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ANAIS
SOBRE A CIDADE E O URBANO, CONTRIBUIÇÃO DA
GEOGRAFIA: QUE TEORIAS PARA ESTE SÉCULO?
ANAIS
Edufba
Salvador/BA
2017
Sistema de Biblioteca – SIBI/UFBA
Disponível em:
ISBN: 978-85-8292-149-4
CDD-- 711.40981
DO VAZIO AO ESPAÇO PÚBLICO:
A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM URBANA CENTRAL DE
POÇOS DE CALDAS - MG.
gustavo.reism@hotmail.com
RESUMO:
Os espaços públicos sempre foram palco para inúmeras manifestações sociais; são esses
os vazios que se enchem com a coletividade e concebem à cidade sua identidade e
cultura. Esse trabalho realizará uma análise da paisagem urbana do centro da cidade de
Poços de Caldas/MG, tomando os períodos históricos que antecedem o século XX,
adotando como ponto principal do estudo a Praça Pedro Sanches e o Parque Afonso
Junqueira, local onde se concentram as edificações de maior prestígio arquitetônico e
grande fluxo de turistas e cidadãos locais. Um espaço urbano de intensas interações
sociais que foi palco de muitos acontecimentos importantes para cidade na sua época de
ouro. Para alcançar os objetivos dessa pesquisa foi levantado um apanhado teórico,
partindo de um levantamento bibliográfico, resgatando estudos já realizados e também
visita a campo como forma de observar criticamente o contexto estudado.
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1. INTRODUÇÃO
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2. A TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO
É fato que desde os primórdios o homem sempre se relacionou com seu meio,
construindo uma relação com o “lugar”, o qual ele transforma de acordo com as suas
necessidades. O lugar de onde nasceria a cidade que hoje chamamos de Poços de Caldas
já era conhecido desde o Brasil Colônia.
A crescente procura pelas águas fez com que aquelas terras fossem sendo cada
vez mais conhecidas e seu crescimento enquanto cidade – urbanização, comércio e
turismo hidromineral – também foi prosperando. Assim, definimos que a modernização
da cidade de Poços de Caldas, com sua urbanização e a tecnologia social, foram
importantes para que pessoas começassem a se esvaziar deste misticismo. Traços do
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cientificismo positivista ficam claros quando temos como principais personagens deste
cenário os médicos encarregados de sistematizar os processos naturais.
O poder de cura das águas já era conhecido nas províncias de São Paulo e Minas
Gerais – médicos de toda a Vila Rica1 indicam os tratamentos com as águas termais. A
busca pela cura agitava os caminhos em direção àquela região. A água era bebida e
usada em banhos que eram feitos em buracos escavados nas adjacências das fontes.
Ainda eram poucas as residências, casebres onde se fixavam, na maioria, pequenos
criadores interessados na pastagem. Os enfermos se instalavam em cabanas provisórias,
próximo às fontes termais.
A busca por aquele pedaço de terra aumentava, o número de pessoas que subiam
a serra em direção às fontes já começava a gerar interesses comerciais e também de
pesquisadores pelo poder que aquela água detinha. O governo mineiro foi o primeiro a
enviar um membro, em 1826, a fim de realizar levantamentos da área que já começava a
tomar forma de vila e pouso de muitos viajantes.
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Atual Ouro Preto, capital de Minas Gerais até o final do século XIX, quando foi inaugurada a atual
capital estadual, Belo Horizonte.
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Figura 1: Largo – Primeiros traços de urbanização, ano de 1880.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
[...] os homens de governo, de sua parte, também lançaram sobre o lugar das
nascentes as políticas de investimento de interesse publico. Desde os tempos
de capitania, embora com interregnos vacilantes, os sucessivos governos vão
disponibilizando engenharia e recursos necessários às bases de fundação da
estância balnear à moda européia. (MARRAS, 2004, p. 53)
Figura 2: Vista dos fundos do Hotel da Empresa (A): sua construção teve inicio em março de 1882, e em
agosto de 1884 deu-se sua inauguração. Balneário Pedro Botelho (B): sua construção teve inicio em
novembro 1882, junto do Hotel Empresa e inaugurado em abril de 1886. Foto datada em 1888.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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Figura 3: Fachadas voltadas para o Largo Senador Godoy. Em primeiro plano temos o Balneário Pedro
Botelho e ao fundo, o Hotel da Empresa. Foto de 1920.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
Marras ainda estampa que, o poder público, como detentor dos recursos do
subsolo nacional, promoveu medidas de desapropriação das terras caldenses e
providenciou análises químicas das variadas qualidades e composições de suas águas
medicinais, como forma de compreender os benefícios da água e modernizar a área. E
com tanto desenvolvimento, a região começa a abrigar o primeiro núcleo urbano,
nomeado de Nossa Senhora da Saúde.
