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C o p y r i g h t ® 1991, by Mauro Betti

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EDUCAÇÃO FÍSICA
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E SOCIEDADE
Revisão:
A educação física na escola brasileira de 1 o e 2 o graus
Maria José da Cunha Bastos

Capa:
Marco Fogaccia
D a d o s de C a t a l o g a ç ã o na P u b l i c a ç ã o ( C I P ) Internacional
( C â m a r a B r a s i l e i r a do Livro, S P , B r a s i l )

Betti, M a u r o , 1 9 5 7 -
Educaçao fisica e sociedade / M a u r o B e t t i . — São
Paulo : E d i t o r a M o v i m e n t o , 1991.

Bibliografia.

1. Educaçao fisica - A s p e c t o s sociais 2. E d u c a -


ção fisica - Brasil - H i s t o r i a 3 Educaçao fisica
(15 grau) 4. E d u c a ç a o f i s i c a (2- grau) I. T i t u l o .

CDD-613.707
MAURO BETTI
-372.86
91-0492 -613.70981

Indices p a r a c a t á l o g o sistemático:

1. Brasil : E d u c a ç a o física : H i s t o r i a 613.70981


2. Educaçao f i s i c a : E n s i n o de 15 grau 372.86
3. Educaçao f i s i c a : E s t u d o e ensino 613.707

MOIflMENTO
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
2.

tAXéfóriÇáTIiátÓilíâ?

A o longo da história do h o m e m , f o r m a s de atividade física - con-


siderada esta de f o r m a í à r K p l f - e m e s m o de Educação Física, surgiram em
todos os m o m e n t o s , e m maior ou m e n o r grau, c o m maior ou menor insti-
tucionalização. Entrementes, desconsiderando-se a Antiguidade Grega, foi
nas últimas décadas do século XVIII, e em especial durante o século X I X ,
que a Educação Física e x p e r i m é n t o u u m decisivo i m p u l s o no sentidò'de
sua sistematização e institucionalização como uma f o r m a de educação no
O epioentqp deste desenvolvimento foito J H M I p t onde
ocorreram, no continente, os sistemas ginásticos, e na Inglaterra o m o v i -
m e n t o esportivo, e daí espalhou-se por t o d o o m u n d o . Este processo
deu-selfò"firmòmên^^^ mudanças políticas^'econômi-
cas e sociais, e c o m elas relaciona-se, sofrendo t a m b é m a influência do
novo pensamento pedagógico do século XVIII, com o advento dos chama-
dos educadores naturalistas e filantrópicos.
A Educação Física adentrou o século XX c o m modelos forjados
durante o século passado e experimentou notável expansão e penetração
social, especialmente o esporte enquanto instituição social autônoma, que
carreou para si e n o r m e importância política e econômica. O fenômeno es-
portivo tem levado pedagogos, sociólogos e filósofos nas últimas três dé-
cadas a denunciarem o caráter mistificador do esporte e a questionarem a
sua real utilidade para a sociedade, o seu valor educativo e sua integração
na Educação Física sem qualquer tipo de reflexão pedagógica.

OsfrioVimentos ginásticos europeus

A Situação Política e Social da Europa

O século XVIII caracterizou-se pelo regime político batizado de


"Despotismo Esclarecido", o qual foi influenciado pelas idéias do lluminis-
34 MAURO BETTI A HERANÇA HISTÓRICA 35

mo. As últimas décadas d o século desenrõlaram-se sob a marca da Revo- ca, da escola primária à universidade.
lução Francesa (1789), que d e r r u b o u o absolutismo, implantou a Repúbli- 6. Acentuação do espírito cosmopolita, universalista, que
ca, levou o povo ao poder político na França e semeou uma onda de revo- une pensadores e educadores de todos os países.
luções liberais na Europa. Entre 1803 e 1815 a Europa toda envolveu-se 7. Sobretudo, a primazia da razão, a crença no poder ra-
nas Guerras Napoleónicas. cional na vida dos indivíduos e dos povos.
O século XIX é o século da formação dos Estados Nacionais. A 8. A o m e s m o tempo, reconhecimento da natureza e da
Europa nele adentrou sob a influência política do liberalismo e do naciona- intuição na educação, (p. 151)
lismo, e economicamente, da Revolução Industrial, iniciada por volta de
1760 na Inglaterra, e que se espalhou por toda a Europa a partir de 1850, A o final do século XVIII a educação européia modificou-se radi-
p r o m o v e n d o grande desenvolvimento econômico e transformações so- calmente com a Revolução Francesa, que fez c o m que a educação estatal,
ciais. do súdito, própria da monarquia absolutista e do despotismo esclareci-
do,se convertesse na educação nacional, na educação do cidadão partici-
O m o v i m e n t o nacionalista, aliado ao desenvolvimento econômico, pante do governo do país (Luzuriaga, 1979). A Revolução Francesa deixou
cresceu m u i t o na segunda metade do século X I X . Entre 1830 e 1870 trans- assentada as bases da nova educação nacional, que da França estendeu-se
f o r m o u - s e n u m m o v i m e n t o agressivo em favor da grandeza nacional e do depois por toda a Europa e América.
direito de cada povo cultural e racialmente unido governar a si próprio' A educação no século XIX liga-se estreitamente aos acontecimen-
(Burns, 1948). A partir de 1871 a Europa viveu em permanente estado de tos políticos e econômicos. A Revolução Política, principiada em 1789 com
tensão por questões territoriais. A crise política levou à deflagração da I a Revolução Francesa, completou-se com a vitória da soberania popular e
Grande Guerra, em 1914. ® das-idéias liberais, constitucionalistas e parlamentaristas, i m p o n d o - s e a
Foi neste t e m p o de guerras e revoluções que a Educação Física de necessidade de educar o " p o v o soberano" (Luzuriaga, 1979, p. 180). A Re-
nosso dias assentou suas bases. volução Industrial, que alcançou grande intensidade naquele século, levou
a ü m aumento populacional nas cidades e à necessidade de cuidar da edu-
Situação das Instituições. Educacionais cação desta grande massa.
Para Luzuriaga (1979) " t o d o século XIX foi um contínuo esforço
Entende Luzuriaga (1979) que o século XVIII é o século pedagógi- por e f e t i v a r a educação do ponto de vista nacional" (p. 180), o que é bas-
co por excelência. A educação t o r n o u - s e uma das mais importantes preo- tante coerente c o m o m o m e n t o político de afirmação dos Estados Nacio-
cupações'de reis, pensadores e políticos. S u r g i r a m duas das maiores figu- nais que vivia a Europa. Os países europeus estruturaram, naquele século,
ras da Pedagogia: Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e J o h a n n Heinrich seus sistemas nacionais de educação. A escola primária foi universalizada,
Pestalozzi (1746-1827). Foi neste século que se desenvolveu a educação em caráter obrigatório e gratuito, estabeleceram-se escolas normais para a
pública estatal e iniciou-se a educação nacional. Ainda segundo Luzuriaga, preparação do magistério. A escola secundária t a m b é m se afirmou, mas
na educação do século XVIII observam-se os seguintes movimentos: limitada ao atendimento da burguesia, e considerada apenas como prepa-
ração para a Universidade.
1. Desenvolvimento da educação estatal, da educação do
Estado, c o m maior participação das autoridades oficiais Os Sistemas Ginásticos e o Nacionalismo
no ensino.
2. Começo da educação nacional, da educação do povo A história da elaboração e institucionalização dos chamados "sis-
pelo povo ou por seus representantes políticos. temas ginásticos" confunde-se c o m a própria história do nacionalismo eu-
3. Princípio da educação universal, gratuita e obrigatória, ropeu e do militarismo sempre presente nos séculos XVIII e XIX. Originá-
no grau da escola primária, que fica estabelecida em li- rios da Alemanha, Dinamarca, Suécia e França, vinculam-se aos processos
nhas gerais. da afirmação da nacionalidade nestes países e à constante preocupação de
4. Iniciação do laicismo no ensino, com a substituição do preparação para guerra. Alguns autores (Marinho, s.d.a; Ramos, 1982) ro-
ensino da religião pela instrução moral e cívica. tularam de " d o u t r i n á r i o s " os m o v i m e n t o s de Educação Física surgidos na-
5. Organização da instrução pública e m unidade orgâni- queles países.
O m o v i m e n t o ginástico alemão teve origem no Philanthropinum,
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MAURO BETTI A HERANÇA HISTÓRICA

