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Objetivos
Afirma a tradição que o Cariri era o território mítico de Badzé – o deus do fumo e
civilizador do mundo. No princípio era a Trindade: Badzé era o Grande- Pai, Poditã
era o filho maior e Warakidzã (senhor do sonho), o filho menor. Os dois irmãos
habitavam a constelação de Órion. Badzé enviou Poditã, o seu filho preferido, para a
terra Cariri e esse ensinou aos índios a reconhecer os frutos, a caçar animais, a fazer
farinha de mandioca, a preparar utensílios de uso cotidiano, a dançar, a cantar e a fazer
os rituais de pajelanças. Os índios viviam felizes, mas tinham apenas uma Única-
Mulher, a Deusa-Mãe, princípio primevo do cosmo de onde se originaram todas as
coisas. Eles desejavam mais… desejavam possuir muitas mulheres que pudessem
preparar os alimentos que colhiam e caçavam e que gostassem de se deitar com eles
nas redes para afugentar o frio da noite. Para satisfazer os desejos dos Cariri, Poditã
orientou-os para que eles, quando fossem catar piolhos na Única-Mulher, ferissem a
sua cabeça com um espinho mágico e a matassem. Depois, eles deveriam cortar o
corpo da Única-Mulher em tantos pedaços quanto fossem os homens e cada homem
deveria envolver o seu pedaço da mulher com capuchos de algodão. Os índios fizeram
tudo, conforme as orientações de Poditã, e depois foram para a caça. Quando
regressaram, viram admirados que, na aldeia, havia muitas mulheres. Elas
alimentavam o fogo e tinham preparado uma grande quantidade de bebidas e comidas.
Saciadas a fome e a sede, os índios e as índias sussurucaram em suas redes. Tiveram
muitos curumins (crianças) e ficaram felizes, pois a Única-Mulher tinha se
transformado na Iara – a Mãe das Águas (o feminino cósmico, inumano), o que
assegurava a fertilidade da terra, possibilitando grande abundância de caças e de
frutas. Por tudo isso, os índios viviam felizes e agradecidos, dançando e cantando em
honra de Poditã (...). (CARIRY, 2001)
Beata Benigna (Santana do Cariri - 1941), que foi assassinada diante da recusa de
manter relações sexuais com o agressor; Luzia Coelho (Barbalha - 1952), morta pelo
enteado diante de um conflito familiar que eclode em meio às relações simétricas de
poder e mando no interior da família tradicional; Francisca Augusta da Silva (Aurora
- 1958), assassinada pelo ex-noivo depois de a mesma ter rompido com a promessa
de casamento; Francisca Maria do Socorro (Milagres - 1943), morta após uma
tentativa de estupro quando buscava água em uma fonte de água nas proximidade de
sua residência; Rufina (Porteiras - XIX-XX) violentada, assassinada e esquartejada
em face da suspeita de adultério com um rico senhor de engenho, pela esposa traída;
Maria Caboré (Crato - 1920-30), mulher tida como louca e que encontra santidade
diante da dedicação aos doentes do cólera e Maria Filomena de Lacerda (Mauriti -
1975), assassinada pelo marido em companhia da amante. (BARRETO, 2018, p.52)
Todos esses casos comungam mais um traço em comum: a santificação dessas mulheres
pela movimentação popular, tornando-se verdadeiras intercessoras pelo sofrimento daqueles
que as buscam. Há relatos de mulheres vítimas de violência doméstica que recorrem com preces
e promessas à Beata Benigna e a Mártir Francisca em favor de findar o seu sofrimento. Nesses
casos, o fenômeno de santificação de mulheres deve ser olhado não como um episódio isolado,
mas como um elemento que dialoga com a violência de gênero nessa região.
As estatísticas apontam que há uma média de 211 casos de violência doméstica por mês
na Região Metropolitana do Cariri (Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha), tendo sido
contabilizadas 13 vítimas de feminicídio (o assassinato de mulheres por menosprezo ou
discriminação à condição de mulher) no período de 2020-2021, mais as subnotificações, pois
muitas dessas mortes entram nas estatísticas como homicídio. Os fatores de vulnerabilidade
dessas vítimas perpassam por gênero, raça, cor e etnia, baixa escolaridade e desemprego.
