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FEMININO E FEMINICIDIO
Estudos sobre relações de gênero,
violência, feminilidade e cultura
Apresentação
CDD: 305.4
ISNB 978-85-7563-600-8
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APRESENTAÇÃO
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A violência de gênero praticada contra mulheres resulta de
relações desiguais de poder nas quais se constrói a noção de um feminino
subordinado ou para a sujeição e de um masculino dominador. Essas
relações constituem a base da ordem patriarcal, prevalecente na cultura
brasileira, que realiza a definição tanto na dimensão concreta quanto
simbólica, do que é ser mulher e ser homem em nossa sociedade. Esses
elementos culturais se inscrevem no corpo dos sujeitos, desenhando
um homem dominante oposto a uma mulher submissa, como uma
realidade natural. Assim, masculino e feminino são construídos sobre
a diferença sexual, como oposições que confluem para sustentarem-
s~ mutuainente, de modo a reproduzir cotidianamente a dominação
masculina: e a sujeição feminina. .
A violência de gênero praticada por homens contra mulheres
é, pois, uma questão social, engendrada na cultura. A descrição e o
enfrentamento de cada mecanismo gerador dessa violência, faz emergir
outros, até então ocultos, refinando, apurando o nosso entendimento das
formas mais sutis e dos conteúdos mais elementares que a constituem.
Na primeira parte deste livro, dedicada à reflexão sobre o feminicídio,
entendido como o assassinato de mulheres por questões de gênero,
trava-se uma análise sobre os interiores de um crime que representa
o confronto entre o feminino e o masculino, não apenas em modos
de ser e conceber papéis sociais a homens e mulheres, mas também a
seus significados simbólicos. A força física emerge como um elemento
sobre o qual radica um masculino ainda hegemônico em nossa cultura,
buscando o complemento num feminino cada vez mais raro, vez que
inúmeras mudanças estão ocorrendo na forma de ser das mulheres em
decorrência das lutas por seus direitos e autonomia.
O feminicídio revela-se como um crime de ódio, em que a produção
da morte das mulheres ocorre num contexto que ultrapassa o conflito
amoroso sendo cometido por motivação afetiva pelos homens e assume
a forma de todo crime cometido contra as mulheres baseado em relações
de gênero. Os modos de matar, considerando-se··os irrstramentos e os
ferimentos mortais provàcados nos corp.os das mulheres evidencia uma As mulheres foram m ediadoras de bens simbólicos e exerceram
imolação desse corpo que atinge principalmente as partes que encarnam poder no campo religioso, assumindo o sacerdócio como ialorixás,
os sentidos simbólicos mais característicos do feminino, constituindo mães-de-santo nos candomblés, tambor de mina e outras religiões de
um crime do masculino contra o feminino. A fala de mulheres que matriz africana, atuaram com devoção nas irmandades religiosas. Nisto
viveram relacionamentos em que sofreram violência por seus parceiros consiste formas de resistências diante de uma sociedade que fomenta
conta um sofrer que entendem como próprio da mulher, como destino, aprisionamentos das mulheres nos seus papéis de mulher esposa, mãe .São
mas, também revela a resistência e a busca pela felicidade. diversas as formas que as mulheres praticantes dessas religiões assumem
O uso da noção de feminino pode ajudar a entender as bases seu sacerdócio ao mesmo tempo que vivem o feminino e enfrentam essa
da subordinação das mulheres e sua reprodução social no cotidiano sociedade sexista, de opressão e violência contra as mulheres.
de homens e mulheres, não apenas descrevendo o que existe, mas, A religião tem um sentido social, uma vez que tem a função
apreendendo as mudanças em curso. de reestruturar a vida do grupo social através de uma (re)aproximação
A segunda parte do livro volta-se a reflexão em torno da ritual com o tempo mítico de origem. A experiência religiosa refere-se
construção do feminino e da maternidade na sociedade brasileira à experiência mais íntima do ser humano, expressa simbolicamente e
travéjando pelos imaginários sociais edificados pela força dos discursos carregada de sentidos. A religião subentende a partilha de bens simbólicos
da Igreja Católica, do saber médico e jurídico. As mulheres partilham e o cumprimento de rituais coletivos e individuais. No campo religioso,
de aspectos que ditam o que é ser, como tornar-se mulher, não sem prevalece o pensamento simbólico com a preponderância dos mitos,
ambigüidades e contradições, pois a categoria gênero · não pode dos discursos de uma história sagrada. As religiões afro-brasileiras estão
ser separada de outros eixos de opressão. A intenção ..é .ulrrapassar o ... 1?.r ~~~,l'.te~. e . ~O[ltr!I:>u_ef!.1..P.~.~~- a_consti~uição da i1~nrid~de d? B_rasil. .
. plano das reflexões restritas que apostam numa visão universalista das São religiões que têm capacidade própria e distinta de elaborar a idéia
mulheres. Pois as práticas sociais vivenciadas pelas mulheres no Brasil de sociedade e de indivíduo e com diferentes modos de ver a vida, de
dão conformações especificas a partir de sua pertença de classe, de raça, interpretar o mundo
de orientação sexual para diferentes grupos. A conseqüência disso foi a No Brasil, sociedade marcada pela diversidade cultural e religiosa,
incapacidade de reconhecer as diferenças e desigualdades presentes no foi considerável a presença das mulheres de origem indígena, européia
universo feminino. e africana. A mulher tem assumido um papel preponderante na
Além de tratar do feminino e da maternidade na sociedade preservação do patrimônio cultural e religioso no nosso País, pois até
abrangente brasileira deu-se ênfase ao campo religioso, em particular as hoje educam, socializam e propagam os valores humanos fundamentais.
religiões de matriz africana como Umbanda e Candomblé na realidade As mulheres conseguiram revalorizar em muito a:. religiões afro-
cearense. O feminino e a maternidade das sacerdotisas se constituem a brasileiras, resistindo e preservando cosmogonias, ritos e símbolos de
partir das referências simbólicas dos orixás e das entidades espirituais grande valor. No entanto, essa participação das mulheres não se deu no
que lhes guiam. Por meio deste simbolismo, constroem-se novos espaços campo religioso sem influência dos parâmetros patriarcais e autoritários
da nossa cultura.
de luta contra a opressão feminina, transgressão aos poderes e discursos
oficiais que circunscrevem os domínios da mulher. A maternidade está O propósito foi refletir sobre o feminino e a maternidade na
envolta por uma teia de complexidade tecida pelo imaginário social sociedade brasileira e o peso considerável das influências da Igreja
presente na nossa cultu:~' cujos símbolos trazem a representação da Católica e dos discursos médico e jurídico de disciplinamento da
bondade, do cuidado e da· proteção. mulher no papel de boa e santa mãezinha. E depois estabelecer uma
relação entre os mitos referentes à maternidade e ao feminino dos orixás
FEM I N!CÍD I O
1 Este es tudo foi realizado com apoio do CNPq, através do Edilal Universal de 2006 ao projeto de pesquisa ""Amores
Perplexos: aspectos simbólicos da vio lên cia contra mulheres por parceiros amorosos", que co ntou com a pa rticipação das
estudantes Au ricélia da Silva Costa, Thiala Cris tine de Albuquerque de Morais, Fabiana Ximenes Barros. Kaline Maciel
Gomes, Helena Vieira Q.e S~ouza . ·
por elementos de uma culrura de dominação masculina em que a violência Muitos s~o os elementos sociais e cu lturais q ue reproduzem a
violência de gênero e, po rtanto, a subordinação· das mulheres.-·Muitas -
é um de seus componenres. Sendo uma trama culturalmente em-gendrada,
são as formas que esta violência assume, m as o enfoque desse estudo
esses crimes não podem ser compreendidos com o conceito de homicídio,
está sobre a violência praticada contra mulheres por seus parceiros de
não apenas porque é o assassinato de uma mulher, mas porque a mulher fo i relacionamentos amorosos, centrando-se na busca de compreender
assassinada em deco rrência de valores culturais que a situaram numa posição os mecan ismos pelos quais a subordinação feminina se inscreve na
em que a sua morte fo i uma escolha numa sucessão de acontecimentos subj etividade dessas mulheres de modo a permitir a convivência com
radicados nas relações de gênero vigentes . tal violência. Trata-se de buscar os aspectos simbólicos da dominação
Para Maril ena C hauí (1984), a violência contra m ulher deve masculina que estão internalizados em m ulheres submetidas ou que
levar em conta a violência como a expressão de uma normalidade social se submeteram a agressões de seus parceiros am orosos. Bourdieu
que conve rte as diferenças em desigualdades hierárquicas com fin s de indaga se não seria inovação estpdar "as invariáveis que se m antêm ,
dominação, exploração e opressão; e também como ação que trata acima de todas as mudanças visíveis da condição feminina, e são ainda
o outro como objeto. C hauí ao falar sobre essa violência, es tabelece observadas nas relações de dominação entre os sexos" ( 1999 , p. l O). Essas
distinções entre os co nceitos de violência e de força e, entre es tes e o invariáveis a que se refere, representam m ecanismos de longa duração
conceito de poder, afirm ando que a força deseja a supressão do outro e a que resistem às mudanças, reproduzindo a conformidade e a submissão
das mulheres. Num contexto em que as mulheres podem romper ou
violência almeja a suj eição consentida, mediada pela vontade do outro.
resistir à violência e não permitir que ela ocorra, muitas perman ecem
Essa sujeição feminin a pode ser conflituosa (uma submissão sem querer
presas a um relacionamento amoroso com homens agressores. São os
ou sem saber como romper), pois nem sempre ceder é consentir, como processos simbólicos presentes na submissão das mulheres à dominação
diz Rangel, levantand o a hipótese .de_se cqnsiderar as mulheres como · · e- vfolência· m asculi na, p raticada em relações anior.osas, .que. constitui o
"suj eitos com a co nsciência mediatizada pela concepção dominante foco desse estudo, apontando para reflexões sobre os afetos e papeis de
da sociedade" (ibdem, p.5) . N esse sentido recorremos ao conceito de gênero na família 'e as novas fronteiras do corpo como objeto es tético,
dominação masculina, de Bourdieu ( 1995), entendida como uma form a supo rte de valores e m eio de comunicação social.
de violência simbólica que se manifesta tanto objetivamente, nas coisas No primeiro capítulo discutiremos o conceito de feminicídio
e estruturas sociais, como subjetivamente, nas mentes, atitudes, valores com base nas informações sobre as relações dos femini cidas com as
e formas cognitivas, para posicionar o estudo sobre a violência contra mulheres que assassinaram e os mo tivos alegad os para o crime. Foi
mulher pratica por se us parceiros, buscando os mecanismos presentes poss ível propor uma tipologia para o feminicídi o capaz de expressar
n as vivencias femi n inas de relacionamentos am orosas violentos. diversas modalidades d esses crimes como aqueles de caráter Passion al,
A idéia básica qu e orienta o conceito de violência de gênero cometidos por seus parceiros ou ex-parceiros e e n a moradn ~; Vingança
cometido por desafetos e inimigos de parentes, am igos e namorado
adotada para este es tudo se expressa em palavras de Portela (2004), ao
das m ulheres; M atricídio, cujos autores são filh os qu e se opõem às
afirm ar que essa violência é
maes; Infanticídio, de pais co ntra filh as; Disputa amorosa, por ciúmes
"um pro duto, e ao mesmo tempo um em triângulos amorosos . O fe minicídio, sendo um crime de gênero
elemento estruturador da subordin ação ultrapassa aqueles que são cometidos po r motivação afetiva pelos
das mulheres, dependendo, fortemente, homens e assume a forma de todo crime com etido contra as mulheres
para sua perpetuação, des ta mesma su- baseado em relações d e gênero.
bordinação, na qual as mulheres perdem No segundo capítulo reliza-se um exa me dos modos de produção
.,o sua co ndição de suj eito."(p.3) · -da morte de mulheres nos casos de fem inicíd io levando ·em c-om a os
MARIA DOLORES OE BRITO MOTA
FEMINTCÍDJO
1. FEMINICÍDIO: ASSASSINATOS DE frente aos assassinatos de mulheres em C iudad Jua.rez, no México, tendo
MULHERES POR QUESTÕ.ES DE GÊNER.O sido sistematizado pela primeira vez por Caput e Russel, em 1992. Ao
propor instaurar a complexidade desse debate, Segatto inaugura um novo
olhar sobre os assassinatos de mulheres para uma compreensão da sua
Feminicídio - um conceito em construção
mecânica, do contexto e do sistema de forças que o produz. Pergunta a
Feminicídio ou femicídio? Tem se ampliado o uso dessas duas autora se vale a pena qualificar os assassinatos de mulheres diferenciando
palavras para fazer referência ao assassinato de mulheres decorrente de e qualificando aqueles que são assassinatos de gênero?
relações de gênero. Diante da persistência da violência de gênero contra A autora considera inevitável o desafio de perscrutar as
as mulheres, especialmente em contextos de relacionamento amoroso especificidades dos crimes de gênero contra mulheres para encontrar os
com homens, culminando muitas vezes com o assassinato de mulheres, elementos patriarcais que persistem ou se renovam para assegurar uma
torna-se premente o entendimento e o combate a essa forma de crime subordinação das mulheres numa cultura que se reitera androcêntrica.
e às estruturas simbólicas, sociais, culturais e normativas que o ativam Muitos são os sobressaltos pelas desco bertas que uma mirada,
e contemporizam. com esta perspectiva, nos assassinatos de mulheres permite confrontar.
A distinção entre feminicídio e femicídio é necessária para o Algumas dessas descobertas podem ser elencadas como a revelação de
aprofundamento de uma análise crítica sobre o assassinato de mulheres que a violência de gênero contra as mulheres não tem como único autor
por questões de gênero, por duas questões importantes: a primeira os homens, mas também mulheres; a possibilidade e/ou necessidade
diz respeito ao fato que nem todo assassinato de mulheres decorre de qualifiçação dos assassinatos de mulheres por questões de gênero; o
...de"ºquestoes' ·a~ gê"
rie"ro e é preciso -difefeiú'.: iar estes dos que· oàmem desvelamento da produção da morte das mulheres, para _compreender
em razão de outro tipo de violência; a segunda é pela necessidade de comó .se reãiiúº'ºê) "'àssassiii.áºt'õ . d~ "gênero como um ~rime . c.uit~r-af de '"
imolação do feminino .
conhecermos as circunstâncias, os mecanismos físicos e simbólicos que
geram os crimes de gênero. Para considerar um assassinato de mulher
um crime de gênero é preciso que sejam demonstradas as condições e Violência de Gênero contra a Mulher - para além do
elementos que levaram ao assassinato da mulher pelo fato de ser mulher, masculino - feminino
excluindo aqueles que decorreram de situações que poderiam tornar
qualquer pessoa uma vítima, como um latrocínio ou um acidente (bala Intensivamente discutida, a violência de gênero decorre de
perdida por exemplo) entre outros. Ora, o emprego da palavra femicídio relações desiguais de poder entre homens e mulheres, homens e homens,
evoca qualquer morte de mulher, por ser uma palavra feminina de mulheres e mulheres, que fundamentam a dominação masculina e a
homicídio. Desse modo, femicídio não remete a um crime de gênero discriminação e subordinação feminina. Sendo uma violência baseada
contra a mulher, mas a qualquer tipo de crime que tenha resultado em nos papéis e significados sociais atribuídos a homens e mulheres, com
sua morte. Femicídio remete, pois ao assassinato de uma mulher, mas base em valores patriarcais, que estabelecem e legitimam práticas
não vincula este crime a fatores relacionados ao fato de ser mulher, ou masculinas de controle, agressividade e de posse sobre as mulheres,
seja, não infere as representações, posições, papéis e relações sociais que tem sido denominada de violência de gênero ou violência sexista, e se
formam as engrenagens de ser mulher. expressa de várias formas, desde a violência doméstica ou conjugal, a
Segatto (2006) ressalta a novidade do debate sobre feminicídio, violência sexual, estupro, assassinato, assédio sexual, exploração sexual,
ainda sem base bibliográfica, tendo sua origem entre feministas mexicanas abuso sexual, entre ~urras. Um diálogo com Saffioti (1999.) é·importante
M 11R JA Do t.ORES D E B RITO MoTA FEM I NICÍlllO
para uma maior clareza quanto ao conceito de violência de gênero .do crime possam remeter a uma centralidad e masculina. Se num
que se pretende considerar neste ·trabalho. A autora, no referido texto ·momento inicial a idéia de úime de gênero era aquele cometido contrà
apresenta sinteticamente alguns dos principais conceitos de gênero, e mulheres por homens, parceiros amorosos, atualmente é possível uma
encaminha uma reflexão crítica desse conceito para além da construção definição cujo núcleo seja a posição social da mulher e sua significação,
social dos homens e das mulheres, que, do modo como é abordado por para além da relação com o parceiro, embora esta seja ainda a sua forma
muitas autoras, não deixa claro a desigualdade e a dominação masculina, determinante e majoritária destes crimes.
e tampouco inclui as relações homem - homem e mulher - mulher. No Brasil, quando os movimentos feministas 101c1aram as
Neste trabalho interessa justamente avançar num entendimento denúncias, mobilização e reivindicações contra a violência de gênero,
mais amplo do conceito de gênero, onde não apenas é possível considerar esta se materializava nos crimes cometidos por parceiros contra as
as normas reguladoras entre os dois sexos, mas também as normas mulheres. Naquele período ainda estava em vigor o instituto da defesa
e relações de poder inter-sexuais, entre homens e entre mulheres. da honra, meados dos anos de 1970, tendo-se desenvolvido uma ação
Segundo a autora eirada, se gênero concerne preferencialmente às de movimentos feministas e democráticos pela p unição aos assassinos
relações homem - mulher, "isso não significa que uma relação de de mulheres. A alegação da defesa da honra era então justificativa
violência entre dois homens e entre duas mulheres não possa figurar para muitos crimes contra a vida de mulheres, mas no contexto de
sob a rubrica de violência de gênero (p.83). Nesse sentido, muitas reorganização social para a conquista da democracia no país e do
formas de violências cometidas entre mulheres podem ser consideradas surgimento de movimentos feministas, este tema foi emergindo como
como violência de gênero, como entre rivais amorosas, que priorizam ~1 questão pública a ser enfrentada pela sociedade por ferir a cidadania e
a hostilidade e a a..g~essão par?- a outra, adversidades a comportamentos .. os direitos humanos das mulheres . O assassinato de Ângela Oiniz em
transgressores por exemplo. Inclui-se também -nesse conceito m.-aüs-
tratos de pais contra filhas e mesmo de mães contra filhas. Ainda
podemos acrescentar também violências cometidas por filhos/as contra
mães quando decorrem de situações baseadas nos papeis de gênero que
l dezembro de 1976, por seu namorãdo cÕnhecido como Docã -Srreet,
conforme apresenta Grossi (1993), foi o acontecimento desencadeador
de uma reação generalizada contra a absolvição do criminoso em primeira
instância, sob alegação de que foi uma reação pela defesa da "honra'',
aquelas desempenham, bem como de irmãos contra irmãs. quando as circunstâncias mostravam um crime bárbaro motivado pela
Na medida em que o fenômeno da violência de gênero contra determinação da vítima em acabar com o relacionamento amoroso.
a mulher vai sendo discutido, enfrentado, desmistificado, permite Esse fato revóltou parcelas significativas da sociedade cuja pressão social
desnaturalizar e revelar suas causas sócio-culturais e outras dimensões .,
7i levou a um novo julgamento em 1979 que condenou o assassino.
antes não percebidas emergem, requerendo um aprimoramento D esde esse período, abriu-se um espaço em diversas dimensões
conceituai. Muito embora possam surgir resistências em admitir que 1 da sociedade brasileira, como partidos políticos, movimentos sindicais,
a violência de gênero contra a mulher possa ser cometida por homens movimentos de bairros, imprensa, igreja, movimentos sociais, para a
que não sejam apenas seus parceiros amorosos, mas até por mulheres. 1 explicitação e denúncia de práticas violentas contra mulheres, que até
A importância desse entendimento mais amplo no caso da análise dos então não tinham sido alvo de ações coletivas de resistência e oposição.
crimes de gênero é o fato de considerar que a centralidade desses crimes Nos últimos quarenta anos, muitas transformações positivas ocorreram
deve ser buscada na situação social da mulher e sua representação em no Brasil, e no mundo, relacionadas à condição social das mulheres e em
relação aos motivos e aos/as autores/as do crime. A vítima é sempre particular no enfrentamento à violência de gênero, como a criação das
mulher, não. importa sua idade , classe social, raça/etnia, ori~nt.açffe.o . Delegacias de Apoio àsM.Jheres - D EAMs, que em 2009 soma.vam 41-0 ·· ·
sexual e seu vínculo com o/a assassino/a. Muito embora, as motivações no país, bem como o surgimento de casas abrigo, centros de referência da
MAR IA lJOU>llL> Ul 13iU I U l\ l1ll ,\
FH! I N!CÍD! O
sionais da imprensa utilizam os critérios das fi~has para um banco de dados, emergiu a problen~~ ri ca sobre quais
de notíciabilidade e as regras da seleção desses crimes poderiam. ser classificados· como crimes de gênero; pois
e apresentação dos fatos. Entre os crité- alguns casos não apresentavam de modo imediato um conteúdo de
rios utilizados, podemos citar a questão gênero. Assim, o primeiro momento da investigação trilhou para os
da posição social dos envolvidos, sua padrões e as circunstâncias desses crimes contra mulheres.
proximidade com os potenciais leitores A informação disponível na imprensa não é a mesma que se
e os impactos e a intensidade presentes obtém junto aos órgãos de registro oficial como o Instituto Medico
nos fatos. Por isso não é um aconteci- Legal (IML) e a Secretaria de Segurança Pública do Estado. A imprensa
mento qualquer de violência que é capaz não publica todos os casos de assassinatos de mulheres, sendo maior
de virar notícia e há diferenças entre a o número de casos encontrados nos organismos oficiais. No entanto,
importância de uma notícia que vem na estes registros não estão muito acessíveis inclusive quanto aos dados que
primeira página e aquelas que vêm no possam indicar seu conteúdo de gênero.
interior dos jornais. (op.cit. p. 1)
Quadro 1. Mulheres assassinadas no Ceará. 2002/2006
Afirmando que todo texto jornalístico é sensacionalista, sendo
. :'An'd ~.1 ·:er:r·. 1~ ....,,•, '· IMLL,.;.,.. '" · · jornais 2 ·;· .