uma escola fundada em 1774 pelo pedagogo J o h a n n Bernhard Basedow do até nossos dias. Jahn embebeu-se fortemente de idéias nacionalistas, e
(1723-1790). Basedow foi influenciado pelas idéias educacionais de Rous- entre 1808 e 1809, durante a dominação francesa da Prússia, escreveu a
seau, que dava grande importância à saúde e à educação física, e sua esco- obra " A Nacionalidade A l e m ã " , onde manifesta o seu "intenso desejo de
la iniciou o p r i m e i r o p r o g r a m a m o d e r n o de Educação Física (Van Dalen & ver a Alemanha unificada numa nação forte, capaz de livrar-se do odiado
Bennet, 1971). Este p r o g r a m a compreendia corridas, saltos, arremessos e jugo estrangeiro" (Leonard, 1973, p. 89).
lutas semelhantes às que se praticavam na Antiga Grécia: jogos de peteca, O trabalho de Jahn, numa escola para garotos em Berlim na qual
de bola, de pinos e pelota; natação; arco e flecha; marchas; excursões no passou a lecionar a partir de 181XD, consistia de jogos e exercícios c o m o
campo, caminhada e suspensão em escadas oblíquas e transporte de saco- correr, saltar, arremessar e lutar, e obteve grande popularidade entre os
las cheias de areia (Marinho, s.d.a; Van Dalen & Bennet, 1971). estudantes. Ele idealizou alguns aparatos primitivos, tais c o m o ramos de
Em 1784 foi f u n d a d o urÀ instituto educacional semelhante ao Phi- carvalho utilizados como barras para suspender e varas para arremessar
lanthropinum t a m b é m colocando e m prática idéias educacionais naturalis- em alvos. Daí originou-se a idéia do Turnplatz (playground). Para Leonard
tas, onde C ristoph Friedrich G u t s M u t h s (1759-1839), assumindo as aulas (1973) o propósito de Jahn era " a vida ativa, saudável e em comunhão ao
de ginástica, experimentou novas atividades e aparatos e elaborou um sis- ar livre" (p. 91) e, treinando os estudantes a trabalharem juntos, "buscava
tema de trabalho que ficou conhecido c o m o "ginástica natural" ou " m é t o - t a m b é m acender neles o espírito público, o qual poderia u m dia estar a
do natural". Ele dividiu as atividades em três classes: exercícios ginásticos, sérvio da nação" (p. 92).
trabalhos manuais e jogos sociais (Van Dalen & Bennet, 1971).
Para Jahn, (citado por Mclntosh, 1975):
Segundo Van Dalen e Bennet (1971), ò programa de GutsMuths
harmonizava c o m os ideais de Roússeau. Ele acreditava f i r m e m e n t e na in- Só quando todos os homens em idade militar se tenham
fluência do corpo sobre a mente e o catáter; e que a saúde, mais do que o tornado capazes, através da educação física, de pegar em
conhecimento, deveria ser o objetivo básico da educaçãcfi Moolenijizer armas,'-quarido se t«nharn. tornado..p.r.on.to.s..para..co.rnb.ate,
(1973) entende que G u t s M u t h s ganhou grande importância c o m o o autor através de u m treino prático intenso, prontos para entrar
da primeira a b o r d a g e m metódica para planejar intencionalmente a edu- em novas espécies de jogos de guerra e sempre alerta,
cação física e t a m b é m por introduzir ò-jago còrriõ meio justíTTcaSTõ'aêfeclu- por amor da Pátria - só então se poderá dizer de u m po-
cação. vo que está militarmente preparado, (p. 79-80).
O período de gestação do sistema de ginástica de GutsMuths não
coincidiu c o m a exacerbação do espirito nacional alemão, o que ocorreu E m j u n h o de 1811, J a h n abriu .seu p r i m e i r o Turnplatz nos arredo-,
apenas a partir de 1806 c o m a invasão francesa. Contudo, ele não ficou res de Berlim. A f i r m a Roberts (1973) que o objetivo imediato do Turnen era
isento de influência do nacionalismo e da-política de intervenção estatal na o fortalecimento físico e moral da juventude alemã para a libertação da
educação. Considerava a ginástica de alta significação social e patriótica, e terra natal. Quando i r r o m p e u a Guerra da Libertação em 1813, Jahn e vá-
meio educativo fundamental para a nação, e pediui que o Estado assumis- rios Turneres uniram-se às forças armadas que lutavam contra Napoleão.
se a organização e divulgação da ginástica (Marinho, s.d.a). Após a expulsão dos franceses, o patriotismo alemão fortaleceu-se e
Com Friedrich L u d w i g J a h n (1778-1852) as relações entre a Edu- o Turnen experimentou enorme expansão, com grupos organizados pelas
cação Física e o nacionalismo atingiram o seu auge na Alemanha. As idéias províncias prussianas e em outros Estados alemães. A unificação da Ale-
de J o h a n n Gottlieb Fichte (1762-1814), autor dos Discursos nação alemã manha era um objetivo claro para Jahn, que se t o r n o u u m herói nacional.
(1807-1808) exerceram e n o r m e influência sobre Jahn, u m professor Mas com a França já derrotada e expulsa, o governo alemão pas-
primário alemão. Para Fichte, a salvação da nacionalidade alemã estava na sou a temer os m o v i m e n t o s de massas liderados por Jahn, de forte con-
educação. Para isso, defendia u m a educação popular, nacional e p r o m o v i - teúdo político. As autoridades t e m i a m que o Turnen servisse difusão das
da pelo Estado (Luzuriaga, 1979). doutrinas liberais então em voga, e proscreveram as sociedades ginásticas.
Segundo Roberts (1973) Jahn t o m o u c o m o ponto de partida o O próprio Jahn foi preso em 1819, acusado de traição. Segundo Roberts
plano de Fichte para a educação nacional, no qual a educação física tinha (1973), o governo prussiano até mesmo incorporou o sistema ginástico na
importante papel, e criou o m o v i m e n t o batizado de Turnen que atingiu escola formal, n u m esforço para frustrar as sociedades ginásticas. Mas a
e n o r m e popularidade na A l e m a n h a no decorrer do século X I X , persistin- repressão oficial não conseguiu impedir o crescimento do Turnen que re-
cuperou o seu vigor no reinado de Frederico Guilherme IV. Em 1868
34 MAURO BETTI A HERANÇA HISTÓRICA 39

