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SISTÊNCIAS

AFETOS E RES
SISTÊNCIAS
mística como um espaço fundamental da Um círculo de confiança e entendimento do tempo e espaço pelos relatos de
construção. Um tempo dedicado ao des- vida das mulheres.
pertar do corpo, da consciência de si e do
outro, de aguçar os olhares e os sentidos, Depois desse momento, costumávamos pausar para o almoço, às vezes um
lubrificar as articulações e as memórias, mergulho ou um cochilo, ou até o esticar de papo que começou e não quis mais
de resgate da respiração como uma práti- ter fim. Cada vez de um jeito. Mas na diversidade dos momentos se compunha
ca a nosso favor e fortalecimento da con- algo maior. Catas Altas, Ipojuca, Cabo de Santo Agostinho, Altamira, Piquiá de
fiança entre nós ali presentes. A escolha Baixo e o Assentamento Francisco Romão, cada mulher fiando o sutil da luta
dos exercícios variava conforme o lugar e cotidiana.
as mulheres. A ideia era propor movi-
mentos, sons e respiros que dialogassem OS MEGAPROJETOS:“DAR NOMES AOS BOIS”
com cada lugar de oficina.
Em seguida, aproveitávamos mais um pouco do tempo
Após a chegada com uma presença mais para a mística, resgatando nossas atenções e preparan-
integral, partíamos para os círculos de do o corpo para mais um momento de reflexão e produ-
história, para nos conhecermos e reco- ção coletiva. Mais concentradas, retornávamos para a
nhecermos umas nas outras, ouvir e ser roda para pensarmos e entendermos juntas quem nos
ouvida, ganhar confiança e compor invade, quem passa por cima de nossas vidas, corpos e
nossas trajetórias pessoais junto às traje- terra. Aqui nossa atenção era “dar nome aos bois” e
tórias coletivas. A proposta desse mo- identificar seus impactos. Quem são, como chegam e
mento era tecer uma grande história, co- como agem eram nossas questões geradoras de partida.
meçando por revelar quem eram suas Para tal, recuperamos o que foi partilhado anteriormen-
contadoras, quem eram essas mulheres. te, identificamos nossas emoções em nossos corpos, de-
O resgaste de suas andanças, os cami- senhamos, listamos os empreendimentos, agentes e se-
nhos que as trouxeram até ali e a história tores do Estado, descrevemos nossas interações com
do território também ia sendo contada. eles e revisitamos nossos sonhos.
No final, tínhamos entre nós memórias
de uma vida anterior à chegada dos me- O que sonhávamos antes e com o que sonhamos agora?
gaprojetos, sua flora e fauna, relações Nesse momento de identificação das violações, era pre-
produtivas e afetivas, sua paisagem. ciso muita atenção e respeito para com as mulheres e
seus tempos.
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Trazer a consciência e compartilhar experiências de perda e nais de viver, as mulheres estão produzindo mudança.
de violência, seja por impacto direto dos megaprojetos, ou Depois desse trabalho, aproveitávamos o tempo para mais
pela manifestação do patriarcado no ambiente familiar, não é conversas e para, novamente através da mística, nos per-
um exercício fácil. O fortalecimento da confiança entre as mu- mitir cruzar os olhares, as palavras, os abraços.
lheres presentes e o cuidado coletivo fizeram muita diferença
nesse momento. O desafio era respeitar a exposição da dor e
tentar construir possibilidades de leveza nessa partilha.

O trabalho que trazemos aqui é uma tentativa de sistemati-


zação dessa grande e diversa contação coletiva de histórias.
Os mapas de poder político-afetivos são tecidos com linhas
plurais. Temporalidades que bordam formas de afirmar o
Uma de nossas preocupações nessa caminhada era a valori- futuro através de práticas cruzadas entre o presente e o
zação das mulheres, de seus fazeres, seus afetos e suas inte- passado. Os textos e as ilustrações não são capazes de es-
lectualidades. Contar uma história através de suas perspecti- gotar a magia e exuberância das histórias de corpos-terri-
vas e visibilizar os impactos específicos vividos por elas era tórios tão sábios em seus caminhos. É importante frisar
uma parte dessa valorização. Mas além de sujeitas, exaltamos que nossas andanças também esbarraram em contradições
as mulheres aqui como agentes de transformação e de repro- e conflitos. As mulheres não são um tipo único, não encar-
dução em seus territórios. Após identificar os impactos, nam os mesmos desejos e não são movidas pelos mesmos
nossa roda se dedicava a visibilizar, então, o que as mulheres afetos. Este trabalho foi construído sobre a aposta do
de cada território têm feito para a defesa da vida. Identifica- poder dos terrenos comuns construídos pelo respeito à di-
mos diferentes práticas que iam desde o trabalho reprodutivo versidade.
de manutenção de suas famílias, às práticas produtivas tradi-
cionais e artesanais, como também as articulações e constru- O que foi se tornando a cada momento mais evidente é que
ções coletivas em grupos auto-organizados ou mistos. as trajetórias podem ser milhares, e os mapeamentos e as
histórias, contadas de diversas formas, mas para se fortale-
Esse momento tem uma relevância especial na tessitura da cer, o caminho sempre aparece nos encontros, nas mãos
história dos territórios e revela uma de nossas escolhas polí- dadas, nas mulheres bruxas confabulando, nas poções de
ticas: a de evidenciar as ações produzidas por e entre mulhe- ervas e mistérios, na força da natureza, nas artes, na cozi-
res como ações de rebeldia e transformação da realidade. nha e na conversa. Na produção de vida desde a rebeldia e
Mesmo quando insistem em conservar seus modos tradicio- a alegria pulsante nos nossos corpo-territórios.
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MAPEANDO
MAPEANDOCONFLITOS,
CONFLITOS,
AFETOS E R

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