Você está na página 1de 23

SOBRE A CIDADE E O URBANO, CONTRIBUIÇÃO DA

GEOGRAFIA: QUE TEORIAS PARA ESTE SÉCULO?

ANAIS
SOBRE A CIDADE E O URBANO, CONTRIBUIÇÃO DA
GEOGRAFIA: QUE TEORIAS PARA ESTE SÉCULO?

ANAIS

Edufba
Salvador/BA
2017
Sistema de Biblioteca – SIBI/UFBA

Simpósio Nacional de Geografia Urbana (15. : 2017 : Salvador, BA)


Sobre a cidade e o urbano, contribuição da geografia : que teorias para este século? :
Anais [do] XV Simpósio Nacional de Geografia Urbana / coordenação geral Angelo
Szaniecki Perret Serpa.- Salvador: EDUFBA, 2017.
[471] p.

Disponível em:
ISBN: 978-85-8292-149-4

1. Urbanização – Brasil – Congressos. I. Serpa, Angelo Szaniecki Perret II.


Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em Geografia III. Título.

CDD-- 711.40981
DO VAZIO AO ESPAÇO PÚBLICO:
A CONSTRUÇÃO DA PAISAGEM URBANA CENTRAL DE
POÇOS DE CALDAS - MG.

Gustavo Reis Machado


Arquiteto e Urbanista - PUC Minas; Graduando em Geografia – IFSULDEMINAS Campus Poços de Caldas;
Mestrando no programa de Pós-Graduação em Ensino e História da Ciência da Terra – UNICAMP e Professor
do curso de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário UNA Pouso Alegre.

gustavo.reism@hotmail.com

RESUMO:
Os espaços públicos sempre foram palco para inúmeras manifestações sociais; são esses
os vazios que se enchem com a coletividade e concebem à cidade sua identidade e
cultura. Esse trabalho realizará uma análise da paisagem urbana do centro da cidade de
Poços de Caldas/MG, tomando os períodos históricos que antecedem o século XX,
adotando como ponto principal do estudo a Praça Pedro Sanches e o Parque Afonso
Junqueira, local onde se concentram as edificações de maior prestígio arquitetônico e
grande fluxo de turistas e cidadãos locais. Um espaço urbano de intensas interações
sociais que foi palco de muitos acontecimentos importantes para cidade na sua época de
ouro. Para alcançar os objetivos dessa pesquisa foi levantado um apanhado teórico,
partindo de um levantamento bibliográfico, resgatando estudos já realizados e também
visita a campo como forma de observar criticamente o contexto estudado.

Palavras-chave: Paisagem Urbana; Espaço Público; Poços de Caldas/MG.

GT – 8: Geografia histórica urbana.

1
1. INTRODUÇÃO

O termo paisagem engloba uma diversidade de interpretações. Quando um


território passa por um processo de ocupação, essa ação dialoga diretamente com a
paisagem e com os processos sociais. Uma das categorias mais discutidas na geografia,
a paisagem é pontuada por muitos autores como o ponto inicial da ciência geográfica.

A paisagem sempre esteve intimamente ligada, na geografia humana, com a


cultura, com a ideia de formas visíveis sobre a superfície da Terra e com sua
composição. A paisagem, de fato, é uma “maneira de ver”, uma maneira de
compor e harmonizar o mundo externo em uma “cena”, uma unidade visual.
(COSGROVE, 1984, p.223)

Este artigo tem como objetivo realizar um levantamento histórico da construção


da paisagem urbana do centro da cidade de Poços de Caldas/MG, até o século XX,
sendo esse o período temporal de maior concentração de ações de planejamento na
cidade. O trabalho se preocupou em realizar um recorte espacial tomando como ponto
focal a Praça Pedro Sanches e o Parque Afonso Junqueira, que juntos formam o micro
centro da cidade.
Para o desenvolvimento coeso deste trabalho foi realizado um levantamento
bibliográfico, tomando como referencial teórico as principais obras científicas que
tomam como partido relatos da vivência, da construção dos espaços públicos e da
paisagem da cidade mencionada. O trabalho foi ilustrado com imagens coletadas no
acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas. Também foram realizados
trabalhos em campo.
O trabalho se apresenta com o relato em três tempos – séculos XVIII, XIX e XX.
No primeiro, será descrita a formação do território; no segundo, as primeiras iniciativas
planejadoras e, por fim, o terceiro retratará o momento áureo da conclusão das grandes
obras e o reconhecimento de Poços de Caldas como uma das melhores cidades
balneários do país.
A paisagem que se altera a cada novo evento e seu soerguimento defronta as
mudanças ocorridas na cidade como um todo, bem como definem os caminhos do seu
desenvolvimento.

