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Origem da mandioca

Sobre a origem da mavina, existe a seguinte lenda brasileira:


Em tempos remotos, revelou-se grávida a filha de um morubixaba nas margens do Amazonas. Seu pai, querendo punir
o autor de tanta desonra, perguntou quem era seu pérfido amante.
A jovem respondeu que não tivera contato com homem algum. Admoestou-a o velho e empregou para tanto, rogos e
ameaças, e por fim castigos severos. Mas a jovem persistiu na negativa.
O chefe tinha deliberado matá-la, quando em sonho, lhe apareceu, que lhe disse que a jovem era completamente
inocente. Conteve-se, desta forma, o irritado morubixaba. Sua filha deu à luz a uma criança encantadora, branca, que
com poucos meses falava e discorria perfeitamente. Não só a gente da tribo, como também a das nações vizinhas
vieram visitá-la para ver esta nova e desconhecida raça. Passou a chamar-se de Mani. De inteligência aguda, Mani
passou a ser querida por todos de sua tribo. Contudo, a criança não viveu muito tempo, e morreu logo ao primeiro ano
de vida.
O chefe da tribo mandou enterrá-la ao lado de sua maloca. Diariamente regavam a sua sepultura, segundo antigo
costume da tribo. Muito breve, brotou uma planta que, por inteiramente desconhecida, deixaram crescer. Floresceu e
deu frutos. Os pássaros que deste comiam se embriagavam, fenômeno que, desconhecido dos índios, argumentou-lhes
a admiração. Afinal fendeu-se a terra, cavaram-na e na forma de tubérculo ou raiz, limpando-a, viram que era muito
branca, como o corpo de Mani. Acreditando ser a planta reencarnação da criança, deram-lhe o nome de Mani.
Comeram-na e fizeram uma bebida fermentada que foi seu vinho.
Este vinho, preparado com a mandioca cozida, é o "cauim", bebida predileta dos índios do Brasil, no tempo do
descobrimento, e segundo o Visconde de Beaurepaire-Rohan, era ainda o fim do século passado usada na Província do
Espírito Santo.
Segundo uma lenda dos índios Bacairi do rio Xingú a mandioca nos veio por intermédio de Keri, o herói dos mitos desta
tribo, do veado (cervus simplicicornus). O veado, por sua vez, recebeu do peixe bagadu (practocephalus) ou pirara.
O veado tinha sede e procurou a água. Achou então o bagadu em uma sanga em que entrara na enchente e de onde
depois de baixar a água não pode sair. O bagadu com dificuldade respirava ainda. Então disse ao veado:
- Leva-me, faz uma corda de embira para me levar.
Feito isto, o veado o ligou sobre o dorso e assim o levou a beira do rio Beijú.
- Aqui queria descansar, disse o veado, pois teve medo de descer ao fundo do rio. O bagadu, porém não quis, então
foram juntos e laçaram-se ao rio. O veado gostou do contato com a água, sendo assim, o bagadu levou-o a sua
moradia. Chegados lá, bebeu o veado pogü, comeu também beiju (até então desconhecidos dele). O bagadu levou o
veado a roça de madioca, tiraram ramos e ligaram três. Agora foram para casa.
- Amanhã vou me embora, disse o veado e dormiu a noite em casa do bagadu.
A seguinte madrugada, disse o bagadu:
- Leva os ramos da mandioca e planta-os.
O veado voltou para casa com seu filho, levando os ramos para casa. Descansaram um pouco, depois derrubaram
árvores no mato, acenderam fogo, queimaram a lenha e plantaram. Então, o veado ficou o senhor das mandiocas. Keri
o encontrou e pediu-lhe mandioca, pois até então tirava o seu beiju da terra vermelha no salto do Paranatinga.
Conversando ambos chegaram a brigar. O veado não quis largar a mandioca. Então Keri ficou bravo, segurou o veado
pelo pescoço e assoprou, começou subitamente a possuir uma armação, Keri porém riu-se dizendo:
- Eis aqui como apareceu dono da mandioca e tomou-a, dando-a de presente as mulheres dos Bakairi mostrando-lhes
como foi ensinado pelo veado que deviam fazer, para que não morressem do veneno. O veado tem agora sua armação
com folhas e rói a casca dos ramos.
Os Bakairis estão convencidos que o veado ensinou a Keri e aos avós como se pode usar e comer a mandioca.

Texto pesquisado e desenvolvido por Rosane Volpatto

E TUPÃ CRIOU O MUNDO...