organizou-se o Deutsche Turnerschaft, uma federação de todas as socieda- Sob a liderança de Nachtegall, a Dinamarca t o r n o u - s e o primeiro país eu-
des ginásticas alemãs. Durante a guerra franco-prussiana de 1870-71, ropeu a introduzir a Educação Física c o m o u m a matéria escolar, p r o m o v e r
quinze mil de seus m e m b r o s apresentaram-se ao serviço militar. A guerra cursos de treinamento de professores e a editar manuais para instrutores
propiciou a unificação da Alemanha - o grande ideal de Jahn e seus segui- (Leonard, 1973; Van Dalen & Bennet, 1971).
dores - e isto levou valorização da ginástica, qu'e passou a receber o apoio Uma lei de 1804 sobre as escolas secundárias e o A t o de Educação
estatal. de 1814 f o r m a r a m u m sistema de escolas elementares operadas pelo Esta-
Nas escolas alemãs, a Educação Física foi introduzida na forma do do. Esta lei, pioneira na Europa, t o r n o u compulsória a educação para todas
sistema ginástico de A d o l p h Spiess (1810-1858). Em 1842, o governo prus- as crianças dos sete aos catorze anos e d e t e r m i n o u que as escolas deve-
siano reconheceu oficialmente a Educação Física c o m o uma função do Es- riam providenciar espaço e equipamentos, e onde houvesse professores
tado, e após o fracasso e m introduzir a ginástica de Jahn, Spiess foi convi- aptos, ministrar aulas de ginástica aos alunos. E m 1828, uma nova legis-
dado a implantar o seu sistema. lação tornou obrigatória a introdução da ginástica em todas as escolas
Spiess estudou e trabalhou em escola suíças que sofreram a in- elementares da Dinamarca.
fluência de Pestalozzi. L , criou u m sistema de ginástica adaptado a objeti- Para Van Dalen e Bennet (1971) a Educação Física na Dinamarca,
vos pedagógicos e integrado no currículo escolar. Segundo Van Dalen e c o m o e m m u i t o s países europeus durante o século X I X , foi dominada pelo
Bennet (1971 ) Spiess foi b e m sucedido em introduzir a Educação Física nas nacionalismo, sendo seus principais objetivos o desenvolvimento da c o m -
escolas da Alemanha porque seus objetivos harmonizavam com a política petência militar e do patriotismo,
autocrática e a filosofia educacional da época. Ele dava bastante ênfase No início do século XIX a Rússia conquistou a Finlândia, desti-
disciplina, e embora seu sistema buscasse u m desenvolvimento eficiente e t u i n d o a Suécia da terça .parte de seu território. A decadência do i m p é r i o
cómplétõ dè tòdàs as p^ tais objètivos eram alcançados sueco desencadeou u m a onda de patriotismo; c o m o na Alemanha após as
através de submissão, treino da m e m ó r i a e respostas rápidas e precisas ao derrotas para a França, o p o v o mobilizou-se no desejo de reconstruir o
comando. prestígio naciona
. Roberts (1973), após estudar o processo histórico do surgimento e Per Henrik Ling (1776-1839) iniciava nessa época seu m o v i m e n t o
desenvolvimento da Educação Física na Alemanha, concluiu que ela de- í m prol da Educação Física. Nas universidades suecas e na Dinamarca,
senvolveu-se de duas diferentes formas: c o m o um sistema escolar regular onde esteve entre 1799 e 1804, foi influenciado por filósofos e poetas que o
de educação física e c o m o u m sistema extra-curricular politicamente levaram a adquirir u m profundo.respeito pela sua o r i g e m escandinava. Em
orientado que acabou por tornar-se uma forç'3' auxiliar de Adolf Hitler, Copenhague, recebeu aulas de esgrima e conheceu o trabalho desenvolvi-
chamada de " M o v i m e n t o J o v e m Hitleriano". do por Nachtegall e m seu ginásio particular. A o retornar à Suécia em 1804,
A Dinamarca, por volta de 1814, envolveu-se nas Guerras Napo- t o r n o u - s e professor de esgrima e conferencista em literatura e história na
leónicas, perdeu territórios e afundou-se numa crise econômica que d u r o u Universidade de Lund, e logo conseguiu autorização para introduzir a
até 1820; a partir daí, as condições melhoraram e emergiu u m novo senti- ginástica e a natação no currículo.
m e n t o nacional. Em 1849 foi adotada uma constituição liberal c o m sufrá- Segundo Van Dalen e Bennet (1971), quando a Suécia perdeu a
gio popular. Isto tudo encontra correspondência com a onda política e Finlândia, Ling foi atingido por u m forte patriotismo, e passou a utilizar a
económica do m o v i m e n t o liberal europeu de 1848. ginástica e a literatura c o m o propósito de instigar força e coragem no en-
Neste período, Franz Nachtegall (1777-1847) liderou o m o v i m e n t o fraquecido povo sueco. Escreveu poemas, peças teatrais e tratados de
que levou à consolidação da Educação Física dinamarquesa. Influenciado ginástica, dentre os quais u m manual de ginástica militar e esgrima, em
por GutsMuths, organizou, em 1798, u m clube de ginástica e em 1799 pas- 1838, que foi oficialmente adotado pelo exército sueco e de outros países.
sou a dar aulas numa escola privada que seguia a linha de Basedow. Neste Ling propôs ao governo sueco a fundação de uma escola nacional
m e s m o ano, Nachtegall abriu u m ginásio particular, a primeira instituição de ginástica similar ao Instituto Militar de Ginástica de Copenhague. Se-
do gênero fundada na Europa moderna. Seu sistema ginástico fez grande g u n d o Van Dalen e Bennet (1971), o t e m p e r o patriótico dos tempos e o in-
sucesso e atingiu o meio militar. sucesso da guerra contra a Rússia estimularam o Rei a fundar, em 1813, o
Em 1804 foi criado o Instituto Militar de Ginástica, em Copenha- Real Instituto Central de Ginástica. Ling foi seu diretor durante 25 anos.
gue, e Nachtegall t o r n o u - s e seu primeiro diretor. Civis t a m b é m passaram Van Dalen e Bennet (1971) entendem ainda que motivos patrióti-
a ser admitidos nos cursos do Instituto, que acabou por tonar-se uma es- cos impeliram Ling a p r o m o v e r uma ginástica que visava tornar seus c o m -
cola preparatória de professores de ginástica para as escolas em geral.
34 MAURO BETTI A HERANÇA HISTÓRICA 41