2
2. A TRANSFORMAÇÃO DO ESPAÇO

2.1 Século XVIII – Misticismo e Cura

É fato que desde os primórdios o homem sempre se relacionou com seu meio,
construindo uma relação com o “lugar”, o qual ele transforma de acordo com as suas
necessidades. O lugar de onde nasceria a cidade que hoje chamamos de Poços de Caldas
já era conhecido desde o Brasil Colônia.

Há registro desde meados do século XVIII sobre o sítio de “Águas Santas”


ou “Águas Virtuosas” à margem de rotas abertas pelo ouro de Minas Gerais e
Goiás. Em busca das tais águas quentes, as caldas, acorriam mais e mais
doentes conforme se multiplicavam as noticias de cura. Desde então
reclamavam-se no alto círculo a colônia portuguesa em Vila Rica, mas
também na capitania de São Paulo – que já conhecia os Campos, motivo de
arrastadas contendas geopolíticas com o governo mineiro. (MARRAS, 2004,
p.25).

A busca pelos benefícios da “água que cura” se misturava com o pré-conceito da


morfologia do meio físico. Frequentadores, na maioria com doenças da pele e
bandeirantes que buscavam ouro na bacia do Rio Pardo, indicavam que ali havia a
presença do Diabo, uma vez que o cheiro do enxofre e a fumaça que saía das fontes de
água, algumas com mais de 46º C, promoviam a hipótese. Marras (2004) reconta que as
águas irrompiam da terra em densos vapores que subiam e exalavam o cheiro como de
ovo podre, assim compondo dantescas associações de um mundo infernal subterrâneo.

A primeira imagem criada sobre o “Campo das Caldas” foi a de um vale


misterioso, habitado por monstros e entidades diabólicas. O medo dessas
lendas só foi abrandado com a descoberta das características curativas das
águas termais, a partir de então o campo misterioso passa a ser identificado
como o “Vale Milagroso”. (MOURÃO, 1998, p.05 apud POZZER, 2001,
p.09)

A crescente procura pelas águas fez com que aquelas terras fossem sendo cada
vez mais conhecidas e seu crescimento enquanto cidade – urbanização, comércio e
turismo hidromineral – também foi prosperando. Assim, definimos que a modernização
da cidade de Poços de Caldas, com sua urbanização e a tecnologia social, foram
importantes para que pessoas começassem a se esvaziar deste misticismo. Traços do

3
cientificismo positivista ficam claros quando temos como principais personagens deste
cenário os médicos encarregados de sistematizar os processos naturais.

O município de Poços de Caldas ainda possui certas características que


foram/são importantes para o seu desenvolvimento urbano. Em primeiro
lugar, destacamos a estância hidromineral, a partir do qual muitas pessoas
visitam o município em busca de tratamento de saúde através das águas
sulfurosas. E dentro deste aspecto se desenvolve muitas pesquisas científicas.
Os personagens de maior destaque foram os doutores Mário de Paiva,
Orozimbo Corrêa Netto e Antônio de Oliveira Fabriano, que escreveram
tratados sobre as águas medicinais de Poços, e Mário Mourão, líder político,
médico consagrado, cuja bagagem literária incluem-se vários estudos sobre
Crenoterapia. (MACHADO & COSTA, 2016, p.22)

2.2 Século XIX – Civilização

O poder de cura das águas já era conhecido nas províncias de São Paulo e Minas
Gerais – médicos de toda a Vila Rica1 indicam os tratamentos com as águas termais. A
busca pela cura agitava os caminhos em direção àquela região. A água era bebida e
usada em banhos que eram feitos em buracos escavados nas adjacências das fontes.
Ainda eram poucas as residências, casebres onde se fixavam, na maioria, pequenos
criadores interessados na pastagem. Os enfermos se instalavam em cabanas provisórias,
próximo às fontes termais.

Os visitantes levantavam cabanas de palha e couro, se alimentavam com


provisões e caça e se banhavam em tinas ou em buracos escavados ao redor
das fontes. Quando os banhistas partiam, os alojamentos eram desfeitos ou
incendiados pelos moradores com medo de contágio das doenças. O “Vale
Milagroso” apresentava assim uma paisagem rudimentar e de barracos e
cabanas provisórias construídas por doentes que se aventuravam em difíceis
viagens para conquistar a cura dos seus males. (POZZER, 2001, p. 09)

A busca por aquele pedaço de terra aumentava, o número de pessoas que subiam
a serra em direção às fontes já começava a gerar interesses comerciais e também de
pesquisadores pelo poder que aquela água detinha. O governo mineiro foi o primeiro a
enviar um membro, em 1826, a fim de realizar levantamentos da área que já começava a
tomar forma de vila e pouso de muitos viajantes.