2002 110 58
esta característica a sua base como bem de consumo, o fato notíciado 2003 73 42
é reconstruído como um espetáculo. Tratando-se de notíciais policiais 2004 105 43
a dramaticidade é ainda maior, envolvendo p~i~õ.es.. ~ trag~~~as que . ·- 2005 11 8 53
mobilizam o interesse dos leitores atraídos pelo mórbido e escandaloso. 2006 135 63
Total 541 259
Essa lógica de notícialidade se sobrepõe à questão das condições sociais
Fonre: 1- Conselho Estadual da Mulher e Diário do No rd este, 26 nov. 2006
que promovem os fatos notíciados. Desse modo, o discurso jornalístico
2- O Povo e diário do Nordeste.
reproduz o imaginário social, mesmo que seja de modo paradoxal, com
elementos do senso comum geral e do próprio campo jor~alístico que vai Dentre as notícias publicadas, três não apresentavam conteúdo
se constituir no eixo principal de articulação da apresentação da notícia. imediato de gênero, referindo-se a latrocínio e bala perdida. As 256
restantes sinalizavam indícios com conteúdo de gênero e sua análise
permitiu a constituição de uma tipologia sobre estes crimes contra as
Feminicídio no Ceará - assassinatos de mulheres em
~
mulheres, estabelecendo novos fundamentos para a conceituação do que
pode ser denominado como "crime de gênero" . O conteúdo de gênero
notícias de jornais foi identificado através das circunstâncias e nos padrões dos assassinatos,
O levantamento das notícias de assassinatos de mulheres, apresentando similaridade com os elementos indicados pelo documento
publicadas pela grande imprensa do estado do Ceará entre 2002 e "Feminicídio em América Latina" 3, como o ódio, o desprezo, e o menor
2006, identificou 259 ocorrências. Estas notícias foram codificadas em valor que se dá a vida das mulheres, isto aliada a falta de investigações
eficazes, prevenção e punição. Esses conteúdos manifestaram aspectos
uma ficha para análise composta de cinco campos temáticos: título,
específicos, que, considerando o contexto em que ocorreram, surgiram
contextualização do crime, imagem da vítima, imagem do assassino,
relaciona.m enta eni:re vítima e· assassino. No processo de codificação · 3"Feminicldio e~ AÍnéric'a iatina . 'oocum8nto e'labÔrado~ por motivo de la Audiênciça sobre Feminicidlo em A;,,érica-·Lalina
ante la Comisión lnteramericana de Derechos Humanos. março, 2006.
MARIA DOLORES r>E BRITO M OTA FEMIN I CÍDlO
elementos de descriminação feminina , relacionados ao papel e as -. Feminicídio - como as mulheres morrem por. questões
·representações sobre as mulheres e d-é relações de poder desiguais. O de. gênero · · · -
diferencial que emergiu dessa análise foi a revelação de que os atos de
violência contra a mulher são praticados não apenas por seus parceiros
Entre as notícias analisadas, 104 não faziam menção às causas ou
amorosos ou parentes, mas também por outros homens e mulheres em
ao tipo de relacionamento entre vítima e criminoso, mas as informações
razão de uma vulnerabilidade e acessibilidade socialmente atribuída
às mulheres, o que as torna um alvo fácil e normal para agressões. encontradas em 152 notícias, contêm elementos e padrões identificados
Ao reconhecer que violência contra a mulher é "qualquer ação nos assassinatos de mulheres que manifestam traços e características
ou conduta, baseada em gênero, que cause morte, dano ou sofrimento indicativas de crime de gênero. Articulando os dados referentes aos
físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito publico ou motivos alegados ou explícitos do crime e a relação dos autores com as
privado", a Convenção de Belém do Pará permite que se compreenda vítimas é possível propormos uma tipologia dos feminicídios estudados,
como tal, atos de violência praticados contra a mulher por diversos formada por cinco tipos que expressam mecanismos que engendram
sujeitos desde que a motivação esteja associada a relações de gênero. O taís crimes, são eles: a) Crimes de paixão - cometidos por marido,
sujeito do crime de gênero, não é apenas o parceiro amoroso ou o pai, companheiro(a), ex - companheiro(a), namorado (a), ex- namorado(a) e
irmão, mas outros homens, conhecidos ou desconhecidos da vítima, e apaixonad9 não correspondido; b) Vingança contra terceiros, parentes,
não são apenas homens, mas mulheres que agem violentamente contra amigos ou namorado da milher; c) Matricídio, quando filhos matam
outras em situações definidas por elementos de gênero. mãe em situação de conflito com esse papel; d) Filicídio, quando pais
A Lei Maria da Penha (N. 11.340/06), segundo SilvaJr, (2006),
matam as. filhas; e) Disputa amorosa, cometidos por concorrentes
define como sujeito do crime de gênero o homem, considerado sujeito
ciumentas .. Vejamos cada um desses tipos em suas especificidades.
ativo, etrquanto-·a mulher é colocada como sujeito passivo. O · aut:or·- -··· ··- --~- -·-·c;.i.,;;~; ·-d~· iaix'iio ~ esses- - crimês"' so~aiaffi' u'rri'"totafcte ·122
argumenta que há um avanço na lei no sentido de que "as preferências
sexuais" dos sujeitos do crime de gênero serem irrelevantes, mas com casos, correspondendo a 80,2% dos feminicídios identificados. São
base no art. 5° dessa Lei, "somente a mulher pode ser sujeito passivo assassinatos cometidos tanto por pessoas com as quais mulheres estavam
e somente o homem pode ser sujeito ativo, desde que entre eles haja mantendo um relacionamento amoroso como por pessoas com as quais
uma relação de afetividade" (p.4). O grande avanço dessa lei é a o relacionamento havia terminado ou estava sendo terminado. Os
institucionalização do reconhecimento e da criminalização da violência crimes cometidos por parceiros amorosos em exercício, que vigoravam
de gênero praticada contra a mulher por seus parceiros, o que tem sido na época do crime, representam 67%, dos crimes de paixão, e os
tipificada como violência doméstica, no entanto é necessário a denuncia assassinos são maridos, companheiros, namorados e amantes, somando
e o combate a qualquer forma de violência de gênero praticada contra a 82 casos. Dentre as causas alegadas a.s mais freqüentes foram ci{duc.
mulher, e a-defesa de seus plenos direitos humanos. (29), separação (9), bebida (4) , discussão/briga (12), 1 por que ela tinha
Já é possível ampliarmos o entendimento de crime de gênero no engravidado, 1 por que ela ameaçou revelar o romance e o criminoso
sentido de que não são praticados apenas por homens com vínculo afetivo
era casado, 1 por ciúme do marido da amante, nas 25 notícias restantes
com as vítimas, e nem apenas por homens. Homens matam mulheres por
notícias não foram encontradas informações sobre os motivos que os
ódio e por vingança contra pessoas para as quais as vítimas são importantes.
Mulheres matam mulheres por questões de gênero, em disputas amorosas. parceiros atribuíram ao crime. Quanto aos ex - maridos ou namorados,
No contexto da criminalidade urbana as mulheres são assassinadas de que foram 40 casos, as causas mais indicadas foram a não aceitação da
modo perverso, com uma crueldade específica na qual emerge um trabalho separação (24), ciúme (6), discussão (3), 1 declarou não saber por que
da virilidáde dominante sobre urria feminilidade subjugada.. matou e em 6 as causas não foram mencionadas. Entre esses crimes
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1\-1 1\ lll ,\ [)Ql/) 11F S DF BRITO MPTA FEMIN!CÍDIO
um foi cometido por uma mulh er, que não aceitava a separação da sua 0 ódio de uma mu\her é dirig!d9 à outra, a sua ç_o pçorrente amorosa.
co mpanheira. Houve três casos em que a mulher foi assassinada pela outra mulher da
Esses crimes de paixão, que podem ser compreendidos como relação em uma disputa amorosa.
passionais, no sentido que são determinados pela existência de vínculos Observando os assassinatos das mulheres pelo ângulo das
amorosos entre as mulheres e o feminicida, e por suas circunstâncias relações de gênero encontramos não apenas o homem com o qual
que envolvem conflitos emocionais. Não se pode entender esses as vítimas tinham um envolvimento amoroso, mas até homens que
crimes como resultado de uma emoção incontrolável num momento sentiam paixão por mulheres que não tinham qualquer relação com
dramático. Observando as circunstâncias descritas nas notícias, mesmo eles. Além disso, aparecem também parentes e até rivais. Esses fatos
de modo superficial, pode se perceber que foram crimes claramente mostras articulações entre as disposições de homens e mulheres, que
premeditados. Vale destacar que entre estes casos encontram-se dois são submetidos, segundo Bourdieu, a um trabalho de socialização que
em que os criminosos sentiam paixão pela vítima, mas não tinham tende a diminuir e negar as mulheres que "não fazem a aprendizagem
qualquer tipo de relacionamento com elas, tendo matado por "amor das virtudes negativas da abnegação, da resignação e do silêncio, os
não correspondido". homens também estão prisioneiros e, sem se aperceberem, vítimas da
Vingança contra terceiros - caracteriza-se pelo fato do representação dominante" (1999, p. 63). Inscreve-se assim no próprio
assassinato da mulher ter sido cometido como vingança, para atingirem inconsciente e no corpo de homens e mulheres que a virilidade não pode
pessoas de suas relações com as quais o assassino tinha desavenças. agir senão pela força e a feminilidade pela fragilidade. Estruturalmente
Foram três casos, sendo 1 por que o assassino havia brigado com o e circunstâncialmente o lugar do masculino é a dominação e a força
namorado da vítima; l ·.para se vingar do irmão da vítima e 1 mato!.! a e o da feminilidade i da submissão e vulnerabilidade, o que _torna
mulher do vizinho com o qual tinha desentendimentos . ·as· mulhe~es pot~~cialmente vítimas de diversas forrriás · de violênéia·s
Matricídio - 4 filh os mataram as mães em circunstâncias sociais e individuais.
envolvendo conteúdo de gênero, sendo 1 porque ele estava bebendo e Foram encontradas notícias de alguns crimes em que os indícios
"·~1
a mãe insistindo para que parasse; outras três mulheres foram vítimas apontavam para uma vinculação dos motivos do assassinato da mulher
;~
de filhos com problemas mentais. Esses três casos em que os assassinos com situações de criminalidade urbana. Nesses crimes, com motivações
eram doentes não podem ser vistos como fatalidades, pois as mães eram de queima de arquivo, tráfico de drogas e outras contravenções, deve-se
as figuras mais próximas deles, tendo sido mortas por estarem exercendo t considerar diferenciais na forma de produção das mortes de mulheres
seu papel de mães. ~1 que frequentemente expressavam uma intensa brutalidade praticada
Filicídio - três meninas foram assassinadas por seus pais em no corpo das vítimas, com sinais de tortura, violência sexual, varias
circunstâncias de gênero. Um pai matou a filha de 7 anos por ter sido l modalidades de instrumentos usados simultaneamente. Em muitos
abandonado pela mulher que espancava, tendo bebido e matado a desses crimes o corpo das mulheres foi despido e queimado após o crime
filha a pauladas e ainda trespassando os seios com cabo de vassoura; ou como parte dele. Foram identificados 5 casos que representavam esse
outro assassinou a mulher e a filha de 1 ano e dois meses queimando- padrão. Assim, fica afirmada a pertinência das questões levantadas por
as depois de agredir; outro matou a filha de 17 anos espancando e, Portela (2004) ao colocar a necessidade de se refletir sobre a associação
embora os motivos não tenham constado da notícia é uma atitude que da violência contra as mulheres com as questões estruturais ligadas a
se caracteriza como violência doméstica contra a mulher. outras formas de violência, perguntando "de que modo se articulam
· ·Disputa amorosa - as circunstâncias _do · assa~sinato são .as ques,tões .çle gên~ro . ao . con. text9 _ conternporâne9 de produç_g9 da
estabelecidas pela ex istência de um triangulo amoroso onde a raiva e violência? " (p.8).
M A1uA DOLORES DE B RITD M on FEM!N I CÍD I O
Feminicidas - imagens de homens que matam mulheres :. .Quadro O1. Representações de fe~inicidas em notícias de jornais.
........ .. .
~ - ...
2002-2006. Ceará · · · ' ·· ·· ·· · -- ···
A descrição dos assassinos nas notícias escudadas segue a lógica .
Condição Social Qualificação Moral
da construção das notícias sobre violência, em que a condição social
f n- .
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r o ""'- > ~~·'" w·
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é a base da referência aos autores e vítimas dos aco ntecimentos, mas ·. "'. .brofissão/ocupacão • 79 · ·• l acusado sus~ito • 46
....... .
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também expressões relacionadas com a qualificação moral foram usadas realção com a vitima • ~5. J t. assassino • 1O
::r~"""-C ......
para exprimir a imagem dos agressores. Em 9 notícias o criminoso foi desempreqad~ • ~8 .J t nome_.P._essoal • 03
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descrito como desconhecido, e em 4 1 não houve qualquer comentário - .. ,
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sobre ele. A imagem dos assassinos é construída na maior parte das
qênero • 10
caracterlstlcas pessoais - 07
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deficiente· 01
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deficiente • O1
notícias com base na sua condição social (135), apresentando a seguinte r
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composição disposta no Quadro 1.
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2'.!!. 32"
Quando o assassino pertence à classe média e alta o destaque é
dado à sua ocupação ou profissão, fato que a notícia acentua inclusive
no título. Como a maioria dos crimes notíciados é cometida por Mulheres assassinadas nas páginas policiais
homens de classes populares, quando este envolve alguém de maior
poder aquisitivo causa mais sensação. Mas, além da condição social, a As palavras utilizadas para descreverem as mulheres assass inadas
imagem também pode ser construída a partir de qualificações morais, nas notícias investigadas foram arroladas e consideradas em sua
conforme o Quadro 1; ,.. freqüência de rec9rrência, tendo apresentado conteúdo relacionado
Ao acentuar a qualificação moral, geràlmente negativa, esse · também ·com càtegorias sociais e com qualificações morais. Em ·muitas
tipo de crime parece estar mais associado a homens com problemas notícias foram utilizadas várias palavras para apresentar a imagem da
de caráter, ou ainda aos pobres e sem formação educacional, como se vítima, o que faz com qu e as expressões identificadas sejam em maior
apenas esses homens cometessem atos violentos dessa natureza. número do que as ocorrências.
Esses fatores atuam no sentido de dissimular a violência Dentre as notícias investigadas, a profissão da vítima foi indicada
contra a mulher, o seu assassinato como um femini cídio, ou seja, ao em 139 casos. Esse fato ressalta que é mais importante nestas notícias
invés de serem compreendidos como um fato cultural , resultado de centrar a informação na caracterização da vítima, já que em apenas 79
relações de gênero desiguais e androcêntricas, aparece como acidental, casos foi encontrada citação da profissão dos criminosos.
circunstâncial, decorrentes de situações fora do padrão de normalidade 4 Desta forma, fica visível que o interesse da notícia é scnsacionab::a,
instituído, decorrentes de sujeitos problemáticos. 4 usando um discurso que mexe com as emoções dos leitores. Já que as
· notícias so bre assassinatos de mulheres são notíciadas nas páginas policiais
que, segundo Mendes (2003), são construídas através da dramaticidade
dos fatos, tornando o jornal mais atrativo para o consumo.
Analisando a imagem das mulheres assassinadas presente
nesse discurso midiático, percebe-se que as mesmas são definidas
principalmente pela condi ção social que ocupam na sociedade, sendo
definidas pr-incipalmence por característiGas pessoais -e-p€-la-profissão.
/\·1"1R IA D OLO RES DE B RITO MOT,\ FEMI NICÍDJO
'•
_Quando i d e ntifi cad ~.$ por suas características p_essoai.$.. - na, ?
,~;.;fi,'\,,~:, Pf ! .5l11:e_seria tão importante e nf~tj~ar essas defin iç?e~ ? fato ~a 1~ ulher
maio ria das no dcias as vítimas são caracterizadas corhó "mulher" ~ri~t,. :' s"er gárota de program a ou dançan na de boate m m1m1za ou ;ust1fica- o
...... ~r.,,,.1~, ,
111:
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sobre os termos feminicídio ou femicídio, cermos em c9 n s tr~1ção , e que ·.,.,Referências bibliográficas
.. ..
~ ·, , -. . . .. - ..
~ -- .... - -
tem sido evocados-pára expressar a violação dos direiros humanos dás
mulheres, muito mais que apenas o seu assassinato. COTTA, Pery. Tiragens ridículas da velha mídia. 11.06.2006 .
Os crimes contra m ulheres, decorrentes de sua condição social, ou
,z~isponível em http://www.jornaldedebates.ig. com .br/index.aspx?cnt_
seja, pelo seu papel social de mulher,são crimes culturais. A ucilização do :id.= 15&art_id=8987. Acesso em 22 set 2007.
termo feminicídio para os crimes de gê nero, nos escudos, na m ilitância
feminista e na m ídia pode ser uma fo rma de criar uma atenção especial FEMIN ICÍDIO en América Latina. Documento elaborado por m otivo
sobre esse crime de gênero contra as mulheres. As no tícias analisadas não de la Audiência sobre Feminicídio en América Latina ante la Comisión
indicaram h aver na mídia uma preocupação de ressaltar os elem entos " Ínteramericana de Derechos H umanos, março, 2006.
culturais da violência de gênero que vítima fatalmente as mulheres,
inclusive pelo fato que os assassinatos de mulheres serem publicados GROSSI, M . P. De Ângela Diniz a Daniela Perez: a trajetória da
nas páginas policiais, atrelados a homicídios, apresentados de maneira impunidade. l n: Revista Estudos Feministas, v. l , n .1/1993 - CIEC/
sensacionalista como tragédias Íntimas, de am ores exacerbados. O ECO/ UFRJ.
feminicídio é um crime de gênero contra as mulheres radicado em
valores-ecodigos culturais que legitimam a posse e o castigo de mulheres LUHMANN, N iklas. El amor como pasíon . Barcelona: Ediciones
que rorripem com as expectativas que lhe são atribuídas pelo papel social Península, 2008.
de ser mulher.
