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Renato Athias

A Noção de Identidade Étnica


Na Antropologia Brasileira
De Roquette Pinto à Roberto Cardoso de Oliveira

Editora
Universitária UFP E

Programa de Pós-Graduação em Antropologia


Universidade Federal de Pernambuco
2007

3
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
Reitor: Prof. Amaro Henrique Pessoa Lins
Vice-Reitor: Prof. Gilson Edmar Gonçalves e Silva
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COMISSÃO EDITORIAL
Presidente: Profª Gilda Maria Lins de Araujo
Titulares: Anco Márcio Tenório Vieira, Aurélio Agostinho da Boaviagem, Carlos Alberto Cunha Miranda,
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Simião Dornelas, José Zanon de Oliveira Passavante, Leonor Costa Maia.
Suplentes: Izaltina Azevedo Gomes de Mello, Aldemar Araújo Santos, Anamaria Campos Torres,
Christine Paulette Yves Rufino Dabat, Elba Lúcia Cavalcanti de Amorim, Gorki Mariano, José Policarpo
Júnior, Patrícia Cabral de Azevedo Restelli Tedesco, Rita Maria Zorzenon dos Santos, Vera Lúcia
Menezes Lima.

EDITORA EXECUTIVA
Maria José de Matos Luna

Editora associada à

Associação Brasileira de
Editoras Universitárias

Athias, Renato
A noção de identidade étnica na Antropologia brasileira : de Roquette Pinto
a Roberto Cardoso de Oliveira / Renato Athias; apresentação Edvânia Torres.
Recife : Ed. Universitária da UFPE, 2207.
134 p. : il., tab.

Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Universidade Federal de


Pernambuco.

Acompanha CD-Rom.

Inclui bibliografia
ISBN

1. Etnologia Identidade étnica, Brasil. 2. Etnia brasileira Fusão étnica


Aculturação e transfiguração. I. Torres, Edvânia. II. Título.

397 CDU (2. ed.) UFPE


305.8 CDD (22. ed.) BC2007-035

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por


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fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos. Vedada a memorização e/ou a
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proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração.

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3. ACULTURAÇÃO E
TRANSFIGURAÇÃO ÉTNICA

Este capítulo tem por objetivo a apresentação dos


conceitos de aculturação e de transfiguração étnica. O pri-
meiro foi amplamente utilizado no Brasil da maneira como
foi concebido pelos inspiradores do "Memorandum for the
Study of Culture Contact" elaborado por Redfield, Linton
e Herskovits (1936), que teve como berço a Antropologia
cultural americana. O conceito de transfiguração étnica foi
elaborado por Darcy Ribeiro a partir da crítica ao conceito de
aculturação movida pela Antropologia desenvolvida na
América Latina.
Tendo em vista a produção acadêmica com relação aos
povos indígenas, a etnologia brasileira desenvolvida a partir
dos anos trinta pôde ser considerada como fazendo parte de
uma fase "integracionista", onde os estudos enfatizavam que
índios deveriam de uma maneira ou de outra, integrar-se à
sociedade nacional. A confusão na utilização do conceito de
integração engendrou uma polêmica que não foi resolvida
senão em 1960, quando pela primeira vez, é definido o que se
entendia por integração. É importante insistir no fato de que
durante este período a idéia de integração, e mesmo a de
aculturação, com todos os esforços de compreensão, era

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interpretado como assimilação, como bem assinala Eduardo
Galvão: "Devemos esquecer um pouco a aculturação e pensar mais
em termos de assimilação" (GALVÃO, 1979, p. 131).
Antes da definição clássica de aculturação elaborada
no "Memorandum , este termo já estava sendo
utilizado para designar o resultado dos contatos culturais
entre duas sociedades (EHRENREICH, 1906, p. 672)33. Não
foi senão a partir do Memorandum, que esta noção foi
amplamente utilizada, sobretudo pela escola americana, não
obstante as críticas como, por exemplo, aquela que
Malinowski fez nos anos quarenta:

"Consideremos, por exemplo, o termo aculturação que, depois


de algum tempo, começou a se propagar e ameaça tomar o
terreno, sobretudo nos escritos sociológicos dos autores norte-
americanos. Além de sua fonética ingrata, o termo aculturação
contém todo um conjunto determinado de implicações
etimológicas inadaptadas. É um termo etnocêntrico com
uma significação moral. O imigrante deve se aculturar
(to acculturate) assim como os indígenas, pagãos e os infiéis, os
bárbaros e os selvagens,Que gozam do "benefício" de ser
submisso à nossa grande cultura ocidental" (1940, p. xi).

Na antropologia brasileira, a aceitação do termo


aculturação foi lenta. Herbert Baldus, que escreve a
propósito da mudança cultural dos índios (1937), não faz uso
uma só vez deste conceito. Somente a partir dos anos
cinqüenta que a noção de aculturação será amplamente
utilizada pelos etnólogos que investigam os povos indígenas.

33
Veja também R.-H.-C. Teske et B.-H. Nelson, " Acculturation and Assimilation: a
Clarification ", in : American Ethnologist, 1 (2), 1974, pp. 351-367

70
Neste caso, estamos nos referindo às pesquisas de Eduardo
Galvão, Charles Wagley, Fernando Altenfelder da Silva,
James Watson e outros que estão nos primórdios da
introdução deste conceito e seu uso posterior na produção
antropológica brasileira.
Fora a noção de aculturação, nesse mesmo período, a
antropologia brasileira se utilizou de outro conceito: o de
integração, usado, sobretudo no jargão da política indi-
genista oficial. Trata-se de uma manipulação do conceito de
interação social, através das quais as comunidades indígenas
são vistas como fazendo parte de um sistema no qual devem
integrar-se. Tanto o conceito de integração como o de
assimilação será foco dos debates na produção etnológica e
muitas vezes serão utilizados indistintamente, o que aparece,
por exemplo, nos trabalhos de Wagley e Galvão (1949).
A definição mais apropriada destas noções surgiu
durante o IV Congresso Indigenista Interamericano realizado
na Guatemala em 1960, onde Darcy Ribeiro, bem como
Carlos Mejia Pivaral, Gregorio Hernandes de Alva e Joaquim
Noval elaboram uma definição mais apropriada ao conceito
de integração social voltado para os povos indígenas. Daí em
diante, a "integração social de um país não parece mais exigir que
todos seus habitantes sejam culturalmente iguais"; o que não
significa que todos os habitantes de um território nacional se
converteriam em índios ou não-indios. Na realidade, a
definição é proposta dessa forma: "a integração social pode
significar a unidade de todos os habitantes de um país, mas não sua
identidade, nem mesmo uma semelhança fundamental" (RIBEIRO,
1960, p. 10).

71
Numa época em que o problema do contato entre
índios e "brancos" no Brasil estava ainda circunscrito aos
limites estreitos das teorias da aculturação proveniente da
Antropologia norte-americana, os estudos de Darcy Ribeiro e
de Roberto Cardoso de Oliveira conseguiram desviar de
forma proveitosa de uma ortodoxia quase estéril para dois
novos pólos de orientação teórica metodológica: um em
direção das teorias de mudança social proveniente da
Antropologia social britânica, e o outro para a crítica dos
modos de colonização mercantil e capitalista nas sociedades
colonizadas, estabelecida a partir de casos africanos por
sociólogos e etnólogos franceses.
Nossa pretensão é de apresentar uma visão dos
princípios essenciais da teoria da aculturação utilizada na
etnologia indígena no Brasil e seu desenvolvimento na
produção antropológica, no que refere principalmente ao
conceito de identidade étnica. Estamos conscientes de não
poder discorrer sobre o conjunto dos trabalhos, mas
tentaremos, contudo apresentar as principais obras que
influenciam a etnologia brasileira como uma maneira
oferecer pistas para possíveis estudos nessa linha de
investigação. Apresentaremos em primeiro lugar três tipos de
orientações teóricos metodológicas nas abordagens utilizadas
pelos antropólogos para elaborar suas monografias, depois
passaremos aos trabalhos de Hebert Baldus, Eduardo Galvão
e Charles Wagley, que situamos na segunda corrente,
anteriormente referida, e enfim serão situados os trabalhos
de Darcy Ribeiro relacionados principalmente à teoria da
Transfiguração Étnica.

72
3.1- Tipologia dos Estudos sobre Aculturação

Antes de apresentar a produção antropológica de


Hebert Baldus, Eduardo Galvão e Darcy Ribeiro selecionada
aqui como referências sobre as teorias da aculturação,
examinaremos três tipos de orientações, referidas
anteriormente, utilizados pelos antropólogos brasileiros. Um
quarto tipo de orientação compõe-se dos estudos sobre a
personalidade indígena, e não será desenvolvida aqui neste
trabalho. Nesta tipo de abordagem, situamos os trabalhos de
Hebert Baldus e de Florestan Fernandes sobre o Bororo Tiago
Aipobureu, que obteve a atenção da mídia nos anos
quarenta. Esse caso teve repercussão devido ao fato de que
este índio viveu na Europa, e estudou Teologia em Roma,
depois retornou à aldeia de seu povo34. No seu retorno,
rompe com a cultura ocidental na medida em que insiste em
voltar aos costumes e tradições Bororos.
O caso de Tiago foi estudado por Herbert Baldus em
seus "Ensaios de Etnologia Brasileira" (1937) e por Florestan
Fernandes em "Tiago Marques: um Bororo Marginal" (1946).
Neste estudo, Fernandes parte do conceito de marginalidade
fazendo a seguinte reserva: "é preciso colocar-se no preâmbulo a
seguinte questão: até que ponto o estudo de um caso único se
justifica do ponto de vista científico? (FERNANDES, 1975, p.
86). Neste trabalho, é enfocada as questões da integração de
Tiago na cultura bororo, os conflitos com os brancos, com os
próprios Bororo, e enfim da readaptação de Tiago em terras

34
Darcy Ribeiro o colocará como um dos personagens em seu romance intitulado: Máira.

73
bororo, etc. Este caso permite ilustrar o quarto tipo de
orientação de estudos a respeito da aculturação já assinalado.
Um primeiro tipo de orientação monográfica utilizado
pelos etnólogos consistia em escolher um grupo indígena
cuja organização interna revele os resultados da acomodação
com a sociedade nacional, principalmente nas regiões onde
os contatos com os brancos tornaram-se de certa maneira
permanentes, e no quais as influências (freqüentemente
mútuas) não foram seriamente atingidas pelas transfor-
mações regionais bruscas.
Constatamos que os trabalhos de Herbert Baldus,
Charles Wagley e Eduardo Galvão entram no quadro desta
orientação, sobretudo no que diz respeito às investigações
realizadas entre os Tenetéhara (Guajajara). Neste tipo de
orientação impõe-se o interesse pela descrição etnográfica
sistemática do povo indígena que fornece um critério
positivo para a análise dos pontos de mudança e de
reelaboração culturais.
Num segundo tipo de orientação, o investigador escolhe
um grupo indígena cujas tendências aculturativas possam
ser descritas através de caracterização da sua configuração
interna em situações extremas de um continuo histórico-
cultural. Isto significa uma manipulação total na inter-
pretação dos dados históricos e culturais no intuito de
caracterizar a cultura indígena nos diferentes períodos de
contato com a sociedade nacional.
Os trabalhos de James Watson, "Historic influence and
change in the economy of a Southern Mato Grosso Tribe" (1945) e
"Cayua Culture Change: A Study in Acculturation Methodology"
(1952) situam-se nesta perspectiva que enquadramos os

