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“Porque nem toda feiticeira é corcunda, nem toda brasileira é bunda, meu peito não é
de silicone...Sou mais macho que muito homem...ratatá ratatá tatá...” (Pagú – Rita Lee).
Quando fui para a Roda de Conversa, em outubro de 2020, para falar sobre
‘mulheres e suas paixões’ parei para pensar sobre o tema e me questionei: Como me
mulherei? Que processos constituíram a mulher em mim? Aos poucos, essas perguntas
foram se filtrando internamente, infiltrando-se em minhas memórias. Então, em meu
íntimo, foram apresentando-se as batalhas do dia a dia, os diversos sentimentos que
ainda me habitam, as práticas feministas.
Em questão de segundos, quase que ao mesmo tempo, surgia uma forte pressão
na garganta, resultante de muitos discursos entalados, mal digeridos, intragáveis. Um
aperto, uma dor aguda só por pensar que tanto se fez e no tanto que ainda há de ser feito
para transformar as opressões contra as mulheres. Estamos no século XXI, e, no
entanto, vivenciamos atrocidades endereçadas e cometidas contra nós, contra o universo
feminino. São constantes os atos de violência, de diferenciação, de indiferenças.
Acompanho histórias e trabalhos que envolvem a temática da mulher e de suas
realidades, alguns com resultados belíssimos. Entretanto, são bem poucos perto do que
poderia ser - às vezes, o que sinto é que muito soa, ressoa ou ecoa no campo do
discurso, mas quando se trata das práticas cotidianas há muito preconceito, há muita
competitividade a enfrentar – o que infelizmente ocorre até mesmo entre nós mulheres.
Paro por um instante. Respiro fundo. Suspiro! Ainda sonho com um mundo
ideal no campo da evolução das mentalidades, um espaço onde o ser humano possa
vivenciar as suas potencialidades e anseios sem pré-conceitos, conhecendo suas
singularidades – processos inter-relacionais nos quais as pessoas se manifestem com
respeito, com acolhimento, com reconhecimento, com paixão. Penso em tanta coisa,
mas daí a Poliana que existe em mim acorda, e eu volto para a Maria - a Maria que de
fato sou –, como tantas outras Marias em busca do seu lugar, me deparando com dias
ensolarados, escuros, cinzentos, coloridos.
Pesquisei suscintamente sobre mulheres que fizeram nome na história da
política, da música, sobre ativistas contemporâneas, e escolhi citar - no início e no final
deste texto – uma estrofe da música Pagu, composição da irreverente Rita Lee. Esta
canção que homenageia Patrícia Rehder Galvão, ou Pagu, como ficou conhecida, por
ser uma das figuras femininas mais polêmicas da história brasileira no século XX.
Nascida no seio de uma família burguesa, em 1910, Pagu afastou-se de sua
classe social de origem, passando a militar junto ao Partido Comunista Brasileiro –
decisão essa que lhe rendeu mais de 20 prisões, entre tantas outras ações (i)legais que
sofreu como escritora, poetisa, diretora, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista,
esposa e mãe. Contudo, meu intento ao resgatar a figura admirável desta brasileira, é o
de fazer e propor uma reflexão para pensarmos as seguintes provocações: o que é,
afinal, ser mulher? Quais os sentidos do “Mulherar-se” ou “mulherar”? Como estamos
“mulherando”?
Vamos olhar rapidamente os significados e conceitos que os dicionários nos
trazem. Conforme o dicionário Aulete Digital: 1. Mamífero primata, fêmea, bípede,
sociável, que, tal como o homem, se distingue de todos os outros animais pela faculdade
da linguagem verbal e pelo superior desenvolvimento intelectual e se distingue do
homem pela capacidade de engravidar.
Em uma breve pesquisa no Google, encontrei outras quantas definições,
relacionadas ao ‘ser mulher’ e aos papeis sociais a ela atribuídos - desde recortes
históricos através da linha do tempo, até algumas menções absurdas que trazem
significados deploráveis sobre as mulheres, de modo geral.
Volto à minha busca lexical por significados e sentidos, desta vez me atenho à
palavra Paixão: 1. Paixão (do latim tardio passio -onis, derivado de passus, particípio
passado de patī «sofrer») é um termo que designa um sentimento muito forte de atração
por uma pessoa, objeto ou tema. Bem, agora que estão explicitados alguns sentidos para
os termos que permeiam nossa temática de discussão, pergunto-lhes: o que seria uma
mulher com paixão?
O que parece uma pergunta simples, ao se fazer uma busca pontual por
definições, mostra-se uma questão que exala complexidade. Simples, entretanto,
complexa. Pensemos. Uma mulher com paixão, seria um ser humano em busca de
realizações que façam sentido à sua trajetória de vida? Seria um ser que projeta seus
sonhos e desejos, realiza-os ou não, testa seus limites, constrói a sua história, supera-se,
liberta-se?
Gostaria de pensar que ser mulher é viver suas paixões. Contudo, as amarras
subjetivas do arquétipo feminino, refletidas em uma sociedade ainda extremamente
preconceituosa, nos faz sentir limitadas ou insuficientes ao nos retratar como “Eva,
presa à costela de Adão”, de nos descrever como mulheres aprisionadas ao patriarcado.
Um patriarcado desmoronado, uma vez que a porcentagem de mulheres chefes de
família, e de mulheres com produções de famílias independentemente da figura
masculina, crescem a olhos vistos.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea 2018), 43%
das mulheres que são chefes de domicílio no Brasil vivem em casal, sendo que 30% têm
filhos e 13% não. Já o numerário de 34,4 milhões de mulheres responsáveis pelo lar se
divide entre mulheres solteiras com filho (32%), mulheres que vivem sozinhas (18%) e
mulheres que dividem a casa com amigos ou parentes (7%).
As informações relatadas acima, não tem como intuito instigar (mais do que o
necessário), a velha guerra social entre os sexos, que se traduz por disputa acirrada no
mercado de trabalho, por competitividade desleal, por sermos seres biologicamente
diferentes. Ao contrário, proponho aqui uma reflexão sobre como podemos pensar
alternativas para essas questões sociais que violam, sobrecarregam, oprimem, magoam e
reduzem a importância das mulheres?
Pergunto-lhes: que precisamos ainda fazer para reconfigurar, ressignificar e,
principalmente, reconstruir um espaço mais justo para as mulheres em nossas
sociedades? O quão responsáveis, ou não, somos por essa transformação? O quanto
mais de empoderamento será necessário para conseguirmos mudar essas realidades
desiguais? Para que recebamos um tratamento de equidade, de respeito, para que não
tenhamos que ser as únicas responsáveis por cumprir jornadas triplas de trabalho? Para
que não tenhamos que passar por situações vexatórias, preconceituosas e desleais de
receber salários inferiores aos dos homens que ocupam os mesmos cargos que nós?
Acaso, a recíproca não deve ser verdadeira para ser justa – os homens repensar
como estão se “homerando”, como seria “homerar-se” no atual cenário? Qual o papel do
homem nessa nova sociedade? Mas, esse seria assunto para outro artigo.
Segundo a psicanalista da Universidade de São Paulo (USP), Helena M. F. da
Mota Albuquerque (2002), mulherar é essencial: