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4a Edição

Rio de Janeiro
UFMBB
2019
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do Brasil. Proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios
sem permissão por escrito da editora.

Coordenação editorial e editoração eletrônica:


Raquel Brum Zarnotti dos Santos

Capa: Jolsimar Augusto de Oliveira

Freitas, Ida

F866m A missionária que abriu caminhos: biografia de Marcolina Figueira


4.ed. de Magalhães / Ida Freitas.- 4.ed.- Rio de Janeiro: UFMBB, 2019.

32p. ; 21cm. (Série missionária heróis cristãos) .

1. Magalhães, Marcolina Figueira de, 1909 - 1988 ---- Biografia.


2. Biografia cristã ---- Brasil. 3. Batistas ---- Biografia. I. União Feminina
Missionária Batista do Brasil. II. Título. III. Série.

CDD 922.681

Índice para catálogo sistemático:


1. Missões: 266
2. Biografia de missionários: 922.6

Publicação da União Feminina Missionária Batista do Brasil


Rua Uruguai, 514 – Tijuca – Rio de Janeiro – RJ – 20510-060
Tel.: (21) 2570-2848
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www.ufmbb.org.br

4a edição: 2019 Tiragem: 1.000

Impresso na Exklusiva Gráfica e Editora Ltda.


Para você,
oferecemos a biografia de Marcolina Figueira
de Magalhães, a primeira missionária
solteira a ser nomeada pela Junta de Missões
Nacionais.

Ainda muito jovem, Marcolina deixou


parentes, amigos, conforto, oportunidade e
seguiu para o campo missionário, onde andou
sem parar, porque havia recebido do Senhor
a importante missão de abrir caminhos pelos
quais o evangelho haveria de passar.
NASCIMENTO E INFÂNCIA 7
CONVERSÃO 8
O PREPARO PARA SERVIR A DEUS 10
A CHAMADA PARA MISSÕES 13
A MISSIONÁRIA DE JESUS CRISTO 16
EXPERIÊNCIAS MARCANTES 21
ELA QUERIA SER DEZ! 25
HOMENAGENS 27
Na s c i m
Nascimentoe n t o
e ein fância
infância capítu

01
lo

Na história da nossa Pátria, temos o relato das atividades dos bandei-


rantes, que saíram pelos sertões fechados e distantes à procura de
pedras e metais preciosos. Eles desbravaram a nossa terra, que era
então deles.
Na Bíblia, temos a história de Abraão, que partiu da sua terra para uma
terra que não conhecia, mas que lhe fora prometida por Jeová e que
seria a herança dos seus descendentes.
Na história dos batistas brasileiros, destacam-se vidas que se dedica-
ram a Deus num trabalho desbravador, em busca de pedras preciosas:
almas que seriam ganhas para Cristo e viriam a pertencer à família dos
salvos. E, dentre aqueles que saíram em busca de almas para Jesus,
destaca-se uma fiel e dedicada serva do Senhor. Seu nome é Marcolina
Figueira de Magalhães.
Marcolina nasceu no Estado de Alagoas, em Palmeira dos Índios, no
dia 27 de março de 1909. Seus pais foram José Figueira de Magalhães
e Francisca Figueira de Magalhães. Ambos eram católicos praticantes,
assim como a própria Marcolina e demais parentes.
A família de Marcolina possuía bem poucos recursos materiais. O ca-
sal Magalhães lutou muito para criar e educar os seus oito filhos. Três
deles faleceram na infância. Marcolina tinha apenas oito anos de idade
quando seu pai faleceu. Em consequência disso, ela teve que ir morar
com uma família de amigos, em Maceió, no Estado de Alagoas.
Marcolina foi uma menina muito religiosa. Por ser amorosa, era muito
querida pelas freiras. Acreditava nas imagens e tinha muito medo dos
crentes, pois havia sido ensinada a não se aproximar deles. Quando
passava por um templo evangélico, virava o rosto e nunca andava pela
calçada da “igreja dos crentes”.

7
ConConversão
capítu
lo
versão
02

A chegada de um homem crente ao lugar onde Marcolina morava


abalou a sua fé nas imagens. Ela perdeu a sua tranquilidade, pois ele
falava continuamente do Cristo vivo. Marcolina fugia dele para não ou-
vir as suas “heresias”. Ao mesmo tempo, em sua casa, a credulidade na
igreja católica começava a perder a sua força, e ela passava a enfrentar
problemas.
Certo dia, aquele homem, sabendo que a menina tinha uma fé profun-
da nas imagens, disse-lhe que a sua “Nossa Senhora dos Navegantes”
não tinha o poder que ela pensava que tivesse e aconselhou-a a fazer
uma experiência. Sugeriu-lhe que jogasse um palito de fósforo aceso
na imagem. Se a santa fosse poderosa, resistiria ao fogo; do contrário,
iria queimar-se.
Marcolina confiava tanto no poder da sua “santa”, que, ingenuamente,
resolveu fazer a experiência para provar àquele homem que ele não
tinha razão. Mas, ao fazer a prova, o fogo envolveu o “santinho” com-
pletamente. Tentou outra vez, e mais outra, até queimar todos os seus
“santinhos”. E, decepcionada, teve de admitir que o homem tinha ra-
zão, pois se aquelas figurinhas não podiam se defender do fogo, menos
ainda poderiam proteger alguém. Não podia mais crer nos “santinhos”
que recebera das freiras e que até então guardara com todo o carinho.
Certo dia, antes de queimar seus “santinhos”, Marcolina viu um bispo
brigando. Ele dizia palavras duras a dois rapazes que haviam passado
fumando pelo lugar onde ele estava rezando. Amaldiçoou-os, rogando-
-lhes pragas. Em outra ocasião, ouviu o mesmo bispo mandar para o
inferno algumas mulheres. Ficou chocada com a atitude do sacerdote,
tendo receio de que as pragas rogadas aos rapazes viessem a se tornar
reais. Comparou o bispo com Jesus e concluiu que o Salvador jamais

