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Introdução
A comunidade e a região ( 8)
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30 EDUARDO GAL V ÃO
Os santos
Irmandades
O culto do santo padroeiro, e dos santos de devo-
ção é organizado e dirigitlo pelas irmandades. Essas
associações são fundadas em princípios semelhantes aos
que regem sua congêneres dos centros urbanos, as
ordem terceiras. Caracterizam-se, porém, por completa
autonomia das autoridades eclesiásticas que, aliás, con-
sideram-nas profanas, e por não p ossuírem objetivos
de beneficiência. As irmandades de Itá são inteira-
mente dedicadas ao culto dos santos. Os leigos que as
dirigem não têm qualquer relação com os padres, pre-
ferindo evitá-las. Alguns, são por isso mesmo, consi-
derados hcrejes pelo catolicismo oficial. Os festivais
que realizam para cultuar 'o santo, e que incluem além
das rezas, baile e comedoria, são objetos de crítica se-
vera dos sacerdotes. Embora essas pressões, as irman-
dades continuam a florecer. Enquanto algumas desapa-
recem ou se desorganizam, novas surgem. Na própria
cidade, onde as duas tradicionais irmandades de S.
Antônio e de S. Benedito estão se desmantelando, duas
outras recém-fundadas, a de Sant'Ana do Jacupi e a
de Nossa Senhora das Dôres, estão em franco progresso.
SANTOS E VISAGENS 49
Juizes e mordomos
Anualmente são eleitos juízes e mordomos, indiví-
duos cuja função é custear as despesas das festas . Não
são considerados empregados c ocupam o cargo ape-
nas durante a realização dos festejos. Muitas vêzes,
nem mesmo pertencem á instituição como irmãos, mas
escolhidos entre pessoas que aceitam o encargo por
SANTOS E V ISAG ENS 59
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62 EDUARDO CALVÃO
A f<festa do santo"
Uma das principais funções das Irmandades é a
de promover e organizar os festejos em !honra dos san-
tos locais, padroeiros ou 'de devoção. Essas festas ,
cujo ponto alto é marcado p elo dia do santo, obede-
cem a um calendário particular a cada comunidade.
Os santos festejados em Itá, também o são nas comu-
nidades vizinhas, mas em datas que na maior parte
das vêzes não coincidem. Em Itá, o calendário das
principais festas era o seguinte:
Ttá (cidade) S. Antônio 13 de junho
N. S. das Dores 20 de setembro
S. Benedito 1 - 27 de dezembro
Jocojó ( freguezia) S. João 24 de junho
N. S. de Nazaré 8 de setembro
N. S. dos Remédios 14 de outubro
Ribeira (") ••••• o o Sta. Apolônia 28 de junho
Sta. Maria 15 de agosto
Jacupí (") o 00. o •• • St' Ana 26 de julho
Bacá (") o. o.
o o •• o S. João 24 de junho
S. Pedro 29 de junho
Sta. Maria 15 de agosto
rucuru! (") •• o ••• N. S. Nazaré junho
Sant~s. Trindade 8 de setem)}TÇJ
SANTOS E VISAGENS 69
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78 EDUARDO GALVÃO
Os bichos visagentos
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8 EDUARD O CALVÃO
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110 EDUARDO GALVÃO
/
santos católicos, criaturas benévolas. A malineza,
.po..!_érrl, não~~_ uma-siill:PJ~ _~tit~é!_e, de _antag_o~~mo
entre o homem e fôrças extraordinárias. Ela resulta
do -fãfo que os-biChos visagento2 .dõmli1ãinou ç_ontro-
lam um setor do ambiente natural, a mata e _QLrios.
