Aluno (a): Sibele Cristine Rodrigues Trindade Fichamento: FERREIRA, D.H.A. O FASCÍNIO E O ENCANTO DA HISTÓRIA DE UMA DANÇA. 132f. Monografia apresentada para obtenção do título de Especialista no curso de Pós-graduação em Pedagogia do Movimento Humano, Universidade do Estado do Pará, 2004.
Pag.88 Entrevistado: MARIA AMÉLIA BARBOSA RIBEIRO
Bancária. Coordenadora do Grupo de Tradições Marajoaras "Cruzeirinho". Eu ainda tive a oportunidade de conhecer o lundum, dançado por aquelas senhoras antigas, bem morenas. Eu não acho assim, na dança em si, muita diferença, até porque o nosso grupo, o "Cruzeirinho", fez essa pesquisa e trouxe justamente dessas pessoas que moravam nas fazendas, que não tinham muito contato com a cidade e, estava ainda bem conservado. A diferença só que eu acho, que antigamente era uma dança espontânea. Eles nem ensaiavam pra dançar. Eles já faziam aquilo assim... tinham mesmo, já era coisa deles, aquilo no sangue e, não era preciso de ensaio nem nada. E hoje em dia nós ensaiamos, mas, procurando sempre aprimorar e preservar como eles dançavam antigamente. A diferença é essa, hoje nós ensaiamos e antigamente não. Eles iam pras festas, faziam as festas deles nas fazendas e dançavam automaticamente, sem precisar de ensaio nem nada. Mas, a dança em si, não tem lá essas coisas, porque até hoje, nós temos um senhor que tem 94 anos, o Seu Juvêncio, e ele ainda dança o lundum. Pag.89 Eu tive a oportunidade também de assistir em Belém, um grupo, que na hora da apresentação ele anunciou: "É o lundum marajoara”. Eu acharia assim, que eles deveriam dizer que iam dançar o lundum, mas, não intitulassem o lundum marajoara, porque eu, inclusive, comentei com algumas pessoas que estavam perto de mim: "Eu moro no Marajó, nasci no Marajó, e nunca vi dançar o lundum desta maneira”. Então eles não deveriam intitular como lundum marajoara, é totalmente diferente do nosso. Não tem nada a ver com o lundum marajoara. Pode ser outro lundum, mas, não o que ficou aqui pro nosso povo marajoara. É uma dança muito bonita o que eles fazem, mas, não como título que eu acho, porque nós moramos aqui e nós conhecemos a nossa cultura, então deveriam dizer é o lundum. É bonito, não resta dúvida, mas como cultura marajoara é enganosa. Pag.93 Entrevistado: HELOÍSA EYMARD VASCONCELOS SANTOS. Professora de Geografia. Aposentada em Técnica em Educação - Supervisão Escolar. Presidente do Grupo Cultural "Eco Marajoara". Porque é difícil hoje a gente falar o termo lundum marajoara, lundum africano, que eu não sei como ele surgiu, que a gente vê aquela dança bastante erótica e, na Tapera, foi as nossas raízes. Levei o grupo pra Tapera, e lá, eu 1 dia, 2 dias, 3 dias, eu consegui a prof®. Edna Vasconcelos, D. Ana Maria, colocar esse lundum pra nós e é o que o "Ecoa Marajoara" dança hoje. E eu espero que com essas duas músicas que nós estamos trazendo em CD, esse lundum fique no Estado do Pará. É o que nós estamos pensando. Quem dera não é, que haja uma venda do lundum marajoara mesmo, propriamente dito. Pela pesquisa que já fiz em Belém, eu não vejo um lundum marajoara. Eu fiquei até triste quando ano passado (2001), nós estivemos em um restaurante, não interessa aonde, nem com que grupo foi, na hora que disseram: "Vamos ver o lundum marajoara", que elas vieram seminuas, que está tipo a novela "O Clone", falando do desnudo, eu me vi horrorizada. Mesmo sendo uma cinquentona, mas eu me considero jovem ainda, eu achei aquilo horrível dizendo que estavam dançando o lundum do Marajó. Então o lundum do Marajó ele não é desnudo, a blusa, conforme o passado, ela vem até a cintura e aquelas saias longas. Então eu não sei se coloquei bem pra você, o que seja o lundum marajoara, mas é o que conheço. Só esse pouquinho de raiz que eu