8
agiria como aquele que se dizia seu representante. Além disso, sua
irmã de criação chamou sua atenção para o que o bispo dissera àque-
las mulheres, realçando sua falta de compaixão.
Enquanto aqueles acontecimentos deixavam a menina confusa, o vi-
zinho crente continuava a mostrar-lhe as verdades do evangelho. Ela
ouvia tudo, mas não se convencia. Ainda era muito nova para entender
tudo. A filha mais velha da família com a qual ela morava gostava de ler
a Bíblia, embora tivesse que fazê-lo às escondidas. Muitas vezes, ela
aconselhara Marcolina a ser crente. Até então, este fora um conselho
difícil de ser seguido pela menina, que era tão devota de “Nossa Senho-
ra dos Navegantes” a ponto de acender-lhe uma vela todas as noites e
pedir-lhe que guardasse todos os viajantes. Sempre tivera verdadeira
fé na sua padroeira, julgando-a capaz de grandes milagres. Que de-
cepção quando todos os seus santinhos se queimaram, inclusive o de
sua “santa”!
Diante daquela prova da impotência dos “santos”, Marcolina entregou-
-se a Cristo. Tinha apenas nove anos de idade. Sua fé era bem simples
ainda, e pouco sabia acerca de Cristo. Apesar disso, não podia mais
crer nas imagens. Estava ansiosa e alimentava um grande desejo:
o de frequentar uma igreja e trabalhar para Cristo. No entanto, por
muito tempo foi impedida disso. É que a família, especialmente a sua
mãe de criação, ficou escandalizada com a sua conversão e passou a
persegui-la.
Com aquele amigo crente, Marcolina aprendeu alguns versículos da
Bíblia, especialmente João 10.1. Quando, pela primeira vez, entrou num
templo batista, em março de 1922, recitou-o cheia de fé e convicção:
“Eu lhes asseguro que aquele que não entra no aprisco das ovelhas pela
porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante.”
Levou algum tempo até Marcolina ser batizada, pois teve que receber
licença de sua mãe. Finalmente, aos 13 anos, realizou seu sonho de
ser batizada. Através de perseguição da parte de sua mãe adotiva, foi
amadurecendo sua fé e se aproximou ainda mais do seu Salvador.

9
O prOepreparo
paropara
para
serv ir aa Deus
servir
capítu

03
lo Deus
Depois de sua conversão, Marcolina sentiu um grande desejo de se
preparar para servir a Deus. Mas como seria isso possível à menina
pobre, cujos pais não possuíam bens materiais?
Nos primeiros anos, Marcolina estudou em casa, com suas irmãs mais
velhas. Depois, cursou a quarta e a quinta séries do ensino fundamen-
tal no Colégio Batista Alagoano.
Em 1928, Marcolina sentiu que o Senhor a chamava para a obra mis-
sionária. Falando com o Dr. John Mein, ela foi encorajada a estudar e
a se preparar para atender à chamada do seu Senhor e Mestre. Nessa
ocasião, o Dr. Mein facilitou o ingresso de Marcolina na Escola de Tra-
balhadoras Cristãs (ETC, hoje, SEC – Seminário de Educação Cristã), pois
era Diretor do Colégio Batista Alagoano. Ele e sua esposa, D. Elizabeth
Mein, que além de missionária era enfermeira, muito ajudaram Mar-
colina a alcançar o seu ideal. Ela aprendeu com D. Elizabeth a amar os
pobres, a ter compaixão pelas almas perdidas e a sofrer com os que
sofrem.
Marcolina foi sempre muito tímida e pouco expansiva. Durante seu
período de estudos na ETC, sem qualquer reclamação, aguentava as
implicâncias e brincadeiras das colegas. Ela sempre teve verdadeiro
pavor de sapos, o que sempre foi motivo para brincadeiras exagera-
das da parte das colegas. Aliás, as etecistas, como eram chamadas as
alunas da ETC, sempre encontravam motivos para brincadeiras no in-
ternato. Certa ocasião, uma delas confeccionou um boneco com panos
e colocou-o na cama de Marcolina. Outra colega descobriu o boneco
e deu o alarme, dizendo que havia um ladrão no quarto, deitado na
cama. As etecistas estavam no Colégio Americano Batista, juntamente
com a diretora, D. Essie Fuller. Gritando, a aluna atravessou a chácara

10
e foi cair desmaiada à porta da casa do vice-diretor do Colégio. Sua
esposa socorreu a menina, que, de tão assustada, chegou a adoecer.
Do internato masculino, veio o diretor com alguns estudantes e, quan-
do acenderam a luz, descobriram a trapaça. Então, a graça ficou sem
graça. As autoras da brincadeira quase foram expulsas. Ficou proibida
a repetição de brincadeiras daquele tipo.
Para ganhar seu sustento, Marcolina trabalhava como inspetora,
cuidando das meninas pequenas que eram internas do Colégio Ame-
ricano Batista. Era a Escola de Trabalhadoras Cristãs que recebia essas
meninas. Marcolina era encarregada de cuidar delas desde as cinco
horas da manhã, fazendo o que era necessário para todas.
Dentre as meninas que ficavam sob os cuidados de Marcolina, uma era
bastante travessa. Certo dia, Marcolina colocou-a de castigo, sentada
numa cadeira. A menina meteu os dedos na garganta e chegou a cuspir
sangue. Quase que Marcolina foi expulsa da ETC, pois pensaram que
ela havia apertado a garganta da menina. Mas, graças à intervenção do
Dr. John Mein, que a conhecia há mais tempo, a história não mereceu
crédito.
Certo dia, Marcolina e algumas colegas resolveram ir a um cinema fala-
do para ver como era. Ouviam sempre falar dessa novidade, mas nunca
haviam visto tal coisa e não podiam sequer imaginar como era. Sem
permissão, foram às escondidas. Felizmente, D. Essie nunca veio a sa-
ber do ocorrido, e elas viram “o bicho de sete cabeças”: o cinema falado.
D. Essie era rigorosa na disciplina do internato. Certa noite, em meio ao
silêncio, Marcolina tomava conta da banca de estudos. De repente, sal-
tou sobre a sua mesa uma grande perereca. Dando um grito, Marcolina
correu. Não sabendo do que se tratava, todas as moças e crianças cor-
reram com ela, gritando também. Foi um alvoroço! D. Essie ficou muito
aborrecida e disse a Marcolina que não a recomendaria para trabalhar
em nenhum lugar. Marcolina, porém, contava com a amizade de D. Ste-
la Câmara, que sempre a defendia e estava ao seu lado. Defendeu a sua
causa nessa e em outras ocasiões. E D. Essie esqueceu-se da ameaça e
acabou recomendando Marcolina para trabalhar no sertão brasileiro.
Marcolina sofria de muitas dores nos pés. Certa tarde, ao chegar ao
internato, após algumas horas gastas em visitas evangelísticas, chora-
va com muitas dores nos pés. Bondosamente, D. Essie aqueceu água
e banhou-lhe os pés para suavizar-lhe o sofrimento. Enquanto assim
procedia, fez a seguinte observação:

11
– Como pode você pensar em fazer trabalho missionário, Marcolina, se
não aguenta caminhar algumas horas sem chorar por causa dos pés?
– Não sei, D. Essie, mas de uma coisa tenho certeza: o Senhor me cha-
mou para a sua obra e por isso confio que ele providenciará tudo o que
for preciso – respondeu Marcolina.
Durante o tempo em que foi etecista, Marcolina trabalhou na Igreja
Batista da Rua Imperial, tendo como pastor o Dr. Antônio Neves de
Mesquita. Era a única etecista que não trabalhava na Igreja Batista da
Capunga. A diretora não permitia que as demais alunas trabalhassem
fora de suas vistas. Marcolina, no entanto, podia ir para outra igreja
distante. Cremos que tal permissão lhe foi dada por inspirar maior
confiança.
Marcolina formou-se na Escola de Trabalhadoras Cristãs em 1931.