1
Atual Ouro Preto, capital de Minas Gerais até o final do século XIX, quando foi inaugurada a atual
capital estadual, Belo Horizonte.

4
Figura 1: Largo – Primeiros traços de urbanização, ano de 1880.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

As primeiras obras de infraestrutura em benefícios das fontes termais só


começaram depois de quase 50 anos da primeira visita do representante do governo. Os
traços civilizatórios de uma sociedade, ainda que campesina, começa a se instalar ao
redor das áreas de banhos, e neste contexto é implantada a Praça Senador Godoy, local
que receberia o primeiro balneário. E em 1884 é implantando o primeiro
empreendimento hoteleiro, o “Hotel da Empresa”, que já dispunha de algum conforto
para os banhistas.

[...] os homens de governo, de sua parte, também lançaram sobre o lugar das
nascentes as políticas de investimento de interesse publico. Desde os tempos
de capitania, embora com interregnos vacilantes, os sucessivos governos vão
disponibilizando engenharia e recursos necessários às bases de fundação da
estância balnear à moda européia. (MARRAS, 2004, p. 53)

Figura 2: Vista dos fundos do Hotel da Empresa (A): sua construção teve inicio em março de 1882, e em
agosto de 1884 deu-se sua inauguração. Balneário Pedro Botelho (B): sua construção teve inicio em
novembro 1882, junto do Hotel Empresa e inaugurado em abril de 1886. Foto datada em 1888.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

5
Figura 3: Fachadas voltadas para o Largo Senador Godoy. Em primeiro plano temos o Balneário Pedro
Botelho e ao fundo, o Hotel da Empresa. Foto de 1920.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

Marras ainda estampa que, o poder público, como detentor dos recursos do
subsolo nacional, promoveu medidas de desapropriação das terras caldenses e
providenciou análises químicas das variadas qualidades e composições de suas águas
medicinais, como forma de compreender os benefícios da água e modernizar a área. E
com tanto desenvolvimento, a região começa a abrigar o primeiro núcleo urbano,
nomeado de Nossa Senhora da Saúde.

Não nasce somente uma cidade, um burgo ou vila, mas sim um “LUGAR”,
que virá a ser um espaço diferenciado preparado para autoridades, da alta
classe social. Não é um lugar para o povo e sim um lugar para sociedade.
(MATTHES, 2005, p. 49)

Junto da acanhada urbanização, o cultivo do café, que já tomava conta de muitas


extensões de terra no Brasil nas primeiras décadas do século XIX, estreitava os laços do
interior do país com a faixa litorânea, impulsionando a entrada em terras do Sul e
Sudeste. As estradas de ferro facilitavam o escoamento do café e traziam consigo a
urbanização, a modernização e a civilização, tornando o fruto do café um símbolo de
nobreza e poder.

Para o caso de Poços e seu entorno, o ramal de Caldas da Mogiana, por


estender ali a última estação da linha em 1886, viria para atender a um só
tempo o escoamento da produção cafeeira regional, confirmando o lugar
como um entreposto de armazenagem e negócios, e já a crescer visitações
para a cura e veraneio em águas. (MARRAS, 2004, p.72)

6
Com os caminhos abertos e a presença de D. Pedro II e sua comitiva para
inaugurar o Ramal de Caldas, a vila e sua estação balneária começaram receber a elite
influente, que já assuntava sobre os benefícios das águas. Nesse período o que mais se
contrastava na região eram as interações sociais, formadas de um lado pelos
provenientes, bucólicos e roceiros e do outro, os visitantes banhistas, já acostumados à
vida urbana. Além dos poderosos, muitos imigrantes também pousaram nessas terras,
em sua maioria de origem italiana, atraídos pelas oportunidades nas lavouras de café.