74
estudos nesse tipo de abordagem. Aí reunem-se igualmente
os primeiros trabalhos de Cardoso de Oliveira (1960) sobre
Terena no Mato Grosso do Sul. As conclusões de Cardoso
são completamente diferentes daquelas de Watson, e de
outros que seguiram este caminho para efetuar suas
investigações. A diferença fundamental entre os trabalhos de
Cardoso de Oliveira (1960) e os outros, se situa no ponto de
partida teórico. Cardoso de Oliveira parte de uma crítica da
teoria da aculturação que era representada na época pelos
estudos de Siegel, Watson, Broom e Vogt (1954), enquanto
que os outros não assumem essa postura critica e utilizam
esse conceito operacionalmente.
O terceiro tipo de orientação, nas investigações etno-
lógicas realizadas por antropólogos no Brasil sobre a
aculturação foi aquela através da qual se seleciona um grupo
indígena, cujas relações com a sociedade nacional pudessem
ser descritas e interpretadas graças a observações de
situações intermitentes de contato com os brancos.
Apresentando ainda a correlação entre as condições sociais
de existência e o desenvolvimento da cultura como um todo.
Neste sentido, o centro de interesse da análise se desloca
para as influências nos mecanismos internos da cultura que
determinam o modo e o ritmo da mudança cultural.
Os trabalhos de Egon Schaden, "Aculturação Indígena"
(1969) faz parte desta orientação. O autor dá grande ênfase
na análise dos traços culturais e nos aspectos difusionistas
dos mesmos, que os etnólogos brasileiros desenvolvem, e
que por ocorrência, Egon Schaden, nomeia "aculturação no
plano tecnológico e da cultura material" (SCHADEN, 1969, p.
179). O autor também faz uma apresentação dos principais

75
estudos sobre aculturação realizados pela etnologia
brasileira. O autor não chega exatamente a fazer uma crítica
à teoria da aculturação o qual ainda se pode perceber em
seus textos como uma defesa da teoria de contatos culturais,
sendo um expoente na antropologia brasileira, por mais de
três décadas. Nesse sentido, precisa-se ver o debate
aculturação e estruturalismo, sobretudo, a intermediação
sobre o conceito de cultura nessa discussão35.
Após termos apresentado essa tipologia com as diver-
sas orientações utilizadas na seleção dos grupos indígenas,
para as investigações sobre o contato com a sociedade
nacional, passaremos agora à análise das orientações meto-
dológicas provenientes de diversas tradições, que conside-
ramos como as mais importantes para o conhecimento do
fenômeno de contato interétnico produzida pela
antropologia brasileira.
A primeira é a escola norte-americana, conhecida sob
o nome de "Acculturation Studies" cuja influência foi muito
grande no Brasil como se pode notar nos trabalhos de
Eduardo Galvão, em particular. O que nos interessa agora é
mostrar o essencial da tradição americana nos estudos sobre
aculturação.
Dois documentos (já assinalados anteriormente)
revelam de modo particularmente característico a influência
desta tradição: um deles intitula-se: "Memorandum for the
Study of Culture Contact", publicado em 1936 e assinado
por Redfield, Lint e Herskovits, e outro, publicado em 1954

35
Veja interessante comentário sobre isso em: PEREIRA, João Baptista Borges. Emilio
Willems e Egon Schaden na história da Antropologia. Estudos Avançados., São Paulo,
v. 8, n. 22, 1994.

76
sob o título de "Acculturation: an Exploratory Formulation" foi
elaborado por outros três antropólogos: Siegel, Vogt, Watson
e o sociólogo Broom.
O Memorando de 1936 é em grande parte voltado
para o aspecto sociológico do contato. Sobretudo na parte III
intitulada "Analyses of Acculturation". Os diferentes tipos
de contato que podem se produzir são revistos, colocando
em evidência a dimensão e a composição das populações que
se encontram numa situação de contato, definidas como
hostis ou pacíficas. A desigualdade social e política dos
grupos são realçadas, bem como a estrutura do poder. Nas
outras partes do Memorando, o processo de aculturação é
descrito ressaltando os tratos culturais e não as entidades
sociais individuais ou coletivas. Entretanto, o Memorandum
constitui um documento útil fornecendo indicadores
sensíveis à investigação etnológica, sem, todavia dissociar os
aspectos sociológicos da situação de contato.
O documento de 1954 é o resultado de 20 anos de
pesquisas sobre a aculturação, o que permitiu os seus autores
avaliar com precisão as experiências nesse domínio. Nota-se,
entretanto a ausência de um sumário sistemático dos termos
utilizados em Antropologia para designar o fenômeno de
aculturação. O ponto de interesse principal, do ponto de
vista sociológico, neste estudo, é a análise dos "papéis
interculturais" e a referência à "comunicação intercultural"
(SIEGEL 1954, p. 980).

77
Com relação aos "Intercultural Roles", as idéias de
Malinowski contidas principalmente em sua obra "Dynamics
of Cultural Change" (1945) são retomadas36.
A segunda orientação é aquela que provém da
Antropologia social britânica representada pelas teorias
desenvolvidas por Bronislaw Malinowski (1945) onde a
noção de "mudança social" adquire uma importância fun-
damental neste tipo de abordagem teórica, assim como a
noção de "instituição social". A preocupação em com-
preender a realidade resultante do contato entre duas
sociedades apoiando-se na análise das instituições cor-
respondentes, isto é, pela aceitação de princípios que as
instituições agem uma sobre a outra (segundo suas
"naturezas"), leva de certo modo o investigador a minimizar
a influência dos agentes alógenos Malinowski os chama
"agentes culturais". Com efeito, a ação destes se estende
também além de suas esferas institucionais respectivas. Esta
orientação desenvolve uma crítica dos efeitos nefastos da
colonização em geral.
A explicação do contato segundo esta visão teórica é
mais uma não-explicação, pois a descrição é centrada sobre
uma terceira sociedade resultante da conjunção das duas
outras; segundo os termos de Malinowski, existe uma
sociedade tribal (de ocorrência africana), uma sociedade

36
Mais adiante na parte sobre a Transfiguração Étnica, desenvolvida por Darcy Ribeiro
voltaremos a falar deste documento (1954). Existe uma crítica significativa feita por
DOHRENWEND, BRUCE and ROBERT J. SMITH, A suggested framework for the
study of acculturation. In Cultural stability and cultural change, Verne F. Ray ed. Seattle,
Proceedings of the 1957 Annual Spring meeting of the American Ethnological Society,
1957, pp. 76-84

78
ocidental e transacional (a terceira sociedade resultante do
contato).
A explicação do contato é uma lacuna na
Antropologia social britânica. Como se poderia explicar
este fenômeno, contato propriamente dito, se a situação
(o contato) fraciona-se em três ordens diferentes? Pouco
importa que Malinowski tenha feito apreciações justas a
respeito da verdadeira natureza do contato cultural que
"consiste na interação de dois mundos culturais diferentes"
distanciado pelo "preconceito racial e políticas diferen-
ciadas". E mesmo que ele tenha avaliado objetivamente os
aspectos conflituosos e tirânicos deste contato, é certo que
este tipo de atitude teórica não permite uma avaliação da
situação de contato camuflado na teoria das mudanças
sociais (MALINOWSKI, 1938, p. 14).
Os pesquisadores franceses que estudaram as socie-
dades africanas já propunham uma outra perspectiva em
seus estudos sobre o contato. Este tipo de orientação, desses
investigadores, que para nós, está situado no terceiro tipo de
orientação terá grande influência nos estudos realizados no
Brasil, principalmente, a partir dos trabalhos de Roberto
Cardoso de Oliveira, que se apóia em Georges Balandier,
quando este desenvolve suas observações sobre a "Sociologia
Atual da África Negra". Cardoso de Oliveira, um dos
representantes deste tipo de orientação, esboça uma teoria do
contato manipulando uma noção de "situação colonial . Este
conceito, para Balandier, se bem que fundada nos fatos
comumente descritos pelos autores anglo-saxões, tais como
os choques raciais ou os conflitos entre civilizações, não é
examinada por estes últimos sob o ângulo das condições

79
particulares que a produzem. A mais completa definição de
situação colonial continua a ser essa precisada por via dos
seguintes operadores:

culturalmente diferente, apelando a uma superioridade racial


(ou étnica) e cultural dogma-ticamente afirmadas, sobre uma
maioria autóctone materialmente inferior; o confrontar de
civilizações heterogêneas: uma civilização industrializada, com
uma economia poderosa, com um ritmo rápido e de origem
cristã impondo-se a civilizações sem técnicas complexas, de
economia retardada, com um ritmo lento e radicalmente não-
cristãs; o antagonismo nas relações estabelecidas entre as duas
sociedades que se justifica pela instrumentação a que é
condenada a sociedade dominada; a necessidade, para manter a
dominação, em recorrer não apenas à força mas também a um
conjunto de pseudo-justificações e de comportamentos este-
Georges Balandier «The Colonial Situation: a
theorical approach», in Pierre L. van der Berghe (ed.),
Africa: Social Problems of Change and Conflit, San Francisco,
1951)

Em resumo, a "situação colonial" que adquire as


proporções de uma totalidade nos estudos de Balandier, é
definida da seguinte forma: "a dominação imposta por uma
minoria estrangeira, de etnia e de cultura diferentes, em nome de
uma superioridade racial e cultural afirmada de maneira dogma-
tica sobre uma minoria autóctone, materialmente inferior"
(BALANDIER, 1950, p. 33). Mais do que pelos seus limites, a
definição de situação colonial acima transcrita (Georges
Balandier, 1955, Sociologie Actuelle de l'Afrique Noire, Paris)
vale pelas suas implicações, isto é, a possibilidade de

80
considerar o colonialismo como uma totalidade e não um
conjunto de processos independentes, resultantes de
experiências sociais únicas e exclusivas. Como escreveu
Balandier:
particulières prises par chacun des spécialistes, saisir la situation
coloniale dans son ensemble et entant que système». Mas, este
conceito operativo revela a questão de se saber se houve
bons ou maus colonialismos, sendo certo, contudo, que
não se poderão negar as especificidades de cada situação
colonial. De resto, mais recentemente, George Stocking Jr., a
propósito da emergência do pensamento antropológico em
contexto colonial37, chamou a atenção para a necessidade de
entender o fenômeno nas suas diversas concepções no campo
da pluralização da situação colonial.
Continuaremos nossa análise abordando agora as
teorias do contato na etnologia indígena, levando-se em
conta esta perspectiva e a influência que estes estudos
receberam das teorias norte-americana da aculturação, como
pode perceber através da literatura antropológica apontada
aqui sobre essa temática.