· PORTELLA, A. P. Violência contra mulheres: um breve contexto
ê algumas quescóes polícicas. Articu1ação de ·m ulheres Brasileiras.
Articulando eletronicam ente, n. 99, de novembro de 2004, anexo da
seção C ONtextos.
2. FISIOGRAFIA DOS ASSASSINATOS -· priorizando a. descrição da cena imediat~. Além da erueldade é possível
identificar nos modos dos homens matarem as mulheres a virilidade que
DE MULHERES - A IMOLAÇÃÓ DO tem como seu componente, segundo Bourdieu (1999, p. 64), a "aptidão
FEMININO NO FEMINICÍDIO ao combate e exercício da violência (sobretudo em caso de vingança)" .
Discorrendo sobre a forma dessa virilidade, o autor reconhece a força
O assassi nato de mulheres por questões de gênero requer muitos corno característica do masculino, tanto no sen tido de que o homem é
olhares e analises para ser melhor compreendido. Importante afirmar possuidor de um sentimento de honra que muitas vezes o dirige como
o feminicídio como um crime cultural, apoiado em valores patriarcais uma 'força' que "é mais forte qu e ele'', que o guia e à qual não pode se
que asseguram o controle e a punição das mulheres pelos homens, furtar "sob pena de renegar-se (ibdem, p. 63), quanto no sentido que
especialmente, como instrui Segam (2006), em trabalho inaugural a 0 corpo do homem é forte, tem mais músculos e suporta mais esforço
cerca dessa abordagem, fazendo ver que, físico. A força dos impulsos e a força física estão claramente presentes na
produção da morte das mulheres. As notícias permitem um mergulho
La relevancia estratégica de la politizaci- na mecânica do feminicídio através das informações sobre as armas
ón de todos los homicídios de mujeres utilizadas e os ferimentos provocados nos corpos das mulheres para
en este sentido es indudable, pues enfa- matá-las . .
tiza que resultan de un sistema en el cual A descrição da maneira como a morte das mulheres é produzida a
poder y masculinidad son sinónimos e partir dos instrumentos e das técnicas utilizadas por seus assassinos, bem
impregnan el ambiente social de miso- como o_aspecto do_.corpo feminino resultante dessas agressões fatais ,
ginia: ~d(o y ~dês-precio por el éuerpo fe- permite ~ltrapassar a c~na e pe~etrar na maquinaria do feminicídio,
.;
menino y por los atributos asociados a na qual o corpo do homem se institui como força, articulando
la feminidad. En lln tnedio dominado simbioticamente a virilidade com a violência. Interessa desvelar
por la institución patriarcal, se atribuye significados da utilização das armas empregadas e dos ferimentos
menos valor a la vida de las mujeres y ·~· efetuados com elas nos corpos femininos. Constatou-se que esses crimes
hay una propensión mayor a justificar T
l se caracterizam como brutais, cuja mecânica da produção da morre
los crímenes que padecen.(p. 3) explicita crueldade e ódio, sendo comum o uso de mais de uma arma e
golpeamentos compulsivos, durante os quais é empregada muita força
O desprezo pelo corpo feminino e pelos atributos da feminilidade física dos criminosos para realizar o suplício , o u imolação do corpo
se ·evidencia nos feminicídios pela forma como a morte das mulheres
é produzida. A crueldade é uma das características desses crimes, que
J feminino. As expressões dessa crueldade marcam o corpo da mulher
através de ferimentos medonhos, produzidos por armas de fogo , faca,
quase sempre ocorre como um continuum crescente de violações contra facão, martelo, espeto, as mãos, pedra, pau entre outras, cujo uso se faz
a mulher, como ocorreu com Eloá, cujo assassinato foi acompanhado por golpes repetidos que demandam desprendimento de força física,
em rede nacional, numa sequência de agressões verbais, acusações, elemento primordial da identidade masculina, ou seja, componente da
agressões físicas até culminar na sua morte no dia 19 de outubro de masculinidade e do seu poder. Essa forma de matar martiriza, imola
2009, co nfo rm e analisam Mota e Fernandes (2008). o corpo das mulheres para destruir expressões do feminino através da
. ... .A~ no r(c_i<!~ .do.s jornais não_permitem perceber esse continuum , morte física, o que permite avançar o entendimenrn desses·czr-imes ·como
pois ·tratam de modo circunstância! os crimes, como fato jornalístico, feminicídio. . ·. ·. .
..__, r- ,_, .: ...
MAR IA DOLORES DE BRITO MOTA
FEM I N I CÍ D JO
.u
, • concretas e correspondentes, . sendo esta entendida como violência
mulheres · · - ' ;Ó~rra m ulheres dec_o rrente - de relaÇ(5"ei desiguais de poder entre
Toma~d? o corpo com o o lu?ar de uma escri ~a da história, é ~ele ·. r homens e m ulheres. E uma das formas de violência de gênero, sendo
~a viol~ncia b~seada nos aspectos simbólicos dos papéis sociais que
que a materialidade do corpo soCial tom a lugar. E nessa perspectiva, ,. " " ,f. ~~aó defimdos e impostos a homens e mulheres, com base em valores
estabelecida por autores como M ichel Foucault (1997) e Pierre Bourdieu l.~~ ~~;.· _patriarcais que estabelecem e legitimam práticas masculinas de controle,
1
(1999), que consideram o corpo lugar ~e uma prática di reta de controle ·~· · ~::; ' agressivida?e e de ~osse so bre _as . m~lhere~ (Medeiros, 2005) . ~ode
social, que se pretende abordar o assassinato de mulheres. No corpo das ~ · (r"l~il · ser entendida tambem como v10lenc1a sex1sta, resultante da posição
mulheres assassinadas pode ser lida, na execução dos seus assassinatos, :. P~.· subordinada das mulheres e da posição dom inante dos homens como
uma mecânica material e simbólica de matar o feminino. São crimes ..;- ~ " * diz Teles e Melo (2002) .
que tem sua base na violência de gên ero originada em relações sociais ·· 0;. 11 Essa reflexão se remete, portanto, aos p rocessos simbólicos que
sustentadas em relações de poder que estruturam a dominação do ~:º~! 'articulam os modos de agir de homens e mulheres promovendo um
masculino·sobre o feminino. ~~} .encontro com as idéias de representações sociais desenvolvidas por
Esse poder guarda semelhanças com o poder do regime . :~~\[' a"utores como Moscovici (1960), Jodeler(1989). Levebvre(l983), cuj o
absolutista que, segundo Foucault, era exercido e se reafirmava através ~-:.'"~ ~ entendimento situa as representações como fo rmas de pensamento
do sev~ro • ~xercício da punição, baseado no suplício como mecanismo \., social través das quais apreendemos os conhecimentos da vida diária
de revitalização do poder. Essa modalidade de puniçáó - suplicio . ;;;L. _que orientam as nossas ações cotidianas, const ituídas entre o vivido
ex.12Ie~~a.:i<k a .r~ç_ão a todo 9._eti_to que_era c:onsiderad~ contra_o _r~_i,_~onEra . ~;Uí ;· , ' (':_ivência subjet~va e vivência ~ocial) e o.concebid o (ideal definido como
o poder Feal. A um deliro contra o poder absoluto do rei correspondia "f · eixo de saber sobre algô), config urandO::se como um ·comportamento
tÚna ip unição supliciante, como forma de· reativar o poder desacatado. . •~- observável, ao mesmo tempo social e individual.
Se tomarmos ·essa: lógica para as relações de gênero e a violência contra - Esta forma de entender as representações sociais insere-as em
a füúllicfF~; efí.t ontrarkos um poder m á.5culi1io quase incontestável, contextos sociais que são estruturados em formas de poder como as
peld puocessd de naturalização cultural, que não admite contestações,
1
" relações de gênero. Assim, poder é também um conceito que se insere
oposiçõê s, ou ape·nas exerce o que lhe é dado a fazer para realizar-se nesse contexto inves tigativo estando compreen dido com o portador
wmJHal•. O suplfo:io é uma pena corporal dolorosa com requinte's de de dimensões diversas num eixo relacional em que se envolvem
atrod dáde, e se assemelha à mecân ica dos assassinatos de mulheres, tolerância e também resistência. O poder como possibilidade de ação
mui,_t0 e"ffibóra i1ão: tenha sido detectado nessês uma lógica ·entre o grau transformadora tem uma dimensão pessoal, coletiva e política. Nesse
de"afrochtade:·e-õs :mbtívos alega:dos·para: o crime. ·'· z sentido o poder está presente nas relações de gên ero e nas relações
P~ila e.x;plorar rndo esse engendramento, gênero é compreendido ., sociais e estruturais da sociedade. Mas, como assevera Saffiori, "o
neste estúdo como form a cortsttuída historicamente e culturalmente de .f poder pode ser democraticamente partilhado, gerando liberdade, como
definições e modelos de ser mulher e ser homem, perpassando roda a ~ também exercido discricionariamente, criando d esigualdades" (2006,
dimensão estrutural da sociedade. Autoras como Saffio ti (2004), Mota ~ p.49) . Poder não é apenas força, mas se configura assim nas relações
(2007), Costa (1994) entre outras, acentuam o caráter relacional do de gênero, onde o homem acaba exercendo sua dominação tam bém
gênero e sua vinculação a relações de poder. Assim, o significado e o 1 através da força fís ica expressa por diversas m odalidades agressões. A
modelo ge masculino e feminino resultam de formas- soc-iais·-histórkas - - · i .. ... atuação e a significação..do.s ..co.rpos fem inino e m asculino.se relacionam __
ao processo que Bourd ieu denomina de sociodicéia masculina
MARIA DoLoRF S DE BR 1TCJ MOTA FEMlNICÍDIO
baseada em -duas operações: "ela legitima uma ·relação . de. doipiJlação \ . 0 --wr.po .do. soldado Jaciln}ente .idenrificado no século XVII, devido. seu
inscrevendo-a em uma natureza biológica que é, .por sua vez, ela uma vigor, ·sua coragem e seus movimentos pféC:ísos, como também, o controle
própria construção social naturalizada" (1999, p. 33). Ao acionar tais "' âsexualidade iniciado no mesmo século. Podemos considerar todas essas
operações, essa sociodicéia constrói os corpos somatizando relações · formas de controle do sujeito através de um apossamento público de seu
sociais de dominação que torna os homens fortes e agressivos e as 'cõrpo, de uma destituição do sujeito de seu próprio corpo.
mulheres sedutoras e submissas. Assim "a virilidade, como se vê, é uma Ainda de aco rdo com a autora citada, os estudos de Foucault so bre
noção eminentemente relacional, construída diante dos outros homens, as técnicas de formação do ser, das relações de poder e saber que se fazem
para os outros homens e contra a feminilidade, por uma espécie de , materializar no corpo, permitem que se cogite a sujeição à violência
medo do feminino, e construída, primeiramente, dentro de si mesmo", ~•~"' como componente da subjetividade feminina, o que não quer dizer
afirma Bourdieu (1999, p. 67). De tal modo a virilidade se articula com submissão. Acrescentamos também, que na própria produção social da
a violência simbioticamente. ~;tlher, se encontram os mecanismos de constituição de um modelo
Bordo (1997), com base em Foucault afirma que o corpo é alvo de ' -· ·:, feminino que lhes imprime no corpo e na subjetividade a sujeição ao
controle social, sendo este, o lugar prático onde o controle é exercido. Para masculino como uma atitude de tolerância, uma vez que esta envolve
este filósofo o corpo é um texto da cultura, pois o mesmo é ensinado desde .. -·-· uma permissão tática, ao invés de admitirmos o consentimento ou o
o início da sua existência os costumes da cultura em que está inserido. ~t" ~,_.; vitimismo passivo das mulheres. Embora nos últimos trinta anos tenha
Desta forma, a cultura se faz corpo através dos hábitos aprendidos, das se consolidado em todo o mundo a convicção dos direitos humanos
normas seguidas, da rotina, ou seja, de práticas que parecem banais. das mulheres, entendendo que sua integridade física e a eliminação das
várias for,mas de violência que as atinge seja uma condição imperiosa
"Por rrieio da erga:nizaçáo e da regula- --:e .. .. par.a a .sua cidadania,. a.-\'.ioJ~nç:.ia ."d~ gênero -cont~D-l!<!. fa.i;~µdp yítirp.a~, ~ .
mentação do tempo, do espaço e dos Segundo o Informe Mundial sobre Violência e Saúde, divulgado
movimentos de nossas vidas cotidianas, pela Organização Mundial de Saúde, quase metade dos assassinatos
nossos corpos são treinados, moldados e de mulheres em 2002 foram cometidos por companheiros ou ex-
marcados pelo cunho das formas histó- companheiros. A Fundação Perseu Abramo realizou uma pesquisa no
ricas predominantes de individualidade, Brasil em 2001, que revelou que a cada 15 segundos uma mulher é
desejo, masculinidade e feminidade." agredida no país, estimando-se que 2 milhões de mulheres sejam
(Bordo, 1997, p.20) espancadas por seus parceiros morosos anualmente.
O Instituto Noos e Promundo realizou em 20034 uma pesquisa
Outra autora com quem se pode dialogar é Bergesch (2004), com o título Homens, Violência de Gênero e Saúde Reprodutiva: urr.
também numa perspectiva foucaultiana, entende que o corpo sente dor, estudo sobre os homens no Rio de Janeiro, que revelou os seguintes
sente desejos, sente prazer, sendo assim, é através dele que uma pessoa dados: 51,4% dos homens declararam ter cometido algum tipo de
pode mostrar-se ou esconder-se. Ainda de acordo com essa autora, as violência contra sua parceira pelo menos uma vez, sendo que 25,4%
formas de coerção utilizadas pela sociedade para punir aqueles que desviam cometeu violência física.
seu comportamento do que é tido como "normal" sempre atingiram Estes dados revelam o quanto a violência contra mulheres é
o corpo. A auto ra ressalta as análises de Foucault acerca das punições um fenômeno persistente. Segundo Bergesch (2004), "existe uma
destinadas aos criminosos no século XVI, realizadas através de torturas necessidade masculina de deixar marcas no corpo da mulher. Marcas
em praça.pública; o sistema carceiário, que controla_9 c9rpo .Pº.~ .inejo sia _ .
distribuição do tempo, dos horários predeterminados e dos bons hábitos; 4 Disponlvel no site: http://www.promundo.org .br/399. Acesso: em 23 jan . 2008
MARIA DOLORES DE 13Rrro MOTA FEMI N ICÍDI O
que mostram quem é o dono daquele corpo"(p.203). Segundo Perrot Armas que matam .mulheres - a força do masculino no
(2007), o · colitroie ' matetializado so bre o cúrpo -aannulheres é·· bem · exercício de-uma violência mortal". . .-
diferente daquele exercido sobre o corpo dos homens. Para a autora,
"não é a mesma coisa ser moça, ou um rapaz, na Idade Média ou na Utilizando as informações sobre o tipo de arma utilizada no
século XXI " (p.41) e nem nos dias atuais, nesses primeiros anos do ~assassinato e os ferimentos provocados, foram encontradas 96 mulheres
terceiro milênio. assassinadas por armas de fogo, 82 por faca, 18 por estrangulamento, 21
Perrot (2007) em seu estudo mostra que ao longo da história a -:
envolvendo uso de pedaços de pau, 8 por pedra, 8 por espancamento,
vida dos homens sempre foi mais valorizada do que a vida das mulheres e ·
5 por foice, 3 por enxada e 1 por tijolo, martelo, machado, facão , tábua
este fato se mostra muito presente em atitudes que atingem diretamente
de carne, mão de pilão. Houve ainda 2 mortes envolvendo empurrão, 3
o corpo das mulheres. A autora cita dois fatos para se pensar como ~~1 .
a d~svalorização da vida das 1?1ulhe~es m~t~ri~iza-se coz:i ações, ~ue -~~•='·'
degolamentos, 2 mutilações. Em 19 casos as vítimas foram estupradas,
.em 6 foram queimadas e 3 foram amarradas. A informação sobre a arma
castigam seus corpos. Estes sao: o mfantic1d10 de menmas, prauca "
do crime apenas não foi encontrada em 1O notícias, o que evidencia
antiga que perdura até os dias de hoje na China e na Índia e o fato de se
optar pelo salvamento do bebê e não da mãe em casos de complicações que esta se constitui num elemento indispensável desse tipo de texto
ocorridas nas primeiras cesarianas realizadas na Itália. Portanto, o jornalístico de informação.
respeito aos direitos das mulheres, inclusive a sua integridade física é
Gráfico 1 Armas usadas para matar mulheres.
resultado de mobilizações e reivindicações de movimentos feministas.
Ceará. 2002 - 2006
O pensamento de Burdieu (1999) é útil para uma discussão Foice
Considei:ando.:-S_e Qs_instrumen.tos usados nos crimes inN'estiga<lqs_r , N~~ nqti,cias q~de os as:Sas~ i,n,Qs usaram machapo1 .m.arçelo e facão
observ~-se um; prevalência do uso de armas doméstic'as, relacionadas a profissão não foi mencionada. A enxad~ foi usada põr um mecânico e
ao espaço da casa e do trabalho dos assassinos, e que necessitam d~ dois trabalhadores rurais. A barra de ferro foi usada por um trabalhador
uma aproximação corporal e muito investimento de força corporal do rural. O empurrão foi dado por um operário. O uso de álcool para atear
assassino sobre a vítima. Facas, armas brancas em geral, paus, pedras, fogo as mulheres, num caso foi feito por um mecânico e no outro não
cordas, espancamento, estrangulamento, correspondem a forma de foi referida a profissão. Nas notícias em que não foram mencionadas o
matar em que o corpo do assassino age muito, despende mais energia ...illlf L ô!'i-'' tipo de arma, em 13 casos não foi mencionada a profissão dos assass inos.
do que o uso de armas de fogo. Mais da metade dos crimes contra Por mão de pilão o assassino era um trabalhador rural e no caso onde
mulheres, notíciados, ocorreram em circunstâncias que martirizaram foi utilizada uma tábua de bater carne, não foi mencionada a profissão
seus corpos e mobilizaram muita ação dos assassinos. Força e ação tanto do assassino.
se relacionam com significados de masculinidade como podem sugerir ',-· Evidencia-se através desses dados uma forma de matar em que o
muito ódio e vontade de destruição, muito mais que simplesmente tirar , assassino estabelece uma proximidade da vítima durante o ato criminoso,
a vida. um acentuado esforço físico para implementar muitos golpes, dentre
Levando em conta o tipo de arma usada e a profissão dos-~ as notícias que descrevem as características das agressões 15% refere-
criminosos, observou-se que nos crimes por arma de fogo 69 das '~. se a um tiro ou um golpe de faca, as demais mencionam vários tiros e
notícias não mencionam a profissão dos assassinos e nas 18 notícias vários golpes de armas diversas, um processo de impingir dores e causar
que a citaram, registrou-se um engenheiro, dois desempregados, um múltiplos ferimentos que martirizam os corpos das mulheres.
. vigilante, um motori§.ta, U!TI ~,sçupacy~e, dois vepd~d()r~s, _t,tma-posentado,
um moto taxista, um empresário, dois metalúrgico~, dois comerciantes,
dois operadores de informática, um agricultor e um operário.
Nos crimes por faca, foram mencionadas as seguintes profissões: O feminicídio na casa e na rua
um universitário, umintegrantedegangue, três operários, um entregador,
dois caseiros, um agricultor, um pedreiro, quatro trabalhadores rurais, Foi possível investigar algumas características dos assassinatos de
mulheres, com o instrumento utilizado para produzir a morte e o local
um porteiro, um desempregado, um jornaleiro, um artesão, dois
do crime, uma vez que a maior parte ocorre em ambiente doméstico
comerciantes, um veterinário e um vendedor ambulante. e com o uso de ferramentas e instrumentos comuns a esse ambiente.