12
hamada
AAcchamada
pa
para Missões
raMissões capítu

04
lo

Quando ouvia o Pr. Zacarias Campelo falar sobre sua esposa Noemi e o
seu trabalho entre os índios, o coração de Marcolina batia forte. Sentia
que Deus queria que ela se dedicasse ao trabalho entre sertanejos e
indígenas. Num dos seus relatórios, o Pr. Zacarias narrou o trabalho de
Noemi, seu sofrimento e morte na taba dos craôs. Acentuou a neces-
sidade de alguém que falasse de Cristo aos indígenas. Para Marcolina,
foi como se o Senhor lhe dissesse: “A quem enviarei, e quem irá por nós?”
(Isaías 6.8). Na Escola de Trabalhadoras Cristãs, em lágrimas, ela orava
para que pudesse chegar ao interior, onde Noemi trabalhara e morrera.
Após concluir seu curso na ETC, Marcolina ensinava uma classe de
crianças da Primeira Igreja Batista de Maceió. Era janeiro de 1932. Nes-
se tempo, ela foi convidada para uma conversa com o Pr. Manoel Aveli-
no de Souza, então Secretário Executivo da Junta de Missões Nacionais.
É que ele havia sido informado do ideal de Marcolina. Durante a con-
versa, ele perguntou a ela se aceitaria partir para o campo missionário
e passar ali dois anos. Moraria numa pequena vila e abriria uma escola
anexa à igreja. Seria a primeira escola que os batistas manteriam no
sertão. Marcolina reconheceu que o Senhor respondia às suas orações.
Aquela consulta significava a realização do anseio da sua alma.
Tudo se encaixava dentro dos propósitos de Marcolina, que cria firme-
mente que Deus lhe abriria a porta da oportunidade. Para ela, a conver-
sa com o Pr. Avelino era uma resposta evidente, pois até então pensava
em como seria possível ir para os sertões brasileiros. Na época, não se
imaginava em mandar uma jovem para o sertão, e muito menos para
as aldeias dos índios. Marcolina, porém, orava e aguardava. Sabia que
aquele que a chamara providenciaria tudo o que fosse necessário.
Antes de ser nomeada, em Maceió, Marcolina assistia à Assembleia
Anual da União Geral de Senhoras (hoje, UFMBB), quando D. Edith

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West, missionária norte-americana, apresentou a ideia de haver uma
missionária no campo de Missões Nacionais sustentada pelas moças
do Brasil. Segundo ela, as jovens orariam em favor da missionária
escolhida e ficariam responsáveis pelo seu sustento. Todas as mu-
lheres e moças presentes acharam ótima a ideia. Marcolina ficou no
seu cantinho, ouvindo toda a discussão e, ao mesmo tempo, orando e
entregando a Deus a sua causa, esperando que o caminho se abrisse
e que fosse ela a escolhida. Tinha certeza de sua chamada e já havia
respondido a Deus que estava pronta a ir, mas não podia imaginar
como ele agiria, pois ainda não havia recebido o convite oficial da Junta
de Missões Nacionais para trabalhar no sertão. Achava que era honra
grande demais ser uma missionária, e mais ainda ser representante
da então Sociedade de Moças Batistas do Brasil.
No dia seguinte, Marcolina recebeu a comunicação do Secretário Exe-
cutivo da JMN. A Junta concordara com o plano e desejava saber se ela
queria ir ao campo missionário e lá ficar por dois anos. É evidente que
ela concordou.
Na mesma ocasião, durante a Assembleia Anual da Convenção Batista
Brasileira, o Pr. Manoel Avelino de Souza apresentou Marcolina como
a jovem que ia abrir e dirigir a escola anexa à Igreja Batista em Porto
Franco, onde já trabalhava o missionário Alexandre Silva. Naquela ci-
dade, viviam 200 crianças em idade escolar, sem qualquer escola onde
pudessem estudar.
O Pr. Manoel Avelino disse aos convencionais que, além do seu preparo
intelectual, Marcolina possuía uma fé bastante firme, comprovada ex-
periência cristã e um caráter irrepreensível. Pediu que seu nome fosse
incluído nas orações de todos os batistas do Brasil.
Confiante em Deus, a jovem de 23 anos deixou os seus como Abraão,
e partiu para uma terra que não sabia bem onde ficava. Lá, ganharia
outra família, bastante numerosa. Separou-se de amigos para ganhar
outros, mais necessitados do seu amor e ajuda. Ela não tinha ideia do
que a esperava. Somente de uma coisa tinha certeza: Deus a chamara
e iria em sua companhia.
Muitos tentaram fazer com que ela desistisse da missão. Era muito
sacrifício. Ofereceram-lhe trabalho. Achavam que ela estaria fazendo
uma loucura. Havia almas perdidas nas cidades também, e em maior
quantidade. Não foi fácil enfrentar todos esses conselhos negativos e
oposições. Mas ela pediu orientação ao Senhor e, confiante, seguiu.

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No dia 5 de abril de 1932, Marcolina viajou de Maceió para Belém do
Pará. Após dez dias de viagem, havendo passado por Belém, embar-
cou num pequeno barco para subir o majestoso rio Tocantins numa
viagem de 20 longos dias.
O rio estava meio seco, e Marcolina viajou sentada noite e dia sobre
sacos de sal, pois o barco era bem pequeno. À noite, recostava a cabeça
e dormia. Quando o barco aportava, dormia às margens do rio com
os demais passageiros. Ela contemplava as árvores e palmeiras que
ladeavam o Tocantins, nas quais os macacos brincavam soltando seus
guinchos. Durante aqueles dias, sentiu o que é ter medo de verdade.
Finalmente, no dia 3 de maio de 1932, Marcolina chegou a Porto Fran-
co. Experiência inédita para uma jovem batista, que desconhecia os
sertões com que havia sonhado.

15
A mAismissionária
sionária
de Jde
esJesus
capítu

05
us CCristo
lo risto
Dois dias após a sua chegada à terra para onde o Senhor a levara,
Marcolina organizou a Sociedade de Senhoras (hoje, Mulher Cristã
em Missão) com 10 sócias. Logo, em sua companhia, as irmãs fizeram
uma viagem a São Vicente, onde havia um dos três pontos de pregação
da igreja. As irmãs assumiram a responsabilidade daquele trabalho
evangelístico.
Na Sociedade de Senhoras, os trabalhos eram alternados: numa noite,
faziam o estudo do Manual das Senhoras, dirigido pela presidente; na
outra, realizavam culto de evangelização. Assim, a obra se desenvolvia
com ânimo e entusiasmo e começava a apresentar uma nova força.
Nas noites de segunda-feira, elas ainda realizavam cultos de oração e
faziam visitas evangelísticas às fazendas vizinhas. Todas começaram a
trabalhar e a testemunhar de Cristo.
Após algum tempo, Marcolina escreveu à D. Essie, contando-lhe sobre
o trabalho e de como caminhava quilômetros. Encerrando a carta,
escreveu: “E os meus pés não têm doído nenhum tiquinho! Como o
Senhor ouve as nossas mínimas súplicas!”
A maioria do povo sertanejo aceitou logo a moça da cidade como um
deles, apesar da perseguição do padre da localidade. Ele afirmava que
D. Marcolina tinha “uma força do diabo”, e explicava que, se assim não
fosse, não iria pelos sertões adentro, pregando e vencendo distâncias,
lama, chuva e dificuldades de todo tipo.
Apesar da aceitação da maioria, nem tudo foi um mar de rosas. Alguns
não aceitaram prontamente a jovem protestante que ensinava que
Jesus era o Cristo, o Filho de Deus.
Marcolina iniciou logo o trabalho da escola anexa, que era a única es-
cola da vila. Embora houvesse cerca de 200 crianças em idade escolar,