3.2 - Herbert Baldus e a Mudança Cultural

Antes da publicação do livro de Herbert Baldus


"Ensaios de Etnologia Brasileira" (1937), poucos etnólogos
haviam estudado a mudança cultural entre os índios, e se

37
George Stocking Jr (editor) Colonial Situations: Essays on the Contextualization of
Ethnographic Knowledge (History of Anthropology Ser., Vol. 7) Paperback, 1992

81
tratavam, o faziam de maneira superficial, na margem de
outros assuntos que consideravam mais importantes.
Em "Ensaios de Etnologia Brasileira", Baldus dedica uma
parte de seu trabalho à "Mudança de cultura dos índios do
Brasil" (1937, p. 276-321). Suas investigações são feitas entre
os Tapirapé, Karaja, Terena, Bororo e Kaingang, grupos
indígenas, que de uma certa maneira, tiveram experiências
diferentes em seu contato com a sociedade nacional em
distintos contextos históricos. Um dos objetivos do trabalho
de Baldus, como ele mesmo declara, é fornecer elementos
para uma melhor compreensão do papel desempenhado
pelos índios na formação cultural do Brasil, por que "a maior
parte do caráter do povo brasileiro é o caráter tupi" (1937, p. 26).
Nesta perspectiva, e, sobretudo a partir do que ele
definiu como cultura, que "nasce de uma combinação de fatores
hereditários, físicos e psíquicos, e de fatores coletivos morais", toda
a teoria da mudança de cultura devia levar em conta estes
fatores.
Evitando empregar o temo aculturação (o que ele vai
fazer bem mais tarde a partir de 1949), Baldus explica o que
entende por mudança social:

"Entendemos por mudança de cultura a alteração da expressão


harmoniosa global de todo o sentir, pensar e querer, poder e
agir de uma unidade social, expressão que nasce de uma
combinação de fatores hereditários, físicos e psíquicos, e de
fatores coletivos morais, e que, unida ao equipamento
civilizatório, como por exemplo, os instrumentos, as armas etc.,
dá à unidade social a capacidade e a independência necessárias
à luta material e espiritual para a vida" (1937, p. 279).

82
Falando desta alteração, Baldus expõe a alternativa
que se oferece aos povos indígenas: uma das possibilidades é
a assimilação recíproca do novo à cultura existente e desta ao novo
da outra cultura" conservando, entretanto a identidade do
grupo. A segunda é definida como "assimilação unilateral".
Em seguida, Baldus distingue as duas faces de um mesmo
processo, a saber: "a mudança parcial da cultura", que se faz
no interior do sistema e a "mudança total de cultura" que
acontece de um sistema para o outro, unilateralmente. Estas
duas faces não são as etapas de um mesmo processo, mas a
alternativa do processo de contato. Para determinar que tipo
de mudança se opera no seio do grupo indígena, é preciso
esperar que a mudança seja realizada de fato.
Todavia o autor já pronunciou seu veredicto com
relação às populações indígenas com as quais ficou em
contato ao dizer que "já estamos habilitados para concluir que as
tribos perderão também completamente sua cultura, se a relação
com os brancos tornar-se permanente". As obras que apareceram
depois daquelas produzidas por Baldus(1937)38 sobre a
aculturação esforçaram-se para mostrar em termos científicos
uma preocupação em preservar as culturas indígenas. As
observações ou a constatação de aculturação estão
concentradas, nestes trabalhos, em torno de certos elementos
da cultura material como objetos metálicos, vestimentas,
utensílios domésticos ou idéias religiosas, uma de suas
preocupações sendo também reconstruir a cultura

38
Conferir por exemplo: SAMPAIO-SILVA, Orlando. O antropólogo Herbert Baldus.
Rev. Antropol. 2000, vol. 43, no. 2 pp. 23-79

83
tradicional. Pode-se igualmente revelar certa preocupação,
que diremos de ordem prática, de traçar programas de
orientação para os administradores encarregados da política
indigenista39 .
Até 1949, a etnologia brasileira não dispunha de obra
que apresentasse uma cultura indígena em seu conjunto, um
trabalho monográfico, tendo em vista as diferentes reações
provocadas pelo contato social, ou seja, com setores dessa
sociedade apresentando aspectos diferentes: caboclos (mês-
tiços), sertanejos, caipiras, que mantinham contato perma-
nente com as comunidades indígenas. A etnologia brasileira
não dispunha de monografias sistemáticas e bem elaboradas
sobre as populações indígenas que pudesse permitir um
trabalho comparativo. Curt Nimuendaju, etnólogo com
amplo trabalho de campo, da primeira metade do século XX,
tendo conhecimento profundo das sociedades indígenas de
várias regiões do Brasil, tinha por preocupação imediata
produzir uma etnografia procurando dar conta das diversas
situações em que se encontravam os povos indígenas com os
quais ele manteve contato em alguns casos ele denunciava a
presença indesejável do "branco" que nomeava neo-
brasileiro.
Três monografias surgiram em 1949 visando tratar
especificamente sobre mudança cultural: são os trabalhos de
Charles Wagley e de Eduardo Galvão: "The Tenetehara Indians
of Brasil. A Culture in Transition" (Columbia University
Contributions to Anthropology, no 35, New York), os

39
Alguns trabalhos de Baldus, Galvão, Ribeiro e Cardoso de Oliveira têm claros objetivos
como subsídios para o Serviço de Proteção aos Índios. Schaden (1969, p.13) escreve sobre
os conselhos de Baldus para o SPI

84
trabalhos de Altenfelder Silva: "Mudança Cultural dos Terena"
(Revista do Museu Paulista, N.S. v. III, p. 271-379, São Paulo),
e a de Kalervo Oberg: "The Terena and Caduveo of Southern
Mato Grosso-Brazil" (1949).
Fernando Altenfelder Silva efetua suas investigações
em um dos núcleos Terena, a aldeia de Bananal, utilizando
a definição de aculturação proposta por Redfield, Linton
e Herskovits no Memorandum de 1936. Altenfelder tenta
caracterizar sua investigação, apoiando-se nas fontes
bibliográficas, as diferentes fases do contato entre os Terena e
a sociedade nacional. As últimas páginas de seu trabalho
apresentam um sumário da história dos Terena, cuja
intenção é dar uma idéia do processo de mudança cultural
sofrido pela comunidade de Bananal. Nesse sumário, o autor
mostra como a Igreja Evangélica (Inland South America
Missionary Union) desempenhou um papel essencial
nas transformações recentes sofridas pelos índios. Esta cons-
tatação não pode ser generalizada às outras aldeias Terena
da região, pois muitas delas jamais receberam visitas de
missionários.
Uma das conclusões à qual chega Altenfelder, é a que
uperação da consciência étnic
autor situa-se no fato de que os Terena, após ter atingido um
estado s
devida principalmente às frentes de expansão de
agropecuária, estes conseguiram "graças ao Serviço de
Proteção aos Índios", reorganizar certo número de grupos
locais, revitalizando assim a consciência étnica
primordialmente sua dependência total do mercado regional
e do trabalho assalariado nas fazendas vizinhas
(ALTENFELDER DA SILVA, 1949, p. 376).

85
As pesquisas de Kalervo Oberg não aportam dados
etnográficos que vão além daqueles apresentados por
Altenfelder. A novidade é que o autor tenta fazer uma
comparação com os Kadiwéu. No fim dos anos 50, Roberto
Cardoso de Oliveira retoma as pesquisas sobre esses grupos
indígenas com outra perspectiva dos estudos sobre
aculturação.

3.3 - Eduardo Galvão e a Aculturação

Eduardo Galvão e Charles Wagley escolheram os


Tenetehara (Guajajara)40 para efetuar suas pesquisas sobre
"cultura em transição" pelo fato de que estes, ao contrário dos
Tapirapé (outro grupo indígena estudado por Wagley),
mostram capacidade de adaptação excepcional
meio e entre a população branca do Estado do Maranhão.
Por outro lado, não houve redução da população dos
Tenetehara como aquela que existiu entre os Tapiraré;
mesmo que aquele grupo tenha estado em contato
permanente há mais de três séculos, permanece
"essencialmente indígena" (WAGLEY & GALVÃO, 1949, p.
29).
Em seu primeiro capítulo, este estudo apresenta uma
reconstituição da história dos Tenetehara colocando em
evidência as relações deste grupo com os brancos. Em
seguida, são tratados os seguintes temas: organização social,
"vida econômica", "vida pessoal" (na qual se descrevem

40
A tradução de "Tenetehara Indians of Brazil. A culture in Transition" Galvão e Wagley
de 1949) só foi para o português em 1961. Paul Ehrenreich (1906) já havia utilizado o
termo aculturação (Akkulturation) para designar os contatos entre dois grupos que trocam
elementos da cultura material.

86
nascimento, infância, puberdade e casamento), vida religiosa,
mitos. A obra termina com um capítulo sobre "cultura em
transição".
A reconstrução da história da cultura Tenetehara,
apresentada pelos autores e os estudos sobre a organização
social, serviu para fazer uma análise minuciosa do processo
aculturativo destes índios, amplamente desenvolvido no
capítulo sobre "cultura em transição". Os autores chegam à
conclusão de que estes índios conseguiram realizar de
maneira coerente uma "integração cultural" e que puderam
sobreviver enquanto grupo étnico. Não que tenham sido
mais "conservadores" que outros grupos indígenas ou que
tenham em sua cultura qualquer elemento que lhes
permitisse resistir às mudanças, mas, ao contrário, porque se
prenderam menos aos costumes tradicionais e que estiveram
relativamente mais dispostos a aceitar outras técnicas, idéias
novas. Como dizem os autores, a suavidade e a disposição
deles em aceitar as mudanças foram provavelmente os
fatores importantes para sua sobrevivência (WAGLEY &
GALVÃO, 1949, p. 178).
Os autores acrescentam ainda que em duas ou três
gerações, se os novos fatores não vierem a modificar o curso
deste processo, os Tenetehara serão transformados em
"caboclos" por sua completa assimilação aos tipos regionais
(p. 185). Sendo assim, dizem que o ritmo acelerado das
mudanças será inevitável. Sem, no entanto, entrar nos
detalhes é preciso acrescentar aqui, que a população branca
que mantém contato com estes índios é resultado das
"integrações culturais" entre portugueses, índios e africanos,
e há seguramente heranças da cultura indígena.

87
Através do discurso extremamente contraditório
destes autores, não se pode compreender por que o
desaparecimento dos Tenethara, enquanto grupo étnico, no
espaço de duas gerações se, como concluem os autores, estes
permaneceram essencialmente indígenas durante esses
séculos.
Referindo-se a este tipo de crítica, Galvão, no prefácio
da edição portuguesa de 1961, admite que estas "dúvidas têm
um fundamento" e acrescenta: "Há muitas tribos indígenas
que resistem até hoje e nada indica que não resistirão no
processo futuro de integração à sociedade brasileira"
(WAGLEY & GALVÃO, 1949, p. 10). Alhures, Galvão
escreve:

"Em nossa monografia sobre os índios Tenetehara, nos


deixamos seduzir pelo ritmo relativamente acelerado com o qual
é operada a transição desta cultura indígena para as normas
brasileiras. Se bem que o grupo mantenha sua unidade tribal e
possa ser distinguida da população cabocla por sua confi-
guração cultural diferente, os sinais de degradação da cultura
tradicional e de substituição dos valores tribais por outros,
brasileiros, são evidentes e resultam do impacto de 300 anos de
vida comum, geralmente pacífica, com nossa sociedade rural.
Concluímos que não precisa mais que uma ou duas gerações
para que os Tenetehara se transformem em caboclos. É a
experiência que adquirimos no Serviço de Proteção dos Índios,
onde nos familiarizamos com uma série de situações de contato
e de assimilação dos grupos indígenas, que nos permitiu ter
uma perspectiva mais correta. Pode-se dizer que os Tenetehara,
a um momento dado de sua transição, escolhesse (sic), em lugar
de adquirir a cultura cabocla, tomar a alternativa dos indígenas
do Nordeste ou do Sul do Brasil pela aquela, uma vez atingida
uma certa estabilidade da população e da relação com os

88
"brancos", e a consciência da impossibilidade de integração na
sociedade rural, o índio, exceto em seu estado mais inferior,
decida permanecer índio, categoria sócio-cultural que lhe
garante as condições de sobrevivência e de status social nas
comunidades da região" (1979, p. 131).