patriotas capazes de defender a terra natal, e m b o r a não tenha restringido G u t s M u t h s e J a h n , que já havia o r i e n t a d o p r o g r a m a s para as forças a r m a -
suas propostas a objetivos s o m e n t e militares. Estudioso da anatomia e da das da Suíça e Inglaterra, veio à França e m 1841, a convite d o g o v e r n o .
fisiologia, ele objetivava desenvolver o corpo através de m o v i m e n t o s cui- T o r n o u - s e superintendente da instrução da ginástica nas escolas e l e m e n -
dadosamente selecionados, e para atingir seus objetivos, dividiu a ginásti- tares de Paris até a Revolução de 1848, q u a n d o r e t o r n o u à Suécia. Clias
ca e m q u a t r o direções: militar, médica, pedagógica e estética. deu prosseguimento à ênfase m i l i t a r iniciada por A m o r o s (Roberts, 1973;
0 p r ó p r i o Ling dedicou-se mais à ginástica médica e militar. Esta
Van Dalen & Bennet, 1971).
última, i m b u í d a do propósito nacionalista de elevar a condição física dos
Enquanto as escolas estiveram sob o controle da Igreja na França,
soldados, enfatizava o v i g o r na ação e a Capacidade de suportar esforços.
a ênfase era dada ao ensino religioso e intelectual, sendo pouca atenção
Ling acreditava que os'objetivo^s militares, médicos, pedagógicos e estéti-
cos e r a m interdependentes. Os h o m e n s que d e r a m continuidade ao seu dedicada à educação física. O interesse pelos p r o g r a m a s de ginástica de
trabalho, c o n t u d o , t e n d e r a m mais a restringir do que expandir seu e m b a - A m o r o s e Clias adveio da preocupação c o m a segurança nacional. Para
s a m e n t o teórico, estabelecendo u m p r o g r a m a estereotipado, c o m ênfase Van Dalen e Bennet (1971):
e m objetivos militares, que não conseguiu popularidade e veio a ser objeto
de críticas no início do século X X (Van Dalen & Bennet, 1971). Exceto por este o b j e t i v o militar, a educação física não era
O sistema de ginástica criado por Ling d i f u n d i u - s e para muitos reconhecida por seu efeito pedagógico ou c o m o m é t o d o
países d e n t r o e fora da Europa. socialmente desejável de d e s e n v o l v i m e n t o dos f u t u r o s
Se os i n i m i g o s da França napoleônica desenvolveram e m seus cidadãos, (p. 271)
países sistemas de ginástica que visavam a preparação física do povo para
a guerra contra o d o m í n i o francês, na França não houve esta mesma ne-
A p ó s a Revolução de 1848, o interesse pela educação física de-
cessidade (Roberts,'1973); e a iniciativa p a r a p r o m o v e r u m sistema o r g a n h
cresceu na França. C o n t u d o , e m 1852, por i n t e r m é d i o de dois antigos alu-
zado de Educação Física foi t o m a d a apenas na França pós-napoleônica, e
nos e colaboradores de A m o r o s , e c o m o apoio d o M i n i s t r o da Guerra, foi
por u m espanhol, Francisco A m o r o s (1770-1848). Foi entre 1815 - após a
derrota de Napoleão - e em 1848 - c o m a proclamação da II República - fundada a Escola Militar Normal"d®-Grnástrca-tie"doinvílte-He^Po.nt;7próxr--'
que a ginástica foi introduzida na França, particularmente no exército. ma a Paris, que passou a suprir as escolas e o exército de professores. Esta
Francisco A m o r o s foi u m militar espanhol que lutou ao lado das escoia oferecia cursos de ginástica para oficiais; não era p e r m i t i d a a parti-
tropas napoleónicas, o e m 1814 refugiou-se na França. No ano de 1817 cipação de civis. A o l o n g o de sua existência, a Escola de J o i n v i l i e - l e - P o n t
abriu u m ginásio n u m a escola particular parisiense. Obteve apoio do go- desenvolveu u m sistema p r ó p r i o de Educação Física q u e exerceu i m p o r -
v e r n o francês para a fundação do Ginásio N o r m a l Militar e Civil de Ginás- tante influência na França, e t a m b é m no Brasil, já no início do século X X .
tica e t o r n o u - s e seu p r i m e i r o diretor e m 1820. Em 1831 A m o r o s foi indica- A p ó s a derrota na guerra franco-prussiana de 1870-71, o interesse
d o diretor nacional de toda a ginástica francesa, mas desavenças com o pela Educação Física renasceu. As autoridades a t r i b u í r a m à degeneração
g o v e r n o levaram ao f e c h a m e n t o do Ginásio N o r m a l e m 1837. Contudo, física e m o r a l a culpa pela derrota nacional. Leis f o r a m aprovadas e m 1872,
e m 1834 ele havia aberto seu p r ó p r i o ginásio, onde c o n t i n u o u a ensinar
1880, 1887 e 1905 t o r n a n d o obrigatória a ginástica no currículo escolar.
por 14 anos, inclusive treinando oficiais militares.
Graduados da Escola Militar de J o i n v i l l e - l e - P o n t e pessoal militar f o r a m
Para Roberts (1973) A m o r o s estava p r o f u n d a m e n t e i m b u í d o da
colocados nas escolas c o m o professores de ginástica, c o m a instrução ex-
tradição militar, e o r i e n t o u seu trabalho no sentido de aumentar as poten-
pressa de aumentar as potencialidades militares da j u v e n t u d e (Roberts,
cialidades militares da juventude. Ele elaborou o p r i m e i r o p r o g r a m a ginás-
tico francês utilizando muitas das idéias de Pestalozzi, mas t a m b é m apre- 1973).
sentando m u i t a originalidade. Foi u m dos primeiros ginastas a empregar Segundo Ramos (1982), o m o v i m e n t o francês " f o i bastante in-
aros, escada de cordas, u m a m á q u i n a para testar força e o trapézio. O sis- fluenciado pelas necessidades m i l i t a r e s " (p. 215). Entende Roberts (1973)
tema de A m o r o s foi utilizado no exército e nas escolas por alguns anos. que a tradição do m i l i t a r i s m o está vinculada à Educação Física na França
Phokion Heinrich Clias (1782-1854), u m ginasta adepto de desde que A m o r o s estabeleceu o seu ginásio e m 1817, e por m u i t o s anos
ela não foi mais do que u m sistema destinado a p r o m o v e r o v i g o r físico
dos soldados ou f u t u r o s soldados.
34 MAURO BETTI A HERANÇA HISTÓRICA 43

Conclusão Spiess e com o modelo militar, e t a m b é m para facilitar a


vigilância obrigatória, conservam-se c o m particular tena-
Os sistemas ginásticos europeus do século X I X , que f o r m a r a m a cidade o ensino frontal e o exercício coletivo dirigido pela
primeira base institucional para a Educação Física m o d e r n a no m u n d o oci- voz de c o m a n d o e pelo apito. (p. 64)
dental, f o r j a r a m - s e ao influxo de duas influências até certo ponto contra-
ditórias: O racionalização e mecanização geral, na segunda meta-
de d o século XIX e princípios do XX, contribuíram para
1. Do pensamento pedagógico dos educadores naturalistas e fi- esse desenvolvimento que finalmente converteu em o b -
lantrópicos, que valorizavam o individualismo, o respeito à natu- jetivo da ginástica escolar o m o v i m e n t o ginástico n o r m a -
reza humana e o desenvolvimento pleno da personalidade huma- lizado e estilizado, o m o v i m e n t o u n i f o r m e e automatiza-
na; e do de massas (...). (p. 13)
2. Do nacionalismo político, que exaltava o patriotismo das mas-
sas, a educação sob u m ideal nacional e o indivíduo a serviço da O movimento esportivo inglês
nação, aliado ao militarismo, este preocupado em treinar fisica-
mente o povo para a guerra. A Situação Política e Social