São como que entidàdes pYôtetoras · que guardam á
natureza contra sua depredação p elo homem. A crença
nas mães de bicho ou nas mãos do rio, do igarapé, do
pôrto, é o fulcro dessa concepção. Nada acontece ao
indivíduo que mata um ou outro animal, ou que de
qualquer maneira se utiliza dos recursos naturais à
sua disposição, mas quando chega ao abuso, o caso dos
ínhambus ou o dos veados, acima relatados, as conse-
qüências são más para q indivíduo. O caçador que não
segue a mesma trilha dia após dia, ou o pescador que
evita frequentar repetidamente o mesmo pesqueiro,
.definem as atitudes apropriadas. Em segui-las está a
garantia contra a malineza. Não se conhecem outras
. normas de propiciação p ara obter a boa vontade ou
interferência dêsses sobrenaturais, que seguir a regra
fundamental de evitar o abuso, ou simplesmente evitar
a própria entidade quando se apresenta inesperada-
mente. A atitude do caçador, do pescador, do caboclo
que em qualquer circunstância, na água ou na mata,
evita fazer "zoada", a ' provocação, é bastante carac-
terística. Do mesmo modo se observa o mêdo nos mais
velhos, que as crianças, inconscientemente, maltratem
os animais ou façam zoada no pôrto. A atitude funda-·
tp~n~a.!_ é _d~ !e~peito peJas Jôrça~p__r.eside~
~~~::.__a? m~3~o te~~~an~a~~ ·
deres cup· ·-a~':-0 .~J!-à-mte.r.ferenCJa._p.fQ_t~os
s~ntos . - As· tecmcas de que o homem se utiliza para
lidar com 'êsses- sobrenaturais incluem práticas cató-
licas, o uso de rezas, de cêra ou de água benta, por
exemplo, e de outras de origem a mais diversa, pimenta
SANTOS E VISAGENS lll
Pajelança
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mas dêste êle não fazia muito boa conta. Mas era o
que h abitava mais próximo e C oimbra foi a té sua ca-
sa. Enquanto .fazia os preparativos para a cura, As-
cendino se dirigiu a Coimbra - "Rapaz você se lem-
bra do dia qu e disse que eu era besta? Você não de-
via falar assim de coisas que não sabe!" Coimbra,
muito confuso, desculpou-se. Ascendino que era mui-
to amigo do pai de Coimbra, avisou-o que dessa vez
não faria conta da leviandade c ia curá-lo. Coimbra ficou
bom da panema.
Caso semelhante sucedeu com J oa'l uim Sacaca.
Havia acabado de extrair uma barata da cabeça de
uma moça e saiu para rua. Alguns rapazes ao saber
da história, caçoaram dêle, mas tomando cuidado que
ele não percebesse. Mas foi inutil, pois Joaquim Sa-
caca foi direto a êles e exarceb ou-lhes a molecagem.
D. Felícia conta outra história desse mesmo pajé.
Seu marido era dono de b arracão e recebeu uma car-
ta p ara J. Sacaca, q ue estava para fora. Ninguem deu
muita importância ao fato c d~jxaram a carta num can-
to qualquer. Quando chegou ao barraciio, Joaquim
perguntou logo pela carta e sem que ninguem o indi-
casse foi ao lugar onde a havia m deixado. E le não sa-
bia ler, mas inteirou D. Fclícia de tudo que estava es-
crito. D. Felícia viu que êle sabia das notícias tão
exatamente como se tivesse realmente lido a missiva.
Joaquim explicou q ue fora um companheiro quem o
avisara da carta e informara do conteúdo.
Emb_ora viajar pelo fundo, ter muitos companhei-
ros, e adivinhar, sejam características ou atributos es-
senciais a um bom p ajé, o que realmente lhe dá pres-
tígio é a capacidade de curar. Os benzedores não têm
grande poder, curam apenas os males de menor im-
portância. Panema brava, assombrado de bicfw1 "f~,
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101) Vej a •se Wag!cy & Galvão (1949, caps, v, VÍ; VII.)
102) Sobre os 'Í'upi nambâ. ver :M:etraux (1 928, pp. 7-31, 67-94) I
13te,vàrd (1948, v. I II; p. 895; v. v, pp. 706•708). ·
EDUARDO GALVÃO
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CAPITULO VI
Sumário
13
190 EDUARDO GALVÃO
Araujo Lima, J. F.
1937 - Amazônia, a terra e o homem. Rio de Janeiro.
Azevedo, Lucio d'
1901 - Os Jesuítas no Grão Pará, suas missões e a coloni-
zação. Lisboa.
Barbosa Rodrigues, J.
1890 - Poranduba amazonense. Rio de Janeiro. Annaes
da Biblioteca Nacional. V. 14, fase. 2.
1894 - Vocabulário indígena com a ortografia correta.
Co:nplemento Poranduba an1azonense. Rio de
Janeiro. Annaes da Bibliotéca Nacional V. 16
fase. 2.
