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O HOMEM À PROCURA DE SI MESMO

ROLLO MAY

O homem à procura de si mesmo – 13ª Edição – Coleção

PSICANÁLISE vol. II – Editora Vozes – Petrópolis –

1987 – Título original inglês: MAN’S SEARCH FOR

HIMSELF – 1953, by W. Norton & Company, Inc. – New

York – Tradução de Aurea Brito Weissenberg – 1971 –

Editora Vozes Limitada – Rua Frei Luis 100, Petrópolis,

RJ, Brasil
1. Introdução

O ser humano é complexo e simples ao mesmo tempo. Alguns afirmam que a complexidade
dada a vida é “culpa” deste ser que muitas vezes se torna des-humano. Mas na verdade, tudo isso
depende do avanço que as ciências têm ao tentar delinear o ser humano ontem e hoje. Só sabemos
que este ser humano vem sofrendo ao longo de sua existência várias doenças. No entanto, a que nos
assola neste século atual é a ansiedade (grande mal-estar físico e psíquico; aflição, agonia).

Apesar dos anos de pesquisa e até do desenvolvimento e crescimento do homem, este ainda
continua uma incógnita para si mesmo. Neste caso em específico vem lutando contra tudo e todos
para descobrir quem ele é. E para isto precisa uma viagem ao seu interior: conhecendo suas forças,
fraquezas e até imergir no mais profundo da sua existência, buscando assim respostas para suas
perguntas.

May, nos mostra nesta sua obra literária que é possível sim, este homem tão ansioso,
descobrir a porta para uma saída, chamada cura, para este mal que assola toda a humanidade. Este é
o nosso dilema atual. “Acompanhar as pessoas em sua luta íntima e profunda para alcançar uma
nova integração...” “A indagação do autor é esta: Como é possível alcançar a integração
interior numa sociedade tão desintegrada? Ou então: como empreender a longa evolução
para a auto realização numa época em que quase nada é certo, nem no presente, nem no
futuro?”

O autor, no prefácio desta obra, mostra que uma das poucas alegrias vividas, mesmo num
tempo de ansiedade, é o fato de sermos obrigados a tomarmos consciência de nós mesmos. A
grande demanda a ser discutida dentro e fora dos consultórios, ou até mesmo longe dos divãs, é
como alcançar uma integração interior numa sociedade absolutamente desintegrada? Como
empreender a longa evolução para a auto realização numa época em que quase nada é certo, nem no
presente e muito menos ainda no futuro?

Já está afirmado pela própria ciência que a doença do século é a depressão, claro que
sustentada pela ansiedade, pelo stress e pela desintegração da sociedade em que vivemos.

Alfred Adler, afirma, após sua experiência na escola por ele fundada no Vietnã, que: “Os
alunos ensinam seus mestres.” Rollo cita-o para ilustrar a vida do terapeuta no seu consultório;
afirmando, no entanto que o mesmo deve se sentir profundamente grato pelo que aprende
diariamente sobre a importância e a dignidade da vida com aqueles a quem chama seus
pacientes.
“Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar-se é perder a si mesmo... E aventurar-se
no sentido mais elevado é precisamente tomar consciência de si próprio.” (Kiergaard)

“Este procura seu vizinho porque busca a si mesmo, aquele porque gostaria de perder-se. O
falso amor de si mesmo transforma a solidão em prisão.” (Nietzsche)

Portanto, esta obra nos obriga a nos olharmos como nós somos. Humanos, em busca de si
mesmos. O caminho é árduo e sofrido, mas encantador, quando tomamos autoconsciência da
maravilha de quem somos, mesmos salpicados de perfeições e imperfeições. É uma viagem, onde
autor e leitor se misturam, tornando assim o homem o centro da discussão e a busca incansável por
si mesmo. Mestre e discípulo se tornam um só. Uma vez que na escola da vida, ambos sentam-se no
mesmo banco.

Boa viagem leitores.


Parte I

Nosso Dilema

CAPÍTULO I

A Solidão e Ansiedade do Homem Moderno

Nada mais salvífico que procurar saber e entender onde está a raiz dos nossos problemas
interiores neste século atual. Claro que a percepção nos leva imediatamente a falta de felicidade.
Para onde ir, que rumo tomar na vida profissional, como se dar bem nos relacionamentos e até
mesmo como ter sucesso com as próprias emoções? ... Perguntas são tantas, respostas; difíceis de
encontrar, até porque as procuramos fora do nosso existir.

