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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ (UEPA)

Curso de Educação Física – Licenciatura


Aluno (a): Sibele Cristine Rodrigues Trindade
Fichamento: Salles, Vicente, 1931-2013 Lundu : canto e dança do negro no Pará /
Vicente Salles ; coordenação Jonas Arraes. - 1. ed. - Belém, PA : Paka-Tatu, 2016.
276 p.

Pag. 31 2. O lundu no tempo dos cabanos


Lundum, voz corrente na Amazônia de lundu, é a mais antiga
expressão da lúdica negra documentada na Amazônia. Espécie de
samba de roda, dança e canto comum em todo o Brasil desde o séc.
XVIII. Popular e folclórico, o lundum abrange extensa área geográfica
da Amazônia. Pode-se afirmar que, entre as danças brasileiras de
origem africana, é o lundum a de maior penetração no vale amazônico.
Pag. 31 Arthur Ramos, em O negro brasileiro, afirma que o lundum é o
resultado da influência dos negros bantos (provavelmente Angolas,
Congos ou Cabindas, Benguelas ou Minas) irradiados do Maranhão
para o litoral do Pará.
Pag. 31 O caráter sensual da dança é um dos aspectos que distinguem seus
compassos vivos e sua coreografia exultante. E os versos se
caracterizam por um sentido lírico, erótico, satírico, comentador da
vida cotidiana e não raro crítico. O lundum possui enfim uma dinâmica
que lhe é muito peculiar.
Pag. 31 A dança provinha certamente do batuque dos terreiros. O canto,
alternando partes solistas e coro, estilo responsorial, evoluiu para o
modelo do canto solista europeu, tornando-se gênero autônomo e
ganhando expressão nacional quando aproveitado pelos menestréis
urbanos, especialmente na Bahia e no Rio de Janeiro, com expansão
para todo o país.
Pag. 31 Quanto ao lundum, é possível admitir que o tenhamos recebido já
como canto e dança perfeitamente definido, através do processo de
difusão folclórica, tal como foi assinalado em 1820 pelos viajantes
germânicos Spix e Martius.
Pag. 32 Dança favorita de negros e mulatos no Grão-Pará nos bailes dos negros
e mulatos por volta de 1820, pouco tempo depois o historiador
Domingos Antônio Rayol falou de um revira, nome que vulgarmente
se dá no Pará ao baile popular, nos idos de 1826 grafando landum: O
revira começou logo por um landum, que era nesse tempo uma das
danças favoritas dos festins populares.
Pag. 32 O lundu, também dito landum, chamou a atenção porque era talvez a
mais expressiva manifestação dos negros, bastante usual nos tempos da
Cabanagem, "era uma das danças favoritas dos festins populares".
Certamente, a dança dos cabanos.
Pag. 32 "Às velhas danças sem graça e monótonas, substituía o lundum: eram
lânguidos requebros do corpo; cadenciados em ritmos caprichosos, ora
avançando ora recuando; meneios de garridice provocadora; posições
múltiplas, pondo em relevo as formas do corpo, tudo sem regras
convencionais e obrigatórias, ao sabor da maior ou menor habilidade
dos que dançavam. "
Pag. 33 3. Índios e caboclos, os tapuias, aceitaram a dança
O lundu, lundum ou landum, expandiu-se às mais longínquas regiões
da Amazônia. Bates, entre 1854-5, viu-o dançar no lugar Barreiros de
Cararaucu pelos índios: "As danças eram todas do mesmo tipo, isto é,
diversas variedades de landum, dança erótica, semelhante ao fandango,
que primitivamente tinham aprendido com os portugueses. A música
consistia de duas violas, tocadas alternadamente pelos rapazes.”
Pag. 33 Veríssimo encontrou o lundu associado à festa do Divino, em Óbidos,
compondo a parte profana. Dançava-se ao som de flauta e viola. Os
músicos também eram cantores. A coreografia era um cadinho que
admitia "as castanholas da jota, a morbideza da tarantela, os passos
sedutores do bolero, os passos insípidos da quadrillha, as voltas
rápidas da valsa, o sapateado do cateretê, o requebro lascivo do
fandango, a arrogância do fado".
