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Trabalho de Conclusão de Curso

PÓS-GRADUAÇÃO EM TERAPIA
COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

ALUNO: Yagho Fernandes da Silva


ORIENTADORA: Marianne Farina
Sumario
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1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 2
2. TEMAS REVISADOS ............................................................................................. 3
A cultura do Machismo na história da humanidade ............................................. 3
Consequências sociais do machismo ................................................................... 6
A influência da cultura machista no desenvolvimento psicossexual ............... 10
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 15
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 17
1.

A cultura do machismo existe desde os primórdios da humanidade,


considerando a mulher frágil, dependente e pouco digna de confiança. É
associado à mulher o pecado original, a ira de Deus, muitas guerras e má sorte,
alimentando dia após dia uma imagem de discriminação sem que exista razão
alguma que justifique (BEAUVOIR, 2016).
No campo do desenvolvimento social, o machismo ainda é um poderoso
fator de influência, tanto para homens quanto para mulheres, que ainda
multiplicam suas faces, mesmo que de maneira disfarçada, nas frases “você é
mulher, não deve se vestir assim”, ou “ele é homem, está no instinto dele”, e
tantas outras frases machistas (CORTES, 2015).
Analisar o prisma psicológico do machismo é compreender qual a sua
real interferência no desenvolvimento humano, e esta pesquisa considera a
análise sob o viés do desenvolvimento psicossexual em específico. O tema se
justifica na urgência da valorização pela igualdade humana, independente de
gênero, através da compreensão da origem e de seus efeitos na sociedade
moderna (CORTES, 2015).
O objetivo geral do trabalho visa analisar as influências do Machismo no
desenvolvimento psicossexual de homens e mulheres. Para alcançar este
objetivo, foram definidos os seguintes objetivos específicos: compreender as
principais manifestações do machismo na história da humanidade; analisar as
consequências sociais do machismo; identificar a forma como o machismo
influencia no desenvolvimento psicossexual do indivíduo.
Para a elaboração da presente pesquisa foi selecionado o método de
pesquisa bibliográfica através de revisão teórica, utilizando teses e dissertações
acadêmicas, além de obras bibliográficas como fonte de pesquisa. As buscas
em ambiente online utilizaram as bases de dados SciElo, Pubmed, Google
Acadêmico e Lilacs, através dos seguintes descritores: machismo, psicologia,
psicossexual, história, análise, além das combinações possíveis entre os
descritores mencionados.

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2.

A cultura do Machismo na história da


humanidade
A cultura do machismo tem perseguido as mulheres através dos tempos,
e isso não tem sido um fenômeno exclusivo da sociedade brasileira. Em alguns
países ainda existem costumes sociais que impõem o casamento a meninas de
12 anos, as roupas que escondem o corpo e até o rosto da mulher, a
prostituição, os castigos físicos, a tortura (CORTES, 2015).
Embora no Brasil os costumes não sejam tão rígidos, é na informalidade,
no acontecimento escondido entre quatro paredes, que as mulheres continuam
sofrendo pelo simples fato de serem mulheres. Tratar sobre a cultura do
machismo é abordar questões sociais, culturais e históricas, de forma a
compreender a origem do problema, a educação voltada à superioridade
masculina, à inferioridade feminina, ao fato de que as mulheres sempre serão
culpadas pela dor que lhes foi infligida (CORTES, 2015).
A discriminação impetrada contra as mulheres é um fenômeno presente
em todo processo histórico da humanidade. Na Alexandria, época pertencente
a Roma no séc. I d.C., Filón, filósofo helenista, lançou as raízes ideológicas
para a subordinação das mulheres no mundo ao unir a filosofia de Platão, onde
a mulher teria alma inferior e menor racionalidade, ao dogma teológico
hebraico, em que a mulher é insensata e causadora de todo o mal, além de ter
sido criada a partir do homem (BERMAN. 1997).
A filosofia registra essa discriminação até mesmo na obra de Tales de
Mileto, que, ao registrar o seu agradecimento à boa sorte, o faz desta forma:
“por ter nascido humano e não animal, homem e não mulher, e grego e não
bárbaro” (CARTLEDGE, 2002, p. 290).
Parte dessa discriminação chega a ser apontada como bíblica. Silva
(2011, p. 37) aponta em sua obra que “as mulheres são diretamente associadas
ao desvio e ao caos, culpabilizadas pela queda de Adão e, portanto,