A mitologia dos índios brasileiros é rica em narrativas sobre o mundo que os cercava e sobre o universo invisível. Para
cada coisa, fato ou fenômeno da natureza encontravam uma explicação, fruto do pródigo imaginário aborígine.
A crença de que o mundo tem início e fim (dilúvio, fogo ou outro fenômeno) está no lendário de todos os povos da
Terra, com relatos de terríveis hecatombes ou de histórias fabulosas. O Gênesis hebraico-cristão se repete de formas
diferentes na lembrança da humanidade, contando suas origens que guardam traços comuns perdidos na poeira do
tempo e diante do choque cultural recebido após impactos de aculturamentos.
Todas as civilizações têm cosmogonia própria, através da qual interpretam a realidade e se relacionam com ela. São
as explicações para as origens do universo, da vida e da natureza como um todo, recheadas de verdades e mitologias.
Os índios brasileiros, por exemplo, têm uma concepção do universo que privilegia a natureza, sua fonte de sustento. O
homem é incluído nela como parte integrante, em condições de igualdade, sem privilégio. Algumas tribos acreditam que
Tupã, depois de criar o universo, criou os semi-deuses, o homem e outras criaturas com as quais povoou a Terra. Criou
também o mundo superior, onde habitam os deuses e os “bons”, e o inferior; onde ficam os “maus” e os seres
demoníacos.
O fato é que a Cosmogonia (sistema hipotético da formação do universo) concebida por cada povo obedece a regras relativas de concepção.
A filosofia cósmica ou cosmogonia de Ubaldi tem como fundamento que a evolução do universo é concomitante à evolução do homem e vice-
versa, teoria diferente adotada pelo pensamento platônico europeu que acredita na “revelação”, ou seja, que a verdade existia a priori, devendo
apenas ser revelada. O conhecimento na cultura européia cristã teve significado diferente dos indígenas que acreditam que os deuses ficariam
sempre imóveis se os homens não interferissem no mundo. Para a maioria dos índios, cabe ao homem e não a Deus, a tarefa da criação, motivo
pelo qual alguns estudiosos observaram um intenso dinamismo na sociedade asteca, por exemplo.
Na cosmogonia cristã o mundo foi criado por Deus, enquanto os índios são de opinião que o homem é partícipe da
criação do mundo e acreditam que eles têm capacidade própria de conhecer, avaliar e atuar diante do desconhecido.
Impor aos indígenas a figura do Deus cristão – único, onipresente e onisciente, criador do céu e da Terra – foi a pior
tarefa da catequese colonizadora. Foi preciso destruir ícones do panteísmo cultural indígena, a exemplo do Jurupari
(espécie de Moisés dos índios) de sua rica mitologia, além de criar outras entidades até então desconhecidas para
estabelecer correspondência com a maior divindade da fé cristã: Deus-pai. Assim foi adotado Tupã, inicialmente
inserido como o deus do trovão, não o Deus propriamente dito, mas como Sua manifestação. Vale destacar que nessa
confusão feita na catequese, os religiosos foram buscar vários seres correspondentes da mitologia indígena, como
Nhanderuete, o liberador da tradição mbyá, do dialeto guarani, tronco lingüístico tupi, para oferecer um ser alternativo
que mais se aproximasse do que os catequistas queriam assemelhar ao Deus cristão.
O historiador e folclorista Câmara Cascudo afirma que Tupã é uma adaptação da catequese, pois seu conceito já
existia: não como divindade, mas como conotativo para o som do trovão (Tu-pá, Tu-pã ou Tu-pana, golpe/baque
estrondante), portanto, não passava de um efeito, cuja causa o índio desconhecia e, por isso mesmo, temia.
Para os índios brasileiros, praticamente inexistia uma divindade correspondente ao Deus cristão-hebreu e
mulçumano, nem a concepção de um ser divino único, onipresente e onisciente, criador do céu e da Terra. No máximo,
aceitavam divindades poderosas que ganharam força com o aculturamento imposto pela catequese e colonizadores.
A cosmologia parintintin, por exemplo, tem como expressão central o mito de Pindova’úmi’ga (ou Mbirova’úmi’ga), o
poderoso ancestral chefe/xamã que criou a Gente do Céu (Yvága’nga) e que aparece para os xamãs em suas
cerimônias. Ele ergue então sua casa do trecho de floresta mais fértil para o segundo nível do céu, que ainda estava
vazio, onde ele e seu filho se tornam a Gente do Céu.
No modelo mítico dos xamãs, Pindova’úmi’ga deve ser distinto do criador-trickster Mbahíra (Maír em outras
mitologias Tupi), que trouxe o fogo aos homens e deu origem a muitas práticas culturais. Um terceiro ancestral, a
“Mulher Velha” (Ngwãiv) foi cremada e transformada em cultivares como milho, mandioca e outros tubérculos.