Não nasce somente uma cidade, um burgo ou vila, mas sim um “LUGAR”,
que virá a ser um espaço diferenciado preparado para autoridades, da alta
classe social. Não é um lugar para o povo e sim um lugar para sociedade.
(MATTHES, 2005, p. 49)
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Com os caminhos abertos e a presença de D. Pedro II e sua comitiva para
inaugurar o Ramal de Caldas, a vila e sua estação balneária começaram receber a elite
influente, que já assuntava sobre os benefícios das águas. Nesse período o que mais se
contrastava na região eram as interações sociais, formadas de um lado pelos
provenientes, bucólicos e roceiros e do outro, os visitantes banhistas, já acostumados à
vida urbana. Além dos poderosos, muitos imigrantes também pousaram nessas terras,
em sua maioria de origem italiana, atraídos pelas oportunidades nas lavouras de café.
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desenvolvimento econômico do povo que ali vivia também estava aquecido. A
instalação do Ramal de Caldas, da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, fez com
que toda a colheita dos municípios vizinhos fosse escoada por ali, assim como permitia
a afluência de turistas para Nossa Senhora de Caldas.
A medicina brasileira tomava como base a educação médica europeia, que já
utilizava do termalismo como tratamento e, no final do século XIX, o governo começa a
manifestar um apoio aos melhoramentos das estâncias minerais, como forma de atrair
mais turistas e consumo para as regiões mineiras. Ao passo que a nova cidade ia sendo
moldada e reorganizada, se esperava uma nova sociedade que tem como costume o uso
social do espaço público, um novo espaço para a república, de acordo com Matthes
(2005).
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Figura 5: Praça Senador Godoy (A). A torre da igrejinha de Santo Antônio pode ser vista ao fundo.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
Figura 6: Retificação e Canalização do Ribeirão da Serra em 1912 pelo Prefeito Francisco Escobar na
Vila de Poços de Caldas.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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O largo onde se firmavam as barracas e casebres no inicio do século XIX, agora
se prepara para receber as metodologias sanitaristas, pautadas em parâmetros franceses.
A ideia de que a ordem era ofendida pela sujeira, vinda da herança deixada pela assepsia
desmoderada do Dr. Pedro Sanches, colocava como sinônimo de “asseio e limpeza” a
“própria civilização”, como escrito por Marras (2001).
Segundo Pozzer (2001), as edificações de maior grandeza da cidade nesse
período foram feitas pelo Arquiteto Italiano José João Piffer: a construção da Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Saúde, em 1913, posterior à construção do Teatro Cassino
Polytheama, em 1911. Tão importantes foram estas, que promoveram a criação da
Companhia Melhoramentos de Poços de Caldas e a construção do Grande Hotel em
1912. Seis anos mais tarde inaugurou-se o novo balneário e em 1919, ainda incompleto,
o Cassino abre suas portas.
Figura 7: Inauguração da primitiva Thermas em 27 de abril de 1919. Nesta ocasião foi entregue a cidade
de Poços de Caldas o busto do Dr. Pedro Sanches de Lemos.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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No início do século XX, Poços de Caldas era considerada uma das mais
importantes estâncias hidrominerais do país e, com o início da 1ª Guerra Mundial, a
cidade começou a atrair o interesse das classes sociais mais abastadas, que não se
sentiam seguras em viajar para Europa. Pozzer (2001) comenta que nessa época a
cidade já não era procurada somente por suas águas curativas, mas como território
aprazível, onde essa parcela da sociedade poderia aproveitar os hotéis, passeios, bailes
com personalidades famosas e os cassinos, que concentraram seus jogos no Grande
Hotel e no Hotel Empresa. Poços de Caldas vivia a belle époque 2.