Figura 4: Estação do Ramal de Caldas, da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, inaugurada


oficialmente pelo Imperador Dom Pedro II e sua comitiva real em 22 de outubro de 1886. Uma reforma
no ano de 1928 altera significativamente a edificação.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

Diante de uma demanda crescente de visitações, de maioria burguesa, e as


influências de uma sociedade sistêmica, surge a necessidade de melhoramento dos
espaços do distrito de Nossa Senhora da Saúde. O padrão vivido na época era o das
“Cidades Higiênicas”. A paisagem precisava ser alterada, retirando todo aquele cenário
de costumes rurais e introduzindo espaços salubres, como haviam sido abordados na
Europa, seguindo as diretrizes da Sociedade de profilaxia sanitária e moral, aplicado na
França, conforme aponta Marras (2004).
O desenvolvimento progressivo daquele espaço era apoiado por todos os lados e
motivado pela cura das águas termais. O número de visitantes crescia e o

7
desenvolvimento econômico do povo que ali vivia também estava aquecido. A
instalação do Ramal de Caldas, da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, fez com
que toda a colheita dos municípios vizinhos fosse escoada por ali, assim como permitia
a afluência de turistas para Nossa Senhora de Caldas.
A medicina brasileira tomava como base a educação médica europeia, que já
utilizava do termalismo como tratamento e, no final do século XIX, o governo começa a
manifestar um apoio aos melhoramentos das estâncias minerais, como forma de atrair
mais turistas e consumo para as regiões mineiras. Ao passo que a nova cidade ia sendo
moldada e reorganizada, se esperava uma nova sociedade que tem como costume o uso
social do espaço público, um novo espaço para a república, de acordo com Matthes
(2005).

2.3 Século XX – Modernidade Espelhada

“Façamos como os europeus”, conclamava em 1903 o Dr. Pedro Sanches de


Lemos. De torna-viagem do “centro hidrológico dos Pirineus”, onde fora
buscar inspiração e modelo para a estação balneária que se queria em Poços
de Caldas, Pedro Sanches escreve o primeiro livro sobre o lugar, Águas
termais de Poços de Caldas, cujo gênero mistura crenologia, história,
memorialística e crônica. O futuro da estação balnear se lhe afigura grandioso
desde que, assim era preciso, fosse superados os costumes dessa gente “suja,
porca, imunda, impossível”. Enfim, sanear a população. (LEMOS, 1904, p.
148-149 apud MARRAS, 2004, p. 110)

A paisagem começa a tomar formas refinadas e largas, os espaços são


preenchidos com tudo o que há de mais moderno, já que era indispensável que se
edificasse aquele lugar de acordo com a sociedade que iria ocupá-lo. Pozzer (2001)
menciona que, em 1904, surgem as primeiras leis norteadoras para a produção do
espaço, “estabelece dimensões para passeios nas testadas dos terrenos junto à Praça
Senador Godoy e para as ruas centrais. A mesma lei obrigava o fechamento de terrenos
não edificados”. (p. 12)

8
Figura 5: Praça Senador Godoy (A). A torre da igrejinha de Santo Antônio pode ser vista ao fundo.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

O governo do estado de Minas Gerais, na gestão de Francisco Sales, firma apoio


com as estâncias minerais, as quais formavam o Circuito das Águas, e como mérito
recebem a emancipação político administrativa. Esse fato possibilitou que mais tarde,
em 1909, recebessem um empréstimo do Congresso de Minas Gerais, para custear obras
de embelezamento e serviços de remodelação.
Assim, no período compreendido entre 1909 a 1918, na administração do
prefeito Francisco Escobar são realizados muitos melhoramentos urbanos,
como a retificação de córregos, a pavimentação de ruas, a construção do
Horto Florestal e do Mercado Municipal. É aberta a Avenida João Pinheiro,
implantada ao longo do Ribeirão das Caldas, a cidade é arborizada e a Praça
Senador Godoy, passa a ser chamar Praça Pedro Sanches. (POZZER, 2001, p.
12)

Figura 6: Retificação e Canalização do Ribeirão da Serra em 1912 pelo Prefeito Francisco Escobar na
Vila de Poços de Caldas.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

9
O largo onde se firmavam as barracas e casebres no inicio do século XIX, agora
se prepara para receber as metodologias sanitaristas, pautadas em parâmetros franceses.
A ideia de que a ordem era ofendida pela sujeira, vinda da herança deixada pela assepsia
desmoderada do Dr. Pedro Sanches, colocava como sinônimo de “asseio e limpeza” a
“própria civilização”, como escrito por Marras (2001).
Segundo Pozzer (2001), as edificações de maior grandeza da cidade nesse
período foram feitas pelo Arquiteto Italiano José João Piffer: a construção da Igreja
Matriz de Nossa Senhora da Saúde, em 1913, posterior à construção do Teatro Cassino
Polytheama, em 1911. Tão importantes foram estas, que promoveram a criação da
Companhia Melhoramentos de Poços de Caldas e a construção do Grande Hotel em
1912. Seis anos mais tarde inaugurou-se o novo balneário e em 1919, ainda incompleto,
o Cassino abre suas portas.