Nas mortes por estrangulamento, em oito houve menção à O quadro abaixo apresenta a distribuição das armas usadas entre os
profissão dos criminosos, e entre os identificados encontrou-se um espaços da casa e da rua. No entanto, o que é descrito corno rua refere
motorista, um desempregado e um agricultor. Dos assassinos que se ao espaço público, incluindo nessa categoria definida corno rua,
usaram pau totalizando, 13 das notícias não continham informação locais diversos como matagal, bares, shopping, lagoas, e a própria rua.
Mas, questionamos o fato de que tal local, algumas vezes pode se referir
sobre a profissão, tendo sido referido um agricultor, um trabalhador
ao lugar onde o corpo foi encontrado e não onde ocorreu o crime.
rural, um catador e um caseiro. Dos três que usaram pedra, dois não Infelizmente não é possível determinar esta questão.
tiveram a profissão indicada e um era agricultor. Dentre os que usaram Os crimes praticados com uso de arma de fogo apresentam maior
foice, quatro não tiveram sua profissão mencionada na notÍcia e um ocorrência na rua, talvez por ser um tipo de arma que não necessita
era agricu ltor. Dos casos de espancamento, apenas foi comunicado uma maior aproximação física com a vítima, sugerindo um nível de
a. ocupação de ·um -ot-r..abalhador- rur-al,. . ui:n serwnte de. pedr.eiro, ..ufik,,.~ premeditação maior. Quanto aos assassinos segundo indicações sobre
desempregado. r
.. a.· prõfis~ãoe o'
a dassé' sódàl; onêle fato" écoíiô rriicõ.. ii1.auen'cia, pâreté
N IA RIA DO LORES DE BR ITO MOTA - ,/' :. ,:..
FEMJ N ICÍDJ U
haver uma utilização mai or de arm as de fogo por homens com profissõe investigação mostram que entre os assass inatos de mulheres noríciados
como engenheiro; comerciante, universitário entre ourr-os. ho. período considerado para esre·es rudo·, 35% -(trinta e-cinco por-cento)·
foram praticados por uso exclusivo de arma de fogo, enquan to que 65%
Quadro 1: Notícias de jornais sobre assassinatos de mulheres no Ceará, _
($essenta e cinco por cento) pelo uso de instrumentos reconhecidos
2002-2006
··J>< _ , i:;:
Local do crimé indicad.; ;.ª no'i:kia - -~""~t»-1
•.--$t 6 o.rno armas de utilidade doméstica a exemplo de faca, facão, mão de
f.
:'J
Armas usadas
./ Lugar não ·~'úã~, tábua de bater carne entre outros, e também instrumento de uso
r~ª maaq as mulheres C asa Rua
especificado profissional dos assassinos, como machado, martelo, enxada, foi ce e
a rm a d e fogo 32 37 18 tijolo. Desses 65 % foram manuseados diretamente pelo uso das próprias
arma bran ca 36 21 30
mãos e da força física , parecendo ser expressão de uma forma que
p edra 3
tij o lo
caracteriza a dominação masculina, que este ato representa uma form a
es trangulam e nto 4 7 2 de calar, de sufocar a defesa feminina diante da dominação de gênero.
esp a n cam e n to 2 2 2 As mulheres são assassinadas por vários motivos alegados
n1 áo d e pilão, cab ua de carn e 2
nas notícias analisadas como por ciúme, separação, vingança para
pau 3 12
b a rra de ferro
atingir amigos, familiares e namorado; discursos banais, amor não
foice ~ enxada 6 2 correspondido e disputa em triângulos amorosos. Esse tipo de crime
empurrão 1 l foi caracterizados como crime de gênero contra mulher por exprimir a
' ~~go - alcóol 2 2 1 vítimação da mulher em decorrência de sua posição mais vulnerável à
~ ,.,Iii-=-"'----------------+--------+---.:_---1--~---=-
.;I'' !' arma não espec ificada l 4 7
violência, social e simbolicamente estabelecida.
_ yá.rias a rn:i;ts_ 7 3 7
96 92 68 -- Os- crimes são -cmm~tidus-po-r pessoas próxima:s -e -rarnbém as
Fonre: Jornais O Povo e Diário do Nordeste - Dados da pesqui sa. armas mais utilizadas são as do próprio âmbito doméstico. Uma outra
característica observada foi que no uso desse tipo de arma existe uma
Já nos casos em que ocorreu o uso da faca verificou-se um crueldade e brutalidade mais visível, representadas pela marcas causadas
maior percentual em homens com profissão menos qualificada como pç:los vários golpes deixadas nos corpos femininos. A casa se apresenta
agricultor, desempregado, estudante, tendo maior ocorrência no como um lugar mais propício para a expressão dos mecanismos de
âmbito doméstico. A utilização de armas como faca, facão, martelo, violência contra a mulher do que a rua, talvez por persistir no imaginário
machado, foice, enxada entre outros, que requer luta, troca de força, social a idéia de que a violência contra as mulheres é da ordem <lo
também ocorreram mais dentro de casa e em menor percentual na privado e da intim idade. Na intimidade d a casa f' no annnimaro rl P
rua. Provavelmente por ser a faca e objetos similares, instrumentos de lugares ermos o ímpeto da disposição para agredir as mulheres parece
fácil acesso do cotidiano doméstico ou ligados ao trabalho e atividades encontrar menos condições de contenção, e a violência se depara menos
masculinas como a foice, pau , pedra, cujo acesso é fácil nesse ambiente com delimitadores normativos ou institucionais. Porém nos anos
da casa. E ficou evidente que quem mais utilizou esses instrumentos recentes essa violência tem se manifestado em lugares públicos - nos
foram operários, agricultores, trabalhadores rurais, pedreiro, servente quais as mulheres tem sido assassinadas sob olhares de testemunhas.
de pedreiro, catador, jornaleiro entre outros.
As armas de fogo estão presentes não somente na violência
urbana, mas também na violência doméstica. Mas , os resultadqs dessa.
l ---
·r
MARIA Do1.0RES DE BRITO Mo r,1
fEMINICÍDIO
Mortificando Q corpo das mulheres para. extigutr .-, .,.,morte feminina. Es§_as. r~giões corporai~ estão ligadas à identidade das
feminino. ' , mulheres, seu' pensar, seu falar, suas feições próprias. Em seguida aparece
0 tórax, onde está o coração, muito atingido pelos golpes.
A análise dos dados referentes às características das agressões O corpo das mulheres assassinadas evidencia-se como um
efetuadas no corpo das mulheres considerou 228 notícias e em 23 corpo marcado pela vontade de repressão e destruição das partes
destas (10%) não houve menção à localização física da agressão. Em-;; que representam a vontade e autonomia, expressões de uma nova
205 casos (90%) houve alguma referencia à forma de agressão, mas 86 feminilidade.
casos (37%) não especificam quais partes do corpo foram agredidas ~.
no momento do assassinato. Os crimes são tão brutais que na maioriâ Gráfico 2
deles nunca é desferido apenas um golpe e sim vários, ficando visível Partes do corpo feminino feridas em mulheres
assassinadas. Ceará. 2002 - 2006.
o objetivo dos assassinos de realmente matar, mas também mortificar
o corpo da vítima, exprimindo um intenso ódio por mulheres com
as quais estavam mantendo ou mantiveram algum vinculo afetivo. A
notícia abaixo é um exemplo desse faro.
FEMINICÍO JO
MARIA ÜOLORES DE BRITO MüTA
A violência emerge nesses crimes de gênero comQ forma Alves (2004, p.24) . .Talvez por isso os ferimentos de morte sejam tão
controle do corpo leminino. Um controle que não apenas ·tetira a vldã, brutais, com tantas penetraçóês e úsoº de'" objetos fálkos como paus e
mas que destroça o corpo da mulher. Não é suficiente matar é preciso áfmas brancas em geral. Assim, o corpo feminino é alvo da ação de
massacrar, mutilar, deformar esse corpo. Nas norícias que não fazem··· um corpo simbólico masculino, construído culturalmente e encarnado
. alusão às partes do corpo atingidas, as expressões verbais revelam eÍn sujeitos sociais reais que imprimem no corpo da mulher signos e
brutalidade dos crimes com palavras que relatam elementos dramático_s-i significados de gênero.
e chocantes como golpes, em geral de objetos cortantes como faca, ·. O conhecimento dos contextos e das características dos assassinatos
machados, foices, facão , enxadas, especo entre outros. Acentuam e( de mulheres constituem um esforço de construção de novos caminhos
número desses golpes desferidos, para chamar a atenção sobre o aspecto para compreensão da violência contra a mulher em nossa sociedade. Na
dramático e sensacionalista do acontecimento. O número maior de.~ contemporaneidade, Sant'Anna (2004) ressalta, com base em Deleuze e
golpeamentos encontrados nos textos jornalísticos foi de 35 perfurações ·· Guattari, o processo de rostificaçáo que se processa na cultura ocidental
na região do abdômen. comando o rosco ("lugar das emoções vividas") , "como registro sensível
O estupro, presente em 12% dos casos noríciados é um dado - dos receios e sonhos de cada um" comando- o "a parte mais íntima e
que chama atenção para o caráter de gênero dos crimes. Vale ressaltar ' pessoal do ser humano" (p.116). Contra o rosto feminino se dirige, de
que em um caso ocorreram ferimentos na área vaginal da mulher, e · modo particularmente freqüentes, as agressões dos criminosos, seja na
no que se refere à mutilação, em dois casos os alvos foram os seios que face, cabeça e garganta-pescoço, como se quisessem fazer calar a voz e as
numa mulher foram extraídos e em uma criança foram pei;furados com expressões de um ser (mulher) que já não pode ser calado ou dominado.
cabo de vassoura (pelo próprio pai assassino). O corpo das mulhere~ ' As armas identificadas neste artigo, usadas para assassinar as
sÜ.bjugàdo historicamente de várías formas, chega na "sociedade de -· mulheres, apresentam uma grande varTê-dade, . e foram utilizadas não
consumo marcado com objetos de embelezamento e de dor. Bergesch apenas para matar, mas para exterminar o femini no frente a um formato
(2004) reafirma a compreensão foulcaulciana segundo a qual o corpo é de masculino, baseado na força e na dominação como elementos
o lugar onde o poder se materializa. O corpo das mulheres se constitui centrais da masculinidade, e que se encontra presente em assassinos de
em lugar de exercício de um poder de controle e de subjugo, como várias classes sociais. Parece haver modalidades particulares envolvendo
sinalização para calar e destruir a autonomia feminina frente as formas as classes sociais e o local e as armas usadas para provocar a morte das
de dominação masculina. Um dos modos de expressão do domínio mulheres, mas é necessário uma investigação mais aprofundada de
masculino sobre o feminino é a violência física, que assume o seu modo a permitir identificar possíveis padrões es pecíficos, uma vez que
estágio final no assassinato, desenhando de forma brutal. essa violência, .:'f" os assassinos de classes mais abastadas fazem uso mais freqüente <le
mareando os corpos das vítimas com os sinais de destruição e dominação -~ armas de fogo, embora também recorram ao uso da própria força física
típicos do modelo vigente de masculinidade. ·= com agressões brutais que martirizam as mulheres.
Mas o mesmo corpo que é local de domínio, também é de Foi possível observar que os crimes contra as mulheres,
resistência. A emancipação feminina passa pela apropriação das mulheres entendidos como crimes de gênero, decorrentes de situações advindas
de seu próprio corpo. Essa busca de posse de si vem permeando o discurso . de sua condição social, ou seja, do papel social de mulher, fornecem
e as práticas dos movimentos feministas desde a década de 1960, e contra ; um conjunto racional elementos para se aprofundar a configuração
isso persiste o discurso da dominação masculina que "mantém um eixo +. do conceito de feminicídio e diferenciá-lo do homicídio. O corpo das
comum baseado num sistema de signos, conceitos.e_pxé-çopcçi~o~,. qµe .. ~ · · mulheres se constitui em .local de exercício de .um poder, de formas - ··
identificam o homem com a atividade e a penetração", como afirma '" de controle e de subjugo, como mecânicas de engendramento da
FEM INICÍDIO
MARIA [)01.nRFS OE BRITO MOTA
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J
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.,
f'
li
FEM ! N ICÍD IO
humapQ~..~_na emancip.aç_ão das mulheres. ,........, 1'.i.'L:. da realidade de homens e mulheres envolvidos, que nao se identificam
Na dimensão privada e pessoal 0 enfrentamen~o à - violê~ci~ d~ , :·-l!' : ~~ neles, tirando a autoridade das narrativásque se pretendem c·ríticas. Em·
g~nero contra a mulher supõe uma maior complexidade em razão da :• : ~:.......razão de tal proble.~a, Suár.e~ (2004) argui:nenta acerca .da necessidade
proximidade dos afetos e crenças individuais que envolve. Torres (1987) ·~ <~"". de superar uma v1sao tradicional do patnarcado que impede que se
afirma que uma d~s dimensões das relações sociais é a dimensão afe_tiva•,:1
.~·. . ·.·•.""'.'.·.~
~·.·. ~.; .s-..·~.-av~cem nos estudos sobre a violê~cia. A aurora cri~ica o tratament~ ~o
1
que tem nas relaçoes amorosas um de seus operadores fundamentais, e ~· .. -~~··~.; patnarcado como uma forma arcaica que tendenc10na para uma v1sao
estabelece "a necessidade de situar as relações amorosas num contexto . · · ·.::.;'<'. dicotômica da mulher vítima indefesa e do homem agressor e indica a
espacio - temporal, na tentativa de lhe encontrar os códigos ou valores ~i2.... .~.~~ · necessidade de se olhar também para as relações entre os homens e para a
determinantes" (p. 26) , que devem ser analisados em relação às práticas ~:::: ;~; representação da mulher como móvel de disputa e competitividade entre
e universos simbólicos dos atores sociais. É nessa perspectiva, dos .=:: -: _- os homens, questões que também estão presentes na violência de gêne!'c
códigos amorosos vigentes e das práticas e simbolismos dos sujeitos -;;''- !5~;, · contra mulher, muitas vezes justificada por um ciúme incontrolável ou
sociais que pretendemos discutir as experiências amorosas de mulheres . ~- ;, ~,::~·. - por recusa da separação. Por outro lado, mulheres quando disputam o
que sofreram violência de seus parceiros. Nem sempre o casamento ou ; , H:iJ amor de um homem também se agridem, atribuindo à outra a culpa do
os relacionamentos sexuais entre_ h~~ens e mulher.es foram mediados j '.Íi. envolvi~ento ~feti~o-sex~al .do .homem (pela outra). .
pel~ a~or. Ma~, ~o !ongo da histon a, o amor foi se tornando uma ~' ~Jrt A mvemgaçao da v10lencia contra mulheres em relac10namenros
asplraçao da ex1stencia e uma condição para o casamento, assumindo 'll
>".;(Y amorosos acarre ta um encontro com sentimentos, reações e ações que
uma posição central na vida social. ~ ''. circunstânciam formas de amar e de relacionar entre os sexos.
Enquanto dimensão das relações sociais, a afetividade, no
entender de Torres, é
MA RIA D O LO RES OE R RITO M OTA FEMININO
A semântica da- yiolência nas relações homens nos espa_ços públicos_e .ª v_io lência qps h~mens _s:onrra elas Pª!ece ~~r
mulheres maior do que deles entre si, como ocorria rras sociedades pré- modernas.
Se a força e a violência estão comumente associadas à dominação,
Mas, de que violência se fal a? Ou, o que tem sido nomeado d Giddens (1993) assevera a questão da hegemonia do poder e do uso
violência contra a mulher praticada pelos homens? É possível encontrar.. _ d~ violência como recurso de controle à ruptura ou como elemento
ao longo da história humana, indícios e evidências de diferentes form⧠. ~ da ordem dominante. Em outras palavras, a violência é um recurso do
de subordinação, discriminação e desigualdade entre mulheres e _poder ou é parte da natureza do poder? Transpondo essa questão para a
homens, relacionadas a várias práticas de violências comra mulheres dominação masculina, reflete sobre o entendimento de alguns autores,
exercidas por homens. ' acerca da violência como própria da sexualidade dos homens, ou "esteio
Nomear e caracterizar situações de violência de gênero contr'! do controle dos homens" (p. 136). Tomando a prática do estupro, o
mulheres é uma operação complexa, que envolve a historicidade des$e autor reconhece a violência dos homens contra mulheres relacionada a
fenômeno e os contextos sócio - culturais correspondentes. Na históri~ outras formas de "intimidação' e de "perseguição" realizada por aqueles .
das relações de gênero, as condições das mulheres revelam-se como A preocupação de Giddens está centrada na questão desta violência ser
formas de subordinação aos homens. Assim, Stearns (2007) realiza um "'~ma prática integrante da dominação masculina ou de estar associada
mergulho em várias sociedades e diferentes épocas, para encontrar·~ ·-'~ às mudançàs recentes para sua superação.
tramas da desigualdade entre os gêneros e da dominação masculina, . Argumentando que o controle das mulheres em sociedades pré -
reconh ecendo uma fusão entre história do gênero e a história mundial, modernas não tinha relação direta com a prática de violência contra elas,
o autor afirma que - sendo garantido pelos "direitos _de propriedade", alega que as mulheres
eram protegidas no espaço p'úblico e agredidas no espaço privado.
..
"há uma concordância geral de que a Neste contexto o estupro de mulheres se desenvolveu como prática em
desigualdade entre homens e mulher~~. ~ situações de guerra, pelos saqueadores, como expressão de brutalidade e
aumenta quando as sociedades mudam ;· ao mesmo tempo falta de segurança. Embora Giddens afirme que nessas
suas atividades econômicas de caça e co- circunstâncias o estupro era uma das faces de uma violência mais geral
leta para a agricultura ... quando as civi- 'L que os homens exerciam, é possível reconhecer que agredir as mulheres
lizações se tornam mais prosperas, com de um território em disputa ou em guerra era uma maneira de atingir
governos mais fortes, as desigualdades de os homens com os quais tais mulheres tinham relações familiares ou
gênero, partkularmente nas classes maI afetivas, uma vez que estas lhes p ertenciam . Era uma violência de gênero,
altas, rendem a aumentar, ainda mais à.. praticada contra sujeitos femininos tidos como mais fracos, mais
medida que os homens pressionam as acessíveis e objetificadas como pertences de outrem. A tese do autor
mulheres a se aterem às funções domés- é que em tais sociedades os homens eram mais violentos entre si que
ticas, dependentes e decorativas" (p.16) com as mulheres ocorrendo uma inversão nas sociedades modernas,
contemporâneas, nas quais a violência masculina dirigida às mulheres
Há uma correpondência entre Stearns e Giddens no - é maior que a praticada entre eles - é comum ouvirmos os homens (e
reconhecimento de que na história do processo civilizatório, a violência mulheres) afirmarem a existência de uma solidariedade masculina em
dos homens comra mu~~eres não diminuiu, ao contrário, foi se t~r1:_lando contraposição a uma concorrência feminina alegando qu,e os .homens são
mais intensa e evidente. Nas sociedades modernas, as mulherés vivem am"igos entre si enquanto as mulheres seriam incapazes de umà verdadeira
-<"'--:-::".,.-;-
MARIA ZELMA DE ARAÚJO lvlADEIRA FEMININ O
amizade entre elas. Fato que embora exprima um elemento presente e1 entender uma arti culação entre a dominação e a s~1j e içáo. A convivênci:i
contextos -de sociabilidade·fem inina, não pode ser tomatlo-como·-reg "âê nrotheres -com homens com os quais ·vivem-- uma·-relaç-ão· amorosa···- ·
ou como "natural", pois é um constructo cultural e não impede que ·~ em que sofrem violências de várias formas se arquiteta nessa conexão
mulheres desenvolvam verdadeiras e profundas amizades entre si. paradoxal que vincula autonomia e dependência, sujeição e liberdade,
Todos esses mecanismos funcionais e simbólicos que demarc ,~in que a tolerância à violência não pode ser explicada nem como
engrenagens sociais e culturais de produção da dominação masculi , vítimação - por que não acessaríamos as suas resistências, nem com o
formam suj eitos femininos em condições que tornam a sujeição elemen . aceitação - o que poderia dissimular o seu sofrimento e sua vo ntade
de sua constituição, em outras palavras, a produção sócio-cultural ·· ~. de autonomia. Assim , a formulação de Butler constitui um campo
androcentrismo institui a submissão como elemento da feminilidad ?· reflexivo com maiores possibilidades para entender a posição das
Esse entendimento é possível com base em reflexões desenvolvi4{ ~:.' mulheres em relacionamentos que a violentam, na perspectiva de uma
por Butler (2001) sobre os mecanismos psíquicos do poder. A autor · .. sujeição fundante do sujeito, que emerge como efeito de um poder
buscando compreender a sujeição a um poder, se vale de autores com · "em repliege" (em retirada) , e cuja "autonomia está condicionada pela
Hegel, Foucault e Nietzche para discutir como o sujeito dominado sujeição" 6 (2001 , p. 17). O sujeito feminino predominante pode ser
depende de algum modo do poder que o submete. Afirma a autora: ' esse sujeito arnbivalente, em que a sujeição é condição de potência. As
.;: narrativas das mulheres entrevistadas serão observadas nessa perspectiva.