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responsáveis pela condição sexuada, mortal e infeliz de toda a humanidade”.
Eternamente responsáveis pelos atos de maldade no mundo, as mulheres
atravessaram as mais diversas etapas da história sendo penalizadas pelo
pecado de Eva. Durante a Idade Média, as mulheres eram consideradas pela
igreja como ato desviante no meio social. Elas seriam a razão (e a justificativa)
para que os homens caíssem em pecado, e, portanto, deveriam ser vistas
apenas como ser responsável pela procriação (SILVA, 2014). Segundo o autor,

[...] a mulher sempre foi vista como inferior ao homem, devido a sua
sexualidade e responsável por conduzir a humanidade ao pecado, e o
cristianismo pouco fez para mudar essa situação; ele sempre confiou e
propagou que a mulher deveria estar limitada ao domínio masculino
(SILVA, 2014, p. 5).

Somente no século XX a mulher passou a ter uma nova perspectiva, com


o culto religioso à Maria. No entanto, esse culto nada fazia além de perpetuar
as virtudes necessárias para que a mulher obtivesse o respeito da sociedade:
virgindade e santidade (COUTINHO; MENANDRO, 2015).
Ainda na Idade Média se observou um dos piores ataques ao feminino,
conhecido como “Santa Inquisição”. Durante este período, a padronização do
perfil proposto pela igreja condenou milhares de mulheres à morte, queimadas
em praça pública, como exemplo do que traria o mal à sociedade. As mulheres
que ousassem sair do padrão de castidade e santidade imposto pela igreja
eram então, vistas como bruxas, considerando que a bruxaria poderia ser
definida, atualmente, como a busca de conhecimento sobre os fenômenos
naturais (VIEIRA, 2007). A própria personificação das bruxas é diretamente
relacionada às mulheres, conforme aponta Vieira:

A maioria das ideias que temos em torno da figura da bruxa foram


produzidas no passado e estão repletas de preconceitos e estereótipos,
por isso quando pedimos para alguém imaginar uma bruxa há uma
grande probabilidade de que a figura imaginada seja, primeiramente, de
uma mulher, velha, cansada, solteira, de cabelos brancos, com uma
verruga no nariz e possuidora de uma risada assombrosa. Essa
representação da figura da bruxa que imaginamos pode ser confirmada
ao buscarmos uma definição do termo “bruxa” em dicionários, logo pode-
se perceber a direta associação com uma figura maléfica, feia e perigosa.
Neste sentido, também os livros infanto-juvenis costumam descrever
histórias onde existe uma fada boa e bela, por vezes loira, e uma bruxa
má e feia (VIEIRA, 2007, p. 1).

Estes são apenas alguns exemplos da forma como a humanidade sempre

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viu e tratou as suas mulheres. Até o início do século passado a mulher não tinha
direito a bens em seu nome, conta bancária ou qualquer outra posse, sem que
houvesse um marido ou pai (figura masculina) como avalista de suas finanças
(DUARTE; PAULINO, 2020).
Historicamente, a mulher ficou subordinada ao poder masculino, tendo
basicamente a função de procriação, de manutenção do lar e de educação dos
filhos, numa época em que o valor era a força física. Na síntese de Maria
Berenice Dias:

A presença da mulher é a história de uma ausência. Sempre esteve


subordinada ao marido. Sempre esteve excluída do poder e dos negócios
jurídicos, econômicos e científicos. O lugar dado pelo direito à mulher
sempre foi um não lugar. Relegada da cena pública e política, sua força
produtiva sempre foi desconsiderada, não sendo reconhecido o valor
econômico dos afazeres domésticos. Mas acabou sendo trilhado um
caminho para o estabelecimento da igualdade de direitos entre homens
e mulheres, fato que exige um novo tipo de contrato conjugal, pois hoje
as mulheres não são mais esposas sem voz e voto (DIAS, 2005, p.93-
94).

