225-226).
Outra característica marcante da comunidade está na raiz dessa denominação: o comum.
Este comum, uma alternativa à metrópole do neoliberalismo, é o “comum urbano”, segundo a
concepção de João Bosco Moura Tonucci Filho e Felipe Nunes Coelho Magalhães (2017).
Movimentos, manifestantes, coletivos e até formuladores de políticas públicas reivindicam que a
cidade como um todo seja mais aberta ao uso, à apropriação coletiva e à participação. Ao apontar
para modos mais cooperativos e compartilhados na produção contemporânea do espaço urbano,
contra a hegemonia da competição e da propriedade privada, a metrópole do comum emerge como
uma potente crítica e alternativa concreta à metrópole do neoliberalismo. Ainda que associado à
ideia de metrópole no pensamento acadêmico, o comum se faz presente e determinante na Noiva do
Cordeiro.
Segundo os autores, o comum não é uma coisa ou um recurso em si, mas um recurso
compartilhado e associado a uma dada comunidade e a protocolos, normas e valores criados para a
sua gestão coletiva, com especial atenção a questões de acesso igualitário, uso e sustentabilidade.
19

“Ou seja, nada é comum por natureza: um recurso é tornado comum por uma prática coletiva de
gestão e cultivo (Dardot e Laval, 2015. apud TONUCCI; MAGALHÃES, 2017, p. 444). O comum
como substantivo envolve muito mais a construção de um princípio político”. Os autores
acrescentam que “o comum é antes uma relação social e um conceito político do que um bem ou um
regime coletivo de propriedade […] o comum é antagônico ao capital” (TONUCCI;
MAGALHÃES, 2017, p. 446).
Tonucci & Magalhães lembram que a defesa da política do comum deve ser encarada a

a partir de uma perspectiva feminista constituída em torno da vida cotidiana,


do trabalho de reprodução social (trabalho doméstico não remunerado,
atividades não monetizadas, produção de valores de uso etc.),
estruturalmente a cargo das mulheres. As lutas femininas pelo comum
mostram como a coletivização e o compartilhamento dos meios materiais de
reprodução constituem a primeira linha para desligar nossa reprodução do
mercado capitalista, tornando-a mais cooperativa (TONUCCI;
MAGALHÃES, 2017, p. 447).

Um comum “‘fora’ e antagônico ao capital” é constituído exatamente por essas práticas de


reprodução, “que podem ser orientadas por relações e valores, como a dádiva, a reciprocidade, a
solidariedade e a cooperação” (TONUCCI; MAGALHÃES, 2017, p. 447).
Dentre as características do comum, são marcantes na comunidade a prática da governança
solidária, coletiva, em que as mulheres desempenham um papel central na tomada de decisões e na
organização da vida cotidiana: “Toda e qualquer situação complexa é resolvida por meio de
reuniões dos moradores”, dizem. Como já mostrado anteriormente, os recursos são compartilhados,
sejam eles naturais, sociais ou econômicos. A conexão com a terra e o meu ambiente também se
destaca, nas tentativas de praticar uma agricultura sustentável e na valorização dos recursos naturais
como patrimônio comum a ser cuidado e protegido. Cultura e tradições também são compartilhadas,
por meio da música, do teatro, dança e festivais locais, de forma a reforçarem os laços sociais e a
identidade coletiva da comunidade.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de longas décadas de atraso, fome, preconceito e segregação, a Noiva do Crodeiro


conseguiu, muito por forças próprias -força, palavra feminina-, erguer-se como um exemplo até
vanguardista de prosperidade. A busca pela modernidade e modernização serviu de base para a
20