"entendemos el poder como algo qu, Na sociedade do presente, desde as últimas três décadas do século
tambiém forma al sujeto, ,que lhe prq e na primeira do século XXI, generalizou-se uma consciência
porciona la misma condición de su e:ids~ mundial contrária à violência de gênero praticada pelos homens contra
·· tência y la trajeêtoriã de su desêo, en~ as mulheres, amp liaram -se as bas~s --i-egais dos direitos humanos· das
rances el poder no es solamente algo qu~ mulheres, configuraram-se mobilizações sociais pela eliminação da
nos oponemos, sino ta:mbién, de manei~ · desigualdade entre os gêneros e pela justiça de gênero, fatores que
muy marcada, algo de lo que depende" contribuem para que a masculinidade hegemônica, baseada na força e
mos para nuestra existencia y que abri-,, na dominação masculina seja posta em cheque.
gamos e preservamos en los seres que
somos" 5 (2001, p. 12)
Essa perspectiva se coaduna também com o conceito de poder~[iEf Trajetórias e dinâmicas entre amor e violência
simbólico desenvolvido por Bourdieu, para quem "o poder simbólic.QI ---~ sofrendo e resistindo
é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com:",-:'i;f;~~i
a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe são sujeitos :;fi_J~~{-" Narrativas de mulheres que vivenciaram relacionamentos
ou mesmo que o exercem" (1989, p. 7 e 8). A palavra cumplicidade, ,~, amorosos nos quais foram agredidas por seus parceiros podem permitir
utilizada por Bourdieu não pode ser entendida como consentimento, o conhecimento de elementos para compreender a dinâmica entre
ou aceitação, ao mesmo tempo em que dilata a possibilidade de se amor e violência, exprimindo as justificativas, os significados, as
circunstâncias, resistências e condi cionamentos que circunscrevem a
5 "entendemos o poder como algo que constitui o sujei to, que lhe oferece a própria condição de exis tência e a trajetória de
seu desejo, então o poder não é algo a que apenas nos opomos, mas também algo que intensamen te, nós dependemos
para nossa ex istência e nós abrigamos e preservamos nos seres que somos". (tradução pró pria) 6 Tradução própria .
IVl~R I A Z ELMA DE ARAÚJO IVIAllEIRA FEMIN I NO
prática dessa violência. Nas narrativas podem-se reconhecer os sentidos( dessa experíencia. Essa ruptura, em todas as histórias narradas nas
e ·as condições em que se produziram formas ·de violências de parceiro~} -ênrrevinas, ·significo u tamb-ém -á· ruptura· à.h'iorosa. -A ·ãssõciáÇãô entre
"companheiros", bem como se desenvolveram formas de submissões ~ ruptura amorosa e ruptura da sujeição à violência é uma das questões
res istências pessoais das mulheres contra tais violências. mais desafiadoras do enfrentamento da violência doméstica.
Foram realizadas entrevistadas profundas, de duração de As entrevistas se iniciaram com uma expressão ampla, solicitando-
aproximadamente quarenta minutos a uma hora, com cinco mulhere;. . se a cada mulher que "contasse a sua história''. Iniciaram falando da
que já haviam saído da situação de violência. Quatro, destas cinco, · infância e família de origem, sendo três relatos com descrições de
estavam sendo atendidas pelo Centro de Referência da Mulher - situações de violência doméstica dos pais contra as mães e os filhos/a s,
Francisca Clotilde, e uma nunca procurou ajuda, seja no sistema de um relato de violência doméstica da tia contra a própria entrevistada e
responsabilização ou de atendimento a mulher. Para resguardar a i uma que declarou que os pais faziam o melhor, mas se sentia desprezada
identidade das entrevistadas, evitando qualquer constrangimento, e sem ter carinho. No recorte dado por todas as narrativas para iniciar a
foram atribuídos nomes de flores a elas. Jasmim, 34 anos, seis filhos, história pessoal, a infância é demarcada como momento primordial de
trabalha como doméstica e está casada com o agressor. Rosa, 39 anos, . um sofrer - mulher.
dois filhos, sofreu violência por ex- companheiro e perdeu uma pen Quatro das entrevistadas fizeram referência a vivências de
por tiros dados pelo companheiro da filha, es tá sem trabalho. Violeta; violência física.
57 anos três filhos, não morreu em decorrência de facada porque seu· -
coração pende para o lado direito, está casada com outro homem. [... ] desde o início mesmo, eu já venho
Girassol, 39 anos, dois filhos, está separada do agressor, trabalha em de uma história de violência do meu pai
escrit6riõ. - Violeta:, 29 anos, dois filhos, está com naffi~·rado novo; con"tra minha mãe, assinr rio caso dos
nunca trabalhou fora. meus pais havia violência física mes-
A inspiração metodológica é de Schütze com base em considerações mo.. . assim, ele batia na minha mãe e
levantadas por Germano (2009) para quem a análise das narrativas pelo éramos três filhas e o meu pai costumava
método "reconstrutivo" deve reconstruir as "inter-relações de cursos de . beber, chegar bêbado em casa, batia na
processos". Assim, a análise das narrativas das mulheres entrevistadas ~~~4 . .---... minha mãe tinha aquela confusão toda
deve buscar nas histórias contadas "os processos de interação indivíduo- · -~"~" ' e eu sempre soube que era muito difí-
sociedade-cultura que ocorrem nas circunstâncias particulares que~ cil a minha mãe sair de casa porque ela
envolvem os narradores e com isso , vislumbrar potenciais de risco tinha casado sem a permissão dos pais e
proteção nas trajetórias construídas (pelas mulheres) em situaçãQ ; ~~ ela não queria voltar para a casa dos pais
de entrevista", nas palavras de Germano (1999, p.5). O foco, pois, · com es tas três filhas. (Girassol)
da análise é encontrar formas recorrentes de maneiras de vivenciar a
história pessoal de situações sociais semelhantes, que são denominadas Eu me lembro de quando eu viví mais
por Schütze de "processos estruturais" do curso da vida ou "processos meu pai, minha mãe, meu pai bebia
biográficos estruturados", em expressões da referida autora. Procurou- muito, já fui até expulsada pelo meu
se nas trajetórias individuais das entrevistadas, acessar a perspectiva pai. Minha mãe dizia que eu não era fi -
particular de mulheres num contexto de ruptura de uma situação de ·· lh a dela, só as outras. Daí foi ... (Rosa)
submissão à violência doméstica contra a mulher, aspectos coletivos
t;: i;.--·.
A minha infância, eu não tive infânci jeito nenhum ... Sempre eu falo com mi-
logo pra ·começo eu não tive infância ·-·nna -mae, ..né?. Ela ãi:Z qüe não, m as eu
Minha mãe morreu eu tinha cinco an0s me achava desprezada de todo mundo ,
de idade, ai ficou eu só com meu pai porque eu não tinha aquele carinho,
minha tia, ai minha vida muito sofrid não tinha aquela conversa, a minha mãe
minha vida com meu pai e minha tia nunca me disse o que era uma menstru-
por que meu pai arranjou outra mulher, ação, nunca na minha vida, eu que sa-
mas também com tempo não deu cert(j~ bia. (M argarida)
pra ele viver junto, ai se separaram, eu .
fiquei bolando na casa de uma tia, uma~
avó, , com treze anos eu arranjei um na- A narrativa do sofrer assume o primeiro plano dos depoimentos,
morado, comecei a namorar e em pouco compondo uma história de sofrimento prolongado, como a marca de
tempo casei com ele, aumentaram um sua história pessoal. Essa vida de sofrimento emerge em um contar que
ano ou pouco mais de um ano da minh : forma um jogo de esconde - revela de ações de mudança e resistência
idade pra eu poder mim casar. (Violeta):; desenvolvidas para alterar a situação. No recordar da história pessoal
prevalecem os impedimentos, as impossibilidades, mas é pontuado de
Minha história de vida de quando eu era··~~..,.. esforços de resistência e de buscas de superação.
pequena era sofredora, meu pai judiava ..,·-~ i;.-,1
As narrativas são entrecortadas, iniciando-se com trechos curtos
· ·com -ã gerite,..cbmmirtha mã:e: .. tleixa......- -- é" vão gànhando mai"s extensão "quando ·r:erãram a vivência· principal de
nós sem comida, eu passava o dia na casa violência, aq uela que motivou a busca de saída, de ajuda, que expressa
de amigas para comer lá .. . (Jasmim) a ruptura da situação de violência e se constitui na narrativa central,
mais longa e extensa. Essa ruptura se configura como um processo
de acumulação de esforços, de forças e de formação de um novo
Uma as entrevistadas relatou sentimentos relacionados a uma entendimento sobre si mesmas.
violência psicológica e constrangimentos. Afirmou que não tinha Chama atenção em todas as histórias a referência de mais de um
liberdade e não era amada pelos pais. '"""'=t--~ relacionamento. Violeta, a mais velha, alterou a idade para casar, pois
tinha 13 anos, sofreu violências já na primeira gravidez é co11 vive u con1
Minha mãe trabalhava, quem esse agressor até os 28 , quando foi vítima de tentativa de homicídio , e
de nós era meus irmãos. Meus irmãos já estava envolvida com outro homem com quem convive desde então,
cuidavam, aí ela saia pra trabalhar, meu há 22 anos. Casou para se livrar de violência das tias que a obrigavam
pai também, aí eles fazia o melhor pra a trabalhar na roça. Declara que conviveu tantos anos sendo agredida,
gente .. . Eu me sentia muito presa que humilhada, passando fome com os filhos porque:
meu pai não deixava a gente sair. Meu
pai não deixava a gente sair, se divertir, " não tinha como sobreviver só com
né? Aí qu?-ndo eu comecei a querer na- meus filhos ... depois d_() Jnomento qu e
morar ele não deixava; não deixava de eu passei a ter uma pessoa que me aju-
M ·\R IA l.Et.MA OE AR1\Új O MADE IRA
F EM I N I NO
classe, qu e m e desse uma mão, pelo me- Girassol tem o melhor nível econômico de todas, e a escolarização
nos para frabalhar· em casa de famíliã.,. mais alia, refere-se a doiS relacfonamentos, o primeiro durôu 'três anos '·
foi me dando um conforto, um apoio çle · e sofreu muito ciúme a ponto de declarar ter perdido o direito de ser
dizer a mim mesma que eu podia vivéf , ela mesma, além de violência física. Depois de oi to anos teve o segundo
só, com meus filhos, sem ele" relacionamento que durou cinco anos e sofreu violência psicológica,
,. patrimonial, teve depressão e acabou fazendo o que criticava da mãe,
Num segundo plano da fala observa-se que as tentativas e atitudes abandonou a casa com os filhos, sem fazer questão de nada. Agora
de resistências se sucedem, até que a ruptura com a situação de violênciâ . estava lutando pela pensão do filho.
aconteça, expressando uma recusa a uma posição e um papel de mulher A insistência em buscar outros relacionamentos, mesmo que
e uma nova consciência de si, como sugere o depoimento acima. represente um modo de dependência da figura m asculina para se
A resistência é constante, seja como relata Rosa, que sempre se sentir segura para romper uma situação de violência, expressa também
sentiu excluída da família, já tendo dormido na rua com o primeiro filho, a resiliência dessas mulheres, que experimentam um processo pouco
casou duas vezes, sofreu violência nos dois relacionamentos, apanhando espesso e delicado de acumulação de forças materiais e psicológicas para
e batendo. Do primeiro deu "parte" e ele foi embora, mas o acompanhou . - realizarem a ruptura com a situação de violência. Nos depoimentos
no hospital até morrer, quando ficou doente. A separação com o seguffdd aparece a vontade de ser feliz, amada, livre, muito embora se apóiem
foi por tomar a defesa da filha que apanhava do companheiro (esta, com numa visão tradicional de mulher, seguindo o padrão da imagem da
15 anos apesar de ter sido estuprada pelo m esmo aos 12, foi morar com mulher sustentada e protegida pelo homem . Imagem que não coincide
este agressor que a espancava violentamente). Num dos episódios de com o que vivem e nem com o que são. Suarez (2004) empenha-se
~onfr~nto,· a entrevistada recebeu dele três tiros numa perna te~do que ::, em questionar a posição de vítima sem reação e-swbmissa atribuída às ·
mulheres vítimas de violência, declarando que:
amputá-la. No momento da entrevista era a mais sofrida e revoltada pela
perda da perna, que limitava a locomoção e lhe impedia de trabalhar..
"Ellas son representadas como el protóti-
Passar por uma experiência dessa e seguir em busca de apoio e resolução.
po de la "mujer víctima" del patriarcado
é uma expressão de resistência. Declarou-se descrente do amor, mas
tradicional: todavía sin derechos indivi-
na sua história procurou um segundo relacionamento, embora no
duales ni capacidad de realizar contratos
memento da entrevista tenha declarado não acreditar no amor.
e imaginadas (porque eso nunca se cons-
Jasmim teve três casamentos, o primeiro a abandonou, o segundo .
tató) como sujetos que sufren resignada-
ela abandonou por ele ser preg ui çoso e não trabalhar e o terceiro foi .-.~,: .:> - meme su deshumanización". (p. 27)
o relacionamento mais longo, oito anos, no qual sofreu violência.~l; ;e;,
Declarou que o marido bebia e queria obrigá-la a ter relações sexuais; · ·-· Os depoimentos confirmam o entendimento de Suarez.
recusava e apanhava. Observamos como cada uma das mulheres resistia de um modo
Margarida relatou quatro relacionamentos. O primeiro foi particular, reagindo e subm etendo-se à violência sofrida, num jogo
frustrante . porque ela esperava liberdade e diversão, mas se sentiu de concessões e conveniências. Esse jogo compõe a vivência de um
presa tendo acabado depois da morte do filho hid rocefál ico, logo _ processo individual e coletivo, no qual foram encontrando apoio na
após o nascimento. Os demais se sucederam até o quarto onde sofreu família, amigas e em políticas públicas que, reconhecendo a sua dor,
inúmeras formas de violência, físiq1, psicológica, sexual, tendo durado p~rmite-1hes a conforrp.a,ção de ferramentas materiais e sim bólicas para
aproximadamente cinco anos. Está começando um novo relacionamento. uma nova manei ra de ser mulher. .
MARI A ZE LMA DE ARAÚJO MADEIRA FEM I N I NO
Em geral os episódios de violênci,1sofrida relatados estão ligados. Girassol não sofreu vjolência física, mas tinha perspectivas
uma situaçãÓ em que as mulheres se colocaram na relação, numa posiç$ diferentes do marid.o, enquanto ela queria uma vi"da planéjada· ele. só
de autonomia, o que já é uma atitude de resistência. Confrontando·s queria festas. Alega que:
com a expectativa dos companheiros, materializa-se um contexto
precipitação, de encadeamento da violência. Rosa conta que a primei "aquele casamento era um peso tão gran-
vez que sofreu violência física foi quando estava na casa da sogra e for de para mim que pouco me importava
chamar o companheiro para ir embora, Relata como foi: ''Ai eu tav.~ se eu ia passar a vida inteira para montar
grávida e ele ch utou minha barriga, bateu, me agrediu, bateu muitÓ~. outro apartamento ... o que eu queria era
voei pra cima, arrastou meus cabelos, daí fui pra casa. Aí não consegu'i me libertar daquilo ali, o que eu queria
dar parte dele, né, não dve coragem." Denunciar é o que se espera qti' era ficar em paz, porque um casamen-
ela faça, ela sabe disso, não conseguiu, mas pensou nisso e pelo moq«~>, to quando te maltrata é uma coisa, dia
como se expressou, parece que quis fazer. após dia ... é você ir trabalhar e na hor.:1
Jasmim sofreu muita violência praticada pelo seu terceird de voltar sentir vontade de chorar. Você
companheiro com quem convive há sete anos. As agressões começaram imagina isso por dois anos"
por que ele chegava bêbado querendo ter relaçõe·s sexuais e ela nã: ·
aceitava. Conta que ele tirava a luz do local para ela pegar no bocal~ Ela se separou saindo de casa com o filho e indo morar com a
tomar choque, quebrou um braço dela durante uma grà.vídez e pulava erii
1 :~ mãe, pois o marido se recusava sair e ameaçava tomar o filho e a casa.
cima da barriga. Ela reagia e também batia nele,. tendo que ser levado pará Fez a mesma coisa que recriminava na mãe, sair com os filhos e ficar
at~ndim~~to médico umã vez. Logo que vof tou dá.maternidade apósõ sem nada. A mãe havia sido vítima de..v1ôiência domestica e saiu de
parto ele queria ter relações sexuais e diante da recusa dela ele a acusou "· .~ uma situação de vida confortável economicamente, com três filhas
de ter outros homens, xingou muito. Conta que chamou a própria mãe e' adolescentes, sem ter qualificação profissional, tendo que se ocupar de
explicou o que estava ocorrendo: ''Ainda mais chamava minha mãe, ai a serviços domésticos para sustentar a si e as filhas .
mãe começava a reclamar com ele, ele saia de perto. Ele fazia o que queria,
puxava meus cabelos, pulava na minha barriga, só não me batia porque " ... optei por abandonar um casamento
eu não d.eb:c.ava, eu batia nele, pegava o pau e tacava nele." e ter alegria de estar com meu filho ... eu
Margarida tinha uma forma diferente de reagir. Sofreu muita ' .. ~ fiz exatamente a mesma coisa que minha
violência sexual do marido, que segundo ela "era um psicopata", pois ...:~lfu< mãe tinha feito trinta anos atrás, eu pe-
passava o tempo assistindo filmes pornôs e querendo transar. FoL guei meu filho, botei no braço e fui para
induzida a fazer a religação das trompas para engravidar do parceiro, a casa da minha mãe porque ele se re-
sofria agressão física com luvas de futebol para não ficar marcada, quase cusava a sair do apartamento .. . naquele
morreu estrangulada, foi roubada e enganada. Explica que ele agredia e momento entendi minha mãe ... "
depois chorava arrependido e pedia que ela dissesse que o amava. Assim,
ela dizia que amava e tinha relações sexuais mesmo sem vontade "com Sem dúvida que a perspectiva de Suarez (2004) corrobora com
medo de ele me matar". Somente quando ele a abandonou e roubou, o entendimento do jogo de resistência e sujeição identificado nas
logo depois que a filha deles nasceu, e ele afirmou que .havia .conseguido . narrativ,as das.entreyistadas,.como um processo de-acum1±la<ii'Ío deJ-0r.yas
o que queria, é que ela foi denunciá-lo. para a construção de uma consciência de si como sujeito autônomo.