Durante os séculos, as mulheres enfrentaram a cultura do machismo


expressa em diferentes formas de violência e violação de direitos básicos.
Mesmo na atualidade, em meados dos anos 2020 em alguns países, as
mulheres têm se visto obrigadas a manter um cárcere privado, vestimentas
rudes que lhe escondem todo o corpo e rosto. Maus tratos às mulheres sem
véu e ataques a alojamentos femininos em faculdades ainda são práticas
cometidas por sociedades que desconsideram a igualdade de gênero e a
importância da mulher. Mesmo com todas as ações e atos no sentido de
eliminar a violência de gênero, este problema está longe de ter seu fim
(DUARTE; PAULINO, 2020).

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Consequências sociais do machismo
O machismo se apresenta como um dos comportamentos sociais que
mais afetam a cultura da humanidade, pelos desdobramentos possíveis de um
mesmo ato. Se por um lado as mulheres são subjugadas e sofrem com o
machismo, por outro também alimentam em alguns momentos esta cultura, até
mesmo sem perceber (COUTINHO; MENANDRO, 2015).
Resultado da forma como foram criadas, as mulheres acabam por
reproduzir comportamentos machistas sem se dar conta, especialmente na
criação dos filhos, mas também na forma como tratam os homens. Ocorre que
a criação das meninas também é fortemente influenciada pela cultura do sexo
predominante, da força masculina em oposição à fragilidade feminina,
reproduzindo comportamentos geração após geração. Nesse sentido, é
possível utilizar as palavras de Simone Beauvoir:

Ao contrário, na mulher há, no início, um conflito entre sua existência


autônoma e seu “ser-outro”; ensinam-lhe que para agradar é preciso
procurar agradar, fazer-se objeto; ela deve, portanto, renunciar à sua
autonomia. Tratam-na como uma boneca viva e recusam-lhe a liberdade;
fecha-se assim um círculo vicioso, pois quanto menos exercer sua
liberdade para compreender, aprender e descobrir o mundo que a cerca,
menos encontrará nele recursos, menos ousará afirmar-se como sujeito;
se a encorajassem a isso, ela poderia manifestar a mesma exuberância
viva, a mesma curiosidade, o mesmo espírito de iniciativa, a mesma
ousadia que um menino. (BEAUVOIR, 2016, p. 24-25).

A criação exercida pelas mulheres também multiplica os ideais do


machismo, ao ensinar que as meninas devem ter determinado tipo de
comportamento, enquanto se justifica a ausência de limites do menino
simplesmente pelo seu gênero. É comum que essa justificativa do
comportamento masculino seja reproduzida durante toda a vida dessa criança.
Enquanto pequeno, “menino é mais agitado mesmo”. Na adolescência “está
virando um homenzinho”. Na vida adulta “ele é homem, homem é assim
mesmo” até mesmo para justificar uma traição ou comportamento agressivo
(BEAUVOIR, 2016).
Em contrapartida, a menina tende a reproduzir o comportamento da mãe,
o que é absolutamente normal. No entanto, ela vê essa mãe cuidando de todos

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ao seu redor, normalmente envolvida com as tarefas da casa, e repreendendo
comportamentos que não julgue adequados à feminilidade. Seja pela
reprodução do comportamento que vivenciou em sua própria infância ou por
medo do que a criança sofrerá se agir diferente do padrão, a mulher acaba
criando uma nova mulher frágil ou um novo homem machista. Comprova-se,
portanto, que uma mulher não pode ser machista, pelo seu próprio gênero, mas
ela pode sim reproduzir a cultura machista:

[...] no contexto social em que vivemos, com direitos garantidos aos


homens, mas negados às mulheres, não é possível que uma mulher seja
machista. Ela pode, sim, reproduzir o machismo em suas atitudes e
pensamentos, já que todos nós, independentemente do gênero e de
outros recortes de identidade, somos criados sob estruturas machistas
(GERALDO, 20221, n.p.).

Esse tipo de comportamento é sim, capaz de gerar consequências na


sociedade, incluindo a violência de gênero e o feminicídio, além de uma cultura
que tem deixado homens e mulheres confusos com relação ao seu real papel
no mundo. Recentemente um ator muito conhecido foi julgado e virou motivo
de notícia nas redes sociais por sua declaração em um podcast, onde dizia ser
contra a obrigatoriedade de os homens pagarem a conta em um encontro
amoroso. Segundo o ator,

"Faço questão de te chamar para jantar, vou ao banheiro, já pago a


conta… Não chega nem conta, já está resolvido… Agora, pediu a conta
e não se mexeu e não perguntou nunca, como se eu tivesse esse papel?
Você não é minha filha" (DIÁRIO DO NORDESTE, 2022).

