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RESUMO
O Quadrilátero Ferrífero (QF), localizado no centro-sudeste de Minas Gerais, é considerado a região de
maior concentração de minas em operação no mundo e nela encontra-se a Região Metropolitana de
Belo Horizonte (RMBH). Além disso, importantes centros históricos, conjuntos paisagísticos e
ecossistemas protegidos situam-se no QF, o que transforma esta região numa verdadeira confluência
de interesses muitas vezes conflitantes. Além de ser a mais importante província mineral do sudeste do
país, a região, definida geologicamente pelas Serras do Curral, Rola-Moça, Piedade, Moeda, Ouro
Branco e Caraça, é muito rica sob a ótica urbana, histórica, cultural e ambiental. Considerando esse
mosaico de usos e potencialidades, a apreensão da paisagem dessa região é fundamental para seu
desenvolvimento. Entretanto, exatamente por ser tão diversa, essa reflexão é complexa, exigindo uma
abordagem e avaliação teórica cautelosas. Neste artigo, serão consideradas fundamentalmente as
minas de ferro, uma vez que são empreendimentos de grande porte e que geram maiores impactos na
paisagem.
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Este trabalho é fruto de reflexões do projeto de pesquisa em andamento “QUADRILÁTERO FERRÍFERO DE
MINAS GERAIS: IMPACTOS DA ATIVIDADE DE MINERAÇÃO NO PLANEJAMENTO URBANO-REGIONAL E NA
PAISAGEM E PATRIMÔNIO CULTURAL”.
INTRODUÇÃO
O Quadrilátero Ferrífero é uma região de ocupação antiga no Estado de Minas Gerais, cujo
principal motor de desencadeamento dessa ocupação foi a atividade minerária. Carsalade et
al. (2012) lembra que inúmeras técnicas foram utilizadas e conformaram a paisagem do
Quadrilátero ao longo do tempo.
Vilas e centros urbanos surgiram em decorrência desse setor, o que foi alterando a paisagem
da região e conformando uma nova territorialidade. As expedições em busca de ouro
proporcionaram os povoamentos, em 1711, das vilas de Mariana, Vila Rica de Ouro Prieto e
Sabará Outras vilas também surgiram em função da atividade, como Caeté, Congonhas,
Catas Altas, Santa Bárbara, Barão de Cocais, Cachoeira do Campo, Ouro Branco, Nova Lima,
São Gonçalo do Rio Acima e Piedade do Paraopeba. (MINAS GERAIS, 2009). Sobre essa
questão, Monte-mór (2001) descreve a dinâmica evolutiva física, social e cultural de tais
núcleos urbanos.
Fica assim clara a importância histórica que a mineração exerceu no Quadrilátero Ferrífero,
ensejando várias expressões e relações culturais decorrentes da mineração.
Paisagem
A paisagem pode ser definida como um sistema dinâmico onde se relacionam elementos
naturais com interferências humanas, onde se espacializam e se contextualizam relações
histórico-temporais tecnológicas, sociais e culturais. Tal relação entre natureza e homem,
entre natureza e cultura, pode se dar de forma passiva, onde os valores culturais são
atribuídos à paisagem natural ou de forma ativa, quando a cultura modifica a paisagem. Neste
sentido, para Pereira Leite (2006), a paisagem seria uma projeção da relação entre o homem
e a natureza. Em consonância, Bastian (2001, apud LANG e BLASCHKE, 2009) define
paisagem como um sistema integrador entre componentes do meio ambiente e da sociedade,
em uma relação recíproca entre Homem-Meio Ambiente. Alguns autores inserem uma
característica quantitativa na definição de paisagem, relacionada com uma ordenação
espacial, aproximando-se de uma noção de ecossistema, como apresentado por Barsch
(1996, apud LANG e BLASCHKE, 2009), onde paisagem é “um grupo de compartimentos
paisagísticos numa determinada condição, cujas relações entre si são mais estreitas do que
com seu entorno”. Ou seja, nesta acepção, a paisagem pode ser compreendida, na sua
estrutura, como a síntese de determinados elementos, que cria uma imagem homogênea,
uma configuração definida, uma identidade clara. Essa síntese parece se basear nas relações
que se dão entre determinadas características naturais e o que, a partir delas, cria a presença
antrópica, em uma escala temporal de larga escala. Para Corma et Godron (1986, apud
COIMBRA, 2006, p.77) a evolução de uma paisagem resulta de três processos que atuaram
em tempos distintos: processos geomorfológicos e geológicos; padrões de colonização dos
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organismos e alterações naturais ou humanas nos ecossistemas. O resultado é uma
paisagem composta por diferentes formas de relevo, tipos de vegetação e usos do solo,
organizados em uma estrutura espacial única, composta de ecossistemas em interação.