MAR IA í'.ELMA DE ARAÚJO M11DEIR/\
FEMINI NO
S~gundo a autora -essas mulheres "no se reconocen en el papel.de víctim Essa idéia de fusão com o outro é uma das dim~nsões do _amor
sea porque han creado condiciones de vida seguras para sí mismas, s romântico que 'se expressa na visão que um par amoroso são duas partes
porque enfrentan diversos tipos de agresiones con la conciencia de q\l, que se completam corno as metades de uma laranja ou carne e unha. No
tienen derechos que están siendo infringidos" (p.28). entanto, o amor entendido como urna força da ação social, e não apenas
Mas, isso somente parece ser possível depois que elas fazem .um sentimento individual, requer que o sentimento amoroso sentido
ruptura com a situação de violência. Nos depoimentos foi possive e experimentado na intimidade de cada sujeito seja investigado através
identificar conflito entre o comportamento aprendido - de sujeição~'· dos códigos e discursos construídos no sistema social, como propõe
e o desejado ou vivido - ter autonomia e felicidade . Certamente. ~ Luhmam (2008). Esse modelo de relação amorosa coaduna-se com
necessária uma maior investigação sobre a natureza e a experiêneià uma das características do amor romântico de fundir os amantes, busca
desse conflito, mas a sua existência é clara e transparente, quando faze que "escapa sempre por entre os dedos, o que suscita reações de ódio
diferentemente do que dizem. A história do sofrer é também a históri e angústia que podem desembocar na agressão física, e até no crime
da busca da felicidade e da dignidade de ser mulher. passional", afirma Mezan (2008, p. 10). As ultimas décadas do século
XX e a primeira do século XXI o amor vem ocupando um lugar central
·· na vida social e tem experimentado mudanças que se relacionam com as
mudanças ocorridas nas sociedades envolvendo as mudanças de papéis
Vivências amorosas e papéis de gênero sociais das m ulheres e a conquista de direitos e cidadania feminina, além
d_esejados e amores vividos de um fortalecimento de princípios democráticos e do individualismo,
fatores que i_mpactam nas relações amorosas.
As falas das entrevistadas sobre o que pensam do amor, exprim e!I1: Ess~ idealismo fusional entre os parceiros amorosos coe:Xiste no
contradições entre aquilo que imaginam e desejam e o que vivem no~ . imaginário e nas vivências das entrevistadas com expectativas mais
seus relacionamentos. Apenas uma das entrevistadas afirmo u que está · associadas a um novo modelo de amor, como "respeito pela pessoa,
vivendo o amor que sempre quis; mas isso depois que viveu 16 anos pelo que ela pensa", "companheiro", "de tan to ser mandada eu não
num relacionamento em que sofreu várias formas de violência, inclusi\fe quero ser mandada", "tratar bem os filh os que não são deles", "sem
tentativa de homicídio. O discurso ora se refere ao amor idealizado e briga e sem discussão, vivendo bem com os filhos". Tais expectativas
desejado ora ao amor vivido. aproximam-se da idéia de amor confluente pensado por Giddens
O amor desejado é expresso em idéias contraditórias, e em geiãL _ . , (1993) baseado em valores de igualdade entre homens e mulheres,
estão relacionadas com a experiência imediata vivida pelas mulher~\, '·~·f~ - em confiança e negociação mútua e sentimentos partilhados po!'
Assim, todas elas se referiram a uma característica desse amor como um~~tz:i.;;,; parceiros com papéis cada vez mais próximos socialmente. Esse amor
integração e complementação: "crescer junto comigo", "olhar na mesma confluente emerge num contexto de fortalecimento dos indivíduos nas
direção", "que trabalhe de um lado e a m ulher do outro", "uma coisa sociedades contemporâneas, permitindo-lhes maior intervenção na
boa que durasse a vida inteira, do jeito do começo podia ser até o final" . construção da própria identidade e, podemos acrescentar, na busca de
Essa idéia de amor tem semelhanças com o estudo de Sirnrnel, citado capacidade de formulação de projetos de vida próprios, combinando-
por Oltramari (2009) para quem o amor é portador de "urna condição se com modificações no modelo do amor romântico, vigente desde o
trágica que promove, entre os sujeitos, a necessidade de fundir-se com a renascimento.
pessoa amada, de modo a constituírem uma só pessoa" (p.671). .O am.o.r como uma con~rrução spcial emGrge. de "u_~a çeia de
relações sociais de poder, cujas dinâmicas estão n~ origem da desigualdade,
F EM INI NO
MARIA ZELMA DE ARJ\ Ú JO l'vlADE I RA
PARTE li
INTRODUÇÃO
As características de gênero são construções sócio-culturais que
variam através da história e se referem aos papéis psicológicos e culturais
que a sociedade atribui a cada um que considera m a-sculino e femini no.
Assim, gênero, antes de tudo, é relação social. Gênero se refere às relações
sociais de poder e às representações sobre os papéis e comportamentos
de homens e mulheres na nossa sociedade.
As relações de gênero no Brasil se estruturam sob forma de
desigualdades, especificamente no que concerne o respeito aos direitos
de cidadania das mulheres. Discursos disciplinadores tomaram fortes
contornos na nossa sociedade, que de forma severa aprisionaram muitas
mulheres, a partir das funções de mãe e esposa revelando dispositi vos de
poder na construção do feminino.
Ao tratar as relações de gênero, devo evitar confundir a di mensão
da ordem da natureza com a grandeza histórico-cultural, entrando
no mundo dos significados, dos valores morais e éticos e da cultura,
pois os papéis de mulher e de homem não são apenas determinados
biologicamente. Como construto social, o mundo dos significados
inclui fatores de ordem cultural e simbólica na constituição dos suj eitos
homens e mulheres. A construção dos gêneros masculino e feminino
é gerada pela socialização e garantida pela individualização , situando-
MARIA ZELMA OE ARA(ljO MADE IRA F EM I N INO
se entre a constituição individual e social, atr ibu to qu e assinala uma fenômeno religioso, no último quartel do século XX as religiões têm se
pertença a grupos ou ·categorias soCiats. revitalizado, expandido e multiplicado consideravelmente, oú seja, há
O objetivo desta pane é descrever aspectos da construção do o fenômeno da dessecularização, a capacidade de a religião resistir ao
feminino e da maternidade a partir do prisma da religião católica e ataque cerrado da modernidade, num retorno revigorado desta.
das religiões de matriz africana. Pois compreend o que ao tratar da Coexistem na nossa sociedade mecanismos plurais de construção
maternidade é preciso ter claro que, no âmbito das religiões católica · da subjetividade humana. A religião, mesmo diante do processo de
e afro-brasileiras, a forma como as mulheres exercem a maternidade secularização, ainda é centro organizador das relações, exerce influência
não es tá desligada de um sistema simbólico, das representações significativa nas pessoas através das funções de produção e reprodução
sociais construídas histórica e culturalmente e que edificam discursos de sistemas simbólicos, que têm influência direta sobre as representações
hegemônicos so bre a maternidade. As práticas de maternidade brasileira, sociais acerca do "ser mãe" na construção sociocultural de homens e
desde os tempos coloniais, retraduziu o imaginário em torno da "boa e mulheres.
santa mãe" (DEL PRIORI , 1993) - como também da mãe disciplinada A reli gião como instituição social preenche funçõ es vitais da
pela medicina social através do Projeto da Higiene que acabou por dimensão sagrada - dimensão esta que se interessa por questões de
definir o que é ser mãe e ser pai, a partir do século XIX (COSTA, 1998). significação fundamental, como o sentido da vida, do sofrimento e da
Esses modelos perduraram desde o escravismo, ressaltando morte, e os meios adequados para se manter a esperança em um futuro
sempre a figura da mulher subordin ada à autoridade do pai, dedicada melhor. Essa outra dimensão adota formas amplamente diferentes em
abnegadamente aos cuidados da família, do marido e dos filhos. Outros diversas culturas e está sujeita às múltiplas sensibilidades e interpretações
modelos de maternidade foram experimentados por famílias indígen~s, dos indivíduos (HOLLIS , 1996).
negras, pobres, embora o modelo hegemô nico fosse o da família' de · A religião é um ripo ·de ação social cuj a compreensão só pode
elite. É natural que eles tenham coexistido num país como o Brasil, ser alcançada a partir de vivências, representações e fins subjetivos dos
de grande extensão territorial, marcado pela diversidade étnico-racial indivíduos, ou seja, do sentido (PANIKAR, 1993).
e regional; homens, mulheres, negros(as) e brancos(as) constituíram A segunda parte se constitui de dois capítulos. No capitulo I A
formas diversas de viver e sobreviver nos papéis de pai, mãe e filho. construção do feminino e da maternidade na sociedade ocidental:
Compreendo que além das referencias do tornar-se e ser mulher da função e força do imaginário social e religioso apresento em forma de
tradição judaica cristão, vale a pena analisar também que outros aspectos síntese a maternidade na sociedade ocidental, discutindo a construção
estruturam o imaginário social do feminino e da maternidade nas histórica da maternidade na sociedade brasileira e o peso considerável
religiões afro-brasileiras, compreendendo como os arquétipos dos orixás das influências da Igreja Católica e dos discursos médico e jurídico de
e entidades são caracterizadas e norteiam as atitudes, comportamento e -'=<-""""" · ~ disciplinamento da mulher no papel de boa e santa m ãezinha.
jeito de ser no mundo das mulheres adeptas destas religiões. No capitulo 11 O Feminino e a maternidade nas religi.óes
As religiões são sistemas de símbolos compartilhados por grupos de matriz africana, procuro estabelecer uma relação entre os mitos
de pessoas que traduzem o seu ethos. Com seu modus vivendi, sintetizam referentes à maternidade e ao feminino dos orixás e entidades na
as concepções de mundo, os padrões morais e estéticos do grupo social, Umbanda e os disc ursos legi timadores da maternidade na sociedade
de aparelhos de produção simbólica institucionalizados. abrangente. O propósito é discutir as práticas das mães-de-santo na
Com a secularização, afirmou-se haver um retraimento do sagrado relação com seus filho s-de-santo no cotidiano do terreiro. Analiso o
diante do predomínio da razão, das explicações cientificas e não- religiosas imaginário social brasileiro de ser mulher e m ãe a. pare.ir dQ çampo
na modernidade sobre o mundo. No entanto, para algun s es tudi.osos do religioso afro-bras ileir~, parriéularmente da U mbanda. Trato das .·
MARI A ZELMA DE ARAÚJO MADEIHA
FEM IN INO
7 Segundo Jurandir Freire Costa (1989}, na obra intitulada Ordem m~chc.1 e aornM l.1mili';Jr 110 Brasil, a familia oitocentista de
elite foi submetida às normalizações da medicina social no século XIX, através da política higienista que reduziu a familia a
um estado de dependência. dos agentes educativo-terapêuticos. em nome de resgua (dar. 1:9da rv~rnbro .da familia e definir
os papéis de pai, mãe e filhos . Acreditava-se que, por meio dessa disciplinarização, a família iria ter capacidade de proteger
a vida de crianças e adultos . transformando os costumes fam iliares.
MARIA ZE LMA DE ARALIJO M ,\DE I RA FEMINI NO
e norma familiar no Brasil, a família oitocentista de elite foi submetida sociais. As represe ntações sociais criam, estruturam e institucionalizam
às normatizações da medicina social no século XIX, através da política 1
práticas sociais. N esse se ntido, Jodelet (1991) a define como uma
higienista que reduziu a família a um estado de dependência, dos forma de conhecimento, socialmente elaborado e partilhado, tendo um
agentes educativo-terapêuticos, em no me de resguardar cada membro objetivo prático e concorrendo à construção de uma realidade comu m
da família e definir os papéis de pai, mãe e filhos. Acreditava-se que, por a um conjunto social.
meio dessa disciplinarização, a famíli a iria ter capacidade de proteger a As mulheres têm sofrido o peso das representações contidas no
vida de crianças e adultos, transformando os costumes familiares. interior dos discursos que historicamente a subestimaram, atribuindo
A maternidade na sociedade ocidental como construção histórica a elas a inferioridade. Cabe uma análise fecunda sobre os fatores que
tem peso considerável as influências da Igreja Católica e dos discursos tornaram eficientes e eficazes os discursos sobre a maternidade presentes
médico e jurídico de disciplinamento da mulher no papel de boa e santa na vida cotidiana delas. No que concerne a maternidade, posso afirmar
mãezinha. que as sociedades tem valorizado e institucionalizado diferentes tipos, e
as mulheres procuram se adaptar a eles para que, dessa forma, obtenham
reconhecimento social de seu papel de mãe.
Trilhei os caminhos da subjetividade, o que me possibilitou
Maternidade no ocidente: a construção do mito do · compreender melhor a relação entre a biografia individual das mulheres
amor materno como inato entrevistadas e os padrões históricos e sociais que a explicam. Na
verdade, as informações subjetivas são expressões da realidade social,
. . . . .. Emp~~enqi _um.a pesquisa de mestrado durante. os anos de 1995 . nas trajetórias de vida entrecruzam a subjetividade e a objetiv.idade .
a 1998 sobre o fenômeno da maternidade, intitulada "Maternidade Apesar de toda complexidade existente ao tratar da maternidade,
e ·Conj ugalidade: múltiplos discursos na construção de um devir a percebo dentro dos domínios socioculturais, isto é, inseridos
mulher", cujo objetivo foi conhecer e compreender a forma como as nas dimensões da sociedade e da história. Fatores de ordem social e
mulheres, esposas e mães do Residencial Guadalajara, no bairro Parque psicológica são predominantes. A categoria esposa-mãe é entendida
Nbano, cidade de Caucaia, constroem as representações sociais sobre como construção social e não algo do plano divino ou do biológico.
o casamento e a maternidade, tendo como referência seus próprios Nesse sentido são elucidativas as palavras de Ar,agão:
discursos (CANTUÁRIO, 1998).
Diretamente me interessava não só saber como se articulam as Em outras palavras, trata-se de proble-
significações de maternidade para esse grupo de mulheres, frente a - ... matizar o conteúdo relacional da catego-
hegemonia de modelos já fabricados de mãe, mas também perceber as _:· ~'.::~; ria esposa-mãe, em termos de categoria
possíveis formas encontradas de driblar as estruturas instituídas, ou seja, representativa de um feixe de relações
os mecanismos que utilizavam para tornar a vida digna de se viver. socialmente determinado e marcado
Entrevi que as mulheres, estando no mundo, fabricam as por representações valoradas, ou por
representações para que assim possam se ajustar, conduzir-se, dominá- emoções culturalmente construídas. Ou
lo, identificar-se, enfim, resolver seus problemas. As idéias que ainda consideremos a categoria esposa-
temos criam nosso universo simbólico, e através dele construímos mãe como significativa de uma posição
.. e ·sustentamos identidades grupais e institucion alizamos as práticas , (logo estrutural) à qual se ;i~oca um-v:alor
(logo cultural) _sacralizado. Aí se situada,
~~
.~
FEM I NINO
MARIA ZE LMA DE ARAÚJO MADEIRA
de form::i eminente em nosso entender, · levanto por minha vez a hipótese discu -
o fulcro de alguns princípios relacionais ·~ ,, tível de que o amor materno não é inato.
próprios à nossa sociedade (1993: 114). ~ É exato: acredito que ele é adquirido ao
longo dos dias passados ao lado do filho ,
A mulher-esposa-mãe, convivendo em sociedade, interagindo ; e por ocasião dos cuidados que lhe dis-
historicamente, está imersa no mundo simbólico, universo assujeitado pensamos. É possível que à ausência do
pela linguagem, o que necessariamente exige ser feito fora da ordem da ser amado estimule nossos sentimentos ,
natureza. mas ainda assim é necessário que estes
A maternidade tem circunscrita a ela o amor materno, um tema tenham previamente, e que a separação
carregado de especificidade justamente por ser ainda hoje um tema não se prolongue demasiado. Todos sa-
sagrado. Questionamentos sérios foram despertados na humanidade bem que o amor não se exprime a todo
ao longo dos tempos a respeito da ordem da natureza. Com certeza o momento, e que pode perdurar em es-
Margarete Hildeferding já canalizava nosso objeto de estudo numa ·-? tado latente. Mas se não se cuida dele,
conferência em 11 de janeiro de 1911 , quando discutia a "natureza · ele pode se debilitar ao ponto de desa-
instintiva" do amor materno, trabalho este considerado o primeiro a ser parecer. Se faltarem oportunidades para
realizado por uma mulher na psicanálise. se exprimir o pró~rio amor, se as mani-
Margarete Hildeferding propõe pensar o amor materno não festações do interesse que se tem por ou-
dentro de uma ordem pré-estabelecida e pré-determinadade ·algo natural trem são demasiado raras, então se rnrre
ou inato. Parte do pressuposto de que a mulher, como ser histó.rico e o risco de vê-lo morrer. (1985, 14-15) .
com faculdade de simbolizar, de falar, portadora de desejos, é um ser ' _.. , ~..
particular que vive imerso no universo simbólico. Dessa forma, o amor Como assinala Badinter, comportamentos diferentes em relação
materno faz parte do mundo dos sonhos, da linguagem. a criança predominaram na França no século XVI e no século XVII,
Trabalho também de grande importância tem sido a pesquisa marcados por um verdadeiro desinteresse ou abandono à criança - fatos
realizada por Badinrer ao estudar a maternidade - o amor materno que nos causam espanto hoje, quando a criança torna-se o centro da
na sociedade francesa durante os séculos XVI e XVII. Ela encontra família moderna.
testemunhos que contrariam o discurso do amor materno como Nessa época, na França, as mães não se importavam tanto com o
sentimento inato, justificado pela hipótese da biologia ou da religião, cuidado com seus filhos. Não havia uma valorização do sentirnc:1ltu ~e
uma explicação mítica. A autora assinala: maternidade - não que não existisse o amor materno, mas sua presença
não era intensa, era quase extinto. A maternidade não causava atrativo
Não poderíamos pensar que, se tivesse algum, tanto para as mulheres abastadas quanto nas pobres, pertencentes
havido algum amor materno por oca- a pequenas ou grandes cidades. As primeiras porque estavam engajadas em
sião do nascimento, ele se teria estiola- compromissos sociais; para elas, gastariam seu tempo em coisas melhores,
do à falta de cuidado? Será absurdo di- realizando seus desejos e ambições, estavam voltadas para a vida mundana,
zer que, à falta de ocasiões propícias ao enquanto as segundas viviam trabalhando arduamente na cidade. Assim,
apego, o sentimento simplesmente não elas encontravam-se nessa-impossibilidade, pois não queriam maternar . os~- .
poderia nascer? Responder-me-ão que bebês, terminavam entregando-os as amas-de-leite camponesas.
FEMININO
MAR IA 7.EI ,\ IA DE ARAÚJO MADEIRA
No século XVII , essa prática de enviar o filho para a casa de D e um lado, promessas se fizeram presentes como atrativo
- - uma amã-de-leite se gêneralizo u entre as famílias urbanas frances·;;, à maternidade e ourras anieaças··-torn.a iam-se constantes com o
tornand o-se uma prática popular. Com a falra de higiene, de saneament;. propósito de, por meio do medo e da culpa, fazer com que as mulheres
básico, de meios de rransporres e comunicações eficazes, muitas vezes incorporassem sem reclamos a fun ção natural da mãe.
As ameaças não eram amenas, pois se todas as razões não fossem
transcorriam longas separações entre pais e filhos (crês a quatro anos)
suficientes para que as mulheres aderissem à esse novo papel, necessário
sem que as verdadeiras mães tivessem notícias de seus filhos, ou quandd ·
seria combatê-las através das ameaças, tais como: se não fossem mães,
recebiam algumas tratavam de sua morte. Para algumas mães, esse fato "!~
estariam mais aptas a contrair doenças como o câncer, ou mesmo
era tratado sem alarde, com naturalidade, ficando por isso mesmo, pois__f~
estariam cometendo um pecado. Assim , tudo se somava a ponto de
as mães geralmente não se ligavam nessa perda. Para esses pais era sem .~..
fazer com que elas internalizassem a culpa por não serem boas mães.
sentido saber as causas, pois a sociedade da época não compreendia o_•
Badinter trabalha com uma mulriplicidade de imagens de
lamento em se perder uma criança, ser este tão imperfeito e inacabado.
maternidade; imagem de boa mãe, de mãe cruel, mãe malvada e cantas
Com a finalidade de solucionar esse problema de alra taxa de · '
outras presentes na história circunscrita de acordo com os dererminanres
mortalidade infantil , diminuição da densidade populacional, novos--
sociais ou culrurais de cada mulher. As mães, de modo geral, são as
argumentos vieram à rona, edificaram "novos conhecimentos" pautados ~
vítimas mais diretas desse discurso.
no dever e obrigação, ou na lei da natureza, com o intuito de provocar
No século XIX, experimentam sentimentos ambíguos e aré
na mãe a vontade de retornar a sua atividade "instintiva'' de ser mãe,
mesmo cpntraditórios em relação a maternidade, pois angusriavam-
pois isso significaria rerornar à "boa natureza''. Promessas e ou.ameaças
___l~es o entargo de cuidar dos filhos - para muitas ele continua sendo
foram desencadeadas sobre as mulheres.