No entendimento de Mclntosh (1975): As revoluções inglesas do século XVII deram à Inglaterra urp re-
gime parlamentarista estável, livrando-a das agitações que perturbaram a
Na Dinamarca, na Suécia e na Alemanha, uma preocu- Europa continervtaT nos séculos XVIII e X I X . Durante os sécutos X V i e XVII
pação c o m o nacionalismo e c o m a regeneração física e a Inglaterra experimentou grande desenvolvimento comercial, que au-
m o r a l , depois ..das derrotas desastrosas nas .guerras na.^ m e n t o u com a adoção do liberalismo econômico no século XVIII e com a
poleônicas, t r a n s f o r m o u aquilo que poderia ser u m m o - formação de u m vasto império colonial. A partir de 1760 a Inglaterra pas-
v i m e n t o em favor do desporto n u m sistema rígido de sou a sediar a Revolução Industrial, acontecimento que - ao lado da Revo-
ginástica. Quer GutsMuths, quer P. H. Ling estavam tão lução Francesa - m o d e l o u a história da civilização ocidental.
interessados pelo desporto c o m o pela ginástica (...). No Vários fatores f o r a m que a Revolução Industrial se
entanto, os sistemas de ginástica destes dois pioneiros é desenrolasse entre os ingleses. A Inglaterra expandiu o seu comércio e as-
que f o r a m ao encontro das 'necessidades políticas da segurou mercado consumidor e mercado fornecedor de matérias-primas
época e c o m o teóricos da ginástica é que a m b o s f o r a m já no século XVIII. O desenvolvimento comercial possibilitou t a m b é m a
mais tarde evocados, (p. 76) acumulação de capital, e além "disso a Inglaterra dispunha de bastante
carvão e ferro. As revoluções do século XVII haviam tirado poder da aris-
De seus países de origem, os sistemas ginásticos espalharam-se tocracia em favor da burguesia, desejosa de p r o m o v e r o desenvolvimento
por todo o m u n d o , especialmente, segundo Moolenijzer (1973), os criados econômico. Por o u t r o lado, a doutrina do puritanismo e do calvinismo in-
por Jahn, Nachtegall e Ling, pois ao início do século X X , os princípios na- glês estimularam o enriquecimento e a acumulação de riquezas.
turais de G u t s M u t h s estavam esquecidos, e "a a b o r d a g e m do desenvolvi- A Revolução Industrial significou a passagem do trabalho artesa-
mento f o r m a l de Jahn, Nachtegall e Ling d o m i i i a i a r n a educação física, nal para o trabalho industrial, do trabalho doméstico para o trabalho fabril
não somente na Alemanha, mas virtualmente em todos os países do m u n - e transformação do artesão em trabalhador assalariado. A Revolução In-
d o " (p. 291). dustrial m u d o u radicalmente o regime de produção econômica, propor-
M u i t o da postura pedagógica autoritária, das práticas militarescas, cionando uma inédita acumulação de riquezas e gerando transformações
da vinculação à educação moral e cívica, ainda hoje presentes na Educação e m todas as instâncias da sociedade inglesa dos séculos XVIII e XIX. De-
Física, devem-se aos sistemas ginásticos do século XIX. Modernamente, senvolveu-se a tecnologia industrial, a população urbana cresceu m u i t o
Seybold (1974) referiu-se ao estilo de ensino e objetivos da Educação Físi- nas grandes cidades, a classe média tornou-se mais numerosa e mais rica,
ca: o proletariado a partir de certo m o m e n t o organiza-se para lutar contra as
péssimas condições de trabalho e os baixos salários, e a agricultura m o -
(...) na Educação Física, de acordo com a tradição de
34 MAURO BETTI A HERANÇA HISTÓRICA 45

derniza-se para atender a um crescente consumo. As tradicionais Escolas Públicas (Public-Schools), fundadas entre
A partir de 1850, a Revolução Industrial foi exportada para outros os sécuíos XIV e XVII, as Universidades e a classe média emergente da Re-
países da Europa e da América, iniciando pela Bélgica, França, Alemanha, volução Industrial tiveram participação fundamental neste processo.Os es-
Itália e Estados Unidos, após a estabilização de seus quadros políticos. tudantes das Public-Schools p r o m o v i a m seus próprios jogos - futebol, caça
e tiro - desafiando às vezes a proibição das autoridades educacionais que
Situação das Instituições Educacionais os consideravam perigosos e violentos.
A partir de 1832, a classe média, que ascendera a uma posição de
A Inglaterra foi mais demorada - e m comparação com outros paí- poder político e influência social por conta do desenvolvimento industrial,
ses europeus - em estabelecer uçna educação pública nacional controlada passou a reivindicar maiores privilégios educacionais, o que conseguiu
pelo Estado. Segundo Luzuriaga (1979) os ingleses consideravam a edu- efetivamente por volta de 1860, e fez erguer muitas novas escolas públicas
cação mais como responsabilidade da sociedade civil que do Estado. espelhadas no m o d e l o das antigas (Mclntosh, 1973, 1975). Esta conquista
Até as primeiras décadas do século X I X , a educação esteve exclu- revelou-se decisiva para a proliferação dos jogos esportivos. Mclntosh
sivamente nas mãos da Igreja e de entidades particulares de caráter bene- (1975) entende que a obtenção de privilégios educacionais pela classe mé-
ficente. As classes média e alta financiavam sua própria educação, enquan- dia "coincidiu e foi responsável pelo desenvolvimento dos jogos organiza-
to que a educação elementar para os pobres era paroquial ou beneficente. dos, particularmente o críquete e o f u t e b o l " (p. 88).
As transformações produzidas pela Revolução Industrial, o cres- E m meados do século XIX o modelo esportivo predominante era
cimento e a concentração da população nos centros fabris e mineiros leva- o da.classe média, que deu aos vários jogos esportivos, alguns descobertos
ram gradualmente à intervenção do Estado na educação (Luzuriaga, Í979; em estado e m b r i o n á r i o , organização, regras, técnicas e padrões de condu-
Mclntosh, 1973). Em 1833 o Parlamento concedeu u m a subvenção às so- ta para os praticantes, em grande parte vigentes até hoje. A partir de 1857
ciedades filantrópicas para construção de prédios escolares. O Departa- e até o final do século fundaram-se dezenas de associações esportivas na-
m e n t o de Educação foi criado em 1856 para administrar os fundos gover- cionais na Inglaterra.
namentais. O A t o de Educação de 1870 f o r m o u a base da educação primá- Para Eyler (1969) parece existir uma relação entre o aumento do
ria mantida pelo Estado, e em 1876 foi introduzida a obrigatoriedade esco- t e m p o de lazer, em parte induzido pela Revolução Industrial, e o desenvol-
lar. v i m e n t o esportivo. Rouyer (1977) analisou o esporte c o m relação ao lazer e
ao trabalho no quadro do emergente capitalismo inglês; constatou que o
O Esporte como Meio de Educação esporte era uma atividade de ócio"da aristocracia e tia alta burguesia e u m
meio de educação social de seus filhos, e que a Inglaterra era o primeiro
A Educação Física inglesa do século XIX não foi m u i t o influencia- caso típico da realidade do esporte n u m país capitalista.
da pela filosofia nacionalista, tendo u m desenvolvimento diferenciado em
A Inglaterra foi pioneira em divulgar o esporte entre uma popu-
relação ao restante da Europa. A disciplina e o treinamento físico impostos
lação industrial e urbana (Mclntosh, 1975). O esporte tornou-se acessível
ao povo nos países continentais, visando a defesa nacional, não se fizeram
às classes trabalhadoras inglesas depois de ter surgido para a classe mé-
necessários na Inglaterra, pois sua posição geográfica isolada e sua pode-
dia, e m decorrência de conquistas trabalhistas. Por volta de 1870 os traba-
rosa marinha livraram-na de invasões estrangeiras. Por isso, sua maior
lhadores passaram a reivindicar - e obtiveram - uma redução da jornada
contribuição não foi no campo da ginástica, mas do esporte.
de trabalho. Segundo Mclntosh (1975) "Foi então, e só então que se deu a
O m o v i m e n t o esportivo inglês do século XIX f o r m o u o outro pilar grande proliferação de clubes desportivos e organizações distritais" (p. 98).
da sistematização da moderna Educação Física, e guarda relação c o m as A Inglaterra foi t a m b é m pioneira em aceitar e utilizar o esporte
transformações sócio-econômicas produzidas pela Revolução Industrial c o m o u m meio de educação. O exemplo da Escola de Rugby, onde seu di-
naquele país a partir de 1760 (Eyler, 1969; Mclntosh, 1975; Rouyer, 1977). retor T h o m a s A r n o l d (1795-1842) suprimiu a ilegalidade de alguns jogos
Até o final do século XVIII o esporte era uma prática tipicamente aristocrá- esportivos, generalizou-se nas demais Escolas Públicas na segunda meta-
tica na Inglaterra, tendo este panorama se modificado substancialmente no de do século XIX, que tradicionalmente dedicavam parte da vida escolar à
decorrer do século seguinte, com a proliferação do esporte em outras ca- organização e supervisão de atividades pelos próprios estudantes, e o au-
madas sociais e sua institucionalização em órgãos diretivos. t o - g o v e r n o foi altamente desenvolvido nos jogos e esportes. A "capacida-
de de governar outros e controlar a si próprio, a atitude de combinar
46
34 A HERANÇA HISTÓRICA
MAURO BETTI