O Gênesis Indígena
A famosa escritora Rosane Volpatto, uma das mais pródigas em lendas brasileiras, pesquisadora das histórias de
nosso povo e fiel narradora, deixa claro nas entrelinhas dessa lenda indígena sobre a criação do mundo, a atual
simbiose cultural do lendário nacional, com visível aculturamento dos valores aborígenes, esmagados pela colonização
européia, como segue abaixo:
“No início de todas as coisas, Tupã criou o infinito cheio de beleza e perfeição. Povoou de seres luminosos o vasto
céu e as alturas celestes, onde está seu reino. Criou então, a formosa deusa Jaci, a Lua, para ser a Rainha da Noite e
trazer suavidade e encanto para a vida dos homens. Mais tarde, ele mesmo sucumbe ao seu feitiço e a toma como
esposa. Jaci era irmã de Iara, a deusa dos lagos.
Criou ainda o forte deus Guaraci, deus do Sol, irmão de Jaci, o qual dá vida a todas as criaturas e preside o Dia. Fez
nascer também Icatú, o belo deus. Formou um lugar de delícias para os “bons” e um lugar tenebroso para os “maus”.
Neste lugar vagam as almas sem vida e os espíritos dos guerreiros sem glórias ou fugidos das tribos. Tupã, após uma
batalha, lançou para esse lugar sombrio, seu temível e poderoso inimigo Anhangá, deus dos Infernos, chamando esses
lugares de regiões infernais. Juntamente com esse impiedoso deus, a este mundo subterrâneo também forma dirigidos:
o jurupari que ficou conhecido como mensageiro desse deus cruel; Tice, que se tornou esposa do deus das trevas;
Xandoré (ave falconídea), o deus do ódio; Caramuru e o Boto; Abaçaí e Guandiro e muitos angás. Este era o reino do
pavor, do ódio, da dor e da vingança.
No alto dos céus, sentado em seu trono, Tupã criou milhares de criaturas celestes que executavam suas ordens e o
louvavam. Fez nascer sobre os verdejantes mares os Sete Espíritos e os Gênios, que sob as ordens do Boto – deus
dos abismos dos mares –, governavam os oceanos e habitavam na sagrada Loca, que é a habitação dos deuses
marinhos no fundo das águas.
Criou Pirarucu, deus do mal e deu vida ao alegre Curupira, deus protetor das florestas. Do mesmo modo, nasceram
as Sete Deusas: Guaipira, a deusa da história; Pice, a deusa da poesia; Biaça, a deusa da astronomia; Açuti, a deusa
da escrita; Arapé, a deusa da dança; Graçaí, a deusa da eloqüência; e Piná. a deusa da simpatia.
Depois criou, para a alimentação dos deuses, o divino ticuanga – o bolo feito de massa, de óleos e outras iguarias
deliciosas – para alimentar e deleitar os imortais. Mandou em seguida preparar o sagrado tapicuri, o vinho dos sacros
deuses e tamaquaré, a fina essência aromática usada pelos Senhores da Eternidade. Estabeleceu as horas, os minutos
e os segundos. Fixou as estações e as mutações. Deu uma forma estável e regular ao Universo e instituiu o Nadir e o
Zênite. Fez nascer a reciprocidade e criou: Catu, o deus outonal, Mutin, o deus da primavera, Peurê, o senhor do verão
e Nhará, que preside o inverno.
Criou também Tainacam, a deusa das constelações e igualmente deu vida às Tiriricas, as deusas da raiva, do ódio e
da vingança. Colocou nas densas florestas o Caapora, deus vingativo, protetor das caças e dos animais e lhe deu o
feroz porco caitetu, sobre o qual cavalgava o temido deus, protegendo os filhotes dos animais. Criou Aruanã, o deus da
alegria e protetor dos Carajás e fez germinar no norte do Brasil as ricas e belas carnaubeiras, chamadas de árvores da
vida
Para concluir sua obra, Tupã veio ao mundo, fez o homem e deu-lhe como companheira a mulher e logo eles se
multiplicaram e encheram toda a terra. O poderoso deus tomou então das suas criaturas e ensinou-lhes a arte de tirar
do seio da terra ricos legumes e frutas, trabalhar com barro e argila e, do férreo ubiratã, fazerem as mais fortes lanças e
armas de guerra. Depois transmitiu aos homens todo o conhecimento sobre os remédios para todas as doenças.
Finalmente lhes ensinou as artes que tornam a vida mais suave a amena. Abençoou o sagrado Ibiapaba, Monte
Sagrado dos deuses brasileiros e nele permitiu a permanência das Parajás, do bondoso Inoquiué, das Parés, de Solfã e
de outros deuses imortais. Até ele próprio, lá comparecia vez por outra.
Alegres viviam os homens e felizes cresciam as crianças. Todos os deuses gloriosos e imortais amavam-no e davam-
lhe formosos e ricos rebanhos de capivaras, pacas e cabras. Ao morrerem, os homens não sofriam; mergulhavam em