Solinís (2009) destaca que a paisagem não deve ser entendida como natureza, pois a
primeira transcende a morfologia implícita dos seus componentes naturais e culturais, por sua
dimensão simbólica, a qual imbui significado a atributos selecionados. Assim como o território,
a construção da paisagem, resultado da influência de inúmeros atores e agentes sociais, é
dinâmica e reflete a expressão do imaginário social e os padrões estéticos e culturais
vigentes, cuja origem dificilmente pode ser situada isoladamente (ACCIOLY, 2012). Isto é,
A relação entre paisagem e produção está em que cada forma produtiva necessita
de um tipo de instrumento de trabalho. Se os instrumentos de trabalho estão ligados
ao processo direto da produção, isto é, à produção propriamente dita, também o
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estão à circulação, distribuição e consumo. A paisagem se organiza segundo os
níveis destes, na medida em que as exigências de espaço variam em função dos
processos próprios a cada produção e ao nível de capital, tecnologia e organização
correspondentes. (...) Cada instrumento de trabalho tem uma localização
específica, que obedece à lógica da produção nesses quatro momentos acima
mencionados, e é por isso que o espaço é usado de forma desordenada (SANTOS,
1988, p. 66).
Tais colocações de Santos (1988) nos apresentam uma evolução radical no conceito de
paisagem, a qual, ao longo do século XX, admitia uma visão bucólica, romântica, com um viés
meramente estético e mitológico, do qual o homem não participava. O conceito
contemporâneo de paisagem passa a ser o resultado das relações dinâmicas entre o meio
físico, biótico e antrópico. Como desdobramento deste conceito, a paisagem é o resultado das
relações entre seus componentes, ao mesmo tempo em que constitui um sistema ambiental.
Segundo Macedo, a paisagem é um produto
Da mesma forma, Perna (2012) reforça esta abordagem sistêmica considerando-a como
produto das relações existentes entre elementos e processos naturais que se interrelacionam
num ambiente físico. Tendo como base essa premissa, ao se planejar a paisagem, tais
processos devem ser analisados em conjunto. Para McHarg (1992):
Entretanto, fica evidente que aos muitos lugares e elementos que compõem uma paisagem
são atribuídos valores específicos que mudam constantemente em função da evolução dos
padrões culturais. A paisagem enquadra-se em uma dimensão sociocultural, sendo
assimilada em termos sensoriais. Isto é, dependendo do indivíduo, da sua formação e
experiências, haverá distinções sobre o entendimento de um mesmo objeto, o que é válido
inclusive para a apreensão da paisagem. Sendo a paisagem um processo seletivo de
apreensão (SANTOS, 1988), como poderá ser avaliada e planejada, principalmente em uma
escala regional? Esta indagação é o ponto de partida deste trabalho. O primeiro aspecto que
precisa ser definido é a escala que a paisagem será trabalhada.
Mineração
Por ser uma atividade complexa, a mineração não é transformadora somente do espaço, mas
também da paisagem, uma vez que a mineração possui um grande potencial indutor de
alterações das relações territoriais estabelecidas. Para que ela ocorra, são necessárias uma
série de estruturas que alteram profundamente a paisagem, como as cavas, pilhas de estéril,
barragens de rejeito e estruturas de beneficiamento do minério (FIGURAS 1 e 2).
Figura 2 a/b: Pico do Itabirito com uma das cavas do Complexo de Itabirito. À direita, cava se
prolongando ao horizonte.
Além disso, vale ressaltar que, por ser uma atividade, normalmente de grande potencial
poluidor, múltiplas escalas e, a princípio, de médio a longo prazo de duração, são atividades
que incitam conflitos no seu entorno. Estas alterações também estão refletidas no território,
valores e relações construídas.