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apenas 14 frequentaram a escola no seu primeiro ano de atividades.
Aos poucos, no entanto, o número de alunos foi crescendo.
O povo era muito católico e dominado pelo padre, que aconselhava os
pais a deixarem os filhos sem qualquer instrução em vez de colocá-los
na escola da missionária protestante. No entanto, segundo Marcolina,
se muitos deixaram de mandar os filhos para a escola, foi mais por
serem bem pobres, pois tudo lhes faltava. Na escola, todos os dias, os
alunos ouviam a mensagem do evangelho, que lhes apresentava Jesus
Cristo, o Salvador.
Depois de algum tempo, quando a escola contava com cerca de 50
alunos, um homem, certo dia, bateu à porta e disse a Marcolina que ela
era “a ruína do povo de Porto Franco... o diabo do sertão”. E disse-lhe
muitos outros desaforos, mas Deus levantou alguém para defendê-la.
O Juiz de Direito da cidade recriminou a atitude do homem mal-educa-
do, e Marcolina sentiu-se fortalecida.
Certo dia, o Governador do Estado visitou aquela pequena vila em cam-
panha política. Depois de ver tudo, ofereceu a Marcolina um salário
que era o dobro do que ela recebia da JMN, além de uma escola bem
equipada, contanto que aceitasse ser nomeada professora estadual.
Ela agradeceu, mas recusou o convite e continuou o seu trabalho, en-
frentando dificuldades e sofrendo incompreensões, mas satisfeita com
as bênçãos que recebia a cada dia do seu Senhor.
Marcolina passou cerca de 20 anos em Porto Franco. Através dos anos,
a escola trouxe grandes resultados para o progresso do evangelho
naquela região. Por ali passaram crianças que, tornando-se pessoas
adultas, vieram a ocupar posição de destaque na sociedade. Algumas
tornaram-se profissionais liberais, enquanto que outras assumiram
posição de destaque na política brasileira. Outras se dedicaram ao mi-
nistério, e muitas outras, apesar de simples, na sua pureza, passaram
a viver o cristianismo que Marcolina pregou e, sobretudo, viveu.
Durante os 20 anos que passou em Porto Franco, Marcolina acom-
panhou o progresso daquela vila. Viajou constantemente a lugares
vizinhos e, nas férias, foi a regiões mais distantes. Seu grande anseio
era evangelizar, mas seu trabalho como itinerante propriamente dito
só começou após dois períodos de trabalho, de cinco anos cada um.
Visitava as fazendas grandes, os sítios pequenos e as casas dos serta-
nejos que se espalhavam pela região, à beira dos pequenos córregos.
Seus esforços se estenderam a outras vilas e cidades, como também às

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aldeias dos índios, onde realmente estava o seu coração. Essas visitas
eram constantes, e os índios apinajés sempre a acolhiam com alegria
e ouviam a mensagem de salvação.
Marcolina foi convocada a ajudar no Instituto Teológico, em Carolina,
onde, durante seis meses do ano, ajudava no preparo dos jovens. Du-
rante os outros seis meses, viajava como itinerante, abrindo pontos de
pregação e falando de Cristo a centenas de pessoas. Isso foi de 1946 a
1949, um intervalo no seu trabalho em Porto Franco.
Certamente, o trabalho no Instituto Teológico era mais fácil, embora
não menos importante, porque ajudava na formação de novos obrei-
ros. Marcolina, porém, não estava satisfeita. Afirmava ter sido cha-
mada para evangelizar. Finalmente, deixou Carolina para se dedicar
novamente à tarefa que tanto amava: a de evangelizar Porto Franco e
arredores.
Voltando a Porto Franco, onde ficou mais um ano, abriu um outro tra-
balho em Tocantinópolis, do outro lado do rio Tocantins, uma cidade
fronteira a Porto Franco e que se desenvolvia bem mais rápido. Morou
ali cinco anos.
Em Tocantinópolis, os padres ordenaram-lhe que não entrasse nos
lares católicos para lhes falar da salvação. Várias vezes ameaçaram
bater nela e pagavam as pessoas para não irem aos cultos.
O trabalho entre os índios apinajés exigia fé e paciência. Marcolina
falava-lhes de Cristo, mas não via resultados animadores. Apesar dis-
so, era bem acolhida e sempre se alegravam com sua visita. Anos mais
tarde, encontrou um índio às portas da morte. Ele lhe disse:
– Vou para Jesus e lá vou me encontrar com Jesus e Marcolina.
Tempos depois, ela foi para Araguatins, onde iniciou outro trabalho,
agora, como enfermeira-evangelista, se bem que não deixou de ser
professora e até “pastora”. Abriu um ambulatório no local.
O “hospital”, como era conhecido, era procurado por pessoas que ti-
nham de andar mais de 120 quilômetros. Ali, Marcolina atendia 20 ou
mais doentes por dia, além dos que atendia nas casas e fora da cidade.
Nunca deixou de falar de Cristo, o Médico dos médicos, aos seus doen-
tes. Na ocasião, escreveu à Junta, pedindo mais literatura: evangelhos
e folhetos. E disse: “Caso a Junta não tenha verba, retire do meu salário
a importância necessária para os comprar.”