Estavam contidas no interior desses discursos recomendações
semelhanre ao que presenciou-se no e·
séêüio XVI século XVTI, ou seja,
um fardo pesado de querem desejo de se livrar.
i~pondo à mulher a obrigação de ser mãe - e acima de tudo uma boa - Historicamente o modelo de maternidade que predominou
rµãe, capaz de transmitir valores, saberes aos filhos, devendo dispensar a -.~'.,:·> na realidade brasileira foi definido conforme suas necessidades,
eles um amor natural e instintivo: o amor materno. ·i~< -~
principalmente de ordem econômica e sociocultural, fomentado
Pautados nos argumentos da ordem da natureza, nesses discursos enráo pelo discurso da Igreja Católica, Estado e pelo discurso médico
representados pelo saber higiênico de moralistas políticos incentivava- da "santa mãezinha''. As palavras de Isolda Castelo Branco ajudam a
se insistentemente ao apelo a natureza, revalorizando o papel da mãe
melhor compreender:
através do aleitamento. As mães eram conclamadas a realizar ral tarefa
carregada de empenho, pois somente as mães, com suas vontades, No Brasil colônia, a maternidade tinha
garantiriam forças às grandes nações. objetivos definidos: as mulheres de-
Passou-se à caracterização da mulher-ideal aproximando-a da viam integrar o projeto colonial de po-
noção de fêmea, boas reprodutoras, sem curiosidades ou ambição, voamento e o projeto normatizador da
adormecida, privada de própria liberdade em nome do filho. Estudiosos Igreja; essa, atendendo às prescrições do
formularam a teoria da maternagem, em que a mãe deveria permanecer Concilio de Trento, procurava adestrá-
em casa para que fosse possível cuidar e prestar atenção aos filhos. De las para que se submetessem ao modelo
acordo com essa, caberia a cada mulher rerornar às atividades esquecidas da boa-e-santa, concretizando dessa forma
·da maternidade. o projeto de mãe-ideal. (1996', ·p .2)
FEM I N INO
MARIA ZE LM A DE ARALIJO MADUJ(,1
consideradas em inentemente feminin a.'., tais como: sensibilidade e cabia exercer profissões intelectuais, marcado por qualidades máscu_las
dedicação no estabelecim ento de uma relação natural com a crianÇa, do vigor, da fo rça e da firmeza, todas justificadas como impulso natural.
atribuindo ao sentimenro materno um instinto natural e, portanto, E a mulher, dada as suas supostas fragilidades e incapacidades, deveria
experimentado num mesmo grau de intensidade por todas as mulheres~ exercer tão-somente as atividades domésticas, sendo ela a responsável
A maternidade passa a fazer parte da natureza feminina. É pela harmonia na família.
natural esse d evotamento exacerbado de toda mãe aos seus filhos. As 1
Nesta fase delineiam-se questionamentos, embora não muito (.. .) deslocar-se radicalmente de um
conscientes, sobre as expressões identitárias de santa e boa mãe, modelo identitário e representacional,
expressavam vivamente a culpa. Não se trata de passividade ou que busca o equilíbrio e que despreza as
conformação com o modelo representacional, de realizar a contento singularidades. Trata-se de apreender a
as agradáveis funções de mãe - as mulheres expressam bem mais que subjetividade em sua dupla face: por um
isso, a busca do tempo perdido. Elas apresentam como marca a auto- lado, a sedimentação estrutural e, por
culpabilização, forçadas a exercer um autocontrole sobre si mesmo no outro, a agitação caótica propulsara de
desempenho de suas funções. devires, através dos quais outras e estra-
A dificuldade em realizar-se como mãe tem suas razões - vale . nhos eus se perfilam com outros contor-
____ ~q~.scçnJ~r. _q.!J.~... é. ..l-.1.m.LÇQJ.J..S.ciência_jm.p..u.t.ada pelo _outro .do . .que é ---
valorizado como bom e correto, com o poder de julgar e de cobrar
..f:::;L.
-
·- -- . -. outras
nos,
~ ·--·-- - .
estruturas,
- - . outros
- territórios
.. .... -· .
~
(1996, p.5)
o não-cumprimento do modelo de referência válido para rodas nós.
Internalizam a culpa por não terem marernado seus filhos, por terem Parto do pressuposto de que os inconscientes protestam. A
agido diferente ao padrão de mãe apontado e cobrado pela sociedade. sociedade produz a mulher-mãe; ela, por sua vez, produz a sociedade,
A culpa propõe sempre uma imagem de referência do sistema de num esquema lógico de causa e efeito, de ação e reação, de construção e
disciplinarização, requerendo saber: quem é você? Culpada a mãe, em desconstrução. Tratar da mulher-mãe como sujeito implica operar com
muitos casos, não rem nada a fazer a não ser calar e interiorizar os valores a noção de autonomia, pois não existe sujeito sozinho ou pré-existente:
dominantes, ou por força do sofrimento potencializar a transgressão à todo suj eito é social e político.
moral vigente. Algumas das mulheres conseguem construir, em certos momentos;
A incompatibilidade entre o olhar dos outros e o seu próprio olhar subjetividades dissidentes, de modo que resistiram e protestaram direta
traz sérias conseqüências no sentido de restringir sua ação. Desse modo, ou indiretamente contra as referências identitárias de mãe. A produção
ela se encontra paralisada e enfraquecida. As mulheres perturbadas pelo de outra subjetividade se expressa como recusa e consumo dos kits de
processo identitário de mãe experimentam os sentimento de culpa, e perfi~-padrão que controlam a ordem social. O processo de constituição
por meio desses sentimentos provam a compaixão por si mesma e o de subjetividade singular surge em confronto à subjetividade serializada
desejo de melhorar. produzida em escala planetária (ROLNIK, 1996)
As mulheres assumem a identidade representacional do outro. Quando me refiro a processo de autonomização, tomo Guararri
Contudo, elas, ao se apropriarem dessa representação id~ntitária, (1996) como referência, ao compreender a subjetividade como
express-am um .misto de. sensações (medo, culpa, fragilidade) e, a partir · essenciaÍmente social. Assim, as mulheres vivem -essa subjetividade
FEMINI NO
MAR IA ZELMA DE t\l( ,\ l ' JO MADE IRA
cotidianamente de dois modos: primeiro, numa relação de alienação/ muito e muito tempo, querem se livrar
opressão, submetendo-se à subjetividade tal como a recebe; dep~is.) dos sistemas padronizados em seu cam-
numa relação de expressão/criação em que se reapropriam d~s po, devendo criar seus próprios modos
componentes dessa subjetividade, produzindo o complexo processo de de referência, sua próprias cartografias,
autonomização, ou seja, possibilidade de expressar desejo e resistência. · devem inventar sua práxis de modo a fa-
Dessa forma, essas mulheres mães têm encontrado novas maneiras de. zer brechas no sistema de subjetividade
viver, mesmo correndo o risco de submergir. dominante. (1996, p. 49)
A gravidez, o parto , o cuidado com os filhos magnificam á ~~t
mulher, e por meio da imagem da mãe ideal, as mulheres utilizam"".""'"· Garantir um modo particular de ser mãe, reafirmação de uma
seu poder, legitimado no interior do lar para fazer parte do processo ~;~·· posição singular que ocupam, faz com que as mulheres vivam e resistam
de normatização da sociedade. As mulheres da família tentam "::r aos empreendimentos de nivelamento da subjetividade, rumo à lógica
redimensionar a maternidade, e a luta agora se inscreve, consciente discursiva representacional de santa, boa - refiro-me ao devir singular,
ou inconscientemente, rumo à diferença, querendo obter um lugar como maneira de existir autêntica.
reconhecido, de construção do devir mulher. A mulher vai compensar sua fraqueza a ser mãe, pois pode
Questionar os padrões e as exigências que a maternidade carregá · ..,.... ..- reconstruir sua subjetividade como estratégia para poder viver. A partir
e demonstrar diferença ou rejeição da mãe ao filho não foi fato típico das represe~tações sociais, elas podem utilizar as identidades-prótese,
apenas dos séculos XVI e XVII, como já assinalara a pesquisa de_"".:~r. fazendo dessa representação um perfil identitário. Considero, portanto,
Badinter (1985) . Em alguns casos, o filho é um fardo, do qual deseja ·· que suas narrativas, em que comumente denunciam o interminável
se livrar o mais cedo possível. Contudo, expressar tal·sentimento pode ··u.~:, Trabalho· e ·o·-espa-ço ·desmesHFatio .que tomam a..vida .da. mu.lb.er-mã.e .. .... __ _
custar muito caro à mãe, com certeza engrossará a fileira das mães más, muito difícil como uma estratégia de ascender, de ir além.
"a~ormais" e desviantes. Estereótipos que as fazem cair na categoria de . ~ Ser mãe tem suas vantagens. Essas mulheres farão uso do corpo
diferentes e no alvo da exclusão. .J.;;. sacralizado, sagrado de boa e santa mãe, para criar o diverso. Visualizo
Essas mulheres reivindicam o direito de exercer de modo 1
que a criatividade dessas mulheres caracteriza-se por ser oculta num
particular a maternidade. Explícita ou implicitamente, querem mudar emaranhado de astúcias sutis e por vezes eficazes. Diria que as mães
ou alterar as regras do jogo para poder viver melhor. inven tam uma maneira própria de caminhar pela subjetividade imposta.
Desencadeia-se a vontade de recusar o sacrifício de ser mãe, Torna-se importante salientar que, ao falar de resistência da
com todas as prerrogativas aí inseridas, ou seja: dedicada em excesso, mulher-mãe, o faço no sentido não de uma oposição radical ao modelo
assexuada, abnegada, de acordo com a ordem divina. A mãe, ao sair do estabelecido pela ordem social, mas sim me voltando para o lado da
imaginário enganador de boa e santa mãe, adentra na ordem humana .~p;;.. sombra, tomando a vida do aqui e agora, minimamente digna de
social expressa, pela luta contra a repressão dos sentidos e das emoções viver, uma sorte melhor - ou seja, as mulheres-mãe demonstram um
puramente humanos. entusiasmo pela vida. Falar dessa alegria de viver leva a considerar as
A autonomização é um processo de recusa, reapropriação e palavras de Vernant ao reinterpretar o dionisismo:
resistência à subjetividade serializada. Guatarri explica:
Nem no ritual, nem nas imagens, nem
(...) apostar na produção de um novo nas Bacantes, percebe-se a sombra de
tipo de subjetividade, libertando-se do . uma pr~pcupação d.e salvação ou _imor- ..
· sistema opressivo de que são objetos a talidade. Aqui, tudo se representa na
M ARIA Z EL ~ 1 A DF AH AÚ JO MADEIRA F E MI N I N O
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DE MATRIZ AFRICANA
1.
:ie-santo que foi maltrat_ado, humilhado: ,
"
.
M ,\R IA ZELMA DE ARAÚJO MAO ElllA
FEMININO
Neste sentido parece-nos gue o saber Eêm sido mulheres, mães, esposa e aman tes. Os qrixás são "referenciais
das mulheres envolvidas no Candom.o;' - básicos para a organização das relações· sociais, uma vez que são
bié foi forjado historicamente, muirç( . operadores d ass ificarórios (... ) e ordenadores de um sistema expresso
embora estivesse mascarado, e só pass~ nas atividades religiosas e cotidianas dos participantes dos terreiros"
a ser percebido novamente através de (BARROS; TEIXEIRA, 2000, p.111). Acredita-se que os arquétipos
instrumentos propostos por um tipo dê<::'tt. são herdados pelos filhos e filhas-de-santo, ou seja, os duplos dos orixás
conhecimento que possui condições de <:-'', no mundo terreno. Cada orixá apresenta vantagens e desvantagens,
desmistificar certos faros. Nesta pers; virtudes e defeitos, e cada um deles exibe um tipo de talento específico
pecriva, retoma-se as situações socio- que lhe permite exercer um estilo próprio de liderança.
culturais africanas, a história do negro Os orixás femininos cultuados nas religiões afro-brasileiras
no Brasil, a alforria, a abolição, a mar- ' . . particularizam o poder eterno das grandes mães, as iabas, descritas como
ginalização do homem negro do mer- mães, mas também como esposas e amantes. Vale lembrar que esses
cado de trabalho como acontecimentós orixás femininos não têm necessariamente de incorporar características
que fizeram de alguma forma com que ;·ç exclusivas de mãe, esposa e amante, mas convivem numa multiplicidade
as mulheres se tornassem aptas a tomar ~·;;;.;';, de tipologias.
decisões na família e na própria comu- Interessante a forma como as mães-de-santo entendem o destino
nidade do Candomblé. Elas controlam . das pessoas no mundo e a importância que têm os guias espirituais para
a economia e a manute-nção da 'roça', as ·-· lhes ajudar nesre percurso.
atividades religiosas, o lazer, a educação · ·-· ·
dos filhos, enfim todos os aspectos rela- Acreditamos que já trazemos nosso des-
cionados à vida em comunidade (Apud tino marcado quando ocorre o nosso
SCHETTINI, 1988, p.79). nascimento e, embora o nosso caminho
seja difícil de percorrer, temos de o per-
Os primeiros candomblés baianos foram fundados por mulheres, correr na íntegra. Para amenizar o nosso
e até hoje estão sob direção feminina. Religiões como Candomblé e Karma existem as divindades menores,
Tambor-de-Mina têm suas origens ligadas ao feminino. Foi a mulher mas de grande iluminação espiritual,
quem primeiro organizou essas religiões e o fez pautada num intenso _ ;;..____- .;..._.,. . que se manifestam em nós cu em noss0
sentimento materno de proteção aos filhos e zelo e cuidado com os ~' -=- redor. Essas divindades são consideradas
deuses.As mães-de-santo são protetoras de ax:é8, como força vital, G uias, entidades que ass umem graus de
energia, força sagrada.
parentesco conosco para melhor assimi-
In reressa apreender, ao tratar dos orixás femininos - as Iabás e lação (MÃE VIRGÍNIA in PORDEUS
as entidades que representam o feminino na Umbanda -, como elas JÚNIOR, 2000, p 115).
8 Axé é um conceito fundame ntal da religião dos orixás e pode ser definido como fo rça invisivel, mágica e sagrada de toda
divindade, de todo ser e de todas as coisas ou como energia vila / de todas as coisas e seres (VERGER, 1968). Barros
.(.1 983) mostra que a importância das canl igas (korin ewe) ~dos
e~ca~tamenios (otoi se deve ao seu papel de agilizadores
do polencial vital - axé - de seres humanos e espécies vege tais. (BAR ROS ; TEI XEIRA, 2008. p 203)
FEMININO
M .'I RIA l.ELMA DE A llAl,Jf() 1\ I Al)l',lllA
FEM IN I NO
MAR IA Z ELM A D E A RAÚ JO MADE IRA
possuído po r Nana, pois a descida dela A maternidade nesse orixá independe do pai, porque se trata de
num corpo humano seria a manifesta- ' uma mulher assex uada, responsável pela criaÇão pr imeira. Como orixá
ção da própria Morte (Iku, personifica~' mais velho , ela vem antes da separação da águas salgadas, as águas dos
ção da morte, seria um dos atributos d{ _ mares (Iemanjá) das águas doces, dos rios (Oxum).
Nana). Um dos seus símbolos principais
é o pote de barro com água, daí as ima~ E existem mulheres (... ) - geralmente as
gens do rio e da água nos textos dos can- "'' mulheres de Naná - que nasceram para
tos e ela dedicados (...) (CARVALHO, ser avós , tanto que elas não são mães-
1993, p.85). de-santo, elas são as vovós, elas têm toda
uma hierarquia, são respeitadas. Mas
por elas não poderem pegar na navalha
As características definem Naná como Grande Mãe, aquela que porque elas não são mães, geralmente
as filhas são estéril. (MÃE MONA DE
antecede as outras mães. Na citação que se segue a mãe-de-santo destaca ·
OIÁ, janeiro de 2009)
as características de Naná e de seus filhos Omolu e Oxunmaré.
Outro orixá feminino é lansá ou Oiá uma das três esposas de
Naná não gosta de homens e é pratica-
Xangô que o acompanha nas aventuras, nas guerras. É versátil e tem
mente assexuada. Ela foi rejeitada por ":,
a capacidade de se metamorfosear, transformar-se com facilidade.
Oxalá por gerar seres "anormais": Omolu, · Assume diferentes forro-as- e papéis, numa multiplicidade.. de funçõe1>.. ___ ·.
que carrega todas as doenças epidérmicas_ _________ .
para sobreviver.
e contagiosas; Oxunmaré, um belo prín-
cipe que se transmuta na serpente mítica Ela é denominada a dona das tempesta-
do arco-íris, símbolo de ligação entre o - des, do relâmpago. Essa força toda exis-
céu e a terra e da continuidade das coisas. tente da natureza é manifestada através
Deusa das águas paradas, lagoa onde está desta grande mulher. Eu considero Iansã
todo o profundo mistério do mundo, uma verdadeira feminista( ... ); a sua mãe
Naná é o orixá feminino mais velho e a ~ a deu, dentro de uma alquimia, a força
divindade mais antiga das águas, por isso---:.~;;;-.-fil. do búfalo, uma pele do qual um encan--
é tratada carinhosamente de avó, sendo a - ~·:.:;:-- ~ tamento a envolveu e, quando ela usava
ela atribuídos a sabedoria, a paciência e o ·- essa pele e invocava através de sons ba-
conhecimento do tempo necessário para tendo um chifre no outro, ela se trans-
formava em um búfalo. (PAI ALUIZIO
o amadurecimento de todas as coisas.
DE XANGÔ, agosto de 2008)
Naná é o mistério da vida e da morte,
'
por isso protege os órgãos reprodutores -~
@;
da mulher (CARNEIRO; CURY, 2008,
p.129-130) . .. - -iw ~·- ·
ti~
··}:~.
~-
MARIA Z ELMA DE AI<A l,J I() MAD EI RA
FEM IN INO
Es te orixá representa a tempestade, o vento forte, ass1,1me , Para muitos , ~ m ~e, m as de um jeito singular, diferente:· D.ão
características de te~peramento quente, é voluntariosa', lutadora "t permanece junto aos filhos, porém , está atenta aos seus chamados e
agressiva - o vento como comunicador cósmico. Iansã tem controle sobt€'
solicitações, ajudando-os e protegendo-os quando necessário. O homem
a tempestade, sobre os ventos; tem o controle sobre si. É provavelment'
teria retirado seu poder de rainha e fundadora da sociedade secreta dos
isso que a torna grande guerreira. Na guerra, além do controle sobr~ &,
egunguns na terra, feiticeira porque cheia de magia.
outro, é fundamental o domínio sobre si (BERNARDO, 2003, p.73).No ~
depoimento que se segue a mãe-de-santo explica as características de Iansã2 .,"""
As pessoas muitas vezes dizem assim,
Iansã é a que defende a todos, é guerreira,.-, que as mulheres de Iansã não são mater-
Ela gosta de viver, de viver muito, gosta" - nas, elas são muitos secas. Talvez elas até
de viver hoje. Contudo, não tem sorte no sejam, mas elas são mães ao modo delas
amor, tem todos e não tem nenhum. To- :. de acudir os filhos, em todas as circuns-
dos lhe querem, mas nenhum fica com;· tâncias, mesmo eles distantes. Ela pode
ela. Ninguém de Iansã agüenta abus_Q[ não ser aquela mãe carinhosa, mater-
de homem, porque gostam de liberdade.~_ nal, presente no sentido de aconchego,
Quer ser sempre ser a primeira da fila, é · de carinho ao ponto dela, da força do
orgulhosa, é a gostosa da gafieira. Meu . animal, ela é superprotetora, é uma leoa.
pai dizia que eu só deveria abrir minha Iansã é uma das mães mais presentes, ao
casa quando eu aprendesse a ser humifrle. - ~::: . .... modo dela. (PAI AL_lIIZJO DE XAN-
Eu já aprendi. Aqui eu ajudo o próximo, if~. GÔ, agosto de 2008).
todos me respeitam, todos me conhecem. -~j--
(MÃE ZIMÁ, janeiro de 2009). ~- Iansã, de acordo com alguns mitos, é uma mulher estéril e, como
mulher masculinizada, não é mãe. Para o universo místico, ela lamentava
Iansãé um orixá feminino ambivalente, exprime uma com preensão muito não ter filhos. Essa situação decorreria de sua ignorância quanto
profunda da própria sexualidade humana, expressa uma sensualidade · -~1f às proibições alimentares. Ao invés de comer carne de cabra, comia a de
desenfreada. Como filha em Iansã, Mãe Zimá afirma ser temida e ,.J;.:. _ carneiro. Depois de consultar um babalaô, ficou sabendo do equívoco
respeitada. É uma mulher guerreira, voluntariosa e de sensualidaqe que cometera e das oferendas que deveria fazer para tornar-se mãe. Após
agressiva. Revela o lado de uma mulher de temperamento forte, que ,~'.fu.: cumprir a obrigação, foi mãe de nove crianças.
não foge à luta. Iansã baralha ao lado do seu marido Xangô, embora-· :.: Em outras versões, devorou seus filhos. O depoimento de Mãe
haja mitos que tratem de outras relações dela com orixás masculinos ~-:.-: Mona de Oiá confirma a impossibilidade de lansã ser mãe cuja origem
como Ogum e Oxossi. poderia ser de sua própria vontade ou de algo involuntário. Contudo,
Iansã é sincretizada com Santa Bárbara. As filhas de Iansã são .:;;;>. ela exerce a maternidade de uma forma singular, sem perder, no entanto,
audaciosas, poderosas e autoritárias. Detestam ser contrariadas e demonstram ..4 a sensualidade e a sexualidade como mulher.
