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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE

JANEIRO

2022/1
Escola de Teatro
Licenciatura em Teatro

Disciplina: Dança e Pedagogia

Docente: Juliana Manhaes

Alunas:
Patrícia Vásquez e Thatiana Vieira Maciel Cardozo Lösch

Carimbó

Rio de Janeiro – RJ

Julho – 2022
O Carimbó

- Introdução:

Embora haja registros no Estado do Maranhão, O Carimbó, patrimônio cultural e


imaterial do Brasil, é uma manifestação cultural tradicionalmente da região Norte do
país, sobretudo do Estado do Pará.

Através da música, instrumentos e dança, o Carimbó manifesta o modo de vida das


comunidades ribeirinhas e rurais da região Amazônica e, bem assim, as suas relações
com a natureza e o ambiente que os envolve.

Musicólogos e folcloristas, em regra, afirmam que a origem do Carimbó é


afrodescendente. Entretanto, muitos mestres carimbozeiros afirmam que há uma
predominância da identidade indígena na manifestação. Fato é que, considerando o
processo histórico de miscigenação na Amazônia, talvez o mais adequado seria dizer
que esta manifestação cultural possui uma identidade étnico-cultural híbrida, já que traz
em suas características elementos indígenas, africanos e ibéricos.

O Carimbó está presente na Ilha de Marajó (Carimbó Pastoril), na região do Baixo


Amazonas (Carimbó Rural) e principalmente no litoral do Pará (Carimbó Praieiro).

O nome vem de um instrumento musical denominado curimbó, que é um tambor feito


de um tronco escavado, tendo em uma das extremidades um couro curtido. A palavra
Carimbó ou Korimbó seria, inclusive, a reunião de duas palavras de origem Tupi: curi
(madeira, pau oco) e m ́bó (furado, escavado).

Mestre Lourival Igarapé, um dos mais renomados representantes do Carimbó, explica:

“É aberto o pau oco, o tronco que é encontrado na floresta, que às


vezes está com um furo pequeno ainda. Encontra-se o tronco, vai
abrindo. Cria-se o aro, joga o couro. Hoje a gente está usando pele
de boi, e não de animal silvestre, como o veado, para não estar
incentivando a matança. O couro de veado era o tradicional, no
tempo dos índios. Antigamente eles usavam vários recursos pra fazer
o furo, até queimavam. Faziam fogueira e iam cavando” 1.

Para tocar o instrumento, o tocador senta-se sobre o curimbó e bate com as mãos a
marcação rítmica característica. Outros instrumentos também podem ser utilizados nesta
manifestação cultural, tais como a rabeca, o violão, o cavaquinho, o banjo, flauta,
clarineta, saxofone, pandeiro, maracas, matracas e caxixi. A utilização de outros
instrumentos varia de acordo com a localização.

A música é acompanhada por uma dança de roda ou feita em pares. Quando


apresentadas por grupos “institucionalizados”, esta dança tem coreografias bem-
marcadas, exatas, e vestimentas específicas. Já quando apresentadas nas rodas “de razi”,
em regra, quem dança é o público, não havendo vestimenta ou coreografias específicas,
embora as saias e os passos básicos sejam usualmente utilizados, trazendo uma

1
Revista CPC, São Paulo, n.18, p. 84, dez. 2014/abril 2015.
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sensualidade ao jogo, entre as mulheres e os homens que as cortejam (“dançadores de
carimbó”).

O cantor principal, que puxa os versos e refrãos que serão repetidos pelo público
presente, é chamado de “Cantador de Carimbó”. Já o “Tirador de Carimbó” é quem
puxa o canto, enquanto o “Batedor de Carimbó” toca o tambor.

Vale observar que o termo Carimbó, que inicialmente designava o tambor utilizado na
manifestação, com o tempo passou a designar também a dança, a poesia, o canto e
outros instrumentos que foram agregados à manifestação por aqueles que produzem,
brincam e vivenciam o Carimbó, ou seja, os carimbozeiros, mestres e grupos das
comunidades tradicionais. Esse conjunto de elementos é que forma o que denominamos
de “carimbó raiz”, que é feito pelas comunidades do interior, distante das influências
urbanas e comerciais.

Tal diferenciação é necessária em razão do surgimento de um outro estilo de Carimbó,


chamado de “moderno ou urbano”, que resultou da popularização do Carimbó na capital
paraense, a partir da década de 70, dentro de um processo de modernização estética e da
divulgação de seu ritmo pelos meios de comunicação. O carimbó moderno,
diferencialmente do carimbó de raiz, incorporou instrumentos musicais elétricos, como
guitarras e baixos, além da bateria.