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A Igreja Batista em Araguatins, que estava enfraquecida, com apenas
11 membros, passou a contar com 50. Marcolina liderou a construção
do seu templo durante os cinco anos em que ali esteve. O templo está
situado na praça principal, voltado para o majestoso rio Araguaia.
Quando terminou a construção e o trabalho estava fortalecido, ela
escreveu à Junta, dizendo que era tempo de mandarem um pastor
para Araguatins.
Em 1962, tendo completado 30 anos de trabalho no sertão, Marcolina
foi para Marabá, onde passou mais três anos. Como sempre, trabalhou
sem poupar esforços e saiu deixando mais uma igreja organizada.
De Marabá, Marcolina foi para Colinas de Goiás, onde o trabalho já
havia sido iniciado pelo irmão José Nunes. Ela continuou visitando e
pregando. Depois, adquiriu um salão de cultos. Após quatro anos de
esforços, tinham um templo e lugar para o trabalho com as crianças.
A igreja foi organizada e tornou-se bastante animada, tendo também
uma escola anexa.
Nesse tempo, o coração da pioneira estava voltado para São João do
Araguaia. Ela sentia que devia iniciar um novo trabalho naquela área,
onde havia tantas almas carentes de salvação. E assim fez.
Mais tarde, após 40 anos de atividades no sertão, Marcolina solicitou
à JMN que a transferisse para uma vila da Transamazônica. Assim, em
abril de 1973, chegou a São Domingos do Araguaia, no Estado do Pará.
A Junta recebera uma oferta da União de Adultos L. M. Bratcher, da
Primeira Igreja Batista de Niterói, RJ. Essa oferta possibilitou a compra
de uma casa para a residência da missionária e o funcionamento da
congregação e do dispensário (local que presta gratuitamente assistên-
cia médica). As portas da casa passaram a se abrir todos os domingos
para a EBD e culto evangelístico à noite, e para o culto de oração às
sextas-feiras. Assim, Marcolina continuou em seu pioneirismo.
No seu trabalho nessa vila do Estado do Pará, Marcolina foi auxiliada
por um rapazinho crente, já batizado, que morava com ela: Genésio
Alves dos Reis. Ele ajudava a missionária nos trabalhos de casa e na
evangelização. Trazia crianças para os trabalhos da igreja, acompanha-
va Marcolina em suas viagens e visitas de evangelização e distribuía
muitos folhetos. Ele também gostava de pregar o evangelho e, depois
de alguns meses, pediu a Marcolina que o deixasse tomar conta de um
ponto de pregação. Ele explicou:

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– Convido as pessoas, conto uma história, leio a Bíblia e canto alguns
corinhos.
O pequeno evangelista realizava o seu trabalho aos domingos à tar-
de. Um dia, ele regressou chorando e dizendo que os meninos não
queriam mais ouvir as histórias bíblicas que ele contava, nem cantar
corinhos com ele. Mas disse que, quando crescesse, iria pregar o
evangelho de verdade, e todo mundo iria ouvir a mensagem de Cristo
e aceitá-lo como Salvador.
A missionária consolou seu jovem ajudante, dizendo-lhe que todo mis-
sionário chora e que a experiência que ele tivera não deveria deixá-lo
desanimado, porque “aquele que sai chorando, levando a semente para
semear, voltará com cânticos de júbilo, trazendo consigo os seus molhos”
(Sl 126.6). Disse-lhe que o próprio Jesus chorou quando viu a multidão
descrente.
Assim, a serva de Deus andou de lugar em lugar, armando sua tenda
ora aqui, ora ali, levando almas a Cristo, sendo sua testemunha fiel.
Tornou-se não apenas a “peste do vale do Tocantins”, mas também do
vale do Araguaia, e, sobretudo, a serva fiel do Senhor, o canal das suas
bênçãos para os sertões brasileiros. Glória ao Senhor por sua vida de
tanta dedicação e duras experiências!
Porto Franco, Carolina, Tocantinópolis, Araguatins, Marabá, Colinas
de Goiás, São João do Araguaia, São Domingos do Araguaia... todos
esses lugares guardam as pegadas da missionária de Cristo, cuja vida
de dedicado trabalho tem sido um desafio para tantos e tantos jovens.
Nesses lugares todos e em muitos outros, ela tornou-se a professora,
a serva exemplar do Senhor, a enfermeira dedicada, a pregadora fiel
do evangelho que viveu.
Tocantinópolis foi a cidade que Marcolina escolheu para os seus dias
de velhice. Com os seus próprios recursos e a ajuda da JMN e de irmãos
da Igreja Batista Memorial de Brasília, adquiriu uma casinha. Ali, não
podendo mais andar para fazer visitas, encontrou um meio de evan-
gelizar: sentada à porta da sua casa, passou a falar de Cristo a todos
os que por ali passavam. Distribuía folhetos e evangelhos, sem perder
qualquer oportunidade. Seus pés e pernas voltaram a doer muito,
impedindo-a, às vezes, até de se levantar da cama por dias. Apesar de
tudo, nunca perdeu seu sorriso feliz ao testemunhar de Cristo.
No dia 14 de janeiro de 1988, Deus transferiu Marcolina para o seu lar
celestial.

20
Ex p e ri ê n
Experiências c i as
arcantes
mmarcantes capítu

06
lo

Quando trabalhava como itinerante, Marcolina viajava mais de 60 qui-


lômetros por dia às costas de um burro, comendo carne-de-sol com
farinha e rapadura. Bebia água dos ribeirões e até de poças que a chu-
va deixava na estrada. Tudo isso para falar de Cristo a milhares de pes-
soas. Ao se despedir das pessoas, estas suplicavam-lhe que voltasse,
para lhes falar mais do amor de Deus. Sentia profunda tristeza quando
sabia que alguém partira para a eternidade sem conhecer Jesus.
Certa vez, ela chegou a um lugar que ficava a 40 quilômetros de To-
cantinópolis. Ali encontrou muita gente que nunca ouvira falar do
Salvador. Em outra ocasião, estava viajando com o seminarista Jonas
Borges. Ele tocava clarinete, convidando o povo das roças para ouvir a
pregação. Só que, ao ouvirem o toque do instrumento, pensando ser
a polícia que os procurava, os sertanejos correram para mais dentro
da mata.
Muitas vezes, Marcolina precisava dirigir três ou quatro cultos por
dia. O povo chegava e queria cantar. Os cânticos ecoavam pela noite
adentro. Certa ocasião, quando saíam no dia seguinte, de manhã cedo,
uma senhora lhes perguntou:
– Quando vocês vão voltar pra nos falar mais de Cristo?
O tempo passou e, com tristeza, Marcolina recebeu a notícia de que
aquela senhora falecera pedindo que a chamassem.
Em outra ocasião, uma senhora bem idosa disse a Marcolina que nunca
ouvira falar de Jesus, nem sabia onde ele morava.
Montada em seu animal, Marcolina rompia as distâncias, sempre le-
vando a “preciosa semente, andando e chorando”. Encontrou muita gente
que tinha medo dela e não sabia quem era Jesus, como aquele jovem de
20 anos a quem ela perguntou se queria aceitar Jesus como Salvador.