Pag. 33 Essa enumeração, publicada no livro Primeiras Páginas, 1878, pp.89-
99 antes desta em folhetim no Liberal do Pará, mostra os tipos de
danças chegadas na distante Óbidos num corte preciso do tempo e do
espaço. Mostra Veríssimo o conhecimento das coreografias e daí se
conclui que, nesse tempo, o lundu paraense, dançado nos terreiros, era
uma expressão folclórica riquíssima, pela variedade coreográfica,
tendo incorporado passos de outras danças nativas e europeias
Pag. 35 No baixo Tocantins e região das ilhas do golfo marajoara o lundu
admite quase invariavelmente dança, ao som de pequena orquestra, e
cantoria. Juvenal Tavares documentou "um lundu chorado e cheio de
desafios". Desafiam-se, em quadras, dois
cantadores músicos: um, tocador de harmônica; outro, tocador de
rabeca.
Pag. 35 Na área de influência negra mais extensa - baixo Tocantins, bacias do
Acará. Capim, Igarapé-Miri e região das ilhas -, o lundu é geralmente
dançado apenas pelas mulheres, cabendo aos homens fazer parte da
roda. O instrumental é o mesmo, podendo aparecer cordas,
cavaquinho, viola e flauta. Homens e mulheres formam vasto círculo.
A dançarina entra na roda e dança, fazendo graciosos volteios,
arregaçando a saia em movimentos rápidos. Depois de longas voltas,
suspende a saia e jogando-a sobre a cabeça de um dos homens,
provoca, com isto, hilaridade geral e encerra a sua parte. Este
movimento no carimbó da região atlântica do Pará (Curuçá,
Marapanim etc.) é dito "Peru do Atalaia".
Pag. 36 “O lundu é muito popular e se dança em todo o Brasil. E de origem
negra. E executado da seguinte maneira: os dançarinos estão todos
sentados ou de pé. Um par se levanta e começa a festa. Quase não se
mexem no início: estalam os dedos como se fossem castanholas,
levantam os braços, balançam-se molemente. Pouco a pouco o
cavaleiro se anina: evolui ao redor de sua dama, como se a fosse
enlaçar. Ela fria, desdenha as investidas. Ele redobra de ardor e ela
conserva a soberana indiferença. Agora ei-los face a face, olhos nos
olhos, quase hipnotizados pelo desejo. Ela se agita, lança- se; os seus
movimentos se tornam mais sacudidos e se aceleram [ela treme] numa
vertigem apaixonada, enquanto a viola suspira e os assistentes
entusiasmados , batem palmas. Depois ela para, ofegante, exausta. Seu
parceiro, prossegue a sua evolução por um instante e, em seguida, vai
provocar outra dançarina, que sai da roda, e o lundu recomeça,
febricitante e sensual.
O lundu tem encantos que viram as cabeças mais assentadas [...]”
Pag. 46 O lundu e a modinha representam, conforme Mozart de Araújo. "os
pilares mestres sobre os quais se ergueu o arcabouço da música
popular brasileira", estenderam-se ao extremo Norte e aí se fixaram
firmemente. Em seguida, gerando produtos
locais, estes também tiveram ocasião de se expandir além de suas
fronteiras.
Pag. 51 Como ocorreu em todo o Brasil, o lundu ascendeu ao teatro e aos
salões das grandes cidades. Mas, como dança plebeia, logo caiu em
desuso, passado o interesse (sempre efêmero) da burguesia ávida de
novidades. No século XIX fez grande sucesso nos teatros populares
paraenses, divulgado, sobretudo, em Belém, pelo ator Xisto Bahia,
autor de inúmeros lundus, pelo paraense Lima Penante e, nos pavilhões
de Nazaré, durante a quadra festiva, por cantores e dançarinos
anônimos e alguns outros de que se guardou memória, como o citado
poeta Ricardo", o "tambaquirana vate" assim chamado porque publicou
um folheto intitulado Os Voos do Tambaqui.