Esse processo de modernização do Carimbó trouxe uma lógica de competitividade, de


lucro, mas por outro lado, também popularizou a manifestação cultural, não somente na
capital Belém, mas por todo o país, contribuindo para que o Carimbó se tornasse um dos
maiores representantes da identidade regional e cultural do Pará, passando a ser
reconhecido, em 2014, como patrimônio cultural imaterial do Brasil.

Geralmente, os carimbozeiros exercem várias funções: compositores, instrumentistas,


cantadores e dançarinos. À semelhança de outras manifestações culturais, as tradições
do carimbó são passadas oralmente de geração para geração. Tais aspectos – múltiplas
funções dos carimbozeiros e a importância da oralidade na transmissão da tradição – são
elementos que persistem tanto no carimbó de raiz como nos urbanos.

A estrutura poética do carimbó tradicional é composta, na maior parte das vezes, de


duas estrofes, com quatro versos cada. É comum observar na segunda estrofe a
repetição dos dois últimos versos da primeira, como um refrão. Os versos fazem
referência ao cotidiano das comunidades, ao trabalho que exercem (a marca de cada
comunidade. Ex. se a atividade é de pesca ou de lavoura, a letra e a dança trarão tal
informação), a religiosidade da população e ao ambiente que as cercam.

Como o carimbó se desenvolveu a partir das comunidades do interior do Pará, ou seja,


da população rural e ribeirinha, os temas mais comuns nas letras do carimbó fazem
referência às atividades agrícolas e pesqueiras do cotidiano dos carimbozeiros: “[...]
dando conta do seu dia a dia, no campo ou no mar, relatando os seus conflitos sociais,
políticos e econômicos [...], retrata a vida do homem interiorano marginalizado e
esquecido ao longo da história” (MACIEL, 1986a, p. 9 apud Revista CPC,
2014/abril 2015, p. 88).

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- A religiosidade no Carimbó:

Grande parte da região amazônica, além das religiões encontradas em outras partes do
país (catolicismo, protestantismo, candombe), também encontramos a pajelança cabocla
e a encantaria amazônica.

A pajelança cabocla é espécie de xamanismo, em que o pajé – curandeiro – incorpora


entidades conhecidas como encantados ou caruanas para a realização de curas físicas e
espirituais. Se diferencia da pajelança indígena por ser feita por comunidades rurais e
ribeirinhas não indígenas, sofrendo, assim, maior processo de sincretismo religioso. É
comum encontrar, por exemplo, comunidades que realizam a pajelança, creem em
encantados e que, ao mesmo tempo, têm em suas casas um altar para São Benedito.

Os encantados são seres humanos que não morreram, mas que por algum motivo
agradaram outro encantado e foram por ele levados para seu local de morada – encantes
- , que costumam ser “fundos” de lagos, rios, mares ou igarapés. Os encantados mais
conhecidos do Pará são a Yara, a Cobra Grande, o Curupira, o Boto, e linhagens de
Princesas (descritas como entidades louras, brancas, de olhos claros – influência
europeia).

Como não poderia ser diferente, os encantados também fazem parte da tradição do
Carimbó, que relaciona natureza, cultura, mundos real e imaginários. Assim, percebe-se
que o carimbó também tem uma importante função na preservação da memória coletiva
compartilhada nas comunidades, incorporando em suas letras lendas e mitos das
gerações passadas.

Vale a reflexão sobre a existência de ex-carimbozeiros que se converteram para a


religião evangélica (igrejas pentecostais e neopentecostais) e que, a partir de então,
passaram a ver o Carimbó como algo que deve ser combatido por constituir tudo àquilo
que a igreja pune, principalmente em razão dessas crenças e práticas da pajelança
cabocla.

- A natureza amazônica no Carimbó:

Além da religiosidade que permeia as letras do carimbó, há uma predominância de um


conteúdo relacionado à natureza amazônica que está no entorno das comunidades. O
respeito, a proteção e a admiração pela unidade da floresta, expressar a natureza
amazônica é uma característica presente nas três espécies de carimbó. Além da
exaltação à fauna e flora, também se observa nas letras, antigas e recentes, a indignação
pela destruição do meio ambiente amazonense. Composições com denúncias de
desmatamento, poluição e extinção de espécies animais são comuns nas letras do
Carimbó.