21
– Adonde é que ele tá, dona? Nunca vi ele! – disse o rapaz a quem nin-
guém jamais falara de Cristo.
Por duas vezes, perdida nas matas, Marcolina sofreu muita sede. Cer-
ta manhã, errou o caminho para onde ia. Ninguém morava naquelas
redondezas. Viajou até a tardinha, quando finalmente encontrou uma
poça de água. Desceu do animal e bebeu daquela água, que estava
quente do sol. As forças lhe faltaram e ela perdeu os sentidos. Quan-
do voltou a si, esperou um pouco e continuou sua viagem de mais 13
quilômetros.
Aonde quer que chegasse para trabalhar, Marcolina logo era cercada
de crianças. Elas eram as primeiras a procurá-la, sempre cheias de
curiosidade. Ao ser interrogada sobre como iniciava seu trabalho de
evangelização onde não existia qualquer crente, ela respondeu que era
visitando e fazendo amizade com as crianças primeiramente. Depois,
ela as convidava para um culto. E Deus sempre coroou de êxito os seus
esforços.
Certo dia, em Colinas de Goiás, Marcolina foi convidada a dirigir um cul-
to numa comunidade de praticantes da macumba. Reuniu os crentes
da igreja e foram. Após enfrentarem dificuldades sem conta, chegaram
ao local, mas, para decepção de todos, o dono da casa lhes disse que
o terreiro estava preparado para suas danças e que não queria ouvir
culto de protestante. Logo começaram a chegar pessoas, tocando
tambores. Mesmo assim, Marcolina falou com ousadia, mostrando
que a Bíblia condena a macumba. Tristes, tiveram que sair, mas, logo
adiante, uma senhora gritou:
– D. Marcolina, venha pregar aqui!
Que alegria sentiram quando aquela senhora, ouvindo a mensagem
simples do evangelho, aceitou Jesus como seu Salvador.
Por muitos anos Marcolina dedicou atenção especial à evangelização
dos índios apinajés, que vivem perto de Porto Franco. Viajando com a
missionária Pedrina Azevedo, visitou a aldeia de São José. Foram bem
acolhidas pelos indígenas e pelos diretores do Serviço de Proteção aos
Índios. Ali, elas realizaram um trabalho nos moldes de Escola Bíblica de
Férias. À noite, houve o culto e todos ouviram com atenção a mensa-
gem de salvação. Aprenderam a cantar “Só Jesus é quem salva”. Mas as
missionárias tinham que prosseguir viagem até outra aldeia. Os índios
insistiram para que ficassem mais tempo. Um deles disse:

22
– Cumadre diz que volta, mas, quando dá fé, engana índio e não vem.
Certo dia, Marcolina pregava num dos seus muitos pontos de prega-
ção, enfatizando que Jesus viera salvar os homens dos seus pecados,
quando um senhor lhe perguntou:
– D. Marcolina, há um Salvador para os homens e outro para as mulhe-
res? Pergunto isto porque a senhora só fala do Salvador dos homens.
As mulheres não se salvam?
Em certo lugar, aonde ia com frequência, ela estava realizando um
trabalho, quando chegou uma senhora de mais de 50 anos, vendendo
azeite de coco babaçu. Marcolina perguntou à mulher se ela já ouvira
falar de Cristo, o Filho de Deus, que morrera na cruz para salvar os pe-
cadores. A mulher, com cara feia, respondeu grosseiramente:
– Não e nem quero ouvir!
A irmã que acompanhava Marcolina falou mais alguma coisa, mas a
mulher saiu zangada, dizendo que não queria saber de protestantes.
Acontece que ela foi à casa de uma senhora crente. Na hora em que
Marcolina ia iniciar o culto, a dona da casa convidou a vendedora de
azeite para acompanhá-la. Não sabendo para que estava sendo cha-
mada, ela foi. No início do culto, ela estava perturbada. Aos poucos, no
entanto, foi acalmando-se. Marcolina falou de modo que ela pudesse
entender. Após o culto, ela perguntou quando teriam outro culto, pois
tinha achado tudo muito bonito. Foi-lhe explicado o plano de salvação
de modo simples. Cinco anos depois, enquanto dirigia uma Escola
Popular Batista (hoje, Escola Bíblica de Férias) em Miracema do Norte,
Marcolina recebeu um bilhetinho. Dizia: “Sou aquela moça que se de-
cidiu há quase cinco anos atrás. Agora, há mais quatro moças crentes
perto de mim. Estamos prontas para o batismo. Venha, por favor, e
traga um pastor!” A Palavra de Deus não volta vazia!
Certa vez, Marcolina estava voltando ao campo missionário após um
período de férias. Era uma noite escura. Ela e um bom número de
passageiros estavam deixando o porto de Belém, rumo a Porto Fran-
co. O barco estava superlotado. Após alguns momentos de conversa,
aqueles passageiros ficaram silenciosos. Com certeza, cada um orava
à sua maneira, enquanto o pequeno barco cortava as águas do rio.
Marcolina pedia a Deus que guardasse a vida de todos no decorrer
da longa viagem. Ainda não haviam viajado duas horas quando, de
repente, o barco recebeu uma forte pancada e virou de lado. Sentin-

23
do que havia um mundo de coisas sobre ela, Marcolina não podia se
levantar. Pensou que não haveria mais jeito de sair dali. Pediu a Deus
que, se ele ainda tivesse algo para ela realizar, a tirasse dali. Depois
de lutar muito para sair e não conseguir, pensou que havia chegado
a sua hora de partir para a eternidade. Estava envolta em água. Orou
mais uma vez, suplicando ao Pai que abreviasse a sua hora. Já não
tinha mais esperanças de sobreviver, quando sentiu algo tocando seu
pé. Empurrou, pensando que fosse uma das malas. Com isso, sentiu
que saíra de dentro do barco. Contudo, logo encontrou algo em que
se agarrar. Era o pé de um marinheiro, que estava agarrado ao mastro
do barco, já todo coberto pelas águas. O homem segurou-a pela mão e
puxou-a para cima. Ela havia bebido muita água. Havia gritos, choro e
desespero por todos os lados. Foi uma hora de terrível angústia. Logo,
porém, chegou um outro barco, e algumas cordas foram jogadas. Com
isso, conseguiram salvar algumas vidas. Marcolina foi arrastada por
alguns homens. Ela agarrou-se nas cordas e foi puxada para cima por
outros dois. Enquanto isso, os gritos e lamentos continuavam. A freira
convidava todos a rezarem. Marcolina, porém, convocava-os a crerem
em Cristo, que os salvara.
Nessa ocasião, Marcolina, que levava consigo muitas coisas que lhe ha-
viam sido doadas pelas igrejas, perdeu tudo. No entanto, o Pai salvou
sua vida e supriu todas as suas necessidades.