Bates, Henry Waltcr
1864 - The Naturalíst on the River Amazon. Second edi-
tion. London.
Belmar, A. de
1861 - Voyage aux provinces brésiliennes du Pará et du
Amazonas en 1860. London.
Bernardino de Souza, Francisco ~
1874 - Comissão do Madeira, Pará e Amazonas. Rio de
Janeiro.
Bertholet, Alfred.
1937 - "Religion". Encyclopaedia of Social Sciences, V.
7, pp. 228-237. New York.
Camara Cascudo, L.
1947 - Geografia dos mitos brasileiros. Rio de JaneÍfO.
Carneiro Leão, A.
S. d. - A Sociedade rural. Rio de Janeiro.
Carvalho, José
1930 - O Matuto cearense e o caboclo do Pará. Belém.
Castro, Josué
1948 - Geografia da fome. 2.n edição. Rio de Janeiro,
Clough, R. Stewart
1873 - The Amazons. Diary of a Tw elve Month ]ourn_ey
up the 11.ivet Amazon. London, South American
Mission Society.
192 EtlUARDÓ GALVÃO
Cruls, Gastão
1930 - A Amaz6nia que ~ vi. Rio de Janeiro.
Cruz. E.
1936 - Ethymologia indígena. "Na terra das Igaçabas" .
Contos, mythos e folklore da Amaz6nia. Rev.
Inst. Hist. e Geogr. Pará. V. X, pp. 387-508. ·
1945 - Belém: Aspectos geo-sociais do município. V. I.
Rio de Janeiro.
DANIEL, João
1840-1 - Thezouro descoberto no maximo Rio Amazonas.
Rev. Inst. Hist. Inst. Hist. e Geogr. Bras. V. 11.
III. XLI.
E duardo, Octavio da Costa
1948 - "The Negro in Northern Brazil; A Study in Accul-
turation". Amer. Ethn. Society, N. XV.
Edwards, W illiam H.
1847 - A Voyage up the Rlver Amazon. New York. .·
Ferreira Reis, Artur Cesar 't
1931 - História do Amazonas. Manáus.
1940 - A Política. de Portugal no vale Amaz6nico. Belém.
1942 - Síntese da história do Pará. Belém.
1944 - O Processo histórico da economia amazonense. Rio
'- de Janeiro.
Freyre, Gilberto
1940 - "Some aspects of the social development of Por-
tuguese America". in Concerníng Latin American
Culture. C. Griffin, editor New York.
1943 - Casa Grande e Senzala. 4.n edição. Rio de Janeiro.
Galvão, Eduardo
1951 - "Panema, uma crença do caboc1o amaz6níco". in
Revista do M;Useu Pattlista. Nova série; vol. V;
S. Paulo.
1951 - "Boi bumbá, uma versão do Baixo Amazonas". in
Anhembí, vol. 111 n.o 8, São Paulo.
1953 - "Vida religiosa do caboclo da Amazonia" . in B_ol.
Museu Nacional .n· s. Antropologia n.0 15. Rio.
Gillin, J.
1949 - "Mestizo America". Most of the World, pp. 156-·
211. R. Linton, editor. New York. ·-
Ranson, Earl Parkes.
1944 - The Amazon, a New Frontier. New York, Foreign
Policy Association.
SANTOS E VISAGENS 193
EDUARDO GALVÃO
SANTOS e VISAGENS
wn estudo da vida religiosa de
Itá; Amazonas
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Exemplar N.o
1955
IMPRESSO NOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL
Printeà in the Uniteà Statea of Brazil
À Clara
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í NDICE DA MATÉRIA
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX
I - Introdução 1
II - A comunidade e a região ........ . .. . . .. .. .... . 12
UI - Os Santos . ..... ..... .. ...................... . 38
IV - Os bichos visagentos .. . .. . . .. . .... . .. ..... . . . . 88
V - A pajel:ulÇa ....... .. ... . . . ......... . .... . .. . . 118
VI - Mudanças na vida religiosa .... .. . . .. . . .. .. . . . . 174
VII - Sumário 186
Referência bibliográfica . . . . .. . ... .. . ... . ..... . . 191
Glossário 196
Prefácio
EDUARDO GALVÃO