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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ (UEPA)

Curso de Educação Física – Licenciatura


Aluno (a): Sibele Cristine Rodrigues Trindade
Fichamento: Salles, Vicente, 1931-2013 Lundu: canto e dança do negro no Pará /
Vicente Salles; coordenação Jonas Arraes. Belém, PA: Paka-Tatu, 2016. 276 p.

Pag.10 PREFÁCIO
O estado colonial português, Grão-Pará e Maranhão, foi ligado
diretamente à coroa portuguesa até o ano de 1823, quando, em 16 de
agosto daquele ano, aderiu à independência do outro estado chamado
Brasil. Este período inicial foi marcado pela presença do europeu em
terras antes somente habitadas por diversas etnias indígenas. A partir
das ações do poder político e da Igreja Católica, as confluências
culturais foram intensificadas com a chegada dos negros escravizados.
No entanto, o modelo de cultura europeu foi imposto, objetivando o
domínio do homem e da terra conquistada.
Pag. 11 Os religiosos católicos, principalmente jesuítas, franciscanos e
mercedários, estabeleceram, no âmbito da catequese dos índios, a
música como estratégia de aproximação. Com a chegada, à Amazônia,
dos negros escravizados, ainda no Séc. XVII, novos encontros culturais
se estabeleceram desde então. O barroco europeu, com violinos,
órgãos, violas, partituras e técnicas de canto, se encontraram com a
música indígena, não tonai, de rítmica fluida e eminentemente
ritualística, e a música negra, pulsante, de rítmica sincopada, própria
para a dança e para os ritos africanos.
Pag. 11 Respigando (como Vicente bem gostava de falar) informações de
documentos antigos, literatura poética e romanceira, Vicente Salles
analisa, compara, exemplifica, através de exemplos em partitura, os
diversos gêneros derivados do batuque, colocando o Lundu como
protagonista da origem de outros subgêneros musicais. Ao apontar as
características do Lundu, Salles nos apresenta uma análise
musicológica de alto nível técnico, apontando a frequência de notas
repetidas, modo maior, ritmo binário, caráter jocoso dos versos, entre
outras, clarificando para músicos e ao público em geral as sonoridades
e a mensagem textual deste importante gênero da cultura negra
brasileira.
Pag. 11 Além de demostrar que o Lundu está presente no Pará há séculos, ele
comprova que esta manifestação de canto, performance instrumental e
dança se intercalou com a música erudita, viajou para outros sítios,
inclusive salões imperiais, e se fez presente em obras para
instrumentos europeus, como o piano, obras sinfônicas e de câmara,
naquilo que ele chama de continuum erudito-popular e que funciona,
segundo o mesmo, pela outra via do popular-erudito.
Pag. 12 Suas pesquisas apontaram que, desde 1820, o Lundu já aparecia na
Amazônia e que, ao longo dos anos, foi preservado pela comunidade
negra dos mais longínquos sertões, como também nas cidades, estando
presente até os dias, seja como um gênero autônomo, seja como
elemento integrante em outros gêneros, como retumbão, carimbo,
marabaixo, samba etc.
Pag. 19 INTRODUÇÃO
O ciclo colonial estava se encerrando no Brasil quando surgiram as
primeiras notícias do batuque e do lundu, danças de negros. O batuque
nos terreiros, o lundu já num processo de ascensão social, chegara aos
salões e aos teatros, muitas vezes se emparelhando com a modinha.
Tollenare viu dançar o lundu no teatro de Salvador, Bahia, em 1818.
Pag. 19 Quando Spix e Martius chegaram a Belém do Grão-Pará em 1820
notaram o espírito folgazão dos mulatos da terra e que estes não eram
diferentes de seus congêneres do Nordeste e do Sul do país, dançando
na rua o lundu, e contaram de sua preferência:
Pag. 19 A imagem de Rugendas mostra o lundu no Rio de Janeiro como dança
de terreiro, tal como o batuque documentado em São Paulo. Ela
mostra, com destaque, a adesão de jovem casal de brancos dançando o
lundu assistidos pelos escravos negros.
Pag. 19 E os estudiosos fizeram prospecções no passado mais remoto e
encontraram notícias no século XVIII, assim como verificaram a
expansão para a metrópole portuguesa, levado por anônimos
portadores, marinheiros e outros indivíduos que retornavam ao reino e,
como alguns afirmam, principalmente pelo poeta Domingos Caldas
Barbosa (1738-1800), célebre autor de Viola de Lereno: ele teria sido o
responsável pelo derrame de modinhas e lundus brasileiros em Lisboa
desde 1779.
Pag. 20 O batuque e o calundu vieram diretamente da África. Muitos admitem
que o lundu é criação do negro no Brasil. Do batuque derivam danças