Pag. 51 Produto da assimilação do negro à sociedade brasileira, com as
inevitáveis convergências de elementos culturais europeus e indígenas,
o lundu teve seus próprios criadores na Amazônia. Entre os mais
notáveis compositores, figura o negro Antônio
Cirilo Silva. Deste compositor circulou o lundu Vira isso pra lá!, com
letra de Elmano de Queiroz, lançado numa revista no teatro nazareno
que teve larga repercussão. Este lundu, talvez inspirado em motivo
folclórico, voltou para o ambiente do folclore, onde foi coletado
pessoalmente por Mário de Andrade, na viagem que realizou à
Amazônia em 1927, e apareceu no seu livro Ensaio sobre Música
Brasileira.
Pag. 57 4. Características do Lundu
São características básicas do lundu a frequência de notas rebatidas. O
ritmo binário, o caráter jocoso dos versos - tendendo para a chulice - e
abundância de termos regionais.
Pag. 57 A larga repercussão do lundu, e sua penetração na Amazônia, permitiu
seu desdobramento em numerosas danças mais regionais e até mesmo
locais, além da fusão com outras semelhantes na estrutura rítmica e
coreográfica, como o antigo chorado urbano (hoje desaparecido de
Belém), o rojão, o bambiá, o samba rural, o retumbão, o carimbó, o
gambá, a desfeiteira.
Canção popular e folclórica, assim como dança, o lundu abrange
extensa área geográfica da Amazônia. Na ilha do Marajó, contudo,
parece haver encontrado seu verdadeiro ambiente. E comum, ali,
dançar-se o lundu ao som de flauta, violão e cavaquinho, com
acompanhamento de tambores. Nos bailes de Soure essas pequenas
orquestras são chamadas "conjuntos".
Pag. 58 A dança, no Marajó, se compõe de pares soltos em que os cavalheiros
cortejam as damas. Sua principal característica coreográfica é o
rebolado de quadris dos homens. A dança, assim como a música e os
versos, ainda não foram suficientemente pesquisados.
Pag. 58 O lundu penetra várias manifestações folclóricas, festas e folguedos,
tendo momentos de destaques coreográficos na Marujada, em
Bragança, leste do Pará, no Marabaxo, no Amapá; no Marambiré, no
baixo Amazonas (Monte Alegre, Alenquer e Óbidos); no Aiué, em
Óbidos e Oriximiná. Também se manifesta na mais disseminada das
danças populares no Pará, o carimbó.
Pag. 59 5. Afinidades do Lundu
Destacamos algumas formas derivadas ou associadas ao lundu na
Amazônia e que mantêm com ele estreita afinidade.
a) A Chula- Adelermo Matos coletou como chula marajoara, em
Santa Cruz do Arari, a variante do lundu que Luciano Gallet (1893-
1931) harmonizou e denominou chula oriunda do Pará: (...).
Pag. 61 Define-se a chula como dança e canto de origem portuguesa presente
em várias regiões do país e, no Pará, especialmente na ilha do Marajó.
Oneyda Alvarenga: chula é uma cantiga de origem portuguesa que
admite dança".
Pag. 61 Em São Paulo, a chula confunde-se com o fandango e em outros
Estados com o lundu. Na Amazônia, principalmente no Marajó, a
chula se manifesta como a mais extensa e acabada afinidade com o
lundu. Gentil Puget publicou na entrevista concedida a Milton
Filgueiras de Lacerda, em A Cena Muda, Rio de Janeiro 13/3/1945, a
solta da chula marajoara, que mostra a afinidade com o lundu: (...).
Pag. 62 Na coleção de Mário de Andrade, publicada por Oneyda Alvarenga,
figuram os lundus paraenses "Lá nas matas do sertão", catalogado sob
o n.º 33, e "Lundu", na ficha n.°40, cuja transcrição, com os
respectivos comentários críticos, acrescenta sem dúvida, material
valioso a esta racolta, especialmente quanto à dúvida, sobre o "gênero"
mais apropriado - lundu, chula ou toada.