Um dos mais conhecidos exemplos do mundo de reconversão de áreas mineradas para fins
turísticos pode ser visto na Região da Cornualha, sul da Inglaterra, onde a mineração de
carvão deu lugar a uma série de gigantescas estufas que abrigam espécimes vegetais de
várias regiões do planeta com seus respectivos micro-climas, reproduzindo ambientes
exóticos e abrigando a natureza em terras devastadas.
Como já colocado, a base de trabalho é a definição da escala. Por se tratar de uma esfera
regional, a avaliação das transformações da paisagem devem se embasar em aspetos
fundamentalmente físicos. Estão envolvidos, na área de estudo, 27 municípios compostos,
ainda, por distritos, inúmeras serras, núcleos urbanos, referências socioculturais e tipologias
minerárias. Isto é, as relações sociais construídas são variadas, além do entendimento
subjetivo das relações que a atividade promove com o espaço.
(...) mapas-síntese dos riscos e das fragilidades ambientais a que essa paisagem
está sujeita e do seu potencial paisagístico e de uso para as diversas atividades que
ali se desenvolvem. Os valores identificados e ponderados proporcionam a
elaboração de uma base, que resume a soma dos valores sociais, as oportunidades
e as restrições que vão balizar a análise para propor intervenções humanas no lugar
mais apropriado. Através da característica de cada local pode-se discriminar as
áreas que devem ser mantidas em seu estado natural, assim como as que
receberão usos diversos, como atividades econômicas (1992, apud PERNA 2012,
p. 18 -19).
Destaca-se que este método abarca desde questões naturais como o solo, hidrografia, fauna
e flora como as artificiais, ligadas diretamente ao homem, como aspectos sociais e
econômicos. Assim, o território onde será analisada a paisagem seria estudado por meio da
sua decomposição em elementos, definidos e reagrupados. Este tipo de abordagem faz parte
da ecologia da paisagem, que incorpora uma visão sistêmica da paisagem, englobando seus
componentes. Segundo Coimbra (2006), a ecologia da paisagem que parte do princípio que a
paisagem é sistema vivo, apresenta três características principais: estrutura, funcionamento e
mudança, englobando variáveis físicas, biológicas e temporais, respectivamente.
Para Coimbra (2006), a estrutura da paisagem compõe-se por três estruturas morfológicas,
definidas de acordo com a similaridade das características físicas do território, apresentando
descontinuidade com o entorno, podendo ser naturais, como matas e rios, ou resultados da
ação humana, como cidades. São elas: as matrizes, corredores e as manchas. Esta
metodologia de definição de estruturas constitui
(...) a base para o planejamento da paisagem, uma vez que podem revelar não só
os processos que estão ocorrendo, mas também refletir sobre os processos que
determinaram o seu desenvolvimento. (FORMAN et al 1996, apud COIMBRA, 2006,
p. 78).
Já os corredores, como o próprio nome indica, são elementos lineares, de cobertura extensa,
e que ligam manchas e matrizes, promovendo o intercâmbio genético entre animais e plantas.
Além de conduzir os organismos pela paisagem, os corredores apresentam outras funções
tais como: servir de hábitat para algumas espécies e filtragem de nutrientes e impactos
ambientais. Entretanto, os corredores antrópicos atuam como barreiras aos processos
ecológicos, pois subdividem populações e hábitat, conduzem espécies mais resistentes à
degradação e são fontes de erosão, sedimentação, espécies exóticas e impactos humanos.
Por fim, as manchas são segmentos isolados de seus semelhantes, que diferem em
aparência do seu entorno, sendo que a sua borda é sua porção mais extensa, cujo ambiente
difere do interior. O tamanho e a forma da mancha são fundamentais para os processos
ecológicos. Manchas maiores possuirão mais espécies, principalmente aquelas mais
sensíveis a alterações, que se localizam no interior da mancha, enquanto que manchas
pequenas e estreitas são praticamente formadas por ambientes de borda. São resultados de
alterações sofridas pelas paisagens.