A maior questão desse episódio talvez nem tenha sido a fala do ator, mas
sim a resposta da sociedade a ele. As próprias mulheres condenaram o ator,
dizendo que é sim obrigação do homem pagar a conta. Não seria esse um dos
casos onde o próprio comportamento feminino impulsiona a obrigatoriedade do
comportamento masculino dentro de padrões pré-definidos?
Espera-se do homem que abra a porta do carro, que pague a conta, que
sustente a casa, mas não se admite, por exemplo, que a ultima opinião na
criação dos filhos seja do homem. Se o impasse na educação dos filhos existe,
é a mulher quem dá a ultima palavra. O homem não pode impedir a mulher de
trabalhar, sair com as amigas ou realizar suas atividades sem que seja
considerado um machista opressor. No entanto, é constantemente motivo de

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chacota por ter que pedir autorização à sua mulher para o futebol com os
amigos (BEAUVOIR, 2016).
O que é socialmente aceito nos papeis de homens e mulheres é resultado
de uma criação que reproduz comportamentos seculares, como quando a filha
deve achar natural lavar a louça do jantar enquanto o irmão joga vídeo game
na sala, ou quando a sociedade não aceita que uma mulher não queira ser mãe,
ou vestir-se de maneira feminina, e até mesmo quando o sucesso na carreira
de uma mulher é questionado, considerando sua beleza versus sua
competência (GERALDO, 2021).
Mas o machismo também surge na visão e no comportamento das
mulheres, como quando uma mulher acha inaceitável que seu marido receba
um salário menor que o dela, ou quando julga um homem sensível como fraco
(GERALDO, 2021).
Conforme Geraldo (2021), a mulher espera naturalmente pela figura de
força e poder do homem. É enraizado em sua formação o fato de que o homem
estará ali para defende-la, para tomar suas dores e ser o cavalheiro com que
ela sempre sonhou (ou a ensinaram a sonhar).

É importante lembrar que essa participação feminina no jogo do


patriarcado nem sempre é feita de forma consciente e, em sua grande
maioria, as mulheres são socializadas para aceitar e perpetuar o sistema,
porque não lhes foi possível “escolher” ser diferente. Usando a cultura
num clima de rivalidade, desconfiança, e micro violências emocionais e
até mesmo físicas, elas são colocadas umas contra as outras, virando
algozes de si mesmas (UNESP, 2022, n.p.).

A partir dessas considerações, é possível observar que o machismo e o


comportamento patriarcal alteram sobremaneira o comportamento social,
reforçando o estereótipo do homem forte e da mulher frágil, do poder masculino
e da submissão feminina, dos papeis pré-fixados socialmente, atrelados ao
poder exercido entre os gêneros, conforme citação abaixo:

[...] o patriarcado é a superestrutura pelo qual homens oprimem mulheres


(consciente ou inconscientemente) e que, para funcionar efetivamente, é
necessário que o máximo de mulheres estejam envolvidas em sua
manutenção, “colaborando” para perpetuar práticas de misoginia e
prendendo-as num ciclo que também se vale da violência intra-feminina
para mantê-las desunidas, e assim subjugar à todas (UNESP, 2022,
n.p.).

Esse envolvimento, mencionado acima, é observado em diversas

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ocasiões, especialmente quando a mulher é a responsável por criticar o
comportamento de outra. Um desses exemplos é quando uma mulher usa a
roupa ou comportamento de outra para justificar o estupro, como se este fosse
um impulso masculino irrefreável. São comentários feitos de forma
inconsciente, mas ao ficar sabendo de um caso de violência doméstica, onde o
marido agride a esposa, é comum a pergunta “mas o que aconteceu” como se
houvesse história ou motivo que fosse suficiente para justificar ou validasse
uma agressão (GERALDO, 2021).

