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BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO FÍSICA E SUAS TENDÊNCIAS ATUAIS A

PARTIR DA IDENTIFICAÇÃO DE ALGUMAS TENDÊNCIAS


DE IDEAIS E IDÉIAS DE TENDÊNCIAS

SHORT HISTORY OF THE PHYSICAL EDUCATION AND ITS CURRENT TENDENCIES FROM THE
IDENTIFICATION OF SOME TENDENCIES OF IDEALS AND IDEAS OF TENDENCIES

Carlos Henrique Ferreira Magalhães∗

RESUMO
Este artigo constitui-se numa reflexão a respeito da trajetória dos conhecimentos que sustentaram a formação profissional da
Educação Física. Constata-se ao longo de sua história a prevalência do caráter tecnicista e empírico-analítico, com poucas
reflexões realizadas em torno da prática, a não ser aquelas oriundas dos tratados anatamofisiológicos, que se tornaram
hegemônicas nesta formação profissional. O formando esteve quase sempre voltado para algo prático, sem grandes
preocupações com o embasamento científico do conhecimento. Não obstante, principalmente a partir do final da década de
setenta do século XX, apareceram outros parâmetros, outras idéias e ideais, muito em função das idéias críticas, progressistas
e socialistas que emergiram nos trabalhos teóricos da educação.
Palavras-chave: História. Educação Física. Educação.

INTRODUÇÃO apoiado em Mahler (1986), observou ser uma


fase exógena.
A prática profissional em Educação Física Em que pese, porém, à persistência de
no Brasil ainda tem uma história curta pois essa muitos valores das influências exógenas até os
profissionalização é bem recente. No Brasil, dias atuais, é possível falar em um momento no
militares e médicos contribuíram na estruturação qual os professores de Educação Física lutaram,
e organização dos conhecimentos para esta e lutam, pelo que seria uma orientação
formação profissional, a partir de um momento endógena, com influências das teorias
bastante significativo de sua história, o início no educacionais crítico-progressistas, Oliveira
século XIX. (1994), apoiado em Mahler (1986), visto que a
Cabe destacar que a dicotomia prática-teoria Educação Física começou a ser pensada como
em torno da Educação Física já estava presente possuidora de valores e métodos específicos a
no século XIX. Os médicos construíram os sua prática profissional. A fim de explicitar a
estudos científicos, ou seja, a teoria, enquanto os nossa reflexão sobre estas duas perspectivas –
militares organizaram a prática segundo alguns fases exógena e endógena – iremos caracterizá-
manuais de ginástica. Os médicos produziram las.
estudos teóricos na faculdade de medicina a
respeito das atividades físicas, enquanto os
militares, a partir de tratados que 1ª FASE: INFLUÊNCIA MILITAR E MÉDICA
exemplificavam alguns métodos ginásticos, (FASE EXÓGENA)
construíram seu conhecimento a partir da prática
de atividades físicas. Esta fase de predominância Considera-se para efeito desta dissertação
da orientação militar e médica da Educação que a fase exógena da Educação Física iniciou-
Física caracteriza o período que Oliveira (1994), se, no Brasil, com a vinda da família real, em
1808, ao fundar as primeiras instituições


Mestre. Professor Assistente do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá.