Ressalta-se que, para que tal avaliação seja possível, há de se considerar ferramentas de
geoprocessamento, que proporcionarão a sobreposição de informações e o cruzamento de
dados, facilitando a compreensão em grande escala. Um instrumento interessante neste tipo
de análise é a simulação de intervenções na paisagem, que permitiria a visualização das
interferências que as proposições dos empreendimentos causariam na paisagem. Moura et
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Amorim (2007) lembra, ainda, que este instrumento é capaz de dar maior subsídio e
embasamento na decisão dos órgãos públicos responsáveis pelo licenciamento desses
empreendimentos, além de facilitar o diálogo entre os atores envolvidos. Para os autores “em
desenhos e plantas, cortes, ou mesmo perspectivas isoladas da paisagem, é muito difícil
perceber o real impacto da intervenção no conjunto paisagístico; mas pela simulação do
encaixe do volume no conjunto, é possível julgar sua adequabilidade.” Desta forma, as
simulações podem servir como base de decisão de projetos, bem como de avaliação das
diretrizes e caminhos a serem seguidos nos processos de transformações da paisagem.
O segundo momento trataria de uma escala local, onde poderia ser avaliado o significado da
paisagem atribuído por grupos locais existentes. Isto é, uma análise do “caráter especial de
um espaço, baseado em elementos naturais, expressões culturais e interação cultura e meio
ambiente” (MOURA, 2007, p. 4074). Isto traria a dimensão meramente geográfica,
morfológica e classificatória do planejamento de uma paisagem para a esfera do significado,
da essência daquela paisagem para a comunidade.
PERSPECTIVAS
Este proposta de abordagem se apresenta para nós como fundamental no caso do
Quadrilátero Ferrífero, uma vez que é necessária, em um primeiro momento, uma visão
regional da paisagem, que apesar de parecer considerar a questão de uma maneira apenas
morfológica, trata a questão de forma ampla, considerando, inclusive, aspectos subjetivos.
Esta visão, segundo Perna (2012, p. 19) se propõe a servir de base para o planejamento da
paisagem, bem como subsidia pesquisas voltadas para a melhoria da qualidade ambiental e
física do território. A dificuldade metodológica aqui é a identificação de subescalas de
compreensão da paisagem posto que parece haver uma unidade paisagística que conforma a
região, mas, ao se abordar as microrregiões podemos, ao contrário, perceber um número
considerável de variações.
Por ser a paisagem muito dinâmica, suas transformações são inevitáveis. Mas para que sua
resiliência e capacidade de suporte possa ser incorporada ao planejamento regional é
fundamental reconhecermos a importância dos seus registros e compreender até que ponto
quais elementos são representativos ou não. Essas decisões pertencem ao lugar e a quem o
constrói e o vivencia, tornando as situações de planejamento da paisagem diversas e únicas,
sempre resultantes do equilíbrio entre permanência e transformação.
REFERÊNCIAS
ACCIOLY, S. M. L. Uso Futuro de Áreas Mineradas e o Meio Urbano: O Caso de Águas
Claras. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Escola
de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2012a.
ACCIOLY, Há patrimônio após a mineracao? O caso da Basin Minier. 2012b. In: 2° Colóquio
Ibero-americano de Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto, 2012. Anais... Belo Horizonte:
UFMG: 2012.
LANG, Stefan; BLASCHKE, Thomas. Análise da paisagem com SIG.. São Paulo: Oficina de
Textos, 2009.
PEREIRA LEITE, Maria Angela Faggin. Uso do território e investimento público. 2006.
GeoTextos, [Salvador], v.2, n. 2, 2006. p. 13-30. Disponível em: <
www.portalseer.ufba.br/index.php/geotextos/article/download/3037/2144>. Acesso em: 28
jun. 2011.
SANTOS, Milton. Paisagem e espaço. In: ___. Metamorfoses do espaço habitado. São
Paulo: HUCITEC, 1988, p. 61-74.
SOLINÍS, Germán. O que é o território ante o espaço? In: RIBEIRO, Maria Teresa Franco;
MILANI, Carlos Roberto Sanchez. (org.). Compreendendo a complexidade socioespacial
contemporânea: o território como categoria de diálogo interdisciplinar. Salvador: EDUFBA,
2009. p. 264-289.