emancipação da comunidade, até que ela (mais uma vez, personagem feminina) se transformou
noma espécie de centralidade na região, dados os seus progressos econômicos (populares e
solidários), tecnológicos e sociais.
A presença marcante do comum, raiz da palavra comunidade, é chave para entender o modo
de vida dessa família que, praticamente, se transformou numa localidade próspera, com várias
construções, infraestrutura que poucas cidades de pequeno porte, mas emancipadas politicamente,
têm. Dividindo recursos, conhecimentos, mas também sentimentos, lembranças de sofrimento, a
comunidade se mantém fiel não às suas raízes históricas, mas às ambientais, culturais e sociais.
O motor do feminismo, na contramão das premissas individualistas e segregadas do
neoliberalismo, impulsionou uma economia pautada no coletivismo, na solidariedade e na
sustentabilidade. Nem por isso, a Noiva do Cordeiro deixou-se desligar do mundo exterior. Exerce
um intercâmbio comercial, econômico e, principalmente, cultural, tornando-se, mais uma vez, uma
referência regional e academicamente universal, estudada e reportada em vários continentes e
idiomas. Ainda que imprecisamente, às vezes, sob óticas preconceituosas que se recusam a entender
a emancipação feminina, a Noiva é exemplo peculiar e uma demonstração de que cabe uma
investigação maior e de mais fôlego sobre histórias que possam enriquecer o estudo de
comunidades urbanas ou que passaram por processos alternativos de urbanização no Brasil. E,
mesmo, de emancipação.
Por fim, terminamos com uma reflexão das moradoras, em resposta à entrevista que serviu
de guia a este estudo, comparando o passado doloroso ao presente emancipado e promissor:
“O que assistimos e ouvimos nos trás grande admiração, que o passado se transformou da
água para o vinho, tem hora que sacudimos a cabeça para ter certeza que é verdade e pensamos se
os mortos do passado ressuscitassem e assistissem essa modernidade tornaria [sic] a morrer de
susto”.

REFERÊNCIAS

BRENNER, N. Espaços da urbanização: o urbano a partir da teoria crítica. Rio de Janeiro: Letra Capital;
Observatório das Metrópoles, 2018. [1. O que é teoria crítica urbana?]

COUTINHO, Jefferson da Fonseca. Jovens de Noiva do Cordeiro organizam grupo artístico e sepultam
preconceito. Estado de Minas, Belo Horizonte, 22 de abr. de 2012. Disponível em: https://www.em.com.br/
app/noticia/gerais/2012/04/22/interna_gerais,290238/jovens-de-noiva-do-cordeiro-organizam-grupo-
artistico-e-sepultam-preconceito.shtml. Acesso em 04 de jul. de 2023.
21

DE OLIVEIRA, Souza Karyne Francielle. Fossas negras: um problema para o meio ambiente e para a
saúde pública. Faculdade de Educação e Meio Ambiente - FAEMA, 2015. Disponível em: http://
repositorio.faema.edu.br:8000/xmlui/handle/123456789/531. Acesso em 08 de jul. de 2023.

DINIZ, S. Possibilidades da economia popular e solidária no Brasil contemporâneo: apontamentos. Nova


Economia, Belo Horizonte, v. 29, n. 3, p. 963-985, 2019.

FERNANDES, B. S.; DINIZ, S. C. Economia popular, des/colonialidade do poder e economia solidária:


notas para um debate latino-americano. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 20, p. 254–
268, ago. 2018.

GAGO, Verónica. What are popular economies? Some reflections from Argentina. Radical Philosophy, n.
202, p. 31-38, 2018.

MARQUES, Lorena Melgaço Silva. Socio-spatial practices in socio-technological peripheries: the


introduction of the internet in rurban communities in Brazil and the United Kingdom. Tese (Doutorado
em Arquitetura e Urbanismo) - Escola de Arquitetura, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2016.

MODEFICA. A Lógica da Dominação Explica o Porquê Sexismo e Especismo Andam Juntos. 2016.
Disponível em: https://www.modefica.com.br/logica-da-dominacao-sexismo-e-especismo-ecofemismo/.
Acesso em: 02 de jul. de 2023.

PERDIGÃO, Juliana. Informação simbólica, representações sociais e identidade: confronto de sentidos


nas narrativas que (in) formam as mulheres de Noiva do Cordeiro. Tese (Doutorado em Ciência da
Informação) – Escola de Ciência da Informação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2020.

TONUCCI, J.; MAGALHÃES, F. N. C. A metrópole entre o neoliberalismo e o comum: disputas e


alternativas na produção contemporânea do espaço. Cadernos Metrópole, v. 19, n. 39, p. 433–454, 6 ago.
2017

Você também pode gostar