Figura 8: Vista da Praça Pedro Sanches, antigo “Largo Senador Godoy” em Poços de Caldas, no ano de
1920. Na imagem vemos o início das “grandes obras”, com destaque para a reforma do Palace Hotel (A),
entre o antigo Cassino (B) e o prédio das Thermas Primitiva (C).
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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Belle Époque, segundo Ortiz (1991), é o momento em que a França se torna uma sociedade moderna.
Seria esta, um refluxo de uma época que, ao mesmo tempo em que trazia o fim de uma civilização,
portava os germes da que, a partir dali, nascia a nova sociedade francesa. A ideia de uma Idade de Ouro
só veio posteriormente, os que ali viviam não entendiam dessa forma, mas como um momento de
declínio.
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As grandes obras vieram para completar o desejo de transformar aquela cidade
do interior de Minas Gerais em um exímio cartão postal europeu. O desejo em construir
a “Suíça mineira” era presente nos jornais e depoimentos de políticos e arquitetos que se
envolveram nos projetos. A construção de uma cidade dentro dos padrões estéticos
europeus começou a ganhar força em 1927, com a nomeação do Prefeito Carlos
Pinheiro Chagas pelo então Presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos.
Figura 9: Em 1920 o espaço começa ganhar traços europeus. O Ribeirão da Serra (A) canalizado em
1912, contribui para o contorno do que em 1929, se tornaria o Parque Afonso Junqueira. A quadra de
esportes (B), vista ao centro da imagem deu lugar à construção do Palace Cassino. No canto inferior
direito vemos os trilhos do trem da Mogiana (C).
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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A busca por entender os ribeirões que cortavam a cidade revelou ao Engenheiro
Saturnino de Brito os principais problemas a serem enfrentados e, assim, cumprir o
objetivo higienista proposto. Dentre os principais problemas estavam a falta de um
sistema de esgoto adequado, a contaminação dos mananciais, a lavagem de roupa nos
cursos d’água de pessoas sãs e doentes. Neste contexto, a necessidade de retificação dos
rios seria a solução prática para o fim do problema das enchentes. Na área central,
Saturnino retificou rios e canalizou os que conflitavam com a malha urbana central.
Figura 10: Canalização do Ribeirão de Caldas, na antiga Rua da Bahia, atual Rua Prefeito Chagas. Obra
feita na gestão do Prefeito Francisco Escobar no ano de 1913.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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Eduardo V. Pederneiras: Arquiteto, desenvolveu vários projetos e obras, trabalhou em Poços de Caldas
entre os anos de 1927 e 1929 nos projetos e obras do edifício das Thermas, Palace Cassino e na reforma
do Palace Hotel. (POZZER, 2001)
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um verdadeiro “monstro da arquitetura” e no local foi realizada a construção de um
novo Hotel, inspirado na arquitetura eclética. O novo cassino vinha para compor a
paisagem do novo parque, composto por grandes salões para jogos, restaurante, salões
de festas, bar e teatro, ideal para o entretenimento da elite exigente, que ali se
hospedava. O balneário, também uma construção nova, respeitava o que havia de mais
moderno na Europa sobre o tratamento com águas termais.
Figura 11: Com a reforma proposta por Pederneiras, a antiga Thermas e o Cassino deram espaço para o
Palace Hotel. Com uma proposta arquitetônica em estilo eclético, remetia às edificações suíças da época,
com as sacadas em balanço, o telhado amplo com águas e os arcos plenos nas janelas e portas.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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do hotel e no seu interior todas as commodidades dos mais modernos
cassinos, com grandes salões para jogos, restaurantes, salões de festas, bar e
theartro.
[...] O parque ocupará grande área de terreno actualmente abandonada, em
frente do hotel de forma tringular, tendo dois de seus lados limitados por um
rio, sendo o terceiro lado paralello à fachada do hotel.
[...] Trata-se de um parque, em uma cidade de águas, em que o aquático
precisa de passear ou descansar à sombra das árvores, escolhi como typo, o
dos parques ingleses, com muito bosque e portanto sombra. Em um recanto
bem escolhido, será construído um pavilhão para chá em stylo rústico, com
local apropriado para serviços ao ar livre, debaixo das árvores a exemplo do
que existe em Bois de Boulogne em Paris.