tenho. Pag.95 O que nós procuramos detectar, não digo pesquisar, observar nos grupos, é que eles não dançam como ontem. Eu sempre procuro olhar como eu falei ainda agora, a D. Maria, D. Tereza, todas aquelas velhinhas que dançavam, elas traziam uma coisa lenta, sensual; a D. Maria chega ia leve no salão. A medida que começava o lundum, D. Babaia, ela saía e o homem querendo-a conquistar, ela vinha numa lentidão tão gostosa, sempre ela renegando, que o prof. Marconi uma vez pronunciou essa palavra, que o macho procura a fêmea. Pag.96 Hoje elas jogam a saia, hoje nós dançamos o lundum, mas não é igual a ontem. Nunca foi igual ao ontem. Elas sempre dançam mais rápido, e quando elas procuram dançar na lentidão, eu vou falar agora na gravação, elas dizem assim no final: "Ai, minha perna tá tão doída, que eu tô com uma cãibra horrível". Pag.98 "Olhe prof. Heloísa, eu vou em Soure, eu quero ter o lundum marajoara", eu s ou feliz em trazer uns 5 casais pra gente ver mesmo o lundum marajoara propriamente dito. Com certeza. E o "Eco Marajoara", eu tenho certeza, que é o único grupo que imita o passado. A música é mesmo dele, do mestre Biri, que ele veio de lá. Ele cansou de ir pra Assembleia Paraense, mesmo porque eu não sei onde está o compacto que eu tenho ainda, tocado naquele outro toca-discos, sei lá como era o nome, que foi feito pela Casa da Cultura. É muito bonito o lundum marajoara. Pag. 100 Entrevistado: ALAID GONÇALVES DA SILVA (Babaia) Artesã aposentada. Dança o lundum marajoara desde os 12 anos. A chegada pra encontrar o turismo. Naquela época não tinha turismo. Dançava à vontade, que era só mês de São João mesmo. Hoje em dia a gente vê, aqui dentro de Soure, as pessoas levarem pra encontro nos hotéis, pra dançar pra turista ver. Convidar pra dançar, eles não sabem, dançam assim, mas cumprimentam com a saia, não pode pegar, é cumprimentando com a saia, então uma hora por outra bater o pé 3 vezes ele compreende e vem. Isso que é. Mas na nossa época não, não tinha nada disso. Hoje tá tudo mudado e o convite é esse, pra turismo. É nos hotéis, nas pousadas, na "ponte", numa praça quando é preciso. E por aí. Fazer divulgação é uma coisa boa. O lundum de hoje, eu acho assim um pouco, muito diferente do lundum que dancei. Eles dançam em conjunto, vão pra ensaio. E na nossa época não. O cavalheiro tirava, a gente já ia tão bonita dançar aquilo. Sem saia, que é da natureza mesmo. Ninguém dizia assim, vem um cavalheiro pra tirar, não, não vai. Não, a gente gostava, a gente ia sair, dançava mesmo. Hoje não, vão ensaiar, passam semanas ensaiando, pra quando turismo chegar tá tudo bonito. Hoje dançamos o lundum abaixado, quase assim tipo de "cóca", assim né? Pag. 101 Antigamente numa festa comum, tocava, saía as damas dançando, eles dançando do lado de lá, se misturavam tudo, de repente achava um cavalheiro, não é. E achava uma dama, às vezes a gente levava até o fim, às vezes a gente passava pra outro cavalheiro. Na hora de jogar a saia já era outro. Quer dizer, era dança, não era grupo, não era nada, era uma dança. Pag. 106 Entrevistado: IOANALVA DE FÁTIMA FIGUEIREDO BARBOSA. Proprietária do restaurante "Delícias de Nalva". Atualmente cursando Letras na Ufpa. Está escrevendo um livro sobre a cultura culinária, relacionada às lendas do Marajó (Soure). Exerce também a função de carnavalesca pela Escola de Samba "Pretos do Mocambo". Os nossos grupos preservam a dança. Aqui em Soure, nós temos um acervo muito grande, de 2.000 lunduns, que pertencem ao mestre Biri. O "Eco Marajoara" preserva esse lundum. Inclusive quem ensinou para o grupo, foi alguém da Fazenda Tapera, que foi o 1o grupo folclórico a ir para a Assembléia Paraense em Belém, segundo eu li no livro "A mulher que eu sou" da D. Dita Acatauassu.