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públicas: Biblioteca Nacional, Escola de 1883, Higgins recebe orientações médicas para
Engenharia, Escola de Direito, Escola de realizar atividades físicas. Na Escola Normal da
Medicina e a Academia Militar Real. Foi Corte é aprovado com distinção pelo Capitão
justamente por meio dos militares da Academia Ataliba Fernandes, e com isto torna-se um dos
Militar Real que houve a sistematização dos novos instrutores de ginástica no Rio de Janeiro.
conhecimentos práticos das atividades em Em 1896 publica seu Compêndio de Ginástica
ginástica, caracterizadas, inicialmente, pelos Escolar. Esta obra é uma referência importante
métodos ginásticos alemães, por influência da para a Educação Física na época, trazendo uma
contratação de um instrutor alemão responsável “concepção higienista que as atividades físicas
por preparar fisicamente os militares brasileiros. adquiriram junto ao projeto e ao discurso de
Pouco depois, pesquisas sobre a atividade física regeneração da sociedade brasileira” (CUNHA
foram também realizadas na Faculdade de JÚNIOR, 1999, p. 1325). Mas os militares
Medicina do Rio de Janeiro. Uma das primeiras continuaram até a década de trinta do século XX
teses que tratam da importância da atividade com influências significativas na formação
física para a saúde data de 1845, com o título: profissional de instrutores de ginástica.
“Algumas considerações sobre a Educação São os militares os responsáveis pela
Física.”. formação dos primeiros “mestres de ginástica”
Os estudos nessa época defendem que a no Brasil, formação que teve sua prática
atividade física: sistematizada no século XX, na antiga Escola de
Esgrima, inaugurada em 1902, em São Paulo.
além do aprimoramento físico e da Sob a influência de alguns militares franceses,
saúde individual [...] promoveria em 1909, essa escola transformou-se na Escola
também um maior controle das funções de Educação Física da Força Policial do Estado
e dos movimentos corporais, bem como
de São Paulo. Nesse período o método de
dos instintos destrutivos e dos desejos
sexuais que [...] impelia aos vícios,
ginástica alemão é substituído pelo método
permitindo uma maior limitação de [...] francês de ginástica, “orientado pelos princípios
vontade e um maior controle de [...] da fisiologia” (Marinho,1958,p.78).
emoções ( PAGNI, apud CUNHA O corpo teórico que se constituía então
JÚNIOR, 1999, p. 1325). recebeu também contribuições de estudos
médicos que, com base no modelo biomédico,
A inclusão da Ginástica na grade curricular procuravam explicar cientificamente os
de uma instituição pública de ensino civil no possíveis benefícios anatomofisiológicos
Brasil aconteceu no antigo Ginásio Nacional conquistados pela ginástica.
(atual Pedro II), no ano de 1837, no Rio de A partir de 1919, os militares intensificaram
Janeiro. Nessa época os instrutores de ginástica sua preocupação com a sistematização e
eram, na sua maioria, os militares, que disseminação nacional da prática de atividades
aplicavam o método alemão aprendido na físicas. Por essa ocasião as discussões a respeito
Academia Real Militar. Uma iniciativa da Educação Física se fortaleceram, também,
importante de ordem legislativa aconteceu em entre as autoridades públicas. Fundou-se, em
1854, com o então ministro Couto Ferraz 1922, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, o
Centro Militar de Educação Física do Exército,
incluindo a Ginástica como obrigatória no
que se expandiria no ano de 1930, com a criação
ensino primário e a dança como obrigatória no
de centros regionais em São Paulo e Minas
ensino secundário.
Gerais, fundamentando-se na ginástica,
Logo, entende-se que estas ações
especialmente para atingir objetivos de saúde e
proporcionaram uma sistematização de cultura
ideais de eugenia .
física no Brasil. Novos instrutores eram
formados também na antiga Escola Normal da O pensamento eugênico construiu-se a
Corte, entre eles um que se destaca partir de uma hipocrisia da moral
historicamente pela sua produção sobre ginástica burguesa para melhorar e regenerar a
escolar, no fim do século XIX: Arthur Higgins. raça branca. Afirmava ser necessário
Após ter contraído tuberculose, aos 23 anos, em [...] restringir a proliferação de infra-

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homens, de semi-alienados e de O ingresso na ENEFD apresentava uma


dementes, pela higiene do corpo e do diferença quanto aos pré-requisitos de ingresso
espírito [...] (além de) fazer com que as nas demais carreiras de nível universitário. O
pessoas fortes, equilibradas, inteligentes ensino secundário, nessa época, era subdividido
e bonitas, tenham um maior número de
em fundamental e complementar. Isto
filhos, para que o número médio destas
pessoas [...] se eleve progressivamente significava que carreiras como medicina e
(KEHL apud SOARES, 1994, p.145) direito, além de outras, exigiam do candidato a
posse dos cursos fundamental e complementar.
Alguns pedagogos defenderam as atividades Já dos vestibulandos de Educação Física, só lhes
físicas, como Fernando de Azevedo, que, por era exigido o secundário fundamental, deixando
exemplo, encaminhou professores da rede indícios da existência de uma despreocupação
pública do Distrito Federal para cursos de intelectual no ingresso nessa carreira. Além
Educação Física do Exército, em 1929. disso, inicialmente as disciplinas pedagógicas
O projeto de atividade física para a não faziam parte do plano curricular dessa
sociedade civil tendeu à expansão, e foi com graduação. Parece que somente quando a
uma ação decisiva do governo de Getúlio licenciatura em Educação Física passou a exigir
Vargas, em 1933, que surgiu a possibilidade de cursos com disciplinas pedagógicas os seus
transformação do Centro Militar de Educação professores começaram a se entender como
Física em Escola de Educação Física do educadores. A falta de formação em Educação,
Exército (Esefex). No dizer de Ferreira Neto associada aos objetivos da Educação Física na
(1998, p.291) esta foi a “célula-máter” da era Vargas (desenvolvimento da força de
formação de profissionais para a área no país. trabalho e cultivo de valores morais, em especial
A Esefex promoveu em 1938 um curso de o civismo e o patriotismo) configuraram um
emergência, onde se formaram alguns obstáculo para a formação intelectual de seus
instrutores que teriam de cumprir uma finalidade professores, permitindo que outros profissionais
especial na época. Estes instrutores, formados na (médicos e militares) durante algumas décadas
turma de 1938, junto com alguns médicos, determinassem a organização de seus
conhecimentos e da sua formação profissional,
militares e destaques esportivos da época,
uma vez que permaneceram na direção da escola
formaram o primeiro corpo docente da Escola
ainda por alguns anos.
Nacional de Educação Física e Desportos
A ENEFD foi um modelo de instituição de
(ENEFD) da Universidade do Brasil , criada em formação de professores de Educação Física
1939. Até essa época, médicos e militares para muitas escolas ou faculdades criadas nas
vinham fundamentando a organização dos universidades brasileiras. Pode-se até afirmar
conhecimentos e a formação profissional da que em determinados momentos a história da
Educação Física. A criação de uma escola civil ENEFD se confunde com a história da Educação
não foi uma prerrogativa para que os instrutores Física brasileira.
da época tomassem a direção política da A disciplina militar e os códigos
Instituição. Pelo contrário, inicialmente os biomédicos associados aos objetivos da era
militares, e logo a seguir os médicos, foram Vargas tiveram influência significativa na
aqueles que, por sucessivas gestões, ocuparam a formação profissional em Educação Física, mas
direção da ENEFED. Aqueles que eram a cultura do movimento sofrera influência de um
inicialmente os instrutores e logo a seguir os fenômeno mundial: o esporte, como comenta
professores de Educação Física possuíam pouco Bracht (1992):
poder para determinar os caminhos a serem
perseguidos para a formação profissional. Nesse
tempo a Educação Física, enquanto disciplina, O esporte sofre após a 2º guerra
não era dona de sua história; seus objetivos eram mundial um grande desenvolvimento
determinados por outros atores. Seus professores quantitativo. Afirma-se paulatinamente,
eram executores de vontades alheias. em todos os países sob a influência da
cultura européia, como o elemento