[...] O novo balneário será projetado de acordo com todas as exigências de
um estabelecimento de primeira ordem. Terá secção para homens e senhoras,
cada uma das quaes com banhos de luxo e banhos comuns. (Vida Social –
Poços de Caldas 7 de julho de 1927 apud POZZER, 2001, p.31-32)
Figura 12: As grandes obras alteraram a paisagem do microcentro de Poços de Caldas (1929), trazendo
modernidade e progresso para a pequena cidade. Ao centro, temos a reforma do Palace Hotel; ao fundo, a
construção do Palace Cassino e no canto inferior direito, a construção das Thermas Antonio Carlos.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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Reynaldo Dieberger: (Floricultura J. Dierberger, Dierberger e Companhia) Arquiteto Paisagista,
desenvolveu e executou vários projetos de parques e jardins em muitas cidades brasileiras. Trabalhou em
Poços de Caldas entre 1927 e 1929.
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Considerando todos os elementos do conjunto de intervenções: eixos
estruturadores, dos canteiros, os traçados “clássicos” e “românticos”,
esculturas, coreto, a fonte luminosa, o pergolado, os novos edifícios
monumentais, os Dierberger propuseram uma composição de árvores,
arbustos e forrações, que proporcionaram uma unidade estética para aquela
grande área. (POZZER, 2001, p.40)
Mas em lugar de algum santo protetor, algum padroeiro da cidade, o que verá
é a estatua em granito de um homem nu, três metros de altura projetando-se
livre para o universo, braços largamente abertos, qual belo ideal físico grego
a esbanjar virilidade e saúde. Aí é o homem temporal que ocupa o lugar do
santo, o símbolo positivista que espantou a religiosidade, o corpo vigoroso
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que se adiantou à alma tumultuada, a esplendorosa luz da Razão que abateu
misticismo taciturnos, o chamado por saúde e beleza terrenas. (MARRAS,
2004, p.311-312)
Figura 14: Vista panorâmica do Parque Afonso Junqueira (sem data). Thermas Antonio Carlos
(A), Palace Hotel (B), Palace Cassino (C) e Café Concerto (D).
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.
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expressando valores, crenças, mitos e utopias: tem assim uma dimensão simbólica”.
(CORREA; ROSENDAHL, 1998, p.8).
É possível verificar em vários fragmentos do texto que a urbanização até o fim
do século XX tinha objetivo de potencializar o turismo, devido a sua importância
econômica, sendo este o motivador do crescimento urbano de Poços de Caldas até a
expansão industrial, que ocorreu na segunda metade do século XX. Essa “urbanização
turística”, termo recente nos estudos das ciências humanas “[...] corresponde
basicamente à constatação da existência de formas específicas de produção do espaço
urbano engendradas a partir da atividade turística, sobretudo quando esta se impõe
como dominante na economia local [...]” (MULLINS, 1991, p.326 apud SOUZA, 2014, p
68).
Figura 15: Vista aérea parcial do microcentro de Poços de Caldas, no ano de 2007.
Fonte: http://olhares.sapo.pt/minha-cidade-foto1254801.html <Acessado em 1/JUN/17> | Foto: Silvio Leossi.
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acumuladas através dos tempos, ocasionadas por agentes que produzem e consomem o
espaço (CORRÊA, 2004).
Importante salientar que a estruturação desenvolvida no centro de Poços de
Caldas, tendo como ponto de destaque as “grandes obras”, contrasta com o tecido
urbano restante, em sua maioria uma ocupação espontânea. Há heterogeneidade da
paisagem, tanto no meio físico natural quanto social. Enquanto o centro concentra boa
parte do comércio, serviços e atrativos, no seu redor se instalam zonas residenciais, em
sua maioria por uma população mais abastada, seguida de uma periferia com menos
recursos, que se agrava quanto mais distante desse ponto central.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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5 REFERÊNCIAS
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: editora Ática, 2004.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia
crítica. São Paulo: Hucitec, 1978.
______________. A Natureza do Espaço: técnicas e tempos, razão e emoção. 4 ed.
São Paulo: EDUSP, 2004.
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