A partir do final do século X I X , o m o v i m e n t o esportivo inglês es-


liberdade c o m o r d e m " (Comissão Real das Escolas Públicas, citado por
tava pronto para ser exportado. Embaixadores, administradores coloniais,
Mclntosh, 1973, p. 119) era o modelo aceito da Educação Física nas Escolas
missionários, comerciantes, marinheiros e colonos encarregaram-se de di-
Públicas.
fundir o esporte inglês pelo m u n d o (Mclntosh, 1975). As primeiras asso-
No entendimento de Rouyer (1977), no princípio do século XIX, as
ciações esportivas nacionais de muitas modalidades surgiram na Inglater-
classes dirigentes que enriqueceram encontram-se física e moralmente
ra, e somente depois e m outros países (Mclntosh, 1975).
degradadas, ao m e s m o t e m p o que a Inglaterra entra numa época de pros-
peridade e segurança. Este desenvolvimento da produção leva, diante da No princípio do século XX " o desporto estava em posição favorá-
necessidade de i m p o r t a r e exportar, à exploração e expansão de u m impé- vel para se tornar u m f e n ô m e n o de expansão mundial, u m f e n ô m e n o in-
rio colonial, o que exige': ternacional" (Mclntosh, 1975, p. 125). Para Krawczyk, Jaworski e Ulatowski
(1979) o esporte t o m o u da tradição helénica a idéia da rivalidade entre in-
(...) homens fortes, empreendedores, que saibam tomar divíduos pela vitória em condições de competição c o m igualdade de o p o r -
as suas responsabilidades neste m u n d o da livre troca, do tunidades, e este princípio "era absolutamente congruente c o m a ideologia
struggle for life, descoberto por Darwin nesta época da do liberalismo do século X I X " (p. 142).
história, e transformado em princípio pedagógico por Gradualmente, o esporte institucionalizou-se e m quase todos os
Spencer. São necessárias equipes de homens de ação so- países do m u n d o , e t a m b é m os programas de Educação Física e m todo o
lidários, prontos a jogar c o m o espírito de iniciativa, se- m u n d o passaram a aceitá-lo e adotá-lo.
g u n d o as regras do jogo" capitalista. É necessária uma
educação apropriada, para f o r m a r , a exemplo do recor- O Esporte como fenômeno social
dado cidadão ròmánò, ò prestigioso cidadão britânico, (p.
173-174) O Movimento Olímpico Internacional

As Escolas Públicas, segundo Mclntosh (1973), produziram líderes De fundamental importância para a universalização da instituição
em muitas esferas da vida inglesa - na indústria, na política, no exército, esportiva..foram.o.ressurgimento.dos. J o g o s Olímpicos e a criação do m o -
nas empresas comerciais através do m u n d o e na administração de u m vas- vimento olímpico internacional, através do Comitê Olímpico Internacional
to e crescente império colonial. Para Van Dalen e Bennet (1971) as Escolas (COI), no ano de 1896. Em ambas as iniciativas foi decisiva a participação
Públicas enfatizaram a influência socializante dos jogos e seu uso para do francês Pierre Fredy, o Barão de Coubertin (1863-1937).
promover liderança, lealdade, cooperação, auto-disciplina, iniciativa, tena- Aristocrata francês, possuidor de grande fortuna pessoal e eru-
dição, Coubertin buscou inspiração em duas fontes para o seu projeto de
cidade e espírito esportivo - qualidades necessárias à administração do
apoio ao esporte e renascimento do J o g o s Olímpicos: a Grécia Antiga e o
império britânico.
modelo educativo das Public-Schools inglesas. O Barão estava convencido
Contudo, foi apenas ao final do século XIX e início do século XX
de que o sistema educativo inglês, ao enfatizar o esporte, era o responsá-
que o governo inglês adotou uma política de apoio à Educação Física nas
vel pela grandeza do Império Britânico, e via no esporte inglês o ressurgi-
escolas mantidas pelo Estado. Após o Ato de Educação de 1870, o Depar-
mento da educação corporal dos gregos (Coubertin, 1973).
tamento de Educação efetivou acordo c o m o Gabinete Militar para que
Em 1894, após realizar gestões c o m sociedades atléticas européias
sargentos ministrassem instrução em Educação Física nas escolas. E curio-
e americanas, Coubertin fez realizar em Paris o Congresso Atlético Inter-
samente, o sistema i m p o s t o às escolas não foi o modelo esportivo das Es-
nacional, que decide pelo renascimento dos J o g o s Olímpicos. No m e s m o
colas Públicas, mas o sistema ginástico sueco de Per H. Ling, que fora in-
Congresso foi fundado o COI, composto de 12 m e m b r o s selecionados por
troduzido na Inglaterra entre 1840 e 1850 por graduados do Instituto Cen-
Coubertin, que se valeu do critério de independência dos nomes com re-
tral de Ginástica da Suécia. Em 1904, o sistema sueco foi adotado oficial-
lação a nações ou grupos, numa tentativa de torná -lo i m u n e a influências
mente nas escolas, o que gerou uma dualidade de sistemas na Educação
políticas. A idéia do internacionalismo e da promoção da paz através do
Física inglesa: jogos organizados na Escola Pública e ginástica na escola
esporte era outra marca do o l i m p i s m o proposto por Coubertin, para quem
primária, objetivando, segundo During (1984), a formação de bons chefes
"os Jogos Olímpicos serão u m potente, embora indireto fator para asse-
de e m p r e e n d i m e n t o e bons oficiais na primeira, e através da disciplina e
gurar a paz universal" (Coubertin, citado por Lucas, 1973, p. 337).
dos efeitos fisiológicos do exercício sistemático, bons operários e soldados
na segunda.
34 MAURO BETTI A HERANÇA HISTÓRICA 49