folclóricas de marcada influência africana como o lundu e, certamente,
nos primeiros tempos, disfarçava as danças de cunho religioso dos
negros.
Pag. 20 O calundu também veio na bagagem cultural dos negros bantos,
espalhados por toda a parte pelos traficantes de escravos para atender
os interesses da classe senhorial que sustentava a economia da colônia
com o estímulo e a regulamentação da metrópole. Eles estabeleceram
ainda os fundamentos de cultos e práticas religiosas disseminados pelo
país.
Pag. 21 Ao submeter o índio, o habitante da terra, e o negro, traficado para
sustentar a economia, o europeu impôs o seu modelo de cultura. Na
imposição desse modelo estão os fundamentos, as raízes da Cultura
Mestiça, resultado final desse processo que abrange não só a lúdica e
outras expressões culturais que explicam a formação ao longo do
tempo das tradições, a conduta e o hábito das gentes, seus fazeres e
saberes.
Pag. 21 Quanto ao Grão-Pará, há dificuldades em se documentar a
manifestação do lundu no século XVIII. Informações sobre danças e
instrumentos musicais dos negros são, porém, abundantes, já naquele
tempo.
Pag. 21 Respigamos da literatura dos cronistas e viajantes, assim como da
correspondência oficial, informações precisas acerca de instrumentos
musicais dos indígenas, da introdução de variado instrumental europeu
e outros trazidos pelos negros escravos.
Pag. 22 E havia o instrumental indígena, cuja variedade também foi mostrada
por Alexandre Rodrigues Ferreira. Ele ainda mostrou que os negros
introduziram no Pará, além dos tambores, base do batuque nas danças
de terreiro e nos seus cultos, alguns instrumentos mais sofisticados
como a sanza, na estampa denominada marimba, e uma espécie de
"viola". São dois documentos datados de 1785 e que mostram a
versatilidade do instrumental músico africano.
Pag. 22 A viola foi um dos instrumentos mais difundidos na Amazônia desde
os primeiros tempos da ocupação portuguesa, companheira inseparável
dos descantes líricos e/ou satíricos, dos cantadores de toadas,
modinhas e lundus.
Pag. 23 Viola e violão foram particularmente estimados pelos negros e ficaram
associados à vadiação dos escravos. Notou Wallace, companheiro de
Bates, que os negros escravos do Marajó tocavam uma espécie de
guitarra construída por eles mesmos: "O seu instrumento é uma
espécie de guitarra, por eles fabricada, da qual obtêm três ou quatro
notas, que são repetidas, horas seguidas, na mais enfadonha
monotonia."
Pag. 24 Disse que os portugueses residentes no Pará tocavam o bandolim
duma maneira muito especial, que os negros revelavam a mesma
disposição para a música e dedilhavam seus cavaquinhos repetindo
incessantemente o mesmo ponteado do lundum, acima citado.
Pag. 27 Viola e violão. Ambos são aconchegados ao peito do trovador. Viola,
predileção dos sertanejos. Violão, em geral, nas cidades. A
consagração da viola está nas modinhas e nos lundus, como nas trovas
populares, em que a colheita resulta sempre farta, a exemplo das que
garimpamos da bibliografia regional.
Pag. 29 Modinha e lundu são considerados as duas mais importantes raízes da
música popular brasileira. A modinha derivada do canto europeu é o
modelo do canto imposto pelo colonizador que, na nova terra, teve de
adaptar-se à convivência com os produtos das culturas dominadas. Ao
sofrer as modificações determinadas por esse contato, o modelo
europeu também se modificou. Nasceu a modinha, o canto nacional.
Pag. 29 Desde os historiadores mais antigos, a modinha e o lundu vêm
associados como expressões da música popular brasileira. Embora se
reconheça o perfil individual de cada modalidade, somos tentados a
estudá-las em conjunto, ou paralelamente, pois são imensos os vasos
comunicantes. Tal a abundância de documentos coletados no Pará que
podemos estudar individualizadamente este cancioneiro.
Pag. 29 O lundu admite parentescos com a modinha, assim como admite
parentescos as chulas portuguesas.
Para Mozart de Araújo, a modinha e o lundu representam, por assim
dizer, os pilares mestres sobre os quais se ergueu todo o arcabouço da
música popular brasileira. O lundu, descendente direto do batuque
africano, foi a válvula de equilíbrio emocional de que se utilizaram os
escravos para amenizar as agruras do exílio e os sofrimentos da
escravidão. Espalhou-se por todo o Brasil e nos primeiros tempos do
século XIX já podia ter referências em várias regiões.

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