No início do século XX, Freud deixou claro que a dificuldade em aceitar o lado instintivo e
sexual da vida e o resultante conflito entre os impulsos sexuais e os tabus sociais; levava a pessoa
ter sintomas evidentes da ansiedade, a ponto de a mesma carecer de um tratamento.

A grande questão a se perguntar é: Quais são os problemas fundamentais de meados do


século XX?

Vazio... que não contém nada (ou contém apenas ar) ou quase nada...

Esse é o lamento da humanidade neste século XXI. Não conter nada. Ou quase nada. Esta é
a dor ouvida pelos psicólogos e psiquiatras. Eu existo? Existindo, o que eu sou? Assim, afirma
May:

“... Torna-se algo evidente que seu verdadeiro problema é não ter uma experiência definida
de seus próprios desejos e necessidades. Oscilam desse modo para aqui e para ali, sentindo-
se dolorosamente impotentes porque ocas, vazias...”

Vivemos numa sociedade pensando que somos e estamos no coletivo. Há um esforço


exacerbado de nos encontrar em nós, no nosso... Enquanto o eu está perdido na luta constante entre
o objetivo e subjetivo. Não havendo objetivo interno, mas sim externo, este homem continua preso
no vácuo do: o que sou eu? Ao olhar no espelho da vida só enxerga *impotência e *incapacidade.
Nada mais, além do não sentir e não poder.

*Potência - característica do que é potente; poder // *Capacidade -


qualidade ou condição de capaz.
A satisfação sexual pode ser encontrada sem muita dificuldade por pessoas que não
manifestaram essa equação de impotência + incapacidade = vazio. E podemos observar isto no
exemplo que Rollo cita:

O sonho de uma jovem ilustra o dilema da pessoa “espelho”. Ela era bastante emancipada
sexualmente, mas desejava casar-se e não conseguia escolher entre dois candidatos. Um
dele era do tipo estável, classe média, que seria aprovado por sua família; mas o outro
partilhava de seus interesses artísticos boêmios. No curso de sua dolorosa crise de
indecisão, sem conseguir definir que espécie de era e que a vida desejava levar, sonhou que
um grande grupo de pessoas decidiria por votar com qual dos homens deveria casar.
Durante o sonho experimentou uma sensação de alívio. Não havia dúvidas de que se tratava
de uma solução conveniente! O único problema foi que, ao despertar, não se lembrava
de qual dos dois havia ganhado a votação. (Grifo nosso)

Os tabus sociais nos levam a viver o sexo com sentimento de culpa, tornando-se
mecânica e vazia a vida de prazer do ser humano. A profecia de T. S Eliot de 1925 nos mostra o
que muita gente poderia assumir como sua realidade.

“Somos homens vazios

Somos homens empalhados

Uns nos outros apoiados

Cabeça cheia de palha, ai!

Forma sem feito, sombra sem cor,

Paralisada força, gesto sem ação...” (Grifo nosso)

Talvez possam atribuir este vazio e esta incapacidade a uma época vivida de incertezas e de
guerras, transformação econômica e crise mundial. Mas o problema é muito mais profundo do que
as ocasiões que os revelam. Dá para compreender que as pessoas procuram tanto a ajuda
psicológica. Muitas das vezes são as pessoas mais bem-sucedidas na sociedade que carecem de
ajuda para superar o vazio. Muitos destes adquirem a capacidade de racionalizarem suas emoções,
camuflando assim suas dificuldades interiores, tendo a capacidade até mesmo de fazer isso nos seus
subconscientes. O recalque sexual é negar a si mesmo, vivendo no absurdo da solidão. Levou-se a
uma compreensão no passado que tal prazer sexual era repugnante e deveria ser recalcado.

Este vazio nos leva a uma enorme incapacidade de aprender e modificar o nosso eu. Nem
sempre o humano demonstra esta realidade frágil, carente de ser cuidado a ponto de adquirir a
autoconsciência de que pode mudar. Que pode sentir prazer e que pode ser feliz. Aqui surge o
“homem de ferro”. Aparentemente ele é o... “Cara *giroscópio”. Nada o afeta e ele se sobressai
em tudo. Não é verdade. Este por sua vez vive a sua ansiedade numa aparente segurança. Sobretudo
em relação à morte.

“... pois não permitia que ninguém a mencionasse em sua presença. O homem giroscópio
muitas vezes exercia influência desastrosa sobre os filhos, por causa de sua rigidez,
dogmatismo e incapacidade para aprender ou modificar-se...”

*Giroscópio - substantivo masculino


fís dispositivo cujo eixo de rotação mantém sempre a mesma direção
na ausência de forças que o perturbem, seja qual for a direção do
veículo que o conduz, e que é