Atualmente os Tenetehara (Guajajara) estão estimados


em mais de 13.000 indivíduos e resistem enquanto grupo
étnico mantendo o contato com a sociedade nacional. De
1978 a 1980, este povo, como se pode ver na imprensa
brasileira, tem lutado pela reintegração de seu território
invadido pelos colonos e missionários. Um trabalho
importante sobre essa sociedade é de Mércio Pereira Gomes
"The Ethnic Survival of the Tenetehara Indians of Maranhão"
(Tese de Ph.D, University of Florida, 1977)41.
Eduardo Galvão foi um dos principais etnólogos
responsáveis pela introdução do conceito de aculturação na
etnologia indígena e sua preocupação se manifesta em todas
as pesquisas que realizou, sobretudo na Amazônia, por
exemplo, em: "Estudos sobre a Aculturação dos Grupos Indígenas
do Brasil" (1953); "Mudança Cultural na Região do Rio Negro"
(1957); "Aculturação Indígena no Rio Negro" (1959).
Galvão ressalta certas dificuldades encontradas nos
estudos sobre a "Acculturation", visto como um fenômeno que

41
E ainda do próprio Mércio Pereira, ver O índio na história: o povo Tenetehara em busca
da liberdade. Petrópolis : Vozes, 2002. As teses de Elisabeth Coelho (Territórios em
conflito: a dinâmica da disputa pela terra entre índios e brancos no Maranhão. (Ciências
Sociais, 46) São Paulo: Hucitec, 2002) e de Claudio Zannoni (Mito e sociedade
Tenetehara. Araraquara : Unesp, 2002), e também a dissertação de Cláudio Zanoni
(Conflito e coesão: o dinamismo tenetehara. (Antropologia, 2) Brasília: CIMI, 1999), e a
tese de doutorado de Peter Schröder: União e Organização- Zur Entstehung modernen
indigenen Widerstands in Brasilien. Eine vergleichende Untersuchung anhand von
Fallbeispielen. (Mundus Ethnologie, 68) Bonn: Holos, 1993.

89
aparece quando grupos de indivíduos de culturas diferentes
entram em contato direto e permanente, com suas
conseqüências sobre as normas culturais destes grupos
(GALVÃO, 1979, p. 129). Distingue aculturação e mudança
cultural que é um aspecto do mesmo processo, e assimilação
que é uma fase do processo de aculturação.
As dificuldades apresentadas por Galvão são as
seguintes: a) A utilização destes conceitos não caracteriza
mais a "natureza" do fenômeno e torna-se difícil o
estabelecimento de um critério para definir a situação de
contato. Como a situação de grupos em contato com a
sociedade nacional, e grupos, que estão também em contato
permanente, porém com setores específicos. Como aqueles
que estão em contrato com os missionários e os agentes do
organismo oficial de proteção; b) E como estabelecer os
limites entre "aculturação" e "mudança cultural"? O problema
não reside na terminologia, mas na atitude teórica face a este
fenômeno, posto que em numerosos casos, o empréstimo ou
a adoção de um traço cultural, e as modificações que
derivam das forças internas da cultura receptiva, são
simultâneas", (GALVÃO, 1979a, p. 129).
Os trabalhos de Wagley42 e Galvão alargaram o campo
das observações sobre a aculturação, pois os dois autores
ressaltaram de uma maneira original, traços essenciais do
sistema cultural e da organização social e econômica das
comunidades "caboclas", que se estabeleceram perto das
comunidades indígenas e com as quais os índios mantêm

42
Confeir também: Wagley sobre os caboclos: "Cultural Populations: a Comparison of
Two Tupi Tribes" Revista do Museu Paulista n.s., 1951.

90
muitas vezes relações de troca. É através destas comunidades
que os índios obtêm os produtos manufaturados dos quais
têm necessidade. Galvão estima que as comunidades
amazonenses (ditas caboclas) são as depositárias da cultura
indígena e ibérica. Para ele, "nestas comunidades, o
cruzamento entre portugueses e índios foi intenso. Contudo,
se a cultura ibérica pôde implantar um sistema de comércio e
uma economia, forma de organização, instrumentos de
trabalho, absorveu alhures elementos culturais inumeráveis
destes povos dominados. Em certos casos, a mudança foi tal
que se tornou extremamente difícil, senão impossível,
identificar ou retraçar a origem de uma crença ou de uma
prática determinada. Em outros casos, tal identificação é
relativamente fácil mesmo pela análise superficial. Vêm daí
as crenças em seres da floresta ou de rios como Curupira,
Matinta-pereira, Anhanga, Boto ou Uiara, "mães", onde a
origem ameríndia, e especialmente tupi, está fortemente
presente. Qualquer uma destas crenças tem sua origem no
Mundo Antigo, patrimônio Ibérico ou africano, e outros
provenientes de culturas indígenas. Umas e outras, no
processo de fusão e de incorporação do "caboclo" à cultura
moderna, perderam sua forma original e se transformaram e
se mestiçaram em um corpo de idéias que já não é mais
português ou ameríndio, mas algo novo, o "caboclo"
(GALVÃO, 1979b, p. :57-58).
"Caboclo" designa, pois o mestiço, uma categoria
sócio-cultural para localizar setores da população amazo-
nense. Hoje, a sociedade nacional chama os índios "caboclos"
e a língua indígena classifica-se como um patois, mas por trás
disto se desenha com evidência uma política que quer

91
antecipar verbalmente a aculturação. Em certas regiões, os
próprios índios se dizem caboclos para poder sobreviver
(Terri Vale Aquino: "Kaxinawa: de seringueiro 'caboclo' a
peão acreano", Universidade de Brasília, 1977)43.
Eduardo Galvão realizou outros trabalhos significa-
tivos sobre as comunidades caboclas; "Santos e visagens um
estudo da vida religiosa de Itá", 1955; "Encontro de Sociedades
Tribal Nacional", 1966; "Índios e brancos na Amazônia", 1970.
Estes dois últimos estão incluídos no volume: "Índios e
brancos no Brasil Encontros de Sociedades", 1979.
Estudando as comunidades "caboclas", Galvão e
Wagley insistem na necessidade de alargar a perspectiva
considerando a bilateridade do fenômeno de aculturação, ou
seja, os efeitos recíprocos deste processo tanto para as
comunidades caboclas como para as comunidades indígenas.
A elaboração das Zonas Culturais feitas por Galvão leva
também em consideração as diferentes situações de contato
nas comunidades indígenas.
A idéia de determinar as causas da aculturação, de
saber por que certos grupos indígenas "se deixam" aculturar
mais facilmente que outros, motivou as pesquisas de Galvão.
Ele procura uma resposta na "distância cultural". Tomando o
exemplo dos Karajá e dos Timbira, diz ainda que os grupos
Tupi são mais facilmente levados a ser aculturados, e a
cultura cabocla tendo se identificado mais com a cultura tupi,

43
Referências importantes sobre a identidade Cabocla conferir os trabalhos de Déborah de
Magalhães Lima: A construção histórica do termo caboclo. Sobre estruturas e
representações sociais no meio rural Amazônico. Novos Cadernos do Naea, v. 2, n. 2, p.
5-32, 1999 e o trabalho de Stephen Nugent: Amazonian Society Caboclo An Essay on
Invisibility and Peasant Economy, Berg, 1993

92
de onde a "resistência dos Karajá" a se "assimilar" à cultura
cabocla.
Para finalizar esta parte de nosso trabalho, trans-
creveremos uma citação de Galvão na qual estão claramente
indicadas as perspectivas colocadas com relação aos povos
indígenas que caracterizam estes estudos sobre a aculturação
e a política indigenista oficial da época, assim como as
preocupações da etnologia brasileira:

"Os fatores de resistência e de ligação às normas tribais


parecem-nos residir mais em causas como a expansão da
população sertaneja [cabocla] (24) brasileira. Um fato que
muitas vezes não tem sido relevado é que os grupos mais
resistentes ocupam em geral zonas menos devastadas porém
mais inóspitas do platô central, onde não se registrou tentativas
de assimilação do índio e de fixação do caboclo, ou seja, aquele
ainda não encontrou um lugar permanente na economia
regional. A resistência destes grupos é uma condição de
sobrevivência. Em outros casos, a expansão súbita da população
não permite o lapso de tempo necessário à acomodação. O índio
se retira ou é enviado para longe. O fato de que os índios são
pouco numerosos os coloca numa situação de inferioridade, de
minoria étnica, sem outra alternativa senão a de perecer. É o
caso, por exemplo, dos índios do Xingu, que, à despeito do
grande número de tribos, estão em via de extinção. A maior
deles comporta mais de 140 indivíduos. Ao sair de um período
de isolamento, têm se confrontado há cerca de 10 anos com
aviões e máquinas, e um tipo de colonização que não precisa dos
seus braços. Se não encontram lugar nesta economia, e se sua
densidade demográfica não resiste aos desgastes causados pelo
contato, principalmente pela diminuição de seus membros
devido a doenças contagiosas, tenderão a desaparecer, salvo se
uma política indigenista bem eficaz para lhes fornecer os meios

93
de acomodação e de assimilação se desenvolva" (GALVÃO,
1979c, p. 132).

3.4 - Darcy Ribeiro e a Transfiguração Étnica

A teoria da aculturação foi criticada pelos próprios


autores do Memorandum de 1936, por Beals (1953) e
finalmente por Siegel, Broom, Vogt e Watson que elaboram
um documento que redefine o conceito de aculturação. Ralph
Beals assinala que o conceito de aculturação, tal como foi
apresentado pela literatura etnológica da época, denotava
certa ambigüidade e sta reside, segundo o autor, na própria
definição da aculturação, a saber: se é um processo ou uma
condição nas relações entre índios e brancos.
No documento de 1954: "Acculturation: Explanatory
Formulation", elaborado por Siegel e outros, a aculturação é
definida como "mudança cultural nascida da conjunção de
dois sistemas culturais ou mais". Em termos de causalidade,
"A mudança cultural pode ser a conseqüência da transmissão
cultural direta; pode derivar de causas não-culturais, como as
modificações ecológicas e demográficas introduzidas por um choque
cultural; pode ser retardada por ajustamentos internos, aceitando
tratos ou normas alógenas; ou pode ser uma adaptação em reação
aos modos de vida tradicionais" (SIEGEL, 1954, p. 974).
(Barnett, H. G., Broom, L., Siegel, B. J., Vogt, E. Z.,& Watson, J.
B. (1954). Acculturation: An exploratory formulation. American
Anthropologist, 56, 973-1002.)
Os autores do documento analisam então o fenômeno
de aculturação sob 4 ângulos principais:

94
A caracterização das propriedades de dois ou mais
sistemas culturais que entram em contato;
O estudo da natureza da situação de contato;
A análise das relações de conjunção estabelecidas
pelos sistemas culturais em contato;
O estudo do processo cultural que decorre dos
sistemas em conjunção (p. 975).