24
queria
a queria
ElEla
dez!
r dez!
seser capítu

07
lo

Marcolina sempre afirmou que desejava ser dez, a fim de aproveitar


todas as oportunidades que surgissem no seu trabalho em prol da
causa do Mestre. Sempre considerou múltiplas e variadas as opor-
tunidades de ajudar o sertanejo a ter uma visão clara e real do que é
seguir a Cristo.
Já na velhice, com tristeza, ela exclamou: “Ah! se eu fosse ainda a Mar-
colina de 54 anos atrás!” E seu desafio aos jovens era que se levantas-
sem e se entreguassem a Cristo para fazer o trabalho que ela iniciou.
Seu apelo a cada jovem era este: “Levante os olhos e veja como os
campos estão brancos para a ceifa!”
Tendo sido indagada pelo Secretário Executivo da Junta de Missões
Nacionais sobre quando pretendia se aposentar, respondeu-lhe: “Só
quero parar quando ele me levar para sua casa. Pois quem virá ocupar
o meu lugar? Nem o Secretário Executivo, nem a Junta pode me apo-
sentar. Só o Senhor o pode.”
Hoje, os caminhões, os carros, os ônibus e os aviões chegam com maior
facilidade aos lugares distantes. Marcolina, no entanto, durante muitos
anos, viajou a pé, de barco, de canoa, sobre lombo de burro e até em
carroceria de caminhão. Tudo isso sem contar as vezes em que teve
de atravessar rios sobre couro de animal. Viajou milhares de quilôme-
tros, indo de povoado a povoado, fazenda após fazenda, de vila em
vila, cidade em cidade, sempre ensinando a todos que Cristo é a única
esperança para a salvação do homem.
Em um de seus relatórios à Junta, assim escreveu Marcolina:
“Meus irmãos, o que iremos fazer? Quem virá nos ajudar? O povo está
clamando por salvação, mas os obreiros são tão poucos, o tempo é por
demais curto e o Brasil tão vasto! Andei 300 quilômetros, gastando dois

25
meses nessa viagem. Mas, olhando para trás, eu posso afirmar: Há tantos
lugares onde a mensagem de Cristo precisa ser pregada! Há tanta gente
clamando, e todo o nosso esforço tão pouco, nada mesmo!”
Em outra ocasião, dirigindo-se à mesma Junta, Marcolina escreveu:
“Eu quero trabalhar na Transamazônica, mas esta igreja em Colinas de
Goiás não pode ficar sem uma pessoa que dê todo o tempo ao trabalho.
Eu estou satisfeita com esta igreja e vejo-a crescer em tudo, no entanto,
sinto que devo ir a São Domingos e a São João do Araguaia. Eu escrevi aos
irmãos, falando da viagem que fiz à Transamazônica e da extrema neces-
sidade do evangelho por onde passei, e também da compra de uma casa
em São Domingos do Araguaia, que está recebendo gente de todo o Brasil
e crescendo rapidamente. Nas cidades de Itupiranga e São Félix pedem por
alguém que lhes fale de Cristo. Eu tenho chorado e desejado ser dez, para
levar a essa gente a palavra de Cristo, mas nada posso fazer. A saúde me
falta e o peso dos anos tira as minhas forças...”
Quem se levantará para ir substituí-la? Que o Senhor atenda a sua ora-
ção e mande jovens preparados, resolutos e dedicados, que possam
continuar o trabalho de ganhar almas que ela iniciou.

26
Ho m e n ag
Homenagens en s capítu
lo

08

Segundo Marcolina, o acontecimento mais importante em sua vida foi


sua nomeação pela Junta de Missões Nacionais para ganhar almas para
Jesus Cristo. Sobre isso, ela escreveu:
“Sem relutância, deixei a minha cidade com tudo o que eu amava, a fim de
ir para o sertão. Para completar a minha felicidade, certo dia, quando já
estava trabalhando na pequena vila de Porto Franco, às margens do rio
Tocantins, recebi uma carta do Secretário Executivo da Junta de Missões
Nacionais e outra da Secretária Executiva da União Geral de Senhoras,
Minnie Landrum. Eles me comunicavam que eu havia sido escolhida para
ser sustentada pelas jovens batistas do Brasil e para representá-las na obra
de Missões Nacionais. Não consigo descrever a emoção que senti naquela
hora e que sinto ainda hoje, depois de quase 40 anos. Foi uma alegria tão
grande e uma honra tão sublime, que me senti humilde diante de Deus, a
ponto de perguntar-lhe: Senhor, por que fazes assim comigo? Por que me
dás tantos privilégios sem eu merecer? De par com a alegria e a emoção,
senti uma grande responsabilidade e, ao mesmo tempo, fiquei entusias-
mada por tantos privilégios. Oro sempre, pedindo ao nosso Pai que não
permita que a minha vida fraca e imperfeita venha a envergonhar as mi-
nhas queridas moças e muito menos o nosso Senhor Jesus Cristo, que tem
derramado tantas bênçãos sobre a minha vida, embora eu não mereça. A
ele seja dada toda a honra e toda a glória. Gostaria de ter dez vidas e muita
força para gastar no serviço do meu Mestre e Salvador. Agora, só tenho um
restinho de vida, e ainda há tanto trabalho a ser feito e tantas almas que
precisam ser ganhas para Cristo! Quem virá atender ao clamor dos perdi-
dos sem Deus e sem salvação? As terras estão brancas para a ceifa, mas
onde estão os obreiros? Almas sedentas, crianças espalhadas pelas matas
e pelas estradas pedem da água que Jesus tem para dar...”
Marcolina jamais envergonhou o nome de Cristo, o que pode ser con-
firmado através das homenagens que recebeu ao longo dos anos.

27
Em 1957, a Escola de Trabalhadoras Cristãs, hoje SEC, ao comemorar
seu Jubileu de Rubi, iniciou o plano de, anualmente, homenagear uma
das suas ex-alunas que tenham prestado valiosos serviços ao Senhor
e cuja vida sirva de inspiração para as alunas e demais ex-alunas.
Marcolina foi a primeira das obreiras escolhidas para essa homena-
gem. A própria associação de ex-alunas indicou seu nome, que foi
unanimemente aprovado pelo corpo docente. Em Tocantinópolis, ela
recebeu a comunicação, que incluía o convite para estar no Recife para
as solenidades de formatura da ETC, no final de novembro. No culto de
ação de graças da turma de formandos, ela proferiria uma mensagem
missionária. O paraninfo seria o Dr. David Mein, filho do casal que tanto
apoio lhe dera quando ela era jovem. A expressiva homenagem lhe foi
prestada na noite de formatura da turma de 1957, perante numeroso
auditório. Essa homenagem sensibilizou o coração da serva do Senhor,
tão simples e tão sem vaidades.
Em março de 1972, Marcolina estava novamente no SEC como convi-
dada especial. Foi a oradora do programa de abertura do ano letivo,
solenidade essa que se realizou no amplo salão do Edifício Memorial:
memorial a todas as ex-alunas do Seminário que fielmente serviram a
Cristo até a morte. Durante o programa, na sua simplicidade, ela nem
notou a cortina que encobria algo acima da porta de entrada. Termi-
nada a sua mensagem, a Dra. Martha Hairston, a então reitora do SEC,
revelou o motivo do novo convite que Marcolina recebera para visitar o
SEC e proferir a aula inaugural: Dentro de um mês, a missionária com-
pletaria 40 anos de serviços a Cristo em campos pioneiros de Missões
Nacionais. O SEC festejava com ela aquele evento. No término do culto,
foi aberta a cortina, que ocultava o retrato de Marcolina e uma placa
com os dizeres: Salão Marcolina Figueira de Magalhães. Essa homena-
gem comoveu Marcolina, enchendo-a de alegria. Jamais esperara por
ela. Sentiu-se recompensada por seus esforços e dedicação, muito
embora tivesse a certeza de que nada fizera para ser homenageada,
mas tão somente para honrar e engrandecer o nome do Senhor que a
chamara para o seu serviço. Naquela noite especial, ela recebeu o Di-
ploma de Honra ao Mérito pelos seus 40 anos de trabalho missionário
nos sertões da Pátria.
Outra homenagem significativa lhe foi prestada pelos batistas alago-
anos. Aqueles irmãos deram ao orfanato por eles mantido o nome de
“Lar Marcolina Magalhães”.