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hegemônico da cultura de movimento ao esporte, iniciada após a Segunda


(p. 22). Guerra Mundial, foi ainda mais
radicalizada, o que contribuiu para que
Dentre as diversas críticas feitas ao esporte ele se consolidasse praticamente como
vale lembrar alguns comentários do filósofo conteúdo exclusivo das aulas de
Theodor W. Adorno, citado por Vaz (1999), ao educação física ( p.130-131).
criticar “o caráter de crueldade na relação com o
próprio corpo, o irracionalismo presente nos O caráter competitivo do esporte de
espetáculos esportivos de massa” (VAZ, 1999, rendimento passou a fundamentar o método
p.1183). Adorno estava convencido de que a educativo em Educação Física. Partiu-se do
competição estimularia os homens a tratarem-se pressuposto de que as relações humanas
com agressividade, além de manter formas necessitam da competitividade, objetivando a
arcaicas de violência física. Isto fez Adorno sobrevivência.
desacreditar do caráter emancipatório do Esporte Com efeito, esta influência da fase exógena
: “O esporte seria uma mediação privilegiada na Educação Física criou alguns obstáculos para
entre crueldade e submissão à autoridade, a formação do seu profissional. A associação da
atividade disciplinadora no sentido de aceitação disciplina militar à “cientificidade” proposta
das regras do jogo” (ADORNO apud VAZ, pelo modelo biomédico e a redução da cultura
1999, p.1187). Na verdade, observa-se, ainda corporal de movimento ao esporte criaram uma
hoje, o sentido dado aos treinamentos que série de obstáculos, que vieram a ser criticados
exigem rigidez disciplinar a fim de conquistar por professores de Educação Física mais
algum estágio de desempenho físico. O corpo é adiante. Entre essas críticas, percebeu-se que o
treinado para “tolerar a dor”. Mas Adorno status científico das relações de causa e efeito
admite valores positivos no esporte, desde que seduziu aqueles professores ávidos de ter algum
retirada a competitividade exacerbada. Isso reconhecimento social por serem professores de
poderia permitir aos sujeitos respeitarem os mais Educação Física. Além disso, denunciou-se que
fracos e terem a vivência do jogo, onde existe a facilidade de realizar esportes coletivos,
um grau maior de liberdade entre seus principalmente os que possuem a bola como
participantes. instrumento mediador entre os sujeitos, permitiu
O esporte tornou-se paulatinamente o que muitos professores deixassem à margem
conteúdo hegemônico de Educação Física nas outros conteúdos da cultura corporal, como as
escolas de 1º e 2º graus depois da Segunda danças, as lutas e as ginásticas. Acredita-se que
Guerra Mundial, com uma orientação da o reducionismo ao esporte nas aulas de
Educação Física Desportiva Generalizada, Educação Física não permite que sejam
inserida por Auguste Listello, no Brasil. Este socializados diversos conhecimentos que
método tinha o propósito de iniciar os alunos em possibilitam ampliar o capital cultural de um
diferentes esportes. sujeito. Lutas como a Capoeira, o jiu-jitsu, o
Já a partir de 1969, em pleno regime militar, judô, por exemplo, permitem aos alunos
o esporte torna-se hegemônico e referência compreender o significado de atacar e defender,
fundamental na Educação Física. O Decreto sem contar que um princípio básico do judô é
69.450/71 fixa a aptidão física como referência lutar com o outro, e não contra o outro, e que as
da orientação do processo pedagógico na danças, além das habilidades corporais, exigem
Educação Física. São contundentes os possibilidades expressivas dos sujeitos.
comentários de Souza e Vago (1997). Assim, por mais de 50 anos a associação do
esporte competitivo à cientificidade do modelo
A partir da 5º série e até o ensino biomédico e à disciplina militar constitui a base
superior, o único conteúdo citado da formação de professores de Educação Física.
explicitamente pelo decreto a ser Com efeito, foi contra esta competitividade
incluído nos programas é o das associada aos interesses hegemônicos que, a
atividades de natureza esportiva ou partir do fim da década de 1970, insurgiram-se
práticas desportiva. Dessa maneira, a professores de Educação Física, propondo ações
submissão do ensino da educação física não voltadas para as conveniências utilitaristas.