'11_···_.
1
.
extrema cólera. As mulheres de Iansã são sensuais e voluptuosas, dadas às ..
aventuras amorosas extraconjugais. Mesmo assim, são muita cimentas e ' Porque assim, Oiá, ela se fez mãe. Ela
.
não suportam a infidelidade do outro (VERGER, 2002) . -~: não nasceu pra ser. Não, ela se fez. Eu
~
""' ~- não sei te explicar. Mas dizem que ela
,(. l
MARIA ZELMA DE ARAÚJO !VL\OEIRA
F EMININO
não nasceu, po rque e:la é guerreira. Ela eu sei o es~_e reot ipo da pe~soa de Iansã é
se to rn ou mãe quando Ogum - que .. q ue eu vejo como eu era exatamente. Eu
são as lendas -, Ogum Megê cortou em era mesmo de Iansá, eu tinha mesmo de
nove, e ela se fez a mãe dos nove mun- ser de Iansã. Hoje é que eu reconheço
dos. Então ela se tornou mãe para mos=- ,, estas características. As pessoas de Iansã
trar pra ele que ela podia. E ela se tornou são temperamentais, são voluntariosas,
mãe. Tanto que quando (.. .), devido a são guerreiras, abrem caminhos, não
ela querer estar na guerra, ela agonia: têm m edo de nada, vai em frente, guer-
da - porque ela é muito agoniada, el~ reiras mesmo, lutadoras. Brigam pelo
é vento, ela é impulsiva - ela engoliu q,s que quer, não têm medo de nada, não
filhos (... ). Essa é a lenda. Ela engoliu tem obstáculo. Ela vai lá, se deu certo
para num darem trabalho, mas, no qu<; . deu, se não deu não deu, ela pára um
ela engoliu, ela não pôde com a barr,t:'.f.~:r.,..:: pouco, se tiver de recomeçar, ela come-
ga. Ela vomitou tudinho de novo e deu ,ff!~;.· · ça tudo de novo. E também são pessoas
pra eles chifre e disse: ''Aonde vocês ~·;,-.----- ·~ que, no amor, não são tão muito felizes.
tiverem que precisarem de mim, sopre:r:p__ As pessoas de Iansá não são assim de ca-
no chifre que eu estarei junto de vocês sar, de casar mesmo, de ter filhos, morar
a q4alq!.!~r mom~nt.o". Ela mostrou q.JJ.e · 42;·- _ jul'!~os . N~~- é que não sejam casados, é
tinha vencido. Que ela não baixou pra que não são muitos. Eu acho que, pela
ele. E pariu os filhos dele. Ela num fica:... · mamãe, nós ficávamos mesmo era sol-
perto dos filhos, ela vai para a guerra. Ela teira, fica solteira mesmo. Agora, amores
é uma mulher do homem dela. (MÃE· . são muitos na vida das pessoas de Iansã.
MONA DE OIÁ, janeiro de 2009). Elas podem não ser exatamente verda-
deiro padrões de beleza, mas na época da
As filhas de Iansã não gostam de se fixar em um só lugar, são puro _-~~ juventude, na época que Iansã tá mesmo
movimento, mudam de endereço, de cidade, apreciam viagens. São as ·:~:: com a pessoa, são pessoas que têm aque-
filhas do vento, no dizer de Mãe Lúcia, Mãe Stela (Ogum com Iansã) e Mãe la luz que os homens vêem, conquistam.
Anita (Oxossi com Iansã) . Interessante verificar como as mães-de-sanfo_..;-;:;·~...~-.···--"1""';;;:,....... Agora, são ciumentas, têm um negócio
apresentam as características deste orixá principal que rege suas cabeças. de ciúmes, mas são fiéis (... ). Mesmo
que tivesse sido eu de terminar uma re-
Sou completamente, inteiramente filha lação, porque era assim1 nunca gostei de
de Iansã. Olha, à medida que a gente vai ser a segunda na vida de ninguém. por
ficando mais velha, lógico, a gente vai isso nunca gostei de homem casado, este
perdendo um pouco. Mas na minha ida- negócio de pessoa à parte. Ah, não pode
de, eu jovem - mais jovem , que eu nem · ir para rua, não -pode-ir pro clube, não
sabia que era de Iansã -, hoje quando pode ir à Beira-Mar, tem medo de ser
FF..MIN INO
MAIUA /~l·. LMA ;>1, ARALJJO MADEIRA
FEMININO
p~d e rosa Pon:iba-Gira . Esse Exu feminino seria o espírito de uma ela acabou tornando-se prostituta. (... )A
mulher que em vida foi uma prostituta ou cortesã, c'apaz de dominar os fi gura da Pomba-Gira, ao mesmo tempo .
homens por suas proezas sexuais, amante do luxo, do dinheiro e de toda em que afirma a realidade da sexualida-
sorte de prazeres (PRANDI, 1996). de feminina, devolve-a ao império da
No panteão da Umbanda, encontramos o oposto da mulher marginalidade (AUGRAS, 2000, p.40).
como mãe, entidade sexualizada - Pomba-Gira. Figura sensual e
agressiva comprometida, segundo algumas vertentes, cor:n o mais Para Pomba-Gira, qualquer desejo pode ser atendido - daí a
"baixo espiritismo", ou com magia negra, a Quimbanda. O feminino duvidosa moralidade por não enquadrar-se nos valores da tradição
na Umbanda se apresenta na Pomba-Gira mediante uma personagem ocidental cristã. "Ela trabalha para o bem, também trabalha para o
de duvidosa moralidade. Como entidade sobrenatural, é considerada mal; amor de Pomba-Gira ela dá e tirà'; não há limite para a fantasia
Exu feminino. Na Umbanda, costuma ser invocada ou procurada para humana. Os pontos cantados identificam as entidades. Vejamos o que
"trabalhar" em demandas ligadas a enlace amoroso, sexualidade. cantam quando a Pomba-Gira chega:
Para muitos autores, Pomba-Gira é conhecida na Umbanda co~o
mulher de sete Exus, que se entrega à fornicação, seja em vida ou depois ·
da morte, possui poder por si só. Para outros, seu poder emana dos seus ôôô
sete maridos, ou seja, emana do poder masculino (AUGRAS, 2000). É Rainha de Nagô
perigosa, e tal perigo relaciona-se com a sexualidade (vibrações do sexo, Chegou
luxúria,, desejos carnais, lascívia) . De vida sexual desregrada, situa-se no Ela é rr1:oça bonita
plano da desordem ·e, po'rtanto, não é confiáv~l. · · Ela traz o seu axé
· Augras (2000) chama atenção para as entidades Pomba-Gira cuja Vem salvando na Umbanda
morada é o cemitério. Como rainha da morte, detém e exerce o poder Maria da Praia é moça da fé
como Maria Padilha, rainha das encruzilhadas, conhecida como Exu- Estrela linda vem descendo de Aruanda
Egum, que de alguma maneira vem resgatar o antigo poder terrível das É a estrela de Pomba-Gira
lyá mi, maltratando os maridos faltosos , mandando os eguns, espíritos A rainha da Quimbanda
de mortos, para assustá-los. Expressa o verdadeiro poder da mulher, Estrela linda no salão iluminou
,......:
aquela que mata e castra os homens.
~
É a estrela de Pomba-Gira
A rainha de N agô
Nessa pura criação do imaginário popu-
lar, a figura da mãe prostituta somente Cada Exu tem características próprias, cantigas e pontos riscados,
pode ser resgatada pelo sacrifício do po- tem seus elementos simbólicos. Cada um cuida de determinadas áreas.
der masculino. Assim como para as 'Ia- Pomba-Gira é Exu - mulher que tem como campo de atuação os casos
bás de espada' matam-se bichos castra- de amor, protege as mulheres que a procuram, é capaz de propiciar
dos, Pomba-Gira teve de castrar e matar qualquer tipo de união amorosa e sexual (PRANDI, 1996, p.148).
para libertar a mãe. Mas, no mundo pa- Pomba-Gira é singular, mas também é plural. Elas são muitas,
triarcal, não é permitida a livre ex.pressão cada qual tem um nome,. aparência, preferências,. símbolo~ _e..cant,ig<J.~ ,, _:_.
do poder feminino e, em conseqüência, particulares. Dentre elas, as mais conhecidas são: Pomb~-Glra Rainha,
- .-=._,.: ... fEMI N I NO
MARIA ZELMA DE ARAÚJO.~Ã OEIR,\
que num se chamava assim. Da Áfri- São Pedro, mas -popularmente associado a São Jorger o valente guerreiro
ca que veio e que ficou aqui no tempo vestido com sua armadura, montado no êavalo de lança na mão, pronto
da escravidão. Aí hoje em dia ela tá aí para guerrear (VERGER, 2002).
baixando, fazendo cura com muita sa- Os traços marcantes daqueles que são consagrados a Ogum são
bedoria. (MÃE CONSTÂNCIA, julho próprios de pessoas violentas, impulsivas, vingativas, impetuosas e
de 2008) arrogantes, determinadas quando querem alcançar um objetivo. Não
temem os desafios , enfrentam-nos com coragem, agem com franqueza
As características temperamentais e emocionais dos onxas e sinceridade. Mãe Zimá sente muito a presença d ele:
onformam arquétipos que alargam e complexificam a compreensão do
:rninino e do exercício da maternidade. Busquei saber de que forma Sou filha de Iansá com Ogum, trago um
~ dão as práticas como mães-de-santo, corno se relacionam com seus carrego de Obaluaiê. Nem sei perdo-
lhos e filhas-de-santo, e corno as interlocutoras desta pesquisa ilustram ar, não gosto de trair ninguém. Porque
> características desse sacerdócio. Interessa saber que tipo de mãe surge muitas vezes as pessoas não gostam de
se revela nessa rede de complexidade, haja vista que cada orixá e" mim por eu ser rígida comigo mesma.
ntidade personifica uma linha de força da natureza, comportamentos (... ) Ogum é assim, antigamente a gente
om elenco de aspectos que podem lhe atribuir singularidades no ser dizia assim, São Jo rge Guerreiro, que é
rnlher e mãe-de-santo. Ogum, que é o cavaleiro Ogum, é um
Verifiqu~i que· algumas das mães pesquisadas têm como dono ··- ··--santo de muita força, de muita luz, é
e sua cabeça orixás ou entidades masculinas, ou ainda guias muito uma sant~ de batalha, é um santo guer-
resentes como Oxossi (Mãe Anita), Ogum (Mãe Júlia, Mãe Stela, Má.e reiro. (MÃE ZIMÁ, janeiro de 2009) .
:onstância, Mãe Zimá).
Entrevistei mães-de-santo majoritariamente da Umbanda, e quàse Ogum é o deus da guerra, do ferro e da metalurgia, um caçador
>das eram filhas de Iansá - orixá classificado entre os deuses femininos que se refugia nos matos para descansar das lutas e conquistas. Gosta da
mbivalentes por ser tida como uma mulher masculinizada e de orixás floresta, da natureza. Simboliza rodo o princípio da vida, a conquista
iasculinos como Ogum, Oxossi, Obaluaiê. Para mim, isso não se trata da civilização:
e mera coincidência, mas guarda relação com o fato de essas mães-de-
mto reluzirem no meio da comunidade de terreiro de Fortaleza e Região Ogum está associado ao reino mineral,
1etropolitana. Têm seu sacerdócio mais público, são logo indicadas- · mas principalmente ao ferro , portanto
)mo mães-de-santo experientes, com disposição e conhecimento a ser suas representações materiais são as dife-
>cializados. Na verdade, elas têm se destacado em meio a tantas outras rentes ferramentas utilizadas na agricul-
Lcerdotisas, são protagonistas nas comunidades de terreiros. tura e na arte bélica. Em função disso,
Vale então apresentar o arquétipo desses orixás masculinos, rodas as conquistas técnicas lhe são con-
1iciando por Ogum. É o deus do ferro, respeitado e terrível. Era um feridas, sendo ele considerado também
uerreiro que brigava incessantemente contra os reinos vizinhos . Orixá vanguarda da civilização ·-'- o primeiro
. -e . pouca paciência que · se enfurece · com facilidade; -é- extremamente··· , ··· -· - · · ····- · · -- · · ·· e 0 · primogê-ni to. O sistema .expande-se
.olento. É sincretizado com Santo Antônio de Pádu a, São João Batista, por analogia e, da associação do orixá
RI ·\ I Fl.M A DE ARA lJJ O M 1\ DEIH A F EM IN INO
com elementos naturais, decorre uma ..,'!>.,,,. . -· Oxóssi. é um-valente -caçador, guerreiro que conduz-seu povo .a
divisão social e sexual do trabalho. Nessa uma vida melhor, de caça mais abundante. Representa a natureza. N a
medida, Ogum aparece em vários mitos Umbanda, Oxóssi se associa aos caboclos cujo domínio é a mata, as
como o ferreiro ou guerreiro; é símbolo florestas.
por excelência da masculinidade e virili- A incorporação dessas entidades espirituais e orixás femininos,
dade. Igualmente, em função dessa con- masculinos e ambivalentes abre um leque de vivências e manipulação
dição, será atribuída a cada orixá uma de recursos interiores do indivíduo. São experiências que outros códigos
caracterização de ordem psíquica e com- dificilmente propiciariam; funcionando como escudo, essas pessoas
portamental, delineando arquétipos hu- vivenciam papéis tradicionalmente a elas negados.
manos. Assim, Ogum é basicamente de 1. Verifiquei casos em que a mãe-de-santo - embora seja mulher,
•;_•-f
temperamento duro, inflexível (como o filha de lansã, filha de orixá feminino e lute com dificuldade para prover
ferro) , agress ivo e violento. (CARNEI- a família e criar seus filhos biológicos -, diante de situações extremadas
RO; CURY, 2008, p.103) ·~-;,;:.;.:;;, transmuta-se em Ogum, representação máxima de virilidade, coragem,
I·~.~2'.""'
combatividaçle e masculinidade.
Mãe Constância identifica a presença das características deste Carneiro e Cury, em suas pesquisas sobre o poder feminino no
ixá: Candomblé, chegam à seguin te conclusão:
lversas quanto as d a sociedade brasileira. Como religiosas, como mães- atributo masculino encontramos um
:~s anto, enfrentam as estratégi as de des rn obili:ZaÇão e fragmentação equivalente fe·minino e, ainda, nos mi -
ediante o uso da violência, numa luta incessante para manter viva a tos, homens e mulheres participam das
idição religiosa. qualidades inerentes à "natureza huma-·
São mulheres que, pelas suas histórias, lutaram muito e sentiram na", homens e mulheres se equivalem fí-
ficuldade para consolidar seus projetos de vida, tanto na sociedade sica e psicologicamente. (CARNEIRO ;
1rangente na condição de mulheres-mães separadas. Passaram p ôr CURY, 2008 , p.120)
1ndiçóes financeiras precárias, desentendimentos conjugais, no caso De maneira geral, esses orixás femininos contrariam, em suas
ts que tinham marido, e, no âmbito da vida religiosa, sofreram por particularidades, os discursos e as práticas de uma sociedade patriarcal
·ofessar uma religião tida como charlatã, herege, pagã, a condenação c!.a que não tolera a insubordinação feminina. Essas divindades não aceitam
>ssessão como algo demoníaco. Sofreram perseguições de intolerância a superioridade e a dominação masculina, aflorando os confütos entre
ligiosa, tanto no Brasil como em Portugal. Careciam mesmo desse os sexos e as estruturas sociais de discriminação contra as mulheres.
~ us da guerra e do ferro, que fornece a ferramenta para o trabalho',, ... _ Os orixás e as entidades espirituais nas religiões afro-brasileiras
·ldado que luta obstinado e com disciplina pelo que quer. .;.E.;;~~~;--- legitimam transgressões que a moral judaico-cristã institucionalizada
É notável a pouca ou nenhuma participação do homem na víaa, considera erradas; possibilita ainda a compreensão e o reequacionamento
~las, principalmente como esposo, por div~rsos motivos, com~ .J:~~'..l.~r de uma gama de conflitos oriundos da visão maniqueísta que essa
arte, a separação conjugal, ou por ter uma vida marcada pelo ciúm.2:~:~ modalidad~ gera, possibilitando outras formas de viver (CARNEIRO;
so contribuiu para o espaço delas dentro da família biológica e· â~-~f
... ---·---·-··..-___. __ .------·-a--·---·-- - - - .. .... ... ·- ···----· .... - - ... ···-·- ----.----
nto: elas li eram encarnando o princípio masculino. Verifiquei, no ,
CUR'ir 2008) . . - . . ~
Entrevi, por esta pesquisa, que a mulher mãe-de-santo estabelece
1tanto, que o lugar do homem pode ser ocupado pelos seus filh.8~ .. relações com o universo mítico fundamentador de seu sacerdócio
.mais e de santo, quando estes ajudam no cotidiano e nos rituai~. "' como prática religiosa, com a comunidade de terreiro a qual pertence
t casa. Não poderia ser diferente numa sociedade que valoriza ::p
e com o mundo exterior. Denomino "universo m ítico" o repertório de
asculino, machista e sexista, isto é, patriarcal e autoritária. ·-~' histórias míticas que contam ou descrevem passagens da vida dos orixás
É uma cultura que produz modelos legitimadores da necessidade. e entidades espirituais, descrição de suas personalidades e das relações
: controle e silenciamentos das mulheres. Não é diferente dentro d_as que mantêm entre si. Minha preocupação foi interpretar a forma com
ligiões afro-brasileiras, quando a natureza da mulher é definida co~v.:._.,;;.+.;.;;~ ..... '"""' que a mãe-de-santo compreende e equaciona sua atuação na Umbanda
elvagem", marcada pela voracidade e pelo excesso. Vale dizer qúe"'ô-:.•#~~~-:- - ~ com a realidade concreta no que concerne ao exercício da maternidade
1uilíbrio de forças entre os sexos está sempre presente nos mitos. Pai:as~,.':>.!·-. espiritual, suas contradições sociais e sexuais.
arneiro e Cury: Compreendi que as divindades são modelos de identificação. Como
não poderia deixar de ser, as mães-de-santo agenciam e incorporam certas
Do ponto de vista masculino, há nele.s o ·,
características de suas entidades protetoras, tornando-as parte de si.
reconhecimento da necessidade de cofh
trolar a mulher, mas não porque ela seja .,.
inferior, um subproduto dele, e sim por-
_que ela: tem p9tencia}!dade? e cagqerí§~ .
ricas capazes de submetê-lo. Para
All l A ZE L MA DE A l tAÚJO MAL>E I RA
FEMI N INO
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