Pag. 70 O caráter sensual da dança é um dos aspectos que distingue seus
compassos vivos e a coreografia exultante. E os versos se caracterizam
por um sentido lírico, erótico, satírico, comentador da vida cotidiana e
não raro crítico. Enfim a chula como o lundu possui uma dinâmica que
lhe é peculiar.
Pag. 70 b) Bambiá - Não há registro atual desta dança africana, cantada e
acompanhada por instrumento de percussão (batuque) por negros
velhos, antigos morado Umarizal.
Pag. 71 c) Carimbó e Gambá - Carimbó e gambá designam o mesmo tipo de
tambor, cilindro de madeira, tapado de um lado só com couro cru, em
que se bate, produzindo som especial, que percute longe. E por
extensão designam também duas modalidades de expressão do folclore
paraense.
Pag. 72 No Pará, nos últimos tempos, alguns comunicadores insistem na
desinformação da origem indígena do carimbó, como derivado de
curimbó, contrariando as lições mais antigas, quase como
reivindicação de "branqueamento" da dança de terreiro. No estudo do
carimbó de Tia Pê, da Vigia, que guardou a denominação africana
zimba, reconstituímos parte da bibliografa disponível na época, e as
disposições repressivas dos antigos códigos de postura de Belém e de
outras comunidades do interior. É verdade que, além dos negros, os
tapuias adorataram vastamente o carimbo e seu assemelhado gambá,
sendo essa denominação imitativa da maneira da gambá transportar o
filhote sobre se dorso, um tanto semelhante a maneira do tocador
enganchar-se sobre o dorso do tambor.
Pag. 72 Essa parece ser a mais antiga referência e descrição do gambá, tambor.
José Veríssimo em 1882, também descreveu o instrumento e a dança,
espécie de lundu, na aldeia dos Maué, situada na margem esquerda do
rio Uariaú, afluente do Andirá na então província do Amazonas.
Pag. 74 Como os tambores do carimbó, os gambás são feitos de tronco de
madeira escavado, com uma extremidade coberta com couro. Eles
servem para às cantorias e às danças. Os brincantes dançam em pares,
formando um circulo. A descrição lembra o lundum de Óbidos: (...).
Pag. 74 d) Chorado - Essa denominação Nicolau Tolentino de Almeida aplicou
ao lundu-canção que o vate brasileiro Domingos Caldas Barbosa
cantava nos salões de Lisboa, no século XVIII:
Pag. 75 Para Mário de Andrade, o mesmo que choro. Ele reproduziu a
definição de J. Braga: "Modalidade de lundu que segundo Tolentino,
caracterizava-se por ser mais lento"; e Pinto de Carvalho que
caracterizou a coreografia como "O cúmulo da indecência, o sublime
do canalhismo, o que jamais impediu que o bailassem nas salas de
primor".
Pag. 75 No Pará, informa Tó Teixeira, é certa maneira de cantar o lundu, com
pieguice, muito sentimento. Bastante vulgar em Belém de outrora,
especialmente entre as populações negras, ainda aparece hoje no
interior do Estado. Armando Bordallo da
Silva assinala a permanência em Bragança do antigo lundum chorado
como dança e canto incorporado à suíte da marujada. É a terceira
música da marujada, compasso binário tonalidade Ré Maior.
Caracteriza-se pela expressão melancólica da melodia, na qual
predominam "arpejos ascendentes e descendentes que auditivamente
provocam a sensação do vai-e-vem das marés" anotou o maestro Luiz
Pardal no Caderno de Partituras das Músicas da Marujada.
Pag. 77 e) O Maxixe e o Tango - As afinidades do lundu com o maxixe e o
tango são aquelas determinadas pelos modismos. Num certo sentido, o
tango aristocrático; e o maxixe plebeu e moleque. O tango e o maxixe
são fenômenos da Música Popular Brasileira que se manifestaram na
mesma época, mais ou menos no início da década de 1870, no plano
político marcada pelo fim da guerra do Paraguai e da monarquia
francesa, que exportou o movimento operário europeu para o mundo e
as folias da renovada opereta parisiense, trazendo no seu bojo polcas,
valsas, schottischs, quadrilhas e o endiabrado can-can. O tango veio
para dissimular o maxixe, sucesso de aceitação e de rejeição. Chegou
ao Pará e parou. Incorporou-se ao folclore regional. Tango brasileiro,
popular e urbano, que é distinto do tango argentino.