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Esse movimento coincidiu com a abertura Educação Física brasileira, ainda que
política do fim da ditadura militar, momento em em sua versão tecnicista, via didática. O
que tomou força uma tendência crítica na velho jargão de que Educação Física é
Educação. Estas críticas foram importantes, educação tornou-se realidade. Apenas
nos anos 1980 parece surgir a
visto que com elas buscou-se o rompimento com
perspectiva de Educação Física como
esse paradigma e iniciou-se a defesa do papel da prática social. Até o final dos anos
Educação Física na formação de um cidadão 1970, apesar de pedagogizada, a
crítico e criador, capaz de contribuir para a Educação Física ainda não era
justiça social. analisada em suas implicações políticas.
Os influxos médico-militares criaram a
falsa idéia de que as práticas corporais
A 2º FASE: O SURGIMENTO DO VIÉS eram neutras, cabendo aos professores
TRANSFORMADOR (FASE ENDÓGENA) de Educação Física preocupações
eminentemente técnicas. Essa postura
Na década de 1970 passou a ser incentivada tecnicista vinha ao encontro da censura
a pesquisa na área da Educação Física, em e da repressão impostas à sociedade
grande parte, em virtude do desenvolvimento da brasileira, subprodutos do golpe militar
pós-graduação no Brasil. Esse momento marca o de 1964 (p.17).
início de uma busca de independência
intelectual dos profissionais de Educação Física, Algo criticado nessa época por alguns
o que não significa um isolamento da Educação professores de Educação Física foram os
Física em relação a outras áreas do códigos do esporte de mercado que interferiram
conhecimento. Ao contrário, vários professores na Educação Física, pois este é um dos
desta área estudavam e continuaram a estudar a obstáculos a serem superados na formação e na
biologia, passando a valorizar também outros prática profissional, que por cerca de cinqüenta
campos, principalmente a Educação. anos não estiveram atentas à diferença entre
Ao aproximar-se da Educação os estes dois fenômenos - o educacional e o esporte
professores de Educação Física incorporaram competitivo.
práticas pedagógicas que, no início dos anos 70, Quais são os argumentos que fundamentam
ainda se revestiam de influência tecnicista. estas diferenças? Dentre os vários que existem,
Somente no final da década, com a abertura o professor Válter Bracht alertava para um tipo
política, aparecem idéias contra-hegemônicas, de argumentação, ainda muito comum nos dias
construindo-se produções acadêmicas que atuais, considerando dos tipos de conceito “o
tentam desvelar a realidade em diversas práticas esporte na escola” e o “esporte da escola”.
sociais. O esporte na escola assume os códigos das
Na Educação alguns efeitos são observados, instituições esportivas resumidos em “princípio
como as críticas contundentes ao tecnicismo e à do rendimento atlético-desportivo, competição,
ideologia subjacente ao processo de ensino- comparação de rendimentos e recordes,
aprendizagem, negando-se um ensino regulamentação rígida, sucesso esportivo e
valorizador da capacidade de memorização, sem sinônimo de vitória, racionalização de meios e
a contextualização político-social. técnicas” (BRACHT, 1992, p.22); ou seja, ao
Assim, os professores de Educação Física invés de um professor na escola, tem-se um
que se pós-graduaram em Educação a partir do treinador. Esta era uma das críticas acadêmicas a
fim dos anos 1970 passaram a rejeitar as respeito do assunto feitas por aqueles que eram
influências do modelo biomédico, a hegemonia contra o esporte de rendimento na escola,
do esporte de competição e a docilização dos derivando-a da ilusão de se ter no esporte a
corpos. Esses movimentos da década de 1970 na única referência das manifestações da cultura
Educação Física são resumidos com clareza por corporal. Já o esporte da escola estará apoiado
Oliveira (1994): em outros valores além destes pautados no
individualismo. Busca-se um esporte em que a
Os anos 1970 incorporaram elementos interação e a solidariedade seriam os princípios
da pedagogia ao corpus teórico da de ação, ao invés da competitividade. Além