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A influência da cultura machista no
desenvolvimento psicossexual

Uma das questões mais profundas relacionadas ao tema é a influência


do comportamento machista no desenvolvimento psicossexual do sujeito. Para
compreender a extensão dos danos e o alcance do machismo no
desenvolvimento, é necessário antes de mais nada, compreender o papel do
feminino e do masculino na evolução da sociedade (SILVA; LAPORT, 2019).
De acordo com Oliveira (2004) a imagem de figura suprema do homem,
em detrimento à imagem de servidão da mulher se reproduziu a partir dos mais
diversos símbolos de poder e virilidade. A partir da construção desses símbolos
a sociedade foi guiada e os reforçou, a cada geração, nos mais diversos
ambientes, incluindo as instituições (escola, igreja, Estado). Embora exista a
clara relação de poder e superioridade do corpo do homem em relação ao da
mulher, ambos são controlados socialmente, através das determinações entre
o que é normal (representação) e o que não é, considerando as relações que
sustentam e alimentam esses lugares de poder (OLIVEIRA, 2004).
Na prática, essa relação de poder enraizada na cultura das sociedades
modernas ainda é reproduzida nos mais diversos ambientes, em pleno século
XXI, inclusive pelas mulheres. Em uma família onde existem dois filhos, um
menino e uma menina, certamente o menino acabe por brincar e ter suas
próprias atividades, enquanto a menina já tenha como tarefa a de ajudar a mãe
nos afazeres. Imagine o absurdo de uma menina jogar videogame enquanto
seu irmão lava a louça (GERALDO, 2021).
Mas a questão que permeia esse cenário imaginário (mas nem tanto) não
é propriamente a sua existência, mas sim a razão de sua multiplicação, em uma
sociedade que já abomina tanto o machismo, a desigualdade de gênero, que
reforça o poder do feminino (GERALDO, 2021).
A resposta pode estar oculta no cotidiano, mas já é analisada há décadas
pelos grandes filósofos e pensadores do comportamento humano em
sociedade. Foucault (2014) já apontava como “efeitos de verdade” os modelos
e discursos reproduzidos socialmente. Segundo ele, estes modelos tratam a
respeito da naturalização de um jeito de pensar, tornando-o tão comum que é

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assumido como verdade, sem que seja analisada a sua origem ou finalidade
(ALVAREZ; GUTIERREZ, 2022).
Esses “efeitos de verdade” mencionados por Foucault (2014) foram os
principais responsáveis pela construção da hegemonia masculina, da cultura
do machismo, da desvalorização e alegada submissão feminina,
comportamentos que conduzem a desigualdade social até os dias atuais. A
frase que, de tão repetida, passou a ser verdade, se caracterizou como um
desses efeitos de verdade, tornando-se, portanto, uma verdade. E isso não se
restringe somente às questões de poder entre homens e mulheres, mas
também entre negros e brancos, pobres e ricos, e assim por diante. Segundo
Bordieu “os dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista dos
dominantes, às relações de dominação, fazendo-as assim ser vistas como
naturais” (BOURDIEU, 1998, p. 23).
Se a construção do poder masculino é apontada desde as sociedades
primitivas, influenciando fortemente a forma de tratar as mulheres, é somente a
partir do século XIX que esta construção ocorre também pelo poder feminino.
Resultante do cansaço dessas mulheres em serem subjugadas, diminuídas e
humilhadas, surge a corrente dos movimentos feministas, “contrárias aos ideais
moralizantes da igreja e da escola que difundiam um ideal feminino
caracterizado pela submissão” (COUTINHO; MENANDRO, 2015, p. 53).
Ainda nos anos 1950 os papeis naturais interpretados pelas mulheres
eram voltados ao cuidado do lar, à maternidade, ao casamento, tendo como
guia diversas publicações que ensinavam a mulher como tratar seu marido e
deixa-lo feliz. Mesmo com o aumento da participação feminina no mercado de
trabalho, a sociedade ainda via a saída da mulher de seu lar como algo
negativo, resultado dos efeitos de verdade multiplicados por séculos. Segundo
Duarte e Paulino (2020):

A ordem social atua de forma que reafirma os privilégios do gênero


masculino sobre o feminino em diversos contextos, e, tanto os homens
quanto as mulheres são submetidos a esses regimentos impostos a eles
desde seu nascimento (DUARTE; PAULINO, 2020, p. 464).