Pag. 79 6. Pagodes e Súcias
Pagode é termo genérico que, designa baile (arrasta-pé) popular. Nas
cidades era a "virada" das danças europeias quase sempre no final dos
bailes. Recordarmos o texto do historiador Arthur Vianna reproduzido
na pág.32: ressalta o momento em que no baile popular o lundu
substituía as velhas e monótonas danças europeias. O baile virava
pagode. Mas o pagode ocorria na periferia da cidade, nos bairros
proletários e principalmente na roça e nos sítios. Nesses ambientes o
lundu era a dança sitiana. Às vezes em ritmo de polca, revelada, como
documento folclórico dos ambientes roceiros do Pará no Mapa Musical
Brasileiro produzido por Marcus Pereira. Na calha do Tocantins,
caminho do Brasil Central, usa-se súcia, ou surça, pronúncia regional,
com o mesmo significado. Em ambos os casos, a palavra é uma
alteração do vernáculo. Pagode brinquedo, zombaria, pândega, também
designa festa familiar, uma súcia. que, em outras circunstâncias, se diz
da reunião de vadios. Num caso e noutro o significado específico
adquirido na sociedade se refere ao lazer popular. Nos pagodes e nas
súcias o lundu encontrou o ambiente ideal para se estabelecer e
desenvolver. Música, poesia e dança se combinam nos pagodes e nas
súcias.
Pag. 80 Como a súcia, baile da ralé, o termo pagode também ampliou o
significado semântico e abrange todo um complexo cultural: dança,
canto, desafio, modinha, lundu, bambaê, siriá etc. Associado ao
mutirão, ou putirum, amplia-se no sentido sócio cultural. No livro
Repente e Cordel, 1985, literatura popular em versos na Amazônia,
define o espaço físico e ampliei o estudo dessa expressão da cultura
popular.
Pag. 80 O cronista Pompílio Jucá descreve as danças imitativas no pagode do
caboclo paraense na virada do século XIX. Observou duas
modalidades perfeitamente distintas: armado o pagode, na primeira
parte predominavam danças de origem europeia, valsas, xotes e
quadrilhas. Depois armavase o batuque. Instrumentos de sopro e de
cordas eram substituídos pelos tambores. As danças de roda traziam
então animação extraordinária. Enquanto aquelas eram simplesmente
bailadas, com muito formalismo, ao som de sofisticados instrumentos,
as segundas alternavam vozes de solista e coro, simultaneamente com
a dança, abrigadas pelos tambores, tal como hoje ocorre com o
carimbo, lundum, banguê ou síria.
Pag. 85 7. Os Sambas
No ambiente das súcias e dos pagodes, trazendo costumes dos terreiros
e das senzalas, desenvolveram-se os sambas ou bailes de negros
libertos e escravos. Embora o Pará não tenha sido incluído nas áreas
brasileiras aonde se dança o samba, no levantamento de Edison
Carneiro (Samba de umbigada, 1961), a verdade é que essa
manifestação está fartamente documentada, de longa data, na
Amazônia paraense, inclusive pelo registro do verbete nos principais
vocabulários de termos regionais.
Pag. 89 8. Intercessões do Lundu nos folguedos Tradicionais
O poeta Bruno de Menezes (1893-1964) tratou do lundu nas suas aulas
sobre o folclore no Pará. Afirmou que o lundu era bastante usual na
Amazônia, desde recuados tempos. Teria se espalhado do Maranhão
para o litoral paraense. Foi muito usado "nos salões que não eram de
requintada nobreza", depois entrou em decadência, sobrevivendo em
algumas localidades do interior paraense e amazonense, Bruno de
Menezes observou o "Peru de Atalaia", em Marapanim - remanescente
no Carimbó atual da mesma região _, dançado outrora pelo "povo
miúdo", com seus movimentos um tanto semelhantes ao lundu, "com a
alteração de que a dama boa' é aquela que engana o cavalheiro' e cobre
a cabeça do mesmo com a barra da saia rodada".