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disso, as soluções de problemas de uma equipe novos compositores, novos artistas, novos
deveriam ser construídas por meio do coletivo, e políticos, responsáveis pela produção de novos
não só por ações individualizadas. Essa nova conhecimentos quer de natureza cientifica quer
visão do esporte está expressa na Lei do estética, em sua nação, também nelas não se
desporto brasileiro n.º 8672, de 6 de julho de formarão os atletas. Outros espaços
1993, que diz o seguinte no seu capítulo III: desenvolverão estas potências
Por outro lado, não foi somente a influência
Da conceituação e das finalidades do do esporte de mercado na escola, com toda a sua
Desporto ideologia subjacente, o que foi contestado no
Art. 3º O desporto como atividade período. O jargão “Educação Física é saúde”
predominantemente física e intelectual também começou a ser criticado. É importante
pode ser reconhecido em qualquer das destacar que esse argumento foi usado no início
seguintes manifestações: do século passado para incluir a Educação Física
I –desporto educacional, através dos entre as disciplinas escolares: a saúde entendida
sistemas de ensino e formas sob bases higienistas. Porém, nos últimos anos
assistemáticas de educação, evitando-se
tomou vulto uma ênfase na promoção de
a seletividade, a hipercompetitividade
de seus praticantes, coma finalidade de
exercícios físicos para a saúde, de certa forma
alcançar o desenvolvimento integral e a por interesses do mercado. Isto vai ao encontro
formação para a cidadania e o lazer; daqueles que, sobretudo hoje, apóiam uma
II- desporto de participação, de modo economia “moderna”. A produção de
voluntário, compreendendo as medicamentos, de alimentos e bebidas “diet” e
modalidades desportivas praticadas “light”, a comercialização de massagens, aulas
com a finalidade de contribuir para a de ginástica, cirurgias plásticas, sem contar os
integração dos praticantes na plenitude diversos pacotes de turismo, compõem um
da vida social, na promoção da saúde e conjunto de interesses que este mercado
da educação e na preservação do meio manipula para “promoção da saúde”.
ambiente; Enfim, essa configuração moderna de
III- desporto de rendimento, praticado mundo especializou, fragmentou, dicotomizou,
segundo as normas internacionais, com produziu profissionais especialistas em bem-
a finalidade de obter resultados e estar físico, outros em bem-estar mental e
integrar pessoas e comunidades do País
associações/organizações destinadas a
e estas com outras nações. ( p.6)
programas de bem-estar social.
No que tange às diferentes interpretações Observou-se que os meios de comunicação
dadas à lei, uma questão, definitivamente, deve divulgavam incessantemente, que a atividade
estar esclarecida: não cabe à escola a física promove a saúde. Mas sob que princípios
responsabilidade de desenvolver desporto de este tema se justifica? Talvez por meio de um
rendimento. Cabe à escola, sim, ensinar a padrão de beleza, por uma estética que se
multiplicidade de elementos da cultura corporal: confunde com boa forma e por conseqüência
não só o esporte, mas também as lutas, as com uma boa saúde. É necessário lembrar que os
danças, as ginásticas, os jogos, como atributos a estudos que justificam esta posição estão
serem reconhecidos dentre as diferentes assentados em pressupostos epistemológicos
necessidades educativas sistemáticas que restritos de um modelo biologicista que
compõem a formação da personalidade do considera a saúde como ausência de doença,
sujeito neste espaço. como nos alerta Carvalho(1998)
Assim como as escolas do ensino
No que se refere especificamente à
fundamental e do ensino médio possuem relação atividade física como saúde,
diversos conteúdos clássicos (Filosofia, certamente tem validade a idéia de que
Português, História, Geografia, Física, Química, a atividade física propicia a saúde e
Educação Física, Educação Artística, língua remedia a doença. Todavia, há que se
estrangeira, matemática e outros), não cabendo a ter claro, mais uma vez, que os estudos
elas formar novos cientistas, novos literatos, comprobatórios confirmadores desta

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hipótese se fundamentam em tema técnico e 23,1% tratavam do tema


pressupostos epistemológicos restritos, pedagógico.
no que concerne à possibilidade de Acredita-se que os incentivos à pesquisa em
ampliação do objeto, mesmo Educação Física originados em meados da
considerados os critérios de
década de 1970 ainda eram baixos, em virtude
cientificidade, de rigor acadêmico
supostamente inquestionáveis (p. 27). de uma série de problemas, como fome, miséria,
mobilidade social, doenças infecto-contagiosas e
A prática intelectual desta fase endógena recuperação de direitos políticos e humanos.
busca a dialética do conhecimento produzido “Assim, nossa sociedade não incluía educação
pelos outros, mas agora por seus próprios entre suas preocupações imediatas e, em
professores de educação física. Acredita-se em conseqüência, não poderia valorizar a educação
outras possibilidades de trabalho na Educação física” (FARIA JÚNIOR, 1998, p. 52).
Física, negando-se assim a competitividade Assim como Faria Júnior (1987 e 1998),
exacerbada e o reducionismo biológico nos Oliveira (1994), Daólio (1998) e Lima (2000)
estudos referentes à cultura corporal de apresentam estudos sobre autores significativos
movimento e vindo-se buscar uma prática que produziram conhecimento na Educação
solidária. Física a partir da década de 1980. Oliveira e
Esta fase marca o início da reconstrução do Daólio nesta época apresentam seus estudos
conhecimento na Educação Física, realizados no doutorado, enquanto Lima divulga
possibilitando assinalar com maior rigor a seu estudo realizado no Mestrado. Oliveira
negação da função profissional da Educação (1994) estuda e analisa criticamente os cinco
Física de controlar o corpo, pois algumas livros e os cinco artigos que receberam o maior
pesquisas enfocam a questão da cultura corporal número de indicações de leitura entre 96
em profundidade, isto é, para além de professores de Educação Física que possuíam no
perspectivas biológicas ou técnicas. mínimo a titulação de mestrado. Para cada uma
Esta mudança de enfoque permitiu que em das obras e autores Oliveira (1994) faz uma
1987 o professor Alfredo Gomes de Faria Júnior análise crítica à luz do materialismo histórico,
realizasse uma tese de pós-doutorado na qual identificando o consenso e o conflito da
analisou dissertações de mestrado em Educação Educação Física brasileira. Daólio (1998)
Física no Brasil e na Inglaterra, estudo no qual observa que as publicações realizadas na
percebemos, em relação à postura de análise de Educação Física anteriores à década de 1980
suas investigações, uma perspectiva muito eram poucas e referiam-se principalmente às
sistemática, que recolhe boas pistas para modalidades esportivas e aos tratados de
caracterizar os enfoques hegemônicos nas fisiologia. Daólio identifica alguns personagens
práticas de investigação em Educação Física. relevantes e vai a campo entrevistá-los para
Farias Júnior observa ainda que os enfoques concluir sua investigação sobre o processo de
pedagógico, socioantropológico e de promoção auto-análise desencadeado na Educação Física,
da saúde apresentam-se como outras de acordo com os atores e autores significativos
possibilidades de pesquisa na Educação Física. do pensamento científico da Educação Física da
O estudo de Faria Júnior abordou 79 década de 1980. Enquanto isso, Lima (2000)
dissertações de mestrado em Educação Física analisa os autores que tentam fundamentar um
realizadas entre os anos de 1975 e 1984, no conhecimento científico ou pedagógico para a
Brasil. A USP em 1977, a UFRJ e a UFSM em Educação Física.
1980 foram as instituições responsáveis por dar Não obstante, a pesquisa não foi a única
início às investigações científicas por meio dos fonte de poder que veio a propor uma
cursos de Mestrado em Educação Física no reorganização do conhecimento e da formação
Brasil. O autor constata que 1,16% das profissional na Educação Física. Após décadas
dissertações tratava de tema filosófico, 5,3% de vigência de um currículo,influenciado pelos
tratavam do tema socioantropológico, 36% valores da fase exógena, este passa a sofrer
tratavam do tema biológico, 5,9% tratavam do críticas. Aconteceu no Rio de janeiro, em 1979,
tema promoção da saúde, 27,8% tratavam do o primeiro encontro com o objetivo de