Funcionária pública lotada na Secretaria de Turismo de Soure. Coordenadora do Grupo de Tradições Folclóricas "Os Aruãs". O lundum marajoara significa para mim uma dança sensual. Ele tem muita diferença da dança passada para a dança de hoje. É uma dança sensual, tipo uma conquista. Uma dança da conquista. A dança de ontem, é uma dança mais lenta, com passos muito diferentes onde tinha o estalar dos dedos que eles faziam, batiam palmas, dando um alerta à dama. E tocavam os dedos como se fossem castanholas. Hoje, no meu entender, ela já foi mais estilizada, ela ficou mais para a banda do amor, da conquista, do sexo. Aquela conquista que faz entre os casais, que antigamente tinha aquela dança, onde a dama jogava a saia na cabeça do homem, que ele nunca tinha que deixar, porque aquilo para ele era uma humilhação levar a saia na cabeça. Hoje é fatalmente diferente, a gente vê muito pouco esse passo no lundum atual. Pag. 110 Hoje, baseado no antigamente, a dança foi mais estilizada. Ela ficou um pouco mais frenética, mais sensual, mais solta, existe aquela sensualidade, foi tirada muita coisa. Já no antigo, existia aquela cadência, aquele ritmo mais lento. Tinha os passos mais cadenciados, aquela coisa mais. Era tipo assim mais respeito. Hoje não é que seja desrespeito o lundum de hoje, é que ele ficou mais sensual, mais provocante. Pag. 111 Porque antigamente o caboclo dançava mesmo a dança, o respeito à sua parceira. Eles tinham um jeito de dar um gritozinho, e batiam na mão, tocavam o dedo como se estivessem tocando a castanhola, marcado o ritmo no pé. Hoje não, ela passou, como falei anteriormente, ela é mais frenética, mais sensual, mais provocante, mais até arriscada, que fica aquela dança, que hoje eles usam a indumentária totalmente diferente. Antigamente eram saias largas com anáguas, tudo, e ainda usavam no antigo, aqueles shorts. Hoje não, é na calcinha mesmo, dançado sem anágua, a saia muito mais larga, que ficou uma dança sensual sim, é uma provocação, é uma conquista da mulher ao homem. Pag. 111 O lundum marajoara tem muita gente que comenta, que essa dança já foi proibida pela igreja, mas, todos os grupos que têm aqui, eles têm um estilo. Então, o nosso grupo, tem um estilo totalmente diferente. É um estilo sensual mesmo. É aquele estilo que foi condenado pela igreja. As meninas dançam mesmo com toda a sensualidade, é aquela provocação do amor, aquela conquista. Já os outros grupos dançam mais pro lado do vaqueiro, mais lento, mais pro lado do vaqueiro marajoara, como dançavam nas horas vagas do seu serviço. A coisa mais lenta, mais cadenciada. Já no nosso grupo não é assim. Agora eu vejo o lundum como uma dança qualquer, mesmo porque a gente já está acostumado com isso. Tem gente que aplaude, tem gente que condena, mas, eu vejo de uma maneira normal. Pag. 113 Entrevistado: ZENEIDA LIMA Pratica a Pajelança Cabocla, que veio da tradição dos índios marajoaras Pra mim significa a sedução, o homem da mulher, e sempre os dois levando... o homem cortejando a mulher, e a mulher se fazendo de dengosa. E a tentação, até chegar o momento em que ela cobre ele com a saia e terminou. Parte pra