Assinalamos este documento para mostrar que a


teoria da aculturação, tal como fora elaborada, não mais
correspondia às novas questões que se apresentam com
relação ao contato, por isto esta teoria será questionada.
Deixaremos de lado os diferentes ângulos do problema da
aculturação vistos pelos autores de "Acculturation: an
exploratory formulation". É, todavia importante assinalar que
na etnologia brasileira, a teoria da aculturação se opõe a uma
série de críticas, entre outras as de Darcy Ribeiro, que
propomos apresentar nesse trabalho, como aquela desen-
volvida, por Roberto Cardoso de Oliveira, esses dois
antropólogos contemporâneos, mas, com diferentes abor-
dagens sobre a questão do contato entre índios e brancos.
Darcy Ribeiro começou suas pesquisas sobre os povos
indígenas acreditando que, para certos autores é o "mito da
identidade nacional"; para ele, a sociedade nacional é um todo
uniforme, "uma etnia nacional em expansão" que, através de
"um movimento exógeno de expansão étnica", entra em
contato com as outras etnias. Sendo dado o caráter
"inevitável" deste contato as outras etnias, que não estão em
expansão, devem resolver os problemas criados pelos
contatos (RIBEIRO, 1977, p. 220).

95
Em seu livro: "Línguas e culturas indígenas no Brasil",
Ribeiro diz quem é índio no Brasil: O indígena é, no Brasil de
hoje, essencialmente esta parcela da população que apresenta
problemas de inadaptação à sociedade brasileira em suas
diversas variantes, devidos à preservação dos costumes,
hábito ou simples fidelidade a uma tradição pré-colombiana,
ou mais amplamente: é índio todo indivíduo reconhecido
como membro de uma comunidade pré-colombiana, que se
diferencia etnicamente da sociedade nacional, considerado
como indígena pela população brasileira com quem está em
contato (RIBEIRO, 1957, p. 33). Em 1947, Darcy Ribeiro é
contratado pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão
indigenista criado no início do século por Cândido Rondon.
O marechal seria uma das principais figuras a inspirar
Darcy no trabalho de assistência às populações indígenas.
Ele realizou no SPI suas primeiras pesquisas etnológicas, a
maior parte delas em períodos prolongados junto aos índios.
Nos dez anos visitando os povos do Pantanal, o antropólogo
escreveu um trabalho importante, Religião e Mitologia
Kadiwéu (1950), livro com o qual ganhou o importante
prêmio Fábio Prado e, com ele, certa notoriedade que
em alguns momentos compartilhou com a ex-esposa a
antropóloga Berta Ribeiro, que o acompanhava em viagens e
pesquisas de campo, além de aparecer como co-autora em
várias obras.
A partir de 1953, Darcy Ribeiro organiza o Museu
do Índio no Rio de Janeiro e os primeiros cursos de
especialização em Antropologia realizados no Museu.
Durante este período, Ribeiro defende as diferentes políticas
de integração e de assimilação do índio à sociedade nacional;

96
em 1954, fala de integração gradual do índio, uma vez que o
contato com a sociedade nacional é inevitável; propõe a
criação de reservas indígenas como um meio de preservar a
cultura indígena. A partir de 1957, a preocupação principal
de Ribeiro é pesquisar os meios de salvar as vidas indígenas
terrivelmente ameaçadas pelos contatos. Em 1962, é a favor
de uma incorporação gradual dos grupos indígenas em um
programa amplo de educação, e mostra certa oposição ao
isolamento dos índios em reservas (MARASH JR, 1978).
Darcy Ribeiro propõe examinar as etapas da evolução
sócio-cultural dos povos em uma sucessão de revoluções
tecnológicas que são classificadas, em sua obra como
agrícola, urbana, de irrigação, metalúrgica, pastoril, mer-
cantil, industrial e finalmente termonuclear, em seu livro
"O Processo Civilizatório" (1968). Essas investigações no campo
da antropologia da civilização seráum deseus grande projeto:
Explicar o Brasil. É nesta série de estudos que vai
desenvolver todo um corpo de fundamentos teóricos que
tornaram possíveis o maior desafio a que já se propôs de
desenvolver: O Povo Brasileiro: A Formação e o Sentido do
Brasil (1996). Nesse trabalho o autor retoma os conceitos de
Povo Novo, transfiguração étnica, revoluções tecnológicas,
configurações socioculturais típicas de cada período e as
propostas de teorias para a América Latina, entre outros, vão
se concatenar num todo coeso. Nessa perspectiva ou autor
discute as questões ecológicas e econômicas tais como já
apresentadas através da antropologia americana desenvol-
vida por Julian Steward e Leslie White que auxiliam na
explicação das formações culturais rústicas de cada região

97
brasileira e a sua unificação numa identidade étnico-nacional
(ou macroetnia) que perpassasse cada uma delas.
Em outras obras como, por exemplo: "As Américas e a
Civilização" e o "Dilema da América Latina", analisa o processo
de formação, as causas do desenvolvimento desigual dos
povos americanos e as estruturas de poder e as forças
rebeldes na América Latina. Em "O Processo Civilizatório",
Darcy Ribeiro analisa certos aspectos da Transfiguração
Étnica quando examina as formas de transição de uma etapa
evolutiva para uma outra utilizando o conceito de "aceleração
evolutiva". Este para descrever os
procedimentos , intencionais ou não, de indução do progresso
preservando a autonomia da sociedade que faz a experiência
e, por esta razão, conservando seu tipo étnico, às vezes com a
expansão daquela como uma macro-etnia assimilativa de
outros povos (RIBEIRO, 1961, p. 56).
Darcy Ribeiro denomina este processo de "Atualização
ou incorporação histórica". Em "As Américas e a Civilização",
analisa o conceito de aculturação quando examina o processo
de formação e de diferenciação dos povos americanos e do
desenvolvimento desigual. Ribeiro utiliza também a noção
de Transfiguração Étnica. Em relação à evolução sócio-
cultural dos povos, distingue os povos "prósperos e
poderosos" e os povos subdesenvolvidos. Estes também são
divididos em duas categorias, de um lado os povos pré-
agrícolas que se encontram de certa maneira à margem e que
não foram atingidos pelas revoluções tecnológicas, e de outro
lado, os povos subdesenvolvidos que, de uma forma ou de
outra, foram incluídos no sistema econômico mundial.

98
Ribeiro44 define para estes quatro grandes configurações
histórico-culturais, a saber: os povos emergentes; os povos
novos; os povos-testemunha e os povos transplantados
(RIBEIRO 1981, p. 160).
A teoria da Transfiguração Étnica surgiu como uma
crítica à teoria da aculturação. Segundo Ribeiro, "em sua
formulação original, estes estudos se limitaram ao exame dos
contatos diretos e contínuos, este processo sendo necessariamente
concebido como bilateral e explicado em termos de adoção seletiva
de elementos culturais estrangeiros. Muito rápido, entretanto, a
necessidade impõe-se de incluir na análise todos os tipos de contato
interétnico, e de levar em conta as situações nas quais o processo
era unilateral ou, pelo menos, não afetava necessariamente as duas
etnias presentes" (RIBEIRO, 1977a, p. 12). Ou, como ele mesmo
afirma, essa teoria foi desenvolvida para explicar as situações
de desigualdades relacionadas a partir de questões postas
através da cultura. Em suas próprias palavras:

a Civilização", que eu vinha fazendo há anos, por encomenda


da Unesco. Este livro me ensinou muito porque me fez
desenvolver um conceito de "transfiguração étnica", que é o
processo pelo qual os povos se fazem e se transformam ou se
desfazem. Nenhum índio vira civilizado, o que há é que um
povo indígena, mantendo sua indianidade, vai morrendo e, ao
lado dele, surge um núcleo humano que cresce à custa dele e
que cresce contra ele, que é o núcleo civilizado. Então, assim
como não há conversão, não há assimilação. O que há é uma

44
Novos-emergentes: os novos Estados africanos e asiáticos. Povos-testemunhas: Índia,
China, Japão, Coréia e os países árabes. Povos-novos: Brasil, Venezuela, Colômbia etc. e
Antilhas. O Sul dos Estados Unidos e outros países da América Central. Povos-
transplantados: Austrália, Nova Zelândia, Israel. (RIBEIRO, 1981, p. 160-162).

99
integração inevitável. Se o índio é cada vez mais cercado de um
contexto civilizado ou comercializado, se ele próprio se converte
em mão de obra, se ele próprio tem que produzir mercadoria, é
claro que ele tem uma integração cada vez maior com a
sociedade nacional. Mas esta integração não quebra nele a
identidade, que é como a do judeu, como a do cigano. Ele
mantém a sua identidade como indígena. Apesar de
transformados os costumes, apesar de mudar o modo de se
vestir. Apesar de todas essas mudanças, ele permanece
45

É nesta perspectiva que Ribeiro orienta suas inves-


tigações. Critica igualmente duas posições que, segundo ele,
são insuficientes para analisar o contato entre índios e
brancos. Para a primeira, de Galvão e Schaden, Ribeiro diz
que eles abandonam a formulação geral de uma teoria para
cair num círculo vicioso no qual cada fator poderia ser por
sua vez causa e efeito, e que a tentativa de explicar a
aculturação com as análises histórico-etnológicas limita ao
excesso a amplitude do fenômeno (SCHADEN, 1969).
O outro ponto de vista criticado é o de Roberto
Cardoso de Oliveira. Segundo Darcy Ribeiro, este último,
analisando o fenômeno de aculturação através de uma ótica
sociológica das situações de conjunção e ressaltando os
aspectos sociais do conflito interétnico, subestima de certa
maneira os fatores importantes, os de ordem cultural, por

45
Conferir entrevista de Darcy Ribeiro, publicada no boletim da ABA, concedida a Luís
Donisete B. Grupioni e Denise Fajardo Grupioni:
http://www.unicamp.br/aba/boletins/b27/08.htm. Consultar também recente trabalho de
-

(IFCH) da Unicamp.

100
exemplo. Quanto às formulações de Cardoso de Oliveira a
propósito dos estudos sobre o contato, Ribeiro diz:

"Tais conceitos (Fricção interétnica, Tribalismo, Potencial de


Integração, Cf. Cardoso de Oliveira, 1962, 1964, 1967) embora
úteis para descrever situações gerais de interação entre
representantes da sociedade nacional e os grupos tribais,
também para assinalar certas potencialidades de conflito ou de
acomodação que lhes são inerentes, não fornecem corpo
metodológico que permita explorar metodicamente o valor
explicativo das situações de interação entre sociedades
nacionais e etnias tribais, que são em abundância na realidade
brasileira" (RIBEIRO, 1977b, p. 11).

Ribeiro diz ainda que a teoria da Transfiguração


Étnica procura ultrapassar as abordagens anteriores pro-
pondo um campo metodologicamente apropriado para
analisar as relações de contato. Este modelo explicativo das
relações entre índios e não-índios provém da análise do
contato, através da qual o autor examina as transformações
sofridas pelo patrimônio cultural dos povos indígenas e o
resultado dos contatos. Esses se apresentam sob as múltiplas
formas que tomou no Brasil, a saber: a fronteira de
penetração agrícola, pastoril, no Nordeste e centro do
Brasil, e a fronteira extrativistivista com relação à Amazônia.
A situação de fronteira de expansão é apresentada em
sua análise como um conjunto uniforme dando lugar a
três reações possíveis entre os povos indígenas: a fuga,
uma reação hostil aos invasores ou a aceitação do contato
"porque representa, efetivamente, uma fatalidade inevitável"

101
(RIBEIRO, 1977c, p. 220). A transfiguração étnica é, pois
definida como:

"...um processo através do qual as populações tribais


confrontam-se com as sociedades nacionais e preenchem as
condições necessárias à sua sobrevivência enquanto entidades
étnicas, pelas alterações sucessivas de seu substrato ideológico,
de sua cultura e das formas de relações com a sociedade
circundante". E Ribeiro acrescenta: "Esta acepção da
Transfiguração Étnica é na realidade uma aplicação
particular e restrita de um processo mais geral que compreende
os modos de formação e de transformação das etnias"
(RIBEIRO, 1977d, p. 13 e 217-227).