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reestruturar os planos curriculares dos cursos de graduandos estudar conhecimentos além dos
graduação em Educação Física, tema este que estritamente técnico-biológicos.
foi objeto de outros encontros realizados nos Essas referências orientaram as graduações
anos posteriores, em Florianópolis, Curitiba e de Educação Física no encaminhamento interno
São Paulo, respectivamente. de seus processos de reformulação do plano
Várias foram as construções e curricular a partir de 1987.
desconstruções de propostas encaminhadas à Uma reforma curricular supõe
reforma do plano curricular. Após um longo possibilidades de transformação para além da
debate, o antigo Conselho Federal de Educação mera prescrição sugerida pela grade curricular.
(CFE) elaborou o Parecer 215/87, definindo Sabemos que nos currículos estão envolvidas
carga horária, estrutura curricular, inclusão da questões de poder, ideologia e cultura, com
monografia como requisito para conclusão do implicações decisivas na formação do ser social,
curso, áreas de conhecimento e, haja vista a multiplicidade de estudos referentes
predominantemente, as seguintes características à cultura corporal de movimento inaugurados no
em relação ao perfil profissional: momento em que os professores de Educação
- possuir destacada capacidade de Física começam a (re)formar sua história. Essa
análise e síntese, com ampla visão da diversidade presente nas pesquisas tem gerado
realidade e atitude crítica dela; um confronto entre aqueles que buscam o
- ter consciência das reais necessidades entendimento do fenômeno da cultura corporal
e possibilidades do cidadão e das de uma forma totalizante e aqueles que se detêm
características apresentadas pela em manifestações parciais na compreensão da
sociedade; Educação Física.
- dominar instrumentos, métodos e Não obstante, este processo não foi
técnicas que permitam desenvolver desencadeado sem resistência. O poder da fase
sua profissão, respondendo a exógena ainda é forte, e talvez ainda seja
situações concretas e gerais, com suficiente para criar obstáculos às mudanças.
condições de liderança e
Afinal, a possibilidade de transformação
comportamento ético, e se ajustem à
dinâmica do processo de uma
desestabiliza, incomoda, retira o sossego
sociedade em permanente daqueles que insistem em manter seu saber
transformação; adormecido. O empenho em promover uma
- ser capaz de identificar as (re)construção do conhecimento na Educação
necessidades regionais; refletir e Física apresenta alguns impedimentos. Parece
decidir de forma autônoma, propor e certo que profissionais se apresentam somente
aceitar mudanças, mantendo-se interessados no conteúdo formal como, por
sempre atualizado no campo do exemplo, a carga horária da sua disciplina que
ensino formal e não-formal; compõe o novo currículo, revelando uma postura
- ser capaz de usar adequadamente os pragmática, quando desconsideram que
conteúdos, materiais, equipamentos, conhecimentos são considerados importantes.
espaços e lugares, a fim de ajudar os Além disso, os perfis profissionais
alunos a atingir competência para apontados exigem certa interdisciplinaridade na
viver cooperativamente na mais formação profissional. Caso contrário, de
complexa situação;
tempos em tempos serão constituídas comissões
- ser capaz de identificar e respeitar as de reformas curriculares somente com a
diferenças individuais no processo de finalidade de reorganizar uma grade curricular,
aprendizagem e estabelecer um
ao invés de buscar um professor formado que
ambiente crítico e reflexivo, dentro de
uma proposta emancipadora e consiga interagir com os diversos conhecimentos
educativa (BRASIL, 1987, p.166) estudados ao longo de sua formação. Isto
exigiria reformas profundas, nas quais cada
Nessa reforma dos planos curriculares são especialista reconhecesse a parcialidade da sua
incluídos aspectos sociofilosóficos nos estudos disciplina na compreensão da realidade;
referentes ao corpo/movimento, permitindo aos demandaria uma conduta nos trabalhos