A imagem daquele território, formada inicialmente pelas lendas locais que


relatavam sobre a existência de entidades monstruosas; local das águas
curativas milagrosas; entreposto agrícola, comercial e ferroviário, passa a
partir desse período a ser transformada com a nova imagem da cidade do
jogo e do lazer. (POZZER, 2001, p. 13)

Figura 7: Inauguração da primitiva Thermas em 27 de abril de 1919. Nesta ocasião foi entregue a cidade
de Poços de Caldas o busto do Dr. Pedro Sanches de Lemos.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

10
No início do século XX, Poços de Caldas era considerada uma das mais
importantes estâncias hidrominerais do país e, com o início da 1ª Guerra Mundial, a
cidade começou a atrair o interesse das classes sociais mais abastadas, que não se
sentiam seguras em viajar para Europa. Pozzer (2001) comenta que nessa época a
cidade já não era procurada somente por suas águas curativas, mas como território
aprazível, onde essa parcela da sociedade poderia aproveitar os hotéis, passeios, bailes
com personalidades famosas e os cassinos, que concentraram seus jogos no Grande
Hotel e no Hotel Empresa. Poços de Caldas vivia a belle époque 2.

O espaço urbano resultado destas intervenções nos remete a praticas sociais


de um novo homem, no caso de Poços é um homem da nova sociedade que se
estrutura e da nova Republica, com jardins arborizados como os de Paris e
ruas saneadas, calçadas e iluminação aos moldes do urbanismo francês do
século XIX e, sobretudo a um urbanismo sanitarista que se instala no Brasil.
(MATTHES, 2005, p. 48)

Figura 8: Vista da Praça Pedro Sanches, antigo “Largo Senador Godoy” em Poços de Caldas, no ano de
1920. Na imagem vemos o início das “grandes obras”, com destaque para a reforma do Palace Hotel (A),
entre o antigo Cassino (B) e o prédio das Thermas Primitiva (C).
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

2
Belle Époque, segundo Ortiz (1991), é o momento em que a França se torna uma sociedade moderna.
Seria esta, um refluxo de uma época que, ao mesmo tempo em que trazia o fim de uma civilização,
portava os germes da que, a partir dali, nascia a nova sociedade francesa. A ideia de uma Idade de Ouro
só veio posteriormente, os que ali viviam não entendiam dessa forma, mas como um momento de
declínio.

11
As grandes obras vieram para completar o desejo de transformar aquela cidade
do interior de Minas Gerais em um exímio cartão postal europeu. O desejo em construir
a “Suíça mineira” era presente nos jornais e depoimentos de políticos e arquitetos que se
envolveram nos projetos. A construção de uma cidade dentro dos padrões estéticos
europeus começou a ganhar força em 1927, com a nomeação do Prefeito Carlos
Pinheiro Chagas pelo então Presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos.

Figura 9: Em 1920 o espaço começa ganhar traços europeus. O Ribeirão da Serra (A) canalizado em
1912, contribui para o contorno do que em 1929, se tornaria o Parque Afonso Junqueira. A quadra de
esportes (B), vista ao centro da imagem deu lugar à construção do Palace Cassino. No canto inferior
direito vemos os trilhos do trem da Mogiana (C).
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

Com mais dinheiro do estado investido na cidade, o “Plano de Melhoramento”


tinha como objetivo, segundo Pozzer (2001), as seguintes obras: reforma dos serviços
de energia elétrica e iluminação pública, reforma geral da rede de esgoto e captação dos
mananciais, calçamento da cidade, construção de parques e jardins, recaptação das
fontes hidrominerais e construção de edificações, tais como um novo hotel, um cassino
e um novo balneário. Estas obras começam a colocar em prática os desejos da elite
local.
Os serviços de saneamento da estância foram confiados ao Engenheiro
Sanitarista Francisco Rodrigues Saturnino de Brito, o ajardinamento e
arborização dos parques, praças, ruas e avenidas a empresa Dierberger e Cia.
e os projetos de edificações ao Arquiteto Eduardo Vasconcelos Pederneiras.
(POZZER, 2001, p.27)

12
A busca por entender os ribeirões que cortavam a cidade revelou ao Engenheiro
Saturnino de Brito os principais problemas a serem enfrentados e, assim, cumprir o
objetivo higienista proposto. Dentre os principais problemas estavam a falta de um
sistema de esgoto adequado, a contaminação dos mananciais, a lavagem de roupa nos
cursos d’água de pessoas sãs e doentes. Neste contexto, a necessidade de retificação dos
rios seria a solução prática para o fim do problema das enchentes. Na área central,
Saturnino retificou rios e canalizou os que conflitavam com a malha urbana central.

