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CENTRO DE HUMANIDADES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
SELEÇÃO PARA O MESTRADO EM PSICOLOGIA
Fortaleza
2023
Resumo
A pesquisa inicia-se com uma contação de mito da narrativa do Povo Kariri, onde foca na
figura do feminino divino sacrificado. Segue-se a observação de figuras femininas
humanas santificadas através do sacrifício. Analisa-se a relação dessas figuras divinas e
santificadas com o discurso invisível que colabora para reforçar o contexto de violência
contra a mulher da região: a formação de uma cultura psicológica, que reforça e propaga
valores onde o feminino é posto em um lugar de sacrifício simbolicamente em prol da
sobrevivência de um povo. Discute-se a ideia de que quando esse sacrifício sai do lugar
simbólico e é manifestado na realidade, gera o ponto onde vemos brotar as estatísticas. É
preciso investigar o motivo de a violência se mostrar descarada mesmo com a atuação de
todo o aparato das políticas públicas implementadas, e buscar traçar um perfil psicológico
dessa mulher, identificando os mecanismos de reforçamento dessa violência e como ela
age sendo repassada de geração em geração através dos valores.
Introdução
Afirma a tradição que o Cariri era o território mítico de Badzé – o deus do fumo e
civilizador do mundo. No princípio era a Trindade: Badzé era o Grande- Pai, Poditã
era o filho maior e Warakidzã (senhor do sonho), o filho menor. Os dois irmãos
habitavam a constelação de Órion. Badzé enviou Poditã, o seu filho preferido, para a
terra Cariri e esse ensinou aos índios a reconhecer os frutos, a caçar animais, a fazer
farinha de mandioca, a preparar utensílios de uso cotidiano, a dançar, a cantar e a
fazer os rituais de pajelanças. Os índios viviam felizes, mas tinham apenas uma
Única-Mulher, a Deusa-Mãe, princípio primevo do cosmo de onde se originaram
todas as coisas. Eles desejavam mais… desejavam possuir muitas mulheres que
pudessem preparar os alimentos que colhiam e caçavam e que gostassem de se deitar
com eles nas redes para afugentar o frio da noite. Para satisfazer os desejos dos
Cariri, Poditã orientou-os para que eles, quando fossem catar piolhos na Única-
Mulher, ferissem a sua cabeça com um espinho mágico e a matassem. Depois, eles
deveriam cortar o corpo da Única-Mulher em tantos pedaços quanto fossem os
homens e cada homem deveria envolver o seu pedaço da mulher com capuchos de
algodão. Os índios fizeram tudo, conforme as orientações de Poditã, e depois foram
para a caça. Quando regressaram, viram admirados que, na aldeia, havia muitas
mulheres. Elas alimentavam o fogo e tinham preparado uma grande quantidade de
bebidas e comidas. Saciadas a fome e a sede, os índios e as índias sussurucaram em
suas redes. Tiveram muitos curumins (crianças) e ficaram felizes, pois a Única-
Mulher tinha se transformado na Iara – a Mãe das Águas (o feminino cósmico,
inumano), o que assegurava a fertilidade da terra, possibilitando grande abundância
de caças e de frutas. Por tudo isso, os índios viviam felizes e agradecidos, dançando
e cantando em honra de Poditã (...). (CARIRY, 2001)
Beata Benigna (Santana do Cariri - 1941), que foi assassinada diante da recusa de
manter relações sexuais com o agressor; Luzia Coelho (Barbalha
- 1952), morta pelo enteado diante de um conflito familiar que eclode em meio às
relações simétricas de poder e mando no interior da família tradicional; Francisca
Augusta da Silva (Aurora - 1958), assassinada pelo ex-noivo depois de a mesma ter
rompido com a promessa de casamento; Francisca Maria do Socorro (Milagres -
1943), morta após uma tentativa de estupro quando buscava água em uma fonte de
água nas proximidade de sua residência; Rufina (Porteiras - XIX-XX) violentada,
assassinada e esquartejada em face da suspeita de adultério com um rico senhor de
engenho, pela esposa traída; Maria Caboré (Crato - 1920-30), mulher tida como
louca e que encontra santidade diante da dedicação aos doentes do cólera e Maria
Filomena de Lacerda (Mauriti - 1975), assassinada pelo marido em companhia da
amante. (BARRETO, 2018, p.52)
Considerando que a Região do Cariri se faz notar pelas demandas de violência contra a
mulher, a pergunta de partida é qual é a relação dessa realidade com o contexto de sacrifício
das mulheres caririenses santificadas vítimas de feminicídio no séc. XX e com a expressão de
valores que apontam para a soberania do homem sobre a mulher passado de geração em
geração na narrativa do mito da criação Kariri.
O objetivo geral desse trabalho é buscar identificar os paralelos nessas relações,
caminhando no sentido de alcançar a compreensão do motivo pelo qual a mulher é
naturalmente colocada no lugar de vítima da violência bem como possivelmente revelar quais
mecanismos desses atos violentos são reforçados pelo coletivo, especialmente no imaginário
místico-religioso.
Os objetivos específicos são: a) Abranger uma forma de estudo que leve em conta os
saberes populares e busque as narrativas ancestrais como fonte de pesquisa para a
compreensão do funcionamento da vida interna do indivíduo atual; b) Buscar traços de
valores passados de geração em geração no que se refere ao contexto de violência de gênero;
c) Compreender qual é o lugar em que a mulher é colocada na sociedade patriarcal nessa e
quais mecanismos reforçam essa posição; d) Conhecer as formas de resistência feminina
oprimidas através das épocas; e) Interpretar o contexto atual de violência como uma
construção e manutenção de valores arraigados na sociedade caririense desde os tempos
antigos.
Metodologia
2024
Meses
Atividades
Ago
Nov
Mai
Mar
Abr
Dez
Out
Fev
Jun
Set
Jan
Jul
Disciplinas x x x x x x x x x
Obrigatórias e
Eletivas
Estágio em x x x x x x x x x
Docência
Qualificação x
2025
Meses
Atividades
Abr
Mai
Mar
Ago
Nov
Jul
Out
Fev
Dez
Set
Jun
Jan
Revisão x x x x x x x x x x x
Bibliográfica
Redação Final e x x x x
Submissão do
Artigo
Defesa da x
Dissertação
Referências
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. 30. ed. Com Bill Moyers. Organização: Betty Sue
Flowers. Tradução: Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Athena, 2014.
CARIRY, Rosemberg. A Nação das Utopias. Enapegs, UFCA, mar. 2001. Disponível em
http://enapegs2018.ufca.edu.br/210-2/. Acesso em 14 ago. 2023.
HUBERT, H.; & MAUSS, M. Ensaio sobre a natureza e a função do sacrifício. In:
MAUSS, M. Ensaios de Sociologia. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1999.
JUNG, C.G. Símbolos da transformação. 9.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2013. LIMA,
SCOTT, Joan. Gender on the Politics of History. New York: Columbia University
Press, 1988, (p.28-50). Tradução de Guacira Lopes Louro, versão em francês. Revisão de
Tomaz Tadeu da Silva, de acordo com o original em inglês.
VON FRANZ, Marie-Louise. O feminino nos contos de fada. Tradução: Regina Grisse
de Agostino. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.