Pag. 89 Fixada a data de 1820 na busca das referências, dada pelos viajantes
Spix e Martius, verificamos que o lundu abrigado ao batuque de ritmo
"desenfreado" se irradiou por toda a Amazônia, principalmente no
Pará. Levado pelos escravos na
fuga ao cativeiro, ultrapassou as fronteiras nacionais, contaminando e
deixando-se contaminar com os ritmos de outros grupos negros e dos
nativos encontrados no caminho.
Pag. 90 Pompílio Jucá observou que na região do golfão marajoara o batuque
se dá após as danças europeias, quase ao findar da noite, quando se
muda a orquestra: começa com a substituição dos instrumentos de
sopro pelos tambores, pandeiros e violas.
Pag. 92 O lundu se manifestou intensamente no teatro popular, no chamado
teatro nazareno e contaminou a burleta regional representada pelos
pássaros, que alguns mais entusiasmados denominaram ópera cabocla
e vazou para diversas manifestações folclóricas interioranas: aiué,
bambaê, marabaxo, marambiré, sairé, gambá que tem por base a folia
de São Benedito ou a Festa do Divino Espírito Santo. Essas
manifestações ocorrem no baixo Tocantins e no baixo Amazonas
principalmente na calha norte, onde restam comunidades de
quilombolas e em todas elas há a interseção do lundu.
Pag. 92 A interseção do lundu pagodes está amplamente documentada. Muitos
desses pagodes estão associados às festas dos sitianos e às devoções
locais que marcam os ciclos comemorativos em muitas comunidades
do interior. As mais visíveis para os observadores se integram, como
vimos atrás, às folias que se associam as manifestações do Aiué,
Bambaê, Marambiré, Marabaxo, Sairé.
Pag. 102 Mas há um traço comum no sairé e no marambiré que é a permanência
do lundu, o ponto alto da festa, sempre tocado ao som de violas,
rabecas e tambores. E vem a longa cena do lundu, com a transcrição de
versos que talvez tenham sido memorizados pelo jovem migrante
português, terminando Com o curioso "romance da Curupira"
Pag. 113 No estudo de cada expressão constitutiva, qualquer inventário se
destina ao exame das raízes, no caso das danças do Marajó, incluídas
nas festas populares, expostas pelos pesquisadores que nos
antecederam. Essas pesquisas apontam as raízes mestiças da cultura
amazônica. Aí o lundu se inclui no conjunto de expressões folclóricas
derivadas do batuque. O batuque, por sua vez, deita raízes na África,
em especial dos povos bantu.
Pag. 115 Na origem do lundu os estudiosos identificaram, desde os primeiros
tempos o canto e a dança dos calundus, dos feitiços, ou os ritos dos
negros vulgarmente denominados batuques. O lundu dissociado do
calundu perdeu o caráter hierárquico, ganhou autonomia, mas ainda
pode ser examinado como intercessões nos folguedos tradicionais, na
Amazônia, em particular, no sairé, no marambiré, no gambá, nas folias
de santo. Afinidades e intercessões, assim como a dinâmica do
folclore, admitem intenso intercâmbio entre os temas predominantes
nesta ou naquela época, resultando na expressão da musicalidade que
permeia a música brasileira em todos os níveis, chegando a se
transformar numa larga faixa do tempo numa expressão da música
nacional, até a generalização do samba.
Pag. 117 O lundu permeia uma fase importante da construção do modelo
nacional de cultura. Na Amazônia invadiu as culturas do nativo,
emprestando-lhe uma característica de miscigenação tão rica quanto
definidora do facies mestiço amazônico.
Pag. 135 14. Resumo
Na ilha do Marajó é comum dançar-se o lundu ao som de violão,
cavaquinho e tambores, porém uma das formações instrumentais mais
difundidas na ilha – como em geral no Pará -inclui flauta, violão e
cavaquinho.

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