Figura 10: Canalização do Ribeirão de Caldas, na antiga Rua da Bahia, atual Rua Prefeito Chagas. Obra
feita na gestão do Prefeito Francisco Escobar no ano de 1913.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

Ao arquiteto Pederneiras3, foi atribuída a função de compor a paisagem da


cidade com os estilos mais atuais da época, inspirados nos grande balneários europeus.
Foram cumpridos, em um primeiro momento, a retirada da edificação do Hotel da
Empresa, que fugia completamente dos padrões estéticos, chegando a ser comparado a

3
Eduardo V. Pederneiras: Arquiteto, desenvolveu vários projetos e obras, trabalhou em Poços de Caldas
entre os anos de 1927 e 1929 nos projetos e obras do edifício das Thermas, Palace Cassino e na reforma
do Palace Hotel. (POZZER, 2001)

13
um verdadeiro “monstro da arquitetura” e no local foi realizada a construção de um
novo Hotel, inspirado na arquitetura eclética. O novo cassino vinha para compor a
paisagem do novo parque, composto por grandes salões para jogos, restaurante, salões
de festas, bar e teatro, ideal para o entretenimento da elite exigente, que ali se
hospedava. O balneário, também uma construção nova, respeitava o que havia de mais
moderno na Europa sobre o tratamento com águas termais.

Figura 11: Com a reforma proposta por Pederneiras, a antiga Thermas e o Cassino deram espaço para o
Palace Hotel. Com uma proposta arquitetônica em estilo eclético, remetia às edificações suíças da época,
com as sacadas em balanço, o telhado amplo com águas e os arcos plenos nas janelas e portas.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

Pederneiras demonstrava claramente que seus projetos iriam romper com a


paisagem atual do lugar, concebendo uma cópia dos balneários mais luxuosos da Europa
e demarcando de maneira singular o centro da cidade de Poços de Caldas com uma
arquitetura eclética implantada num novo desenho urbano.

[...] O Palace-Hotel será transformado em sua fachada e no seu interior. Do


stylo actual, próprio para quartel, passará a ter o agradável aspecto dos hotéis
da Suissa, com bonitas sacadas em balanço, jardineiras floridas, largos
alpendres sustentados por arcados graciosas, emfim terá o stylo apropriado a
um hotel de uma cidade de águas situada na montanha.
[...] Os salões com grandes janelas darão para frente do hotel onde se
descortinará um bellissimo parque.
[...] O hotel ficará situado em uma posição privilegiada.
[...] O Cassino será construído no novo parque e localizado em um dos seus
lados, de modo a ter acesso fácil pela rua ou pelo parque. Obedecerá o stylo

14
do hotel e no seu interior todas as commodidades dos mais modernos
cassinos, com grandes salões para jogos, restaurantes, salões de festas, bar e
theartro.
[...] O parque ocupará grande área de terreno actualmente abandonada, em
frente do hotel de forma tringular, tendo dois de seus lados limitados por um
rio, sendo o terceiro lado paralello à fachada do hotel.
[...] Trata-se de um parque, em uma cidade de águas, em que o aquático
precisa de passear ou descansar à sombra das árvores, escolhi como typo, o
dos parques ingleses, com muito bosque e portanto sombra. Em um recanto
bem escolhido, será construído um pavilhão para chá em stylo rústico, com
local apropriado para serviços ao ar livre, debaixo das árvores a exemplo do
que existe em Bois de Boulogne em Paris.
[...] O novo balneário será projetado de acordo com todas as exigências de
um estabelecimento de primeira ordem. Terá secção para homens e senhoras,
cada uma das quaes com banhos de luxo e banhos comuns. (Vida Social –
Poços de Caldas 7 de julho de 1927 apud POZZER, 2001, p.31-32)

Figura 12: As grandes obras alteraram a paisagem do microcentro de Poços de Caldas (1929), trazendo
modernidade e progresso para a pequena cidade. Ao centro, temos a reforma do Palace Hotel; ao fundo, a
construção do Palace Cassino e no canto inferior direito, a construção das Thermas Antonio Carlos.
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

A linguagem eclética dos jardins de Dierberger4 mantinha junto à arquitetura do


lugar as correntes clássicas e românticas, como pedido por Pederneiras. Já o projeto do
novo parque foi pautado em eixos estruturadores, que convergiam com o traçado urbano
da cidade.