A elaboração da teoria da Transfiguração Étnica exige


que Darcy Ribeiro re-examine algumas noções como as de
assimilação e integração. Utiliza o termo assimilação "para
designar a perspectiva de fusão de novos contingentes no seio das
etnias nacionais sendo parte integrante desta; por integração,
designamos os modos de acomodação recíproca e de coexistência
entre as populações diferentes do ponto de vista étnico" (RIBEIRO,
1977e, p. 14). Analisando a situação de contato entre índios e
brancos, Ribeiro estabelece quatro categorias que denomina
"Graus de integração":
Índios isolados: são os grupos indígenas que
vivem nas regiões atingidas pela sociedade
brasileira, tendo apenas contatos esporádicos com
a sociedade nacional;
Índios em contato intermitente: são os grupos
indígenas cujos territórios estão, de uma maneira
ou de outra, ocupados pela sociedade nacional,

102
mas cujos valores culturais estão intactos e que
gozam de certa autonomia;
Índios em contato permanente: estão incluídos
nesta categoria todos os grupos indígenas que
estão em contato contínuo com a sociedade nacio-
nal sendo incorporados à economia regional da
qual são dependentes. Sua cultura é profunda-
mente modificada em relação à cultura indígena
tradicional;
Índios integrados: são os grupos indígenas que,
após ter suportado todas as pressões (ecológicas,
econômicas e culturais) conseguiram sobreviver,
estando hoje isolados no seio da população
nacional, da qual se incorpora à vida econômica
enquanto reserva de mão-de-obra..." (RIBEIRO,
1977f, p. 229-232 e 432-433).

Observando as populações indígenas de 1900 a 1957


segundo o processo de transfiguração étnica, Ribeiro elabora
algumas previsões. Prevê uma redução demográfica dos
povos indígenas se os grupos passam da condição de
isolados à de integrados. No caso onde as ações de proteção
asseguram aos povos indígenas condições de vida adequada,
não desaparecerão e terão a possibilidade de se reconstruir.
Prevê também certa modificação das línguas indígenas por
causa do contato e das novas experiências nos graus de
integração. "As culturas indígenas não podem sobreviver de
maneira autônoma senão nas regiões inexploradas ou à fraca e

103
recente penetração, ou enfim em condições artificiais de intervenção
protecionista, constituem espécimes em via de desaparição
destinados a perder suas características na medida em que a
sociedade nacional cresce e se desenvolve de forma homogênea"
(RIBEIRO, 1977g, p. 445).
O plano de classificação proposto por Ribeiro é
evolutivo e não considera situações como, por exemplo,
regiões onde existem ao mesmo tempo várias "frentes
de expansão" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1964, p. 13 e
HANLEY, 1978). Insiste sobre os princípios explicativos e os
exemplos particulares, o que torna mais difícil uma análise
mais compreensível do contato entre índios e não-índios. Na
teoria desenvolvida por Ribeiro às vezes, torna-se difícil de
distinguir a diferença entre os índios que ele considera como
"assimilados" e os que ele chama de "extintos" (CARDOSO
DE OLIVEIRA, 1978, p. 15 nota 5).
A diferença das pesquisas sobre a aculturação e a
abordagem de Ribeiro, com seu modelo explicativo, a
transfiguração étnica, limita-se praticamente ao que se refere
à sobrevivência dos povos indígenas. Para os pesquisadores
que se apóiam nas teorias da aculturação, o intenso e
permanente contato entre índios e brancos, levaria uma
perspectiva futura do desaparecimento dos grupos indígenas
enquanto grupos étnicos, o que equivale à assimilação à
sociedade nacional. De acordo a teoria de Darcy Ribeiro,
estes grupos não desapareceriam totalmente, mas se
tornariam povos transfigurados do ponto de vista étnico, ou
seja, enquanto etnias minoritárias em um novo contexto

104
étnico nacional, porém capazes de assegurar a liberdade e o
bem-estar de seus componentes (RIBEIRO, 1977, p. 446).

105
4. IDENTIDADE ÉTNICA:
PERSPECTIVAS ESTRUTURALISTAS

Ao decorrer destas últimas décadas, e particularmente


após 1960, a teoria da aculturação foi criticada pelos
etnólogos brasileiros, porque não mais respondia às questões
relativas ao contato com a sociedade nacional, sobretudo
no que se refere a resistência dos povos indígenas na
manutenção de suas identidades étnicas e as relações
entre índios e não-índios nas sociedades contemporâneas.
As tentativas de Hebert Baldus, com a introdução de estudos
sobre a mudança cultural, a produção teórica de Darcy
Ribeiro sobre a transfiguração étnica não mais deram conta do
conjunto das relações entre grupos indígenas e sociedade
brasileira. Estas abordagens deixavam de lado toda uma
série de fenômenos passíveis de ser encontrados em outros
contextos, onde as populações e mesmo as "culturas" em
conjunção não se caracterizam somente pelos componentes
do tipo étnico e a construção de uma etnicidade.
As perspectivas para os povos indígenas apresentados
por Baldus, Galvão, Schaden e Ribeiro, para citar apenas os
etnólogos que nos referimos nesse trabalho, e que, pela
natureza de suas obras se interessaram pelo destino das

106
populações indígenas, foram apontadas como a incorporação
dos "contingentes" indígenas na sociedade nacional, ocasio-
nando a perda de sua identidade étnica. Muito destes
prognósticos não aconteceram, visto que, mesmo demogra-
ficamente reduzidos, os índios do Brasil continuam "índios",
mantendo sua identidade étnica, e o que parece, não são de
modo algum assimilados sociedade nacional. É interes-
sante notar que alguns etnólogos têm feito sua "autocrítica"
neste sentido. Um deles, Roberto Da Matta, exprime-se
nestes termos no prefácio da segunda edição de "Índios e
Castanheiros":

Eu intitulo o parágrafo 7 deste livro (...) Epílogo. Desde a


primeira frase, afirmo com pessimismo: o parágrafo precedente
põe um ponto final na história dos Gaviões. Jamais estive tão
feliz de estar enganado. E jamais um erro foi tão importante
para resolver pesquisar fora de uma "antropologia da
integração", uma antropologia que pensasse realmente menos
em decretar a morte dos índios que em procurar melhor
compreendê-los enquanto sociedade concreta e específica. Pois é
necessário não esquecer que os índios morrem depois de
decênios na etnologia brasileira, embora a realidade seja outra;
apesar dos decretos (do Governo como dos etnólogos), apesar de
todas as tragédias, todas as crises, as doenças e as espoliações,
as perdas de terras, em suma, de tudo o que pode acontecer de
pior a um grupo humano, os índios estão lá (DA MATTA,
1979, p. 36).

Nossa intenção é apresentar a teoria da Fricção


Interétnica, desenvolvida por Cardoso de Oliveira no
decorrer desses últimos anos, através da qual um grupo de

107
etnólogos se uniu ao estudo das teorias do contato cultural e
por conseqüência ao estudo da identidade étnica. Achamos
importante apresentar das obras de Cardoso de Oliveira, o
inspirador desta noção e que se dedicou nesses últimos anos
ao estudo da identidade étnica. Foi inicialmente, em 1962
denominada de "fricção interétnica" baseada no trabalho de
campo desenvolvido pelo autor entre os Tükuna durante os
anos de 1964. Essa teoria foi publicada pela primeira vez em
1967 ele foi republicado em 1968, na revista América
Indígena (vol. XXVIII, n° 2, México), e incluído posterior-
mente na coleção de ensaios A Sociologia do Brasil Indígena
(Edições Tempo Brasileiro Ltda., Rio de Janeiro, 1972).

4.1 - O Contato enquanto Fricção Interétnica

Ao contrário dos estudos sobre aculturação, aqueles


voltados essencialmente para a descrição dos processos de
difusão, transmissão e assimilação de "traços culturais", os
estudos sobre a fricção interétnica têm por base o exame de
relações sociais entre os grupos tribais e os segmentos
regionais da sociedade brasileira aos quais estão ligadas;
passa-se assim de uma orientação "culturalista" a uma
orientação teórica de caráter sociológico. Esta teoria também
é resultado igualmente da crítica da teoria da Aculturação, o
contato como "Fricção Interétnica", como oposição. Parte do
principio e esse estudo deve ser visto como uma concepção e
totalidade sistêmica. Sendo assim, o contato é concebido
como relação processual no interior de um sistema inte-

108
rétnico. A ênfase não se dá no patrimônio cultural, mas "nas
relações que existem entre as populações ou sociedades a que
se relacionam" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978, p. 85)46.
Neste sentido, os componentes mais importantes do
contato interétnico estão integrados em um sistema único
constituído de duas sociedades. O sistema compreende
grupos étnicos quando um contato é contínuo ou mesmo
permanente, forçado a uma existência co-participativa ao
nível das relações e da mudança da economia, de ordem
política, e de organização social. Este sistema único é
produzido por um contato; as relações no seio deste sistema
são necessariamente relações de oposição. Cardoso o define
como: duas populações dialeticamente unificadas através de
interesses diametralmente opostos, embora interdepen-
dentes, por paradoxal que isto pareça. Para este autor, a
sociedade nacional é:

"Um sistema social susceptível de ser analisado através de sua


estrutura de classe. A situação de contato, graças ao sistema de
relações que lhe é inerente, pode ser analisada graças ao que
chamarei Fricção Interétnica o que será o equivalente lógico,
(mas não ontológico) do que os sociólogos chamam "Luta de
classes". Convém ao analista decifrar a estrutura deste sistema
e sua dinâmica para fornecer um diagnóstico e tentar
estabelecer um prognóstico da situação de contato"
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978a, p. 85).

46
Veja a entrevista de Mariza Corrêa, Roberto Cardoso de Oliveira e Roque de Barros
Laraia com DAVID MAYBURY-LEWIS, publicada na Revista Brasileira de Ciências
Sociais, vol.17 N.50, São Paulo Oct. 2002, onde os autores se referem a esse período.

109
Por conseqüência, as transformações sofridas pelas
sociedades em contato interétnico não são os resultados da
influência da cultura de uma sobre a outra, nem o produto
de uma criação comum determinada pelos fatores postos em
interação pelos grupos étnicos47. Estas transformações
exprimem a maneira como cada sociedade reorganiza o
complexo estrutural, de suas relações econômicas, políticas e
sociais, de maneira a manter no curso do contato e no seio do
sistema determinado por este um nível ao menos razoável de
relações com o sistema interétnico.
É nesta perspectiva que se elabora o projeto de estudo
das "Regiões de fricção interétnica do Brasil" (CARDOSO DE
OLIVEIRA, 1962, p. 5-90) organizado por Cardoso de
Oliveira com outros etnólogos como Roberto Da Matta,
Roque B. Laraia e Julio César Melatti. O primeiro caso
estudado foi o de Tükuna da região do Alto Solimões,
população atrelada a um sistema servil caracterizado pelo
regime do Barracão48. Em sua maioria, estes índios são
seringueiros. Ainda, segundo o projeto original outros povos
serão estudados como os povos Assurini e Gavião, dois
grupos de organizações sociais diferentes que estão em
contato em situação das fronteiras de expansão da extração
no Estado do Pará. O terceiro caso estudado se situa no Brasil
Central com os índios Xerentes e Krahô, grupos cuja

47
Há uma grande variedade na definição, certos etnólogos utilizam os sentidos desejados
pela "tradição cultural" como por exemplo a definição existente no "Modern dictionary of
sociology" de Georges A. e Achilles Theodorson, Nova York, 1969. Outros colocam mais
evidência no sentido organizacional como por exemplo Fredrick Barth (1969).
48
O regime do Barracão é aquele em que o indivíduo paga os bens de consumo que
compra na loja (Barracão) do patrão, com seu trabalho. É um regime de não circulação da
moeda.