Mas, sem dúvida, o ideal mais bravamente defendido pelo olim- gia foi vencida pelos fatos. A interferência da política internacional nos J o -
pismo, até os dias de hoje, é o a m a d o r i s m o . Antes m e s m o dos I Jogos, o gos Olímpicos é constante e pública (veja-se o caso dos boicotes), a
profissionalismo no esporte já era considerado um problema: exigência do amadorismo é colocada em xeque pela necessidade de trei-
namento diuturno dos atletas, o doping ameaça o espírito do fair-play.
A imperfeição humana tende a transformar o atleta de Krawczyk, Jaworski e Ulatowski (1979) entendem que, na prática do m o v i -
Olímpia em gladiador circense, é necessário eleger entre mento esportivo, os sistemas de valores políticos e nacionais quebraram
duas f o r m a s atléticas que não são compatíveis. Para de- os princípios universais da ideologia olímpica.
fender-se do â n i m o , do lucro e do profissionalismo que Sem dúvida, os Jogos Olímpicos f o r a m decisivos para a universa-
ameaça invadí-.los, os aficcionados, na maior parte dos lização da instituição esportiva, na medidá em que d i f u n d i r a m u m modelo
países, estabeleceram òma complicada legislação cheia esportivo, padrões de funcionamento, regras e normas de conduta. Por
de compromissos e contradições; com demasiada fre- o u t r o lado, o seu grande crescimento gerou conflitos internos. Passou a
quência respeita-se sua letra e não o espírito. (Coubertin, interessar cada vez mais a u m maior número de nações u m b o m desem-
1973, p. 13) penho nos Jogos Olímpicos, que agora são palco de confronto entre as
grandes potências esportivas (e econômicas) mundiais. Isto levou o desen-
Entende Rouyer (1977) que a burguesia e a aristocracia inglesas volvimento das "Ciências do Esporte", a especialização e o treinamento
q u e r i a m guardar o esporte apenas para si, e por isso ergueram u m obstá- atlético a níveis nunca vistos antes. Mais importante, porém, foi o fato de
culo, definindo a noção de " a m a d o r " , em 1866. Apenas os ricos poderiam ter hevado as nações à elaboração de políticas esportivas, ou seja, a partir
d i s p o r de t e m p o livre para dedicar-se à atividade esportiva. Buscando a do m o m e n t o em que os Jogos Olímpicos e o esporte em geral t o r n a r a m -
o r i g e m da palavra " a m a d o r " , Mclntosh (1975) descobriu que no século se u m espetáculo cosmopolita, tornaram-se t a m b é m uma razão de Estado
X I X , na Inglaterra, ela era usada para reforçar a palavra gentleman;gentle-, (Betti,.1984).
man amateur implicava uma distinção social e de classe: A este respeito, u m relatório de avaliação da participação brasilei-
ra nos Jogos Olímpicos (Brasil, Ministério da Educação e Cultura, 1973)
U m a formação clara desta idéia surge no preceito, de- alertou que:
t e r m i n a d o pelo Henley Regatta Committee, de que nin-
g u é m devesse ser considerado remador amador se fosse, O campeão olímpico não aparece acidentalmente - ele é
tivesse sido, por ocupação.ou..empraga.pago.,. mecânico,, consequência de u m trabalho longo, paciente, árduo e
artesão ou operário, (p. 219) cuidadoso, que exige planejamento, recursos materiais e
humanos, apoio governamental e motivação nacional, (p.
Os I J o g o s Olímpicos realizaram-se no ano de 1896 em Atenas, 12-13)
Grécia, c o m a participação de 14 países. Desde então, os J o g o s cresceram
m u i t o em importância e n ú m e r o de países participantes, tendo atingido a Uma análise crítica dos caminhos tomados pelo esporte na socie-
participação recorde de 132 países nos XX Jogos Olímpicos, em 1972, na dade atual será feita na seção a seguir.
cidade de M u n i q u e (Brasil, Ministério da Educação e Cultura, 1973).
Os Jogos acabaram por tornar-se u m significativo evento não A Crítica Social do Esporte
apenas esportivo, mas político e econômico. Os Jogos Olímpicos de M o n -
treal, em 1976, f o r a m televisionados para u m bilhão de pessoas (L. Pereira, Em curto período de tempo, o esporte "estendeu-se c o m uma ra-
1980). U m ano antes dos XXIII Jogos Olímpicos de Los Angeles, o público pidez que até agora não se havia observado no m e s m o grau em nenhum
telespectador foi estimado e m dois e meio bilhões de pessoas; estes mes- outro m o v i m e n t o social" e é hoje " u m problema complexo, polifacetado,
mos J o g o s f o r a m patrocinados por grandes empresas multinacionais, que u m elemento integrante da mudança econômica, sociopolítica e cultural
cobriram, juntamente c o m a venda de direitos de transmissão, seu custo dentro do m u n d o m o d e r n o " (Krawczyk et alii, 1979, p. 142).
total de 500 milhões de dólares (Betti, 1984). A crítica social do esporte iniciou-se nos anos sessenta, e aborda
A ideologia olímpica defendida através dos tempos pelo COI reve- principalmente os interesses políticos, a alienação econômica, em como se
la a profunda influência do espírito cavalheiresco e nobre do esporte inglês manipulam as massas com a ilusão do êxito esportivo, e como se exerce
do século X I X , que Coubertin tentou universalizar através dos Jogos sobre o esporte de alto rendimento uma coação que já não é mais espor-
Olímpicos, e que hoje se traduz no conceito de fair-play. Contudo, a ideolo-
34 MAURO BETTI A HERANÇA HISTÓRICA 51