4
Reynaldo Dieberger: (Floricultura J. Dierberger, Dierberger e Companhia) Arquiteto Paisagista,
desenvolveu e executou vários projetos de parques e jardins em muitas cidades brasileiras. Trabalhou em
Poços de Caldas entre 1927 e 1929.

15
Considerando todos os elementos do conjunto de intervenções: eixos
estruturadores, dos canteiros, os traçados “clássicos” e “românticos”,
esculturas, coreto, a fonte luminosa, o pergolado, os novos edifícios
monumentais, os Dierberger propuseram uma composição de árvores,
arbustos e forrações, que proporcionaram uma unidade estética para aquela
grande área. (POZZER, 2001, p.40)

Figura 13: Praça Pedro Sanches (1930).


Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

Em 1931, as grandes obras são concluídas, já na gestão do Prefeito Francisco de


Paula Assis Figueiredo, formando assim uma nova paisagem no centro da cidade de
Poços de Caldas, pautada nos moldes europeus, que recepciona os visitantes e também
constituem espaços de vivência aos que ali vivem.
Os edifícios do Palace Hotel, do Palace Cassino e das Thermas Antônio Carlos
formam um conjunto arquitetônico implantado na Praça Pedro Sanches e no Parque
José Afonso Junqueira. Este arranjo espacial vem contra a formação tradicional dos
largos das cidades mineiras, que possuíam como centralidade a igreja, símbolo presente
e de grande prestígio social; porém em Poços de Caldas, a centralidade é ocupada por
um Hotel, sugestivo a uma cidade que nasceu para receber.

Mas em lugar de algum santo protetor, algum padroeiro da cidade, o que verá
é a estatua em granito de um homem nu, três metros de altura projetando-se
livre para o universo, braços largamente abertos, qual belo ideal físico grego
a esbanjar virilidade e saúde. Aí é o homem temporal que ocupa o lugar do
santo, o símbolo positivista que espantou a religiosidade, o corpo vigoroso

16
que se adiantou à alma tumultuada, a esplendorosa luz da Razão que abateu
misticismo taciturnos, o chamado por saúde e beleza terrenas. (MARRAS,
2004, p.311-312)

Figura 14: Vista panorâmica do Parque Afonso Junqueira (sem data). Thermas Antonio Carlos
(A), Palace Hotel (B), Palace Cassino (C) e Café Concerto (D).
Fonte: Acervo do Museu Histórico Geográfico de Poços de Caldas, 2017.

3 A PRODUÇÃO DA PAISAGEM NO MICROCENTRO DE POÇOS DE


CALDAS

O Estado encontra-se como produtor da paisagem, agindo tanto no tempo como


no espaço, influenciando nas dinâmicas socioespaciais e no valor da terra, além de
desenvolver um espaço urbano com dimensões simbólicas.

[...] a cidade é também o lugar onde as diversas classes sociais vivem


e se produzem. Isso envolve o quotidiano e o futuro próximo, bem
como as crenças, valores e mitos criados no bojo da sociedade de
classes e, em parte, projetados nas formas espaciais: monumentos,
lugares sagrados, uma rua espacial etc. (CORRÊA, 2004, p.9)

Sendo assim, o espaço se torna um representante da sociedade e das suas


relações, contemplando diversos acontecimentos que se interagem através de formas e
funções em momentos temporais diferentes. (SANTOS, 1978)
A paisagem urbana do microcentro da cidade de Poços de Caldas é dotada de
valores, crenças, lembranças e uso, possui um vínculo estreito com os aspectos
materiais e imateriais, natureza e cultura. “A paisagem é portadora de significados,

17
expressando valores, crenças, mitos e utopias: tem assim uma dimensão simbólica”.
(CORREA; ROSENDAHL, 1998, p.8).
É possível verificar em vários fragmentos do texto que a urbanização até o fim
do século XX tinha objetivo de potencializar o turismo, devido a sua importância
econômica, sendo este o motivador do crescimento urbano de Poços de Caldas até a
expansão industrial, que ocorreu na segunda metade do século XX. Essa “urbanização
turística”, termo recente nos estudos das ciências humanas “[...] corresponde
basicamente à constatação da existência de formas específicas de produção do espaço
urbano engendradas a partir da atividade turística, sobretudo quando esta se impõe
como dominante na economia local [...]” (MULLINS, 1991, p.326 apud SOUZA, 2014, p
68).

Figura 15: Vista aérea parcial do microcentro de Poços de Caldas, no ano de 2007.
Fonte: http://olhares.sapo.pt/minha-cidade-foto1254801.html <Acessado em 1/JUN/17> | Foto: Silvio Leossi.