110
organização social é semelhante e que habitam regiões onde
predomina a expansão das fronteiras pastoris. Os resultados
desses estudos encontram-se nos livros de Cardoso de
Oliveira "O Índio no mundo dos brancos" (1964), de Roberto
Da Matta e Roque Laraia "Índios e castanheiros" (1967) e de
Melatti J. C. em "Índios e criadores" (1967). Outros etnólogos
utilizaram este instrumento metodológico para suas pesqui-
sas em outras regiões 49.
Cardoso de Oliveira apresenta o projeto da seguinte
forma: "O estudo das zonas de fricção interétnica transformou a
noção de situação (colonial ou de fricção) em um instrumento de
compreensão e de explicação da realidade tribal visto não mais em si
mas em relação com a sociedade que lhe rodeia . O estudo da
fricção interétnica pode ser visto dentro do âmbito dos
estudos de mudança sócio-cultural; entretanto, para a ênfase
dada à compreensão do índio em situação, ela alarga o
campo de observação do pesquisador que passa o quanto
antes a estudar igualmente a sociedade inclusive nacional,

inadequado à compreensão de um comportamento inte-


rétnico (DA MATTA, 1979, p. 38).
Para tornar operacional a análise deste sistema
(interétnico) devem-se distinguir três níveis determinantes
das relações entre as sociedades: o nível econômico, o social e
o político. A análise destes níveis dará ao pesquisador os
meios para analisar os mecanismos de integração que

49
Ver também Paulo Amorim "Os Índios Camponeses os Potiguares da Baía da Traição
"Revista do Museu Paulista -99 e Terri Valle Aquino "Kaxinawa:
de seringueiro 'caboclo' a peão 'acreano'". Dissertação de Mestrado, Universidade de
Brasília, 1977.

111
Cardoso de Oliveira designa pela expressão "potencial de
integração Nesta teoria, a integração social é visualizada
como o processo responsável pela constituição do sistema
interétnico. Neste sentido, o nível econômico determina o
grau de dependência do índio dos recursos (econômicos)
postos a seu alcance pelo não-índio e vice-versa. O nível
social avalia a capacidade dos grupos em contato (índios e
grupos da sociedade nacional) para manter um mínimo de
organização e orientar os membros para os fins. Mas, pela
própria natureza do sistema interétnico, estes fins serão
antagônicos. É a persistência a orientar para um fim que tem
feito com que muitos grupos indígenas sobrevivam. Quanto
ao terceiro nível, o político, é preciso estudar a natureza do
poder ou da autoridade de um grupo sobre outro,
considerados como as partes constituintes de um sistema de
dominação. A manipulação do poder pelos brancos e as
reações dos grupos indígenas a esta dominação serão os
elementos da situação de contato que se encontrará
freqüentemente (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1978, p. 87-93).

4.2 - Frentes de Expansão e Colonialismo Interno

A noção de fricção interétnica parte do princípio de


que o contato com a sociedade nacional realiza-se através
das "fronteiras de expansão", mostrando assim o caráter
dinâmico do fenômeno. Pois a noção de fronteira (o que para
Ribeiro seria as fronteiras de civilização) acrescentada à de
expansão econômica, permite que as investigações sobre o
contato interétnico sejam consideradas em seu conjunto.
No caso do Brasil, existe uma variedade de fronteiras de

112
expansão, o que deve tornar a pesquisa atenta ao desenvol-
vimento e ao subdesenvolvimento regional.
Em 1955, Leo Waibel, em "As zonas pioneiras do Brasil",
apresentava para o país, ã exceção da Amazônia, cinco zonas
que considerava como pioneiras, e que procuravam se
estender, com novos habitantes de nível de vida mais
elevado. As cinco zonas caracterizadas por Waibel são as
seguintes: 1) a região de Xapecó-Pato Branco no nordeste do
Estado de Santa Catarina e o sudeste do Estado do Paraná; 2)
o norte do Estado do Paraná; 3) o oeste do Estado de São
Paulo; 4) o Estado de Mato Grosso e de Goiás; 5) a região do
norte do Rio Doce no Estado de Espírito Santo e Minas
Gerais (WAIBEL, 1955 apud CARDOSO DE OLIVEIRA,
1978, p. 97).
Estas zonas estabelecidas por Waibel e outros, acres-
centadas à região amazonense, mostram que o desenvol-
vimento no Brasil é, às vezes, feito de maneira espontânea,
mas que em geral, sempre foi conduzido por uma política
brasileira de desenvolvimento. Cardoso de Oliveira emprega
a noção de fronteira de expansão conjuntamente à de
colonialismo interno, com base no pensamento do sociólogo
mexicano Pablo Casanova50 que escreve: "no seio das sociedades
plurais, as formas internas do colonialismo subsistem após a
independência política e as mudanças sociais (reforma agrária,
industrialização, urbanização) O colonialismo interno é per-
cebido como um continuum da estrutura social das "nações
jovens". Neste sentido, a noção de colonialismo interno

50
Pablo Casanova "Sociedad Plural, Colonialismo Interno y Desarrollo" In: Revista
América Latina v. 3, 1962.

113
explica em parte o desenvolvimento desigual dos países
subdesenvolvidos (CARDOSO DE OLIVEIRA 1966).
A noção de colonialismo interno utilizada por
Cardoso de Oliveira, acrescentada a de "segmentos étnicos"
da sociedade brasileira dão consistência metodológica à
teoria da Fricção Interétnica. Em vez de se restringir ao
estudo das zonas de fricção interétnicas tidas como
totalidades sincréticas e concretas tendo sua própria
universalidade e particularidade, sua necessidade e sua
contingência, o etnólogo é levado a se orientar para o exame
da sociedade nacional em suas manifestações regionais. Para
a análise, a questão indígena, cuja amplidão se subestima,
geralmente sob pretexto de que concerne um pequeno
número de indivíduos, será um meio de conhecer, em escala
microscópica, o Brasil colonizado, o Brasil subdesenvolvido,
"A dialética das relações entre as classes (trabalhadores e patrões) e
os grupos tribais (...) constituiria o núcleo central das pesquisas
sobre este terceiro Brasil" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1966a)51.
Cardoso de Oliveira, com a teoria do contato
interétnico, tenta: 1) fornecer uma estrutura teórica para a
explicação e a compreensão da situação de contato; 2)
chamar a atenção para os aspectos dinâmicos desta situação;
3) confrontar a natureza dialética do fenômeno. Ele vê o
fenômeno do contato como uma totalidade unificada por
interesses opostos. É sobre este ponto que ele tem
divergências com os outros etnólogos que fizeram pesquisas
sobre a situação de contato. Darcy Ribeiro explica, por

51
Cardoso critica a idéia apresentada por J. Lambert em seu livro "Os dois Brasis". Para
Cardoso existe um terceiro Brasil: o Brasil indígena (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1966).

114
exemplo, a situação de contato como a confrontação mútua
de duas totalidades. A segunda divergência nos trabalhos de
Ribeiro e Cardoso é a não-aceitação, da parte de Ribeiro, da
"preponderância das relações sociais" na aculturação. Como
diz o próprio Cardoso, "mais que um estudo da mudança
cultural, queremos estudar a mudança social, sobretudo com o
estudo da mudança de situação (CARDOSO DE OLIVEIRA,
1979, p. 37).

4.3 - A Identidade Étnica como Ideologia

Mais tarde, Cardoso de Oliveira desenvolveu o


conceito de identidade étnica enquanto identidade contras-
tativa com base em trabalhos de Fredrick Barth (1969).
Segundo Cardoso, "a especificidade da identidade étnica, em
particular suas manifestações mais primitivas, reside em seu
conteúdo mais etno
identidade em contraste" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976a,
p. 45). A identidade étnica assim definida seria a expressão
do sistema de relações entre os índios e a sociedade
regional52 da qual já evidenciamos o caráter contraditório
quando apresen-tamos a noção de Fricção Interétnica.
Os quatro principais ensaios de Cardoso de Oliveira
sobre a identidade étnica estão reunidos em um volume
intitulado: "Identidade, etnia e estrutura social" (1976) onde o
autor retoma justamente a especificidade do étnico e do

52
Cardoso sempre evita falar de sociedade nacional. Em seu lugar emprega o termo
"regional" ainda que outros autores falem de sociedade nacional. Darcy Ribeiro emprega
o termo "nacionais" como sinônimo de "brancos".

115
ideológico, formulando-a nos seguintes termos: 1) a arti-
culação social como processo de relações que, no caso
particular da confrontação entre índios e brancos (fricção)
toma a forma de articulação étnica (CARDOSO DE
OLIVEIRA, 1976b, p. 55-71); 2) o grupo social tomado como
um modo de organização que, no caso do índio, recobre a
noção de grupo étnico; e 3) a identidade social como uma
ideologia que, no caso indígena, aparece como identidade
étnica (CARDOSO DE OLIVEIRA 1976b, p. 43). Tendo em
conta a reorientação dos valores ideológicos, a sociedade
tribal se reorganiza a partir dos modos pelos quais se
identifica como unidade diferenciada e consegue se opor
ativamente à sociedade regional.
Assim, Cardoso de Oliveira em "Identidade étnica,
identificação e manipulação" e em "Um conceito antro-
pológico de identidade" tenta mostrar fatores sobre esse
processo: o primeiro é a necessidade de estabelecer uma
dimensão propriamente antropológica para a identidade
social e mais particularmente a identidade étnica53. Para
recolocar a identidade étnica sobre bases sociais, o autor
utiliza as proposições de Barth, como a forma que o próprio
grupo étnico tem de se representar,54 que se preserva
enquanto grupo enquanto preserva sua identidade, sobre os

53
Em "O processo de assimilação dos Terena" Cardoso de Oliveira (1960) editado
posteriormente (1976) sob o título de "Do Índio ao Bugre" Cardoso reconhece que a

OLIVEIRA, 1976, p. XV).


54
Cardoso de Oliveira escreve: "A pista mais segura foi-nos traçada pelo conjunto de
estudos publicados em Ethnic groups and Bundaries
OLIVEIRA, 1976, p. XV).

116
planos ideológicos e organizacionais, e se preserva como
identidade étnica enquanto mantém as condições organi-
zacionais de se conservar enquanto grupo (BARTH, 1969,
p. 10-14).
Considerando o esquema das relações interétnicas que
tem lugar entre os indivíduos e grupos de origem "nacional",
"racial", ou mesmo "cultural" diferentes, e a noção de grupo
étnico como "organizational type", o autor mostra que a
identidade contém duas dimensões, a primeira é a social e a
segunda aquela que se situa no individual. Considerando a
alteridade dos grupos, o autor estabelece a noção de
identidade contrastativa que "parece constituir-se na essência
da identidade étnica, isto é, sobre a base de qual identidade
se define. Isto implica na afirmação do eu frente aos outros
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976d, p. 5). Apresentamos as
modalidades da identificação étnica utilizando o modelo
proposto por Lehman (1969) que diz:

"Quando as pessoas se identificam como membros de uma


categoria étnica, (...) situam-se no seio de relações intergrupais
(...). Estes sistemas de relações intergrupais compreendem
as categorias complementares totalmente interdependentes.
Afirmo que na realidade, as categorias étnicas são formalmente
papéis e que, neste sentido, não são senão indiretamente
descritivas as características empíricas de grupos compostos de
pessoas" (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976b, p. 8).