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universitários que articulasse propostas de do encontro, os temas livres tiveram um


trabalhos entre distintos departamentos e uma aumento substancial no evento, tendo neste
organização curricular voltada para estreitas encontro uma média de produção de trabalhos
relações entre ensino e pesquisa. três vezes superior à dos anos anteriores. Uma
Além desses dois acontecimentos - a preocupação de aproximar ciência e política
pesquisa na Educação Física e a reforma torna-se presente nas temáticas dos estudantes
curricular - citados anteriormente, é possível de Educação Física.
falar de um outro componente das forças de Os três acontecimentos já citados - a
(re)construção do conhecimento e da formação pesquisa na Educação Física, a reforma
profissional da Educação Física: o movimento curricular iniciada em 1979 e o movimento
estudantil. estudantil - talvez carreguem consigo algumas
No ano de 1980, em Salvador, estudantes de diferenças internas; mas, igualmente, percebe-se
Educação Física realizaram o seu primeiro que em todos estão sendo buscados ideais. Um
Encontro Nacional, após o golpe militar de ideal profissional, um ideal de conhecimento e
1964, cujos governos foram fortemente um ideal de ação, que possam reconstruir de
repressores das organizações estudantis ( CA’s, alguma forma tantas fragmentações, dúvidas,
DCE’s e UNE). Os estudantes também problemas e verdades levantadas em virtude das
promoveram uma análise desta prática social, e diferentes interpretações para o entendimento da
também declararam sua preocupação com a cultura corporal de movimento
identidade da profissão. Como vimos na história da Educação Física,
Com periodicidade anual, observa-se que os seus profissionais mostraram buscar o
este movimento implicou novos e importantes comando dessa história. Vários são os
apelos para a formação do professor de acontecimentos incidentes sobre as organizações
Educação Física. Ao permitir a e reorganizações do conhecimento na Educação
interação/integração de estudantes das mais Física. Aqui se tem a preocupação de registrar a
distintas regiões do Brasil, esses encontros Educação Física como detentora de uma
possibilitaram o debate a respeito de problemas história. Várias são as lutas e idéias que tentam
comuns, mobilizando idéias formadoras da orientar a ação profissional no campo da
memória que se tornariam uma força criadora Educação Física.
para se (re)construir os conhecimentos O viés crítico-progressista da fase endógena
necessários às ações no campo da Educação corresponde a uma busca de rompimento; mas
Física. Sabe-se que os quatro primeiros este será conquistado com sucessivas
encontros trataram da conjuntura política retificações, que demandam tempo. Não
nacional, mas já no seu quinto encontro, no ano obstante, em que medida a Educação Física,
de 1984, em Santa Catarina, destacou-se uma quando a começa a pensar criticamente seu
preocupação com as possíveis ações passado, consegue definitivamente conquistar
pedagógicas em Educação Física. um novo futuro? Esta tarefa exigirá uma
O tema desse 4º encontro foi: “Educação reforma: reforma em seu ideário, uma reforma
Física ou A Arte de Adestrar Seres Humanos”. que deverá representar a sua autonomia
Esta preocupação por parte dos estudantes teve intelectual.
continuidade no ano seguinte (1985) em João Logo, esta fase endógena representa uma
Pessoa, onde o ENEEF apresentou como busca da reorganização do conhecimento na
temática para o debate a “Perspectiva de uma Educação Física. Apresenta diversos ideais e
Nova Prática”. Já no XII ENEEF, em São Paulo, objetivos, indicando distintos conhecimentos e
os estudantes deliberaram a necessidade de distintas formações profissionais, que
mudar as temáticas, em virtude do necessitarão ainda de um longo debate e práxis,
desenvolvimento da produção científica na área. com a intenção de se entender o perfil do
Com isto, foi no XIII ENEEF, na UFRJ, que se profissional desejado para esta graduação.
tentou encaminhar as deliberações do encontro Em virtude de esta fase endógena
anterior. Além das mesas-redondas, que representar um momento de grandes incertezas,
apresentavam o debate teórico sobre a temática de imprevisibilidades, os objetivos e ideais se