tiva, mas própria d o sistema social (Llischen & Weis, 1979c). A atividade do esportista, assim como o trabalho do operário, tor-
Para B r o h m (1978) e Laguillaumie (1978) o esporte apresenta ca- nou-se totalmente abstrata e m quatro níveis: da atividade, do corpo, do
racterísticas da sociedade como u m todo, é intrinsecamente burguês e re- t e m p o e do espaço.
flete o sistema capitalista industrial: competição, medição, rendimento téc- A nível da atividade, os gestos esportivos são cada vez mais a re-
nico, divisão do trabalho, hierarquia social, maquinização do h o m e m , tra- petição de si mesmos. As atividades naturais e prazerosas tornaram-se
balho abstrato e alienação. mecanizadas, e m situações artificialmente criadas, onde a luta contra o
O esporte reproduz o f u n d a m e n t o das relações humanas no capi- t e m p o é o fator central. A nível do corpo, este é considerado apenas como
talismo, já que sua essência é a competição, m a s de uma maneira trans- u m meio para o alto rendimento, existindo independentemente da totali-
formada. Embora nutrindo-se das relações de produção capitalista, o es- dade do h o m e m . A nível do tempo, a abstração p r o v é m da integração ao
porte tende a desenvolver-se a u t o n o m a m e n t e , e converteu-se na lógica domínio do cronômetro, o qual detém o t e m p o e o fixa nos recordes; as
abstrata da competição, no " m o d e l o f o r m a l perfeito" das f o r m a s de c o m - referência temporais da vida cotidiana são suprimidas. A nível do espaço,
petição entre os seres humanos: não há relação direta c o m a natureza, à qual se interpõe o artifício esporti-
vo; a pista substitui o bosque; a piscina, o rio. A natureza é considerada em
O esporte não faz mais que transpor a nível da atividade seu aspecto de rentabilidade para o fato esportivo; ela está "coisificada".
não diretamente produtiva (e isto é o que o diferencia do
Rigauer (citado por H. Lenk, 1979) defende a tese de que o esporte
trabalho), do ócio e do t e m p o livre, a competição social,
de alto. rendimento apresenta traços e conteúdos semelhantes ao trabalho
mas sob uma f o r m a lúdica alienada. A competição espor-
e serve assim para a adaptação à sociedade industrial. Para Vinnai (1978,), o
tiva não é anárquica, cega e brutal como a competição
que pretende ser u m j o g o " r e p r o d u z , sob a aparência do jivre desenvolvi-
econômica; é racionalizada, ou seja, m o r a l m e n t e aceitá-
m e n t o das forças, o m u n d o do t r a b a l h o " (p. 24>; e tanto cl esporte c o m o a
vel, canalizada. ( B r o h m , 1978, p. 21)
economia são dirigidos pela razão técnica capitalista, e os sujeitos h u m a -
nos são reduzidos à encarnação de magnitudes qualitativas, a serviço da
A sociedade capitalista estrutura-se numa hierarquia cuja^ ideolo- maximização do rendimento.
gia. . d o m i n a n t e . p r o m o ç ã o „ s o c i a l , a possibilidade aparente de escalar a
Para os críticos sociais o atleta é apenas uma engrenagem da
pirâmide até o topo. A hierarquia tende a converter-se numa forma pura,
" m á q u i n a esportiva'^ A organização esportiva tornou-se úma superestru-
aparentemente aberta a todos pelo critério da capacidade individual, mas tura cujas finalidades não são controladas pelo atleta, o qual está cada vez
na realidade oculta a real desigualdade entre os indivíduos. O esporte é a mais submetido à burocracia. Sua atividade está controlada por regula-
consagração objetiva da hierarquia, o esportista é imediatamente classifi- mentos e leis que restringem sua liberdade esportiva e civil: não pode m u -
cado pelo seu valor, estabelecendo o resultado esportivo uma hierarquia dar de clube à sua vontade, não pode escolher as competições de que de-
visível e indiscutível. seja participar. 0 esportista encontra-se alienado t a m b é m com relação ao
A economia de competição exige a medição constante da pro- seu treinador, totalmente s u b m e t i d o à sua autoridade, a quem pertence
dução, ou seja, sua objetivação. O desenvolvimento do esporte na socie- seu corpo. A própria atividade do esportista é alienada, pois não é própria,
dade capitalista industrial caracteriza-se pela introdução progressiva da livre e espontânea, mas é a atividade da lógica esportiva.
medição da objetividade quantitativa. O que i m p o r t a no esporte é o resul- Porcher (1977) discute a questão da idolatria esportiva. O esporte
tado; o esportista vale o que vale seu resultado, e toda sua atividade de- t o r n o u - s e u m fenómeno social de massas; a competição é esportiva u m
pende de seu sucesso. espetáculo para as massas, e u m de seus componentes mais importantes é
A competição esportiva exige que a capacidade do indivíduo i c j d o ídolo, fabricado pelos meios de comunicação. A imprensa usa a estrela
orientada exclusivamente para uma técnica particular, levando-o à extre- para poder vender e, ao m e s m o tempo, a fabrica. A identificação das mas-
ma especialização. M e s m o dentro de uma mesma modalidade o atleta es- sas c o m os ídolos mascara os verdadeiros problemas. U m campeão, exce-
pecializa-se em uma só prova, c o m o no Atletismo e na Esgrima. lente no campo esportivo, torna-se dono de outras virtudes: inteligência,
O trabalho nas fábricas foi racionalizado, e os gestos de cada generosidade, coragem, etc. Ser campeão, assim, converte-se em sinôni-
operário estritamente determinados, para se t o r n a r e m econômicos e m o de ser perfeito. Visto deste ângulo, o esporte assemelha-se a outras
rentáveis. T a m b é m o esportista é conduzido a executar u m m o v i m e n t o al- formas de espetáculo e fábrica de ídolos, como o cinema e a música.
tamente automatizado, em obediência à estratégia do treinador na luta pe-
la vitória e pela superação dos recordes.
52
34 MAURO BETTI
A HERANÇA HISTÓRICA

H. Lenk (1979) contrapõe-se às teses levantadas pelos críticos so- sam conscientemente valorizar o esporte c o m o u m aspecto significativo de
ciais, entendendo que a semelhança f o r m a l externa entre o rendimento suas vidas, e ao m e s m o t e m p o estar cientes de que os grupos dirigentes
esportivo e o trabalho industrial não é suficiente para apoiar a tese de que tentam usar o esporte como u m instrumento de controle? Na abordagem
no esporte se dá uma réplica do m u n d o do trabalho. Considera que é crítica, contudo, o esporte t e m que ser de posse de uma classe mais do que
t a m b é m preciso levar em conta as atitudes e o equipamento axiológico das de outra, e não há lugar para concebê-lo c o m o uma arena de conflito entre
ações: " t r a b a l h o " , " j o g o " e " r e n d i m e n t o esportivo" não são conceitos pu- elas.
ramente sociológicos, mas sócio-psicológicos:

Por que o levántador (te pesos, treinando, levanta dia-


riamente toneladas de peso, sem cobrar, e em troca o
carvoeiro não levanta nem u m saco a mais?
Tais diferenças vêm determinadas pelas atitudes dos ato-
res. As categorias "vivenciais" psicológicas não p o d e m
ser deixadas de lado por completo, como pretende o so-
ciólogo Rigauer em u m abusivo sociologismo. (H. Lenk,
1979, p. 134-135)

Ainda para aquele autor, no esporte de competição dá-se uma


emancipação do atleta, através da manifestação, desenvolvimento e disci-
pliriáméhto do próprio " E u " , dos contatos sociais e internacionais do meio
esportivo. Enquanto área de experiência da constituição ativa do Eu, subs-
titutivo da natureza e campo de manifestação pública do indivíduo, o-es-:.,
porte proporciona uma área de vivência vital, e m que é possível o rendi-
mento espontâneo e desejado,-uma experiência ativa primária e de auto-
com provação.
H. Lenk admite, contudo, casos extremos em que o esporte asse-
melha-se a u m sistema coativo e a u m mercado de trabalho-salário: quan-
do as federações bloqueiam o atleta ou excluem-no das medidas de ajuda;
quando o jogador profissional t e m que melhorar seu valor de mercado pa-
ra o consumo de espetáculos; e quando a imprensa e a opinião pública
exercem sobre o atleta uma pressão quase moral. Estas tendências exis-
tem e estão em aumento no esporte de elite, mas não são tão representati-
vas para que só sobre elas fundamente-se a análise do esporte de alto
rendimento. Por o u t r o lado, entende H. Lenk t a m b é m que, em alguma
medida, o rendimento esportivo tem-se submetido a u m processo de "coi-
sificação" pela opinião pública, pelos treinadores e pelos elementos exó-
genos em geral.
Hargreaves (1982) aponta diversos problemas com a teoria crítica
do esporte, que vê como uma versão particular do marxismo. A concepção
do papel que o esporte desempenha na hegemonia e no caráter da cons-
ciência e da ideologia-é completamente determinista; a consciência é vista
como u m fenômeno " t u d o ou nada", ou é completamente falsa e tudo
alienação, ou é absolutamente verdadeira; nunca pode ser parcial, transitó-
ria ou em estado de formação. Não é possível que as pessoas pos-

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