A concepção dessa nova paisagem, gerada a partir dos esforços públicos e


privados, focados num objetivo que beneficiaria apenas uma parcela da sociedade
específica, deu ao espaço noção de coletividade, onde as relações de trocas não se
limitam apenas aos usuários moradores da cidade, mas também aos visitantes.
Desenvolvendo num espaço urbano capitalista, produto social resultante de ações

18
acumuladas através dos tempos, ocasionadas por agentes que produzem e consomem o
espaço (CORRÊA, 2004).
Importante salientar que a estruturação desenvolvida no centro de Poços de
Caldas, tendo como ponto de destaque as “grandes obras”, contrasta com o tecido
urbano restante, em sua maioria uma ocupação espontânea. Há heterogeneidade da
paisagem, tanto no meio físico natural quanto social. Enquanto o centro concentra boa
parte do comércio, serviços e atrativos, no seu redor se instalam zonas residenciais, em
sua maioria por uma população mais abastada, seguida de uma periferia com menos
recursos, que se agrava quanto mais distante desse ponto central.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A paisagem é capaz de retratar o desenvolvimento histórico, cultural, social e


econômico, sendo fundamental para o reconhecimento da identidade e das dinâmicas do
lugar. Santos (2004) entende que a paisagem retrata um conjunto de formas, que num
dado momento expressa as heranças que representam as sucessivas relações localizadas
entre homem e natureza. E por mais que suas formas sejam concebidas em momentos
históricos diferentes, elas coexistem no momento atual, com uma função atual,
respondendo às necessidades atuais da sociedade.
É fato que desde os primórdios o homem sempre se relacionou com seu meio,
construindo uma relação com o “lugar”, o qual ele transforma de acordo com as suas
necessidades. Diante do exposto nesse artigo, ficam intrínsecas as ações planejadoras,
ora por parte do estado, ora por parte da população envolvida, no desenvolvimento da
cidade de Poços de Caldas, bem como na construção de uma paisagem eclética, que
foge dos padrões convencionais das cidades mineiras.
A gestão dos projetos, bem como o envolvimento de profissionais qualificados e
o incentivo da iniciativa pública na construção dos espaços coletivos, fez com que o
conjunto que congrega a Praça Pedro Sanches e o Parque Afonso Junqueira, parte física
do microcentro de Poços de Caldas, se tornasse parte de integração e convívio social,
palco dos principais acontecimentos sociais, políticos, econômicos e um dos pontos
turísticos mais visitados.

19
5 REFERÊNCIAS

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: editora Ática, 2004.

_____________________. Monumentos, Política e Espaço. In: ROSENDAHL, Z.;


CORRÊA, R. L; (org). Geografia: Temas sobre Cultura e Espaço. Rio de Janeiro:
Ed. UERJ, 2005.

COSGROVE, D. A geografia está em toda parte; cultura e simbolismo nas paisagens


humanas. In: CORREA, R.; RODENDAHL, Z. (org). Paisagem, tempo e cultura. Rio
de Janeiro: Ed. UERJ. 1998.

MACHADO, Gustavo R.; COSTA, Alexandre. A Constituição das Religiões Afro-


Brasileiras em Poços de Caldas (MG): Pluralidade, Identidade e Experiência Religiosa.
In: 4ª Jornada Científica da Geografia UNIFAL-MG, Alfenas, Anais... Alfenas:
UNIFAL, 2016. p. 19 - 24. Disponível em: <http://www.unifal-
mg.edu.br/4jornadageo/anais>. Acesso em: 02 mar. 2017.

MARRAS, Stelio. A propósito de águas virtuosas: formação e ocorrências de uma


estação balneárias no Brasil. Belo Horizonte. Editora UFMG, 2004.

MATTHES, Adriane de Almeida. Arquitetura e Permanências: o projeto urbano na


constituição da esfera pública. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da PUC Campinas em 2005. Campinas, 2005.

ORTIZ, Renato. Cultura e Modernidade: a França no século XIX. São Paulo.


Editora Brasiliense, 1991.

POZZER, Carlos E. Poços de Caldas: a construção de uma paisagem urbana.


Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC
Campinas em 2001. Campinas, 2001.

SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia
crítica. São Paulo: Hucitec, 1978.
______________. A Natureza do Espaço: técnicas e tempos, razão e emoção. 4 ed.
São Paulo: EDUSP, 2004.

SOUZA, Deiliany Lima de. Urbanização turística, políticas públicas e desenvolvimento:


o caso de Salinópolis/PA. Geografia em Questão, UNIOESTE, n. 1, v. 07, p. 65-86.
2014.

20

Você também pode gostar