doce sono, seus corpos voltavam a terra e suas almas subiam aos céus. A vida proporcionava todo o bem imaginável. A
terra era fértil e produzia-lhes todas as árvores frutíferas que precisavam. Se algum mortal faltava com a veneração aos
imortais era duramente castigado. Os deuses reuniam-se em assembléia no Monte Ibiapaba e enviavam as mensagens
aos homens pelo alegre Curupira, o qual, possui os calcanhares para diante, os dedos para traz e habita as floresta,
castigando todo aquele que destrói ou incendeia e é mais célebre do que Polo, o deus do vento.
Mas, eis que um dia, Anhangá, cheio de inveja, transformado numa bela e astuta jararaca gigante, soprou no ouvido
dos homens a “maldade” e, ainda que os outros deuses protetores vagassem em torno deles para ajudá-los, nada
conseguiram. Então começaram os homens a serem dominados por grande ambição e as Parajás, deusas do bem, da
honra e da justiça, que eram inseparáveis, envolveram o corpo com brancas plumas e abandonaram os mortais,
voltando para junto dos deuses eternos. A escura deusa Sumá (deusa inimiga dos homens), envolvida em negra manta,
feita de cipó chumbo, vagou pela terra, espalhando ódio e discórdia. Deste modo, os maus sentimentos ganharam o
mundo e os mortais tiveram o conhecimento do mal, da injustiça e amaram mais a maldade do que as belas virtudes.
No alto dos céus, com os outros deuses, Tupã dominava, desde o começo dos tempos e, numa grande batalha,
vencera o cruel deus Anhangá, senhor dos infernos e o seu irmão deus Xandoré. Com o seu poder, Tupã aprisionou o
deus do ódio na sagrada serra do Ibiapaba. Algum tempo depois, ele foi solto por Jururá-Açu, a bela imortal. Por
castigo, Tupã fez nascer nas costas dessa deusa uma espécie de concha e cobriu-lhe o corpo todo com uma cor
amarelada. Jururá-Açu transformou-se, então, na feia e horrível tartaruga que habita as águas doces dos rios. Assim,
pôde Tupã se gloriar de ter vencido todos os que se opunham a ele.
Tupã arrependeu-se de ter criado os homens! Voltou ele então à Ibiapaba e se reuniu em assembléia com os
imortais. Depois de muita discussão, chegaram a um consenso que deveriam destruir a terra e todos os homens.
Já Caramurú, deus que presidia as faíscas e as ondas revoltas dos grandes oceanos, por ordem do Conselho Divino,
queria derramar sobre a terra os seus raios e coriscos, mas o deus do trovão decidiu que a terra deveria ser engolida
pelas águas da chuva.
Dessa forma, Polo aprisionou os ventos na forte e gigante palmeira ubuçu, no Monte Araçatuba. O Boto desceu à
Terra, convocou todos os grandes e pequenos rios. Iara, raivosa, ordenou as fontes e as chuvas que caíssem
abundantemente durante quarenta dias e noites, sem cessar.
Os Sete Espíritos dos grandes oceanos por ordem do Boto, atiraram para a terra seca bravias ondas dos mares e
fortes aguaceiros despencaram dos céus. As janelas celestes se abriram e as plantações dos Tupis quedaram-se sob o
peso das águas e da tempestade. As águas invadiram toda a terra, levando com elas as ocas, as tabas, as árvores e os
templos. Os animais se debatiam nas ondas. Tribos numerosas eram engolidas pela inundação e os que escapavam
das águas, morriam nas alturas dos montes por determinação de Tupã.
Quando Tupã olhou para a Terra, viu o mundo submerso em águas mortas e apenas um casal de homens reverentes
para com os eternos: Açu e Pirá. Nesse instante, o senhor dos mundos fez baixar as águas e surgiram novamente as
montanhas, a planície e a terra seca.
Açu olhou a sua volta e viu tudo mergulhado no silêncio da morte. As lágrimas molharam sua face, quando perguntou
a Pirá:
– Somente nós não sucumbimos neste cataclismo? O que faremos sós e abandonados nesta imensidão?
Os dois suplicaram, entre salgadas lágrimas, à meiga e doce deusa Caupé para que os ajudassem a recuperar toda
a geração morta.
Ouvindo tais súplicas, a deusa desceu e falou-lhes:
– Olhai três vezes para os céus e dizei: descobrimo-nos perante vós deuses imortais, curvamos as nossas cabeças
perante vossas ordens. Depois, tomai grande porção de areia e atirai para o alto.
Não hesitando, um só momento, em executar os tais ensinamentos da deusa, mal atiraram os grãos de areia, viram
que deles surgiram imagens e formas humanas. E, desse modo, com o auxílio divino, nasceram milhares de homens e
mulheres e essa geração humana, vindo de um só ramo Tupi, encheu todo o lendário Brasil.

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