Unindo, portanto, a visão construída sobre o homem de poder e


dominância, e sobre a mulher de submissão e limitação intelectual, o machismo
autenticou a ideologia de superioridade do homem atendendo a poderes e

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interesses multiplicados por instituições influentes, como o estado e a igreja,
responsáveis por perpetuar estas relações de poder (SILVA; LAPORT, 2019).
Importante ressaltar que essas relações são naturalizadas e reproduzidas por
homens e também por mulheres (OLIVEIRA; PEDERSEN, 2018).
É exatamente nessa reprodução do machismo pelas mulheres que está
a questão da educação machista, a do desenvolvimento psicossexual do
indivíduo, que traz sobre si a herança cultural, convicções e sentimentos que
conduzem à determinação de poder masculino. E a educação machista é
reproduzida também pelas mulheres (CORTES et.al. 2015).
De acordo com o princípio básico da Terapia Cognitivo-Comportamental
(TCC), a forma como os sujeitos visualizam a realidade influencia diretamente
na forma como ela é percebida e reproduzida em suas ações. Ou seja, como o
indivíduo se sente e age influencia no modo como reproduz sentimentos e
pensamentos (SILVA; LAPORT, 2019). Essa forma de pensar é compactuada
por Aaron Beck (2013), que aponta que essas percepções da realidade são as
crenças mais centrais dos indivíduos.

Na formulação longitudinal, esquemas, crenças nucleares e


pressupostos são vistos como parte de um fator de vulnerabilidade que
torna os clientes predispostos a desencadear sintomas negativos e
problemas psicológicos. Os eventos da vida desencadeiam esses
padrões negativos latentes, e isso muitas vezes resulta em um “ciclo
vicioso” de automanutenção de pensamentos, emoções e padrões de
comportamento negativos (WILLS, 2021, p. 24).

Tratam-se das ideias que o indivíduo constrói sobre si mesmo, sobre o


outro e seu mundo, e essas ideias se desenvolvem desde os primeiros anos do
sujeito, em suas relações com os pais ou responsáveis, com os pares,
professores e outras pessoas que, por sua vez, também carregam consigo a
construção social de seu próprio meio, consideradas verdades absolutas pelo
indivíduo (BECK, 2013).
Segundo o autor supracitado, o machismo se situa nas chamadas
crenças centrais negativas, que podem ser operadas apenas em momentos,
mas ativadas em quase todas as situações. As crenças centrais negativas se
dividem em três categorias distintas: desamparo, desamor e/ou desvalor
(BECK, 2013).
Ainda segundo Beck (2013), a categoria de desamparo é a mais

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complexa, por incluir sentimentos depreciativos com relação a si próprio, como
a inferioridade, vulnerabilidade e incompetência. Na categoria de desvalor, os
sentimentos desvalorizam qualquer tipo de qualidade e até mesmo de
característica, ou seja, o indivíduo se considera uma pessoa ruim, sem valor e
insignificante. Já a categoria de desamor é relacionada principalmente ao medo
de não conseguir ter intimidade ou atenção em um relacionamento (BECK,
2013). Essa é a chamada tríade cognitiva, denominada por Aaron Beck (1997),
que pode potencializar os efeitos em pacientes deprimidos, considerando a
conjectura de que as emoções e comportamentos sofrem a influência da forma
como o sujeito vê determinado evento, e não necessariamente da forma como
ele realmente é (GOULART; PONTES-RIBEIRO, 2021).
Um dos eventos que pode ser analisado sob essa perspectiva é o existir
da mulher em uma sociedade que é voltada ao benefício e exaltação do homem
como figura de poder. É nítido que a mulher verá a situação de acordo com
suas próprias experiencias e convicções, e o homem desta mesma forma. A
maneira como cada sujeito interpreta determinado evento ou situação é
configurada em três categorias de processos cognitivos, sendo os
pensamentos automáticos, crenças intermediárias e crenças centrais, segundo
Beck (2013).
Os pensamentos automáticos se originam das crenças centrais, sendo
pensamentos rápidos e breves. Nos pensamentos automáticos não existe uma
análise aprofundada, sendo geralmente interpretados de maneira irracional e,
portanto, tidos como efeitos de verdades para o sujeito (BECK, 2013).
As crenças intermediárias são constituídas de suposições, regras,
atitudes e pressupostos sobre determinado acontecimento. Já as crenças
centrais se caracterizam como as percepções do sujeito sobre sua realidade,
do outro e sobre o mundo. Também nomeadas de crenças nucleares, já
analisadas neste texto, são desenvolvidas nos primeiros anos de vida, e por
esta razão, são profundas no cognitivo humano, fazendo com que as
informações recebidas durante a vida sejam naturalmente selecionadas e/ou
manipuladas pelo inconsciente para que estas confirmem sua crença, seja ela
verdadeira ou não (BECK, 2013).
É a partir das crenças centrais, ou nucleares, que comportamentos como
o machismo se desenvolve e se reproduz, criando pressupostos a respeito da