117
TIPOLOGIA DAS SITUAÇÕES DE CONTATO

"INTERTRIBAIS" INTERÉTNICAS

SIMETRIA RELAÇÕES RELAÇÕES


IGUALITÁRIAS (1) IGUALITÁRIAS (4)

RELAÇÕES DE
ASSIMETRIA RELAÇÕES SUJEIÇAO-DOMINAÇÃO (3)
HIERÁRQUICAS (2)

Cardoso define a identidade étnica em contextos


tribais mostrando-a em confronto com a sociedade nacional.
Estabelece então uma tipologia partindo das situações de
contato, isto é, das relações interétnicas que podem acontecer
em "sistemas de interação tribal" e de relações conflituosas de
contato entre sociedade tribal e sociedade nacional55.
A tipologia estabelecida pelo autor apresenta-se da
seguinte forma:

Relações implicando unidades tribais em relações


simétricas, como o caso Xingu e as relações intertribais
do Rio Negro, Amazonas56;

55
Carlos Rodrigues Brandão afirma que as relações interétnicas marcadas pela
desigualdade e pela dominação não podem ser compreendidas através de aspectos
particulares e desconectadas da totalidade. Coferir: BRANDAO, C. R. Identidade e
Etnia: A Construção da Pessoa e A Resistência Cultural. Sao Paulo: Brasiliense, 1986.
56
Paul Ehrenreich (1906) para este tipo de situação fala de "Akkulturationzentren" onde
estabelece para a América do Sul três centros de aculturação, a saber: o Rio Negro,
Guyanna Orenoco, Alto Xingu. Existe sobre as relações intertribais no Alto Xingu, o
trabalho de P. Menget "Alliance and violence in the Upper Xingu", 1982.

118
Relações implicando unidades assimétricas e justa-
postas hierarquicamente como as que aconteceram no
Chaco durante a conquista e da qual persistem hoje
algumas formas no sul do Mato Grosso;
Relações implicando unidades étnicas assimétrica-
mente em relação mas prisioneiras de um sistema de
dominação e de sujeição. Estes tipos se encontram nas
regiões chamadas "Área de Fricção Interétnica";
Um quarto tipo no sistema interétnico, que seria
constituído de relações igualitárias, é, apenas, para
Cardoso uma "possibilidade teórica posto que em-
piricamente, não se pode dizer que ela existe"
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976a, p. 58).

A identidade étnica é, enquanto forma ideológica das


representações coletivas de uma sociedade, concebida como
um caso particular de identidade social e como uma forma
ideológica das representações coletivas de um grupo étnico
determinado. A definição da identidade étnica se faz,
portanto de maneira dialética observando as relações entre o
nós e os outros. Isto implica bem entendido que duas
entidades estejam em relação, pois nenhum grupo social
pode se conceber ideologicamente se não percebe a existência
de outro grupo. Cardoso de Oliveira utiliza os termos de
Goodenough57 que parte da noção de "identidades
complementares" para concluir que a identidade de cada
grupo em contato não é inteligível senão na medida em que

57
Ver: Ward Goodenough "Rethinking 'status' and 'role ': toward a general model of
culture organization of social relationships". In: The relevance of models for social
anthropology. Editado pela Michael Banton Tavistock, publicado em 1965.

119
estes estão em relação entre eles (CARDOSO DE OLIVEIRA,
1976b, p. 42-45). O caráter contrastivo destas identidades
constitui, portanto um atributo essencial da identidade
étnica. Assim, a identidade étnica produzida pela identidade
contrastiva aparece como uma identidade que surgiu de uma
oposição. Para tentar delimitar a identidade étnica, é
necessário conhecer os "mecanismos de identificação" que
contêm a identidade em processo. Através do desenvol-
vimento histórico do contato, os grupos étnicos em relação
(em conjunção) desenvolvem uma "consciência de si na
situação", o que significa que a identidade étnica variará de
acordo com as diferentes "histórias do contato".
No processo de identificação 58, a identidade étnica
pode ser assumida como uma identidade negativa
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976b, p. 18). Com efeito, os
índios interiorizam a ideologia discriminatória dos membros
da sociedade regional, o que os coloca em posição de
inferioridade e enfraquece sua capacidade de resistência à
opressão que suportam. Darcy Ribeiro (1977) denomina este
tipo de identidade de "consciência em alienação crescente e
bastarda por causa da absorção fatal de imagens depre-
ciativas de si e justificando a dominação e a exploração.
Se a consciência étnica pode chegar a ser negativa, ela
se manifestada em outros casos pela afirmação extrema do
grupo, ao inverso dos outros. Esta auto-afirmação poderia
levar a um outro tipo de identidade que Cardoso de Oliveira
define como: , absolutamente

58
A noção desenvolvida por Cardoso sobre o processo de identificação leva à noção de
identidade étnica como atualização em um dado momento histórico (CARDOSO DE
OLIVEIRA, 1976, p.14-15).

120
totalizadora, capaz de fornecer a base dos movimentos
sociais de qualquer tipo: separatistas, reformistas, revolu-
cionários e também messiânicos (CARDOSO DE OLIVEIRA
In: Introdução ao Simpósio do XLI Congresso Internacional
dos Americanistas, México, 1974). Em "Os índios e a
civilização", Darcy Ribeiro (1977) analisa este aspecto da
identidade como sendo uma "consciência alienada", mas que
não altera seus próprios fins59.
Uma outra manifestação da identidade étnica é a que
Cardoso de Oliveira chama identidade histórica e que seria
comparável em certos casos que chama "identidade
renunciada", à qual se pode eventualmente renunciar em
situações muitas vezes conflituosas ou discriminatórias, mas
que pode ser invocada de novo e reafirmada quando a
situação muda (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976b, p. 12).
Roberto Da Matta introduzirá a idéia de "custos" na
discussão sobre a identidade étnica, tomando por ponto de
partida as pesquisas de Cardoso de Oliveira e os estudos de
Ward Goodenoug (1965) sobre os "papéis sociais", e se
opondo à noção proposta por este último de "pares de
identidades superpostas"ou "gramaticais", Da Matta diz:
"Em outros termos, tenho a intenção de insistir no fato
de que a seleção de identidades ao contrário do que
explica Goodenough , nem sempre seguem as regras da

59
Sobre esta abordagem ver: Miguel A. Bartolomé "Consciencia étnica y autogestión
(Documentos de la
segunda reunión de Barbados) Editorial Nueva Imagen, 1979, Mexico. Ver também
trabalhos mais reentes como por exemplo: Gente De Costumbre y Gente de Razon: Las
Iidentidades Étnicas en México, Siglo XXI, México, 2004, ou do mesmo autor: Procesos
Interculturales Antropologia Politica del Pluralismo Cultural en América Latina, Siglo
XXI, Mexico, 2005.

121
identidade atribuída, ou a do contexto adequado, nem a da
"identidade superposta" (DA MATTA, 1976, p. 35).
Da Matta propõe a noção de "identidades paradoxais"
que teria por particularidade os "custos sociais" elevados
necessários à sua execução. E mais, as identidades para-
doxais se definem pelo fato de que elas articulam universos
sócio-culturais e subuniversos de significação inteiramente
diferente (1976a, p. 36). Quanto mais as identidades se
afastam, mais os custos sociais necessários à sua implantação
são importantes.

"Desta maneira, escreve Da Matta, as situações que


chamamos de contato interétnico ou intercultural não seriam
mais que casos particulares de encontros entre dois sub-
universos de significação ou mais. Seriam particulares não
porque possuem um princípio oculto ou intrinsecamente
diferente mas porque evidenciam de maneira clara as
dificuldades de integração nos contextos onde se realiza o
encontro entre domínios muito distantes uns dos outros"
(1976, p. 40).

A identidade étnica seria assim uma modalidade da


identidade social, através da sociedade regional. Os traba-
lhos sobre a identidade étnica no Brasil ainda têm
desdobramentos importantes e foram fortemente influen-
ciados, a nosso ver, pelas pesquisas de Roberto Cardoso de
Oliveira60. Estão, sobretudo, centrados na situação de
contato, isto é, nas relações entre índios e brancos nas
representações ideológicas de cada grupo étnico. A título de

60
Conferir: Cardoso de Oliveira. Identidade étnica, reconhecimento e o mundo moral,
in: Revista Anthropológicas, vol 16(2),2005

122
ilustração, mencionaremos aqui duas obras, entre outras, que
merecem atenção e que confirmam que a questão da
identidade étnica está na ordem do dia nas pesquisas
etnológicas do Brasil. No que refere os estudos sobre a
identidade étnica e as relações em contexto indígena, o livro
organizado por Alcida Ramos (1980) "Hierarquia e simbiose" é
importante na medida em que ilustra situações particulares
como a que existe entre os Hupdah-Maku e os "índios do rio"
no Alto Rio Negro, entre os Mayongong e os Sanuma no
Estado de Roraima e entre os Guarani e os Kaingang no
Estado do Paraná. Nos dois primeiros casos, o contato entre
estes grupos indígenas aconteceu antes do contato com a
sociedade nacional. No caso dos Kaingang, as relações entre
os grupos são posteriores ao contato com a sociedade
nacional. Outro estudo importante é o de Terri Aquino (1976)
"Kaxinawa: do seringueiro "caboclo" ao peão acreano" que
desenvolve a noção de identidade étnica numa tentativa de
compreensão do relacionamento entre identidade e estrutura
social. Mostra como as mudanças sociais e econômicas
provindas da implantação das empresas de agropecuária nas
zonas que exploravam tradicionalmente a borracha, são
absorvidas no sistema de representação indígena, dando
origem a uma ideologia onde se polarizam as identidades
branca (de São Paulo ou do Acre) e indígena "caboclo". Estas
pesquisas e muitas outras (MELATTI, 1982, p. 264) mostram
um aspecto das pesquisas etnológicas nas sociedades tribais
brasileiras onde o índio não é o sujeito de sua própria
cultura, mas é obrigado a se confrontar ou a se integrar na
sociedade de classes.

123
A mais recente obra de Roberto Cardoso de Oliveira,
Caminhos da identidade ensaios sobre etnicidade e
multiculturalismo , São Paulo, Editora Unesp; Brasília, Paralelo15;
2006, representa a reedição dos ensaios sobre identidade
étnica e etnicidade produzidos nesses últimos 40 anos, além
de apresentar um panorama de seu trabalho sobre o
desenvolvimento do conceito de identidade através de suas
pesquisas, os quatro capítulos trazem diferentes aspectos que
compõem a questão identitária ainda fortemente baseada
nos pressupostos weberiano sobre identidade étnica, e em
todos estão presentes o debate entre identidade e cultura.
A reedição de seus ensaios proporciona uma possibilidade
de discussão, bem como a introdução das questões do
multicuralismo abrindo assim uma porta nas possibilidades
atuais do debate antropológico sobre a identidade étnica.

124
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