Safiotti (1987, p.28) nos aponta que “outro fator frequentemente lembrado para explicar
a inferioridade social da mulher concerne aos preconceitos milenares, transmitidos através da
educação, formal e informal, as gerações mais jovens. Não há dúvida de que existem
preconceitos contra a mulher”. Tais preconceitos fundamentaram a formação de uma cultura
patriarcal que exerce o poder através da violência, a qual reforça e propaga valores onde o
feminino ocupa o lugar de inferioridade e de vítima, em que o sacrifício ocorre pelas mãos de
um outro, geralmente masculino, em prol da sobrevivência simbólica de uma coletividade.
Nossa Senhora das Dores ou Mãe das Dores, é o símbolo-mor da religiosidade cristã na
região do Cariri. É a padroeira e protetora do povo sofredor, que se identificam com a imagem
da santa, a qual carrega sete flechas atingidas no coração coroado exposto em sangue. Segundo
notas da CNBB “Nossa Senhora é a “Mater Dolorosa”. A morte de Jesus, sempre unida à
ressurreição, significa a passagem para o Pai, o julgamento definitivo de Jesus sobre o mundo
e suas forças destruidoras, o instante da glorificação plena de Jesus”. Diferente das outras
figuras presente na nossa análise, a Mãe das Dores não sofreu violência diretamente de um
outro, mas sofreu por causa de um outro. As sete flechas no coração da santa simbolizam as
setes dores que a dilaceraram ao acompanhar o processo de sacrifício do seu filho Jesus.
Se por um lado a mulher é sacrificada por outra pessoa, por outro lado ela própria se
sacrifica por outro. Esse contexto de sacrifício relacionado à figura da mulher também age no
imaginário da maternidade e da esposa dedicada. Em todos os contextos dessas figuras, aparenta
que a mulher é quem deve sacrificar-se em prol do outro ou do bem coletivo. Como no caso da
Mae das Dores, que se sacrificou pelo seu filho em prol da salvação da humanidade. Não parece
coincidência o fato de esta figura específica ter sido posta como representação maior da fé cristã
do povo caririense, que com ela mantém profunda identificação e devoção.
A expressão “assim como no céu”, no presente contexto, diz respeito a esse lugar no
imaginário, que apesar de não-palpável nos alimenta com correntes de ideias, valores, normas
e crenças segundo os quais comunga uma comunidade. Nos discursos apresentados, a Deusa
Kariri e a Mãe das Dores habitam nessa dimensão do imaginário popular, sendo o reflexo dos
princípios que regem a vida desta sociedade. Enquanto “na terra” diz respeito à realidade
palpável, onde entramos em contato com as realizações das projeções do imaginário, que nesse
contexto se trata das mulheres violentadas e mortas como símbolo da comunhão desse homem
com os princípios machistas e patriarcais da referida sociedade na qual está inserido.
Quando o sacrifício sai do lugar simbólico e habita a realidade, vemos como resultado a
violência atuada contra os corpos e as subjetividades femininas, e que apesar do aparato
jurídico, policial e assistencial das políticas públicas, não são capazes de conter ou intimidar os
autores dessa violência, o que nos leva a questionar por quais meios estes se sentem autorizados
e amparados na prática da violência sem o temor de um possível acerto de contas.
Finalmente, pensamos em propostas de intervenções na realidade violenta e de
desconstrução de valores machistas patriarcais, considerando a teoria de JUNG (2019) a qual
fala sobre o papel da Anima e do Animus, os quais são, respectivamente, o princípio feminino
e o princípio masculino inerentes à psique de cada ser humano. Ambos coexistem sob o mesmo
princípio de igualdade, sendo opostos complementares. E que podemos pensar que a saída para
o impasse de poder entre um e outro, como estão refletidos no mundo externo, seja o
reconhecimento dessas partes em si, o diálogo e a reintegração destas com elas próprias e com
o todo. Neste caso, que os homens reconheçam e reintegrem sua Anima.
Metodologia
Ago
Nov
Mai
Mar
Abr
Dez
Out
Fev
Jun
Set
Jan
Jul
Disciplinas x x x x x x x x x
Obrigatórias e
Eletivas
Estágio em x x x x x x x x x
Docência
Qualificação x
2025
Meses
Atividades Abr
Mai
Ago
Nov
Mar
Out
Jul
Fev
Dez
Set
Jun
Jan
Revisão x x x x x x x x x x x
Bibliográfica
Redação Final e x x x x
Submissão do
Artigo
Defesa da x
Dissertação
Referências
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Flowers. Tradução: Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Athena, 2014.
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