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fragilidade da mulher, estimulando a crença de que esta precisa (é dependente)
do homem para sobreviver ou ser feliz, que são desamparadas, desprovidas de
valor e indignas de respeito ou amor (MELO, 2020).
A partir da Teoria Cognitivo Comportamental, supõe-se que, quando uma
mulher passa a vida recebendo a informação de que o homem é, de alguma
forma, superior, que ela própria não pode ter certos tipos de comportamento,
ou outras características do machismo, são fortalecidas as crenças
disfuncionais pré existentes (BECK, 2013).

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3.

A relação de poder estabelecida entre os sexos é algo presenciado desde


os primórdios da humanidade. A mulher colocada como objeto de submissão,
assume o papel frágil, dependente e incapaz, enquanto o homem, guerreiro e
provedor, traz para si a responsabilidade do pensar, do evoluir, atos impossíveis
à mulher. Superadas as teses trogloditas, a mulher assume seu papel, fazendo
a sociedade compreender, aceitar, respeitar e admirar suas capacidades
intelectuais, emocionais, laborais e tantas outras (GERALDO, 2021).
No entanto, a cultura do machismo, mesmo no século XXI, ainda persiste
e se reproduz, mesmo nas criações onde a mulher é a protagonista do
desenvolvimento de seus filhos. A partir do presente trabalho foi possível
concluir que o machismo ainda é um comportamento presente nas relações
sociais, evidenciado pelo suposto poder do sexo masculino sobre o feminino.
Essa relação, sob o prisma da Terapia Cognitivo-Comportamental, é enraizada
no pensamento humano através de modelos e discursos reproduzidos
socialmente, onde existe a naturalização de um jeito de pensar (GERALDO,
2021).
Essa naturalização do machismo na sociedade, baseada na teoria das
representações sociais, compreende o machismo e suas demonstrações como
um saber concebido e disseminado socialmente, reproduzido geração após
geração, movido por comportamentos inconscientes não só de homens mas
também de mulheres, que acabam criando suas filhas e filhos com base no
mesmo tipo de informação que receberam enquanto ainda era, elas próprias,
as crianças (BECK, 2013).
Importa reforçar que, recebendo o mesmo tipo de informação, dificilmente
a criança compreenderá um novo comportamento ou atitude. Ou seja, não é
possível ensinar uma criança que menina tem que ajudar a limpar a casa, mas
o menino não, e querer que toda uma sociedade veja o machismo como
comportamento a ser combatido (CORTES, 2015).

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Segundo as análises realizadas nessa pesquisa, conclui-se, portanto, que
o machismo não é presente somente nas atitudes dos homens, mas também
das mulheres, de toda uma sociedade que reproduz crenças negativas em
todas as suas instituições, tornando-as uma espécie de saber do senso comum.
As representações sociais estão sim presentes no cotidiano da
sociedade, determinando regras de conduta, pensamentos, ações, percepções
e interpretações da realidade, incluindo a visão que o sujeito tem sobre si
próprio e sobre o mundo.
Por fim, foi possível concluir que o machismo e seus resultados na
desigualdade social precisam ser discutidos em todas as esferas sociais,
iniciando pelas crenças transmitidas ainda nos primeiros anos de vida do
sujeito. É necessário desconstruir o modelo de dependência da mulher, de força
e providência do homem, para então assumir as características de cada
indivíduo como ser humano, sem que seja necessário considerar seu gênero
para qualificar suas habilidades ou ditar seu comportamento.

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4.

ALVAREZ, E.; GUTIERREZ, P. Discurso e micropoder na intervenção com


idosos hospitalizados com delírio: reflexão sobre narrativas ausentes.
Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, [S. l.], v. 30, p. e3137, 2022.
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