Além da preocupação ecológica evidente, o carimbó também expressa em suas letras


uma natureza humanizada, com os anseios, angústias e sensações do compositor
carimbozeiro. A cosmovisão indígena e africana, muito comum nas manifestações
culturais tradicionais, inclusive no Carimbó, parte de uma perspectiva da relação
harmônica e de integração entre o ser humano e a natureza, bem diferente da
cosmovisão ocidental, marcada por uma visão utilitarista, em que a natureza é vista

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como algo inferior, um objeto a ser transformado e dominado pelo homem em nome do
“progresso”.
- Identidade Regional e Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil:

O Carimbó expressa o modo de vida tradicional amazonense, revelando uma identidade


cultural específica, singular, diferenciada de outras regiões do país:

“(...) a matéria-prima utilizada na fabricação dos seus


instrumentos; o mito por trás dos encantados presente nas letras;
a sua relação com o catolicismo popular da região; a denúncia à
devastação da floresta amazônica; o conhecimento laboral adquirido
na pesca e na lavoura; a íntima relação com o mar e os ciclos da lua; o
êxodo do lavrador e do pescador; a expressão corporal dos
dançadores de carimbó, que relembram as danças de roda
portuguesas; os rituais indígenas; os movimentos corporais que
remetem à cultura afrodescendente; a lembrança de um carimbó
dezembrino feito para São Benedito; as referências ao açaí, ao tacacá e
ao tucupi; a importância do igarapé na hora de encontrar o pau ocado
que vai servir de tambor, a embaúba que faz a flauta, o fruto da cabaça
que serve tanto para o maracá quanto para a cuia de tacacá; a semente
do urucum que dá o som da maraca, inseparável do curimbó. Tudo
isso é carimbó. E é Pará. E é, também, Brasil”2.

Em processo contínuo de transformação, a identidade cultural determina, ainda que


temporariamente, o indivíduo e a comunidade a que está integrado. As características
históricas, geográficas e sociais, aliadas ao processo de miscigenação específico da
Amazônia, uniram pessoas a um conjunto de valores comuns, lhes conferindo um
sentido de identidade.

Com o processo de modernização e globalização, as transformações passaram a ocorrer


de forma acelerada como nunca visto. O comércio e o turismo, por exemplo, se
tornaram atividades econômicas principais em algumas comunidades Amazonenses,
substituindo a tradicional pesca e agricultura e fazendo com que tais populações
assumissem novas características. A religião evangélica e o ritmo musical conhecido
como tecnobrega também passaram a prevalecer. Apesar disso tudo, o Carimbó resiste
e, assim, mantém vivos elementos historicamente compartilhados.

As dificuldades de apoio financeiro e falta de reconhecimento do poder público fez com


que a campanha Carimbó Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil assumisse uma
importância considerável, já que, segundo o art. 216 da Constituição da República,
“cabe ao poder público, com o apoio da comunidade, proteger, preservar e gestionar o
patrimônio histórico e artístico do país”. Em 2008, o pedido de reconhecimento do
Carimbó como patrimônio imaterial foi protocolado no Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Assim consta do pedido e do sistema do Iphan:

“Para nós, o registro do Carimbó como bem cultural de natureza


imaterial significa um importante passo para garantir sua preservação
e seu reconhecimento como patrimônio de nossa cultura, elemento
essencial e definidor de nossa identidade. O registro se faz
necessário diante do acelerado processo de desagregação social e
homogeneização cultural que atinge a região amazônica, onde as
culturas nativas e tradicionais vêm sendo velozmente atropeladas
pelos produtos culturais da modernidade capitalista, o que ameaça a
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Revista CPC, São Paulo, n.18, p. 96, dez. 2014/abril 2015.
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diversidade e as identidades próprias dos povos desta região”.
(LOUREIRO, 2012 apud Revista CPC, São Paulo, n.18, p. 98, dez.
2014/abril 2015).

Em setembro de 2014, finalmente o Carimbó foi declarado Patrimônio Cultural


Imaterial do Brasil.

REFERÊNCIAS:

- HUERTAS, B. M. O carimbó: cultura tradicional paraense, patrimônio imaterial do


Brasil. Revista CPC, [S. l.], n. 18, p. 81-105, 2014. DOI: 10.11606/issn.1980-
4466.v0i18p81-105. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/cpc/article/view/74966.
Acesso em: 17 jun. 2022.

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