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Sem qualquer dúvida ou exagero, Marcolina pode ser considerada a
bandeirante de Missões Nacionais. Foi a primeira jovem solteira a par-
tir para os sertões distantes como missionária nomeada pela Junta de
Missões Nacionais. Foi a primeira e única missionária a ser sustentada
pelas jovens batistas do Brasil por um longo período. Foi a primeira
professora a abrir e dirigir uma escola batista nos sertões. Foi a pri-
meira itinerante, a primeira enfermeira prática, a primeira missionária
brasileira a sofrer um naufrágio, a primeira jovem solteira a evangelizar
os índios apinajés, a primeira missionária a atuar na Transamazônica, a
primeira a falar de Cristo a centenas e centenas de perdidos que jamais
teriam ouvido sobre o seu sacrifício na cruz. Foi a primeira ex-aluna a
ser homenageada pelo SEC.
Marcolina penetrou em território até então dominado pelo inimigo e
ali implantou a bandeira de Cristo. Sim, ela foi a bandeirante a desbra-
var os sertões do Brasil com a mensagem de salvação. Realmente, ela
merece nossa consideração e reconhecimento pelo que realizou. Sua
vida foi exemplo vivo e palpitante para muitos jovens que, deixando os
grandes centros, seguiram em busca de joias preciosas para o Mestre.
Louvemos a Deus por ter colocado no coração de Marcolina a fé, a
coragem e o destemor para ir e realizar tão grande obra para honra e
glória do seu santo nome.

29
ava l i aç
Avaliação ão
Assinale com X a resposta certa:
1. Marcolina nasceu
( ) em Alagoas. ( ) na Bahia.
( ) em Pernambuco. ( ) no Maranhão.
2. Quando menina, Marcolina tinha um medo doentio
( ) das professoras. ( ) dos padres.
( ) das freiras. ( ) dos crentes.
3. Marcolina tinha uma fé profunda em
( ) “ N. Sra. Aparecida”. ( ) “ N. Sra. dos Navegantes”.
( ) “ N. Sra. da Penha”. ( ) “ N. Sra. de Nazaré”.
4. Influenciada por um homem crente, o que fez Marcolina com todos
os seus santinhos?
( ) Deu-os à uma amiga. ( ) Queimou-os um a um.
( ) Devolveu-os às freiras. ( ) Jogou-os no rio.
5. Enquanto estudou na ETC, para ganhar seu sustento, Marcolina
( ) trabalhava como inspetora. ( ) lavava roupas para fora.
( ) costurava para as colegas. ( ) vendia produtos de beleza.
6. Na ETC, as colegas tinham um motivo para brincar com Marcolina.
Descobriram que ela tinha pavor de
( ) lagartixas. ( ) baratas.
( ) aranhas. ( ) sapos.
7. Certo missionário, ao prestar relatório do trabalho entre os índios
craôs, exerceu forte influência sobre Marcolina, que sentiu-se chamada
para missões. Esse missionário foi
( ) Salomão Ginsburg. ( ) Eurico Nelson.
( ) Zacarias Campelo. ( ) Johann Bieri.

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8. Tendo concluído seu curso na ETC, Marcolina foi entrevistada pelo
então Secretário Executivo da JMN, Pr. Manoel Avelino de Souza. Ele
perguntou-lhe se ela aceitaria
( ) passar dois anos no campo missionário.
( ) trabalhar na sede da Junta de Missões Nacionais.
( ) promover missões no seu estado.
( ) promover missões em sua igreja.
9. Em Maceió, durante a Assembleia Anual da União Geral de Senhoras,
D. Edith West apresentou a ideia de haver uma missionária no campo
de Missões Nacionais sustentada
( ) pelas senhoras batistas. ( ) pelas alunas do SEC.
( ) pelas moças batistas. ( ) pelas igrejas batistas.
10. Dois dias após a sua chegada ao campo missionário, com 10 sócias,
Marcolina organizou
( ) a Sociedade de Crianças. ( ) as Mensageiras do Rei.
( ) a Sociedade de Moças. ( ) a Sociedade de Senhoras.
11. Em Porto Franco, o padre aconselhava os pais a
( ) mandarem os filhos para a escola da missionária protestante.
( ) deixarem os filhos sem qualquer instrução em vez de colocá-los na
escola de Marcolina.
( ) mandarem os filhos para outra cidade onde houvesse uma escola.
( ) mandarem seus filhos para a escola das freiras.
12. Em Araguatins, Marcolina abriu
( ) uma escola. ( ) uma creche.
( ) um ambulatório. ( ) um asilo.
13. Para os seus dias de velhice, Marcolina escolheu a cidade de
( ) Porto Franco. ( ) Tocantínia.
( ) Marabá. ( ) Tocantinópolis.
14. Como itinerante, Marcolina viajava mais de 60 quilômetros por dia.
Seu meio de transporte era
( ) um cavalo. ( ) um burro.
( ) uma bicicleta. ( ) uma charrete.

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15. Por muitos anos, Marcolina dedicou uma atenção especial à evan-
gelização dos índios
( ) apinajés. ( ) craôs.
( ) xerentes. ( ) xavantes.
16. Marcolina foi a primeira ex-aluna a
( ) ser homenageada pela Escola de Trabalhadoras Cristãs, hoje SEC.
( ) ser convidada para lecionar no SEC.
( ) ser visitada por uma equipe de professores do SEC.
( ) ser sustentada pelo SEC.
17. No SEC, o nome de Marcolina Figueira de Magalhães foi dado
( ) ao prédio de aulas. ( ) à biblioteca.
( ) ao internato. ( ) ao salão do Edifício Memorial.
18. Que homenagem Marcolina recebeu dos batistas alagoanos?
( ) Fundaram um asilo e o nomeram “Lar Marcolina Magalhães”.
( ) Deram ao orfanato por eles mantido o nome de “Lar Marcolina
Magalhães”.
( ) Instituíram uma bolsa de estudos em nome de Marcolina Maga-
lhães.
( ) Ofereceram-lhe uma festa na ocasião em que completou 40 anos
de trabalhos missionários.
19. Marcolina foi a primeira jovem solteira a partir para os sertões dis-
tantes como missionária nomeada
( ) pela União Geral de Senhoras.
( ) pela Escola de Trabalhadoras Cristãs.
( ) pela Missão Batista do Norte.
( ) pela Junta de Missões Nacionais.
20. Marcolina foi a primeira missionária a atuar
( ) na Transamazônica. ( ) no interior de Alagoas.
( ) na Bahia. ( ) em Minas Gerais.

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