outra. A palavra pra mim é dança. Pag. 114 Olha, são muitas, muitas mesmo. O lundum já passa muito longe. Primeiro que o povo já começou a inovar com outras coisas, criando outros passos, quando isso não devia existir, entendeu? O lundum era uma coisa mais séria, mais sedutora, sem dúvida com toda a força da sedução. E hoje em dia não, eles tiraram aqueles passos, o próprio gingado, o corpo da mulher, ficou mais dura. Ela não se deixa gingar, não é como o carimbo, que se rebola não. É aquele gingar, aquele feito uma cobra. Então isso aí foi perdendo e eu acho que tem muito poucas pessoas que, dançam o lundum aqui dentro do Marajó. O lundum de verdade, do meu tempo. Agora, esse lundum que tem aí, são muitos. Pag. 115 Pra mim como o lundum veio da África e, outras e outras danças também, então eu acho que o lundum quando chegou no Brasil, os africanos que já estavam aqui, criaram essa barrigada, que pra mim, eles tiraram alguma coisa do lundum. Porque quando bate a barrigada, ele mete as coxas entre as pernas da mulher, então pra mim é isso aí, saiu do lundum, porque ele tem a mesma coisa, esse mesmo manejozinho. Só perde pra essa barrigada. Acho que isso que está acontecendo agora, desses homens dançarem com essa perna assim, eles dão a barrigada. Que era dançada no Maranhão, até hoje. Até uns 10 anos atrás, dançava no Maranhão, eu apreciei. Dançou também no Rio de Janeiro, lá em Caxias. Eu fui uma vez em Caxias e dançaram essa barrigada. O pessoal que também era do Maranhão estava nesta festa em Caxias, dançaram. Tanto o grupo maranhense, quanto os cariocas, dançaram. E era a mesma coisa, meia noite dá a barrigada. Pag. 118 Entrevistado: HERONILDES DE ALBUQUERQUE ACATAUASSÚ (Dona Dita). Professora, contabilista, proprietária da fazenda Tapera, em Soure, na ilha do Marajó. É um preito, vamos dizer no meu entender, de admiração, e um preito quase carismático. É uma atração normal entre homem e mulher, sadia, sem malícia. Então, dançando eles, vamos dizer assim, não é o requebro que dão hoje. É o requebro do corpo inteiro. Não só da cintura pra baixo, como fazem. Pag. 122 Soure é muito importante, como também o é Salvaterra. Já foram um só, já separaram, já tornaram a se unir e já estão outra vez, mas somos todos amigos. A gente vem por Salvaterra, chega em Soure. Vem por Soure, chega em Salvaterra, então é uma coisa só, é só um pedaço do Marajó. É um dos pedaços mais bonitos que temos. Pag. 122 Ela conhece a história do lundum, vamos dizer assim, melhor do que eu, porque de fato não é fácil dançá-lo como ele é, o que hoje muitas vezes por uma questão talvez de comodismo, ou de querer mostrar que sabem, dançam sem camisa. Não existe isso, nunca. Dançam com essas blusinhas que aparecem a barriga da mulher. Não. Dançam de tamanco, eu já vi. Isso é o "Sarapico Português", portuguesa típica, mas não é nossa. Então nada despido é marajoara. A calça social normal, comprida, camisa para fora da calça, para dar leveza ao movimento. Para dar possibilidade de dançar. Muitas vezes hoje, esta camisa que eu uso, tradicionalmente para fora, minhas sobrinhas cortam ou metem para dentro da calça, e perde.