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multiplicam, apesar de alguns ainda se sem se compreender o movimento do


conservarem fiéis à fase exógena. Nota-se a capital ( SAVIANI, 2002, p.17).
busca pela formação de um educador, e não só
de um professor instrumental. É justamente este Com efeito, os problemas epistemológicos e
educador que será responsável pela reconstrução políticos na Educação Física têm-se ampliado
de uma nova identidade da Educação Física. nas últimas décadas. Como se já não bastasse a
É preciso considerar que a produção de crise na Educação Física, reparam-se também
conhecimento na Educação Física já se problemas na educação e problemas na própria
subordinou a valores, saberes e práticas oriundos sociedade. De acordo com Maturana (2002), não
de diferentes fontes: disciplina e treinamento do se pode pensar em educação desatrelada de um
corpo (influência militar); abordagem projeto de nação. E qual a nação que
anatomofisiológica do corpo (modelo biomédico projetamos? Atualmente 200 milhões de homens
prevalente na medicina). A partir da década de na América Latina recebem menos de um dólar
1970, com o incremento das pesquisas e o por dia de trabalho (BORON, 2001); na Grã
crescente questionamento das tendências Bretanha, de cada três crianças uma vive abaixo
pedagógicas surgido no campo da Educação, da linha de pobreza (MESZÁROS, 2003); o
alguns professores de Educação Física querem desemprego tem aumentado a cada década desde
encontrar novos caminhos, que solidifiquem a 1970 em todo o mundo (FRIGOTTO, 1998) -
Educação Física como: entre outros dados quantitativos que
demonstram o avanço da barbárie (MESZÁROS,
uma prática de intervenção e o que a 2003). Mas o que isto tem a ver com a
caracteriza é a intenção pedagógica educação? As análises empíricas do cotidiano
com que trata um conteúdo que é dizem que a violência na escola tem aumentado,
configurado/retirado do universo da os estudantes são agressivos, não se consegue
cultura corporal de movimento. Ou trabalhar com os alunos - entre outras idéias
seja, nós, da EF, interrogamos o projetadas. As contradições da sociedade
movimentar-se humano sob a ótica do
desafiam a escola (TAFFAREL, 2000). Creio
pedagógico (BRACHT, 1999, p. 33),
que estes conflitos e estas angústias vêm à tona
ou seja, como parte integrante da na escola por ser ela uma instituição que não
formação/educação. está conseguindo atender a uma das finalidades
Foi na década de 1980 que surgiram as da educação, que segundo Saviani, é “produzir
críticas mais contundentes à Educação Física, direta e intencionalmente em cada indivíduo
principalmente em relação ao papel conservador, singular a humanidade que é produzida histórica
no sentido de desmantelar esta postura. e coletivamente pelos conjuntos dos homens”
Conseqüentemente, nos anos seguintes a (2000, p.17).
perspectiva do conhecimento também passa a Se a sociedade e a educação estão mediando
ser alvo de negação e questionamentos, e com este processo de barbárie, quais então a
isto surgem diversas tendências, que possibilidade e os limites educacionais que a
representam dois tipos de saberes a serem prática pedagógica Educação Física possui para
conquistados pela Educação Física: o científico problematizar esta realidade? A atual fase
e o pedagógico (Lima, 2000), que aprofundam a endógena possui uma multiplicidade de idéias e
crise pedagógica, epistemológica e política da ideais. A atual barbárie (MESZÁROS, 2003),
Educação Física. caso seja uma responsabilidade educacional para
ser problematizada, será um desafio não só para
a Educação Física, mas para todas as práticas
À GUISA DE CONCLUSÃO pedagógicas. Frigotto (1996) nos cede algumas
pistas para superamos este desafio. Entre elas
destaca o desafio no plano da ação prática do
Não é possível, portanto compreender educador, no qual para muitos uma ação contra-
radicalmente a história da sociedade hegemônica não passa de um devaneio. Acredito
contemporânea e , conseqüentemente, a que os professores de Educação Física têm cerca
história da educação contemporânea de 30 anos para potencializar as suas idéias e

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seus ideais na organização de uma práxis, a qual (1996) para a Educação Física: a necessidade de
é repleta de conflitos e contradições e da organizarmos metodologias de ensino mais
deterioração histórica do trabalho, entre eles o participativas, cooperativas e solidárias. Urge
do professor. Um trabalho pedagógico é uma organizar esta prática pedagógica na escola,
organização histórica: não acontece no tempo problematizá-la, discuti-la, avaliá-la, ter com
rápido, mas sim, no tempo lento. precisão a finalidade do trabalho, ter precisão
A partir do quadro apresentado, creio que nas idéias e nos ideais de homem e de sociedade
ainda está em pauta um indicativo de Soares que pretendemos organizar.

SHORT HISTORY OF THE PHYSICAL EDUCATION AND ITS CURRENT TENDENCIES FROM THE
IDENTIFICATION OF SOME TENDENCIES OF IDEALS AND IDEAS OF TENDENCIES

ABSTRACT
This article is a reflection regarding to the trajectory of the knowledge which supported the professional education of the
Physical Education. It was noticed that along its history the prevalence of the technical and empiric-analytic character
resulted in some reflections accomplished in the practice, unless those originated from the anatomical and physiological
treatises which were constituted by this professional formation hegemony. The student which is finishing his graduation
course is more oriented by a practical focus with no concerns about the scientific basis of the knowledge. Even so, mainly
from the final of the seventies, other parameters occurred, other ideas and ideals, most of them based on critical ideas, whose
progressive and socialist ideas emerged from the theoretical works of the education.
Key words: History. Physical Education. Education.

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Endereço para correspondência: Carlos Henrique Ferreira Magalhães. Departamento de Educação Física,
Universidade Estadual de Maringá, Av. Colombo, 5790, CE`87020-900, Maringá-PR.
E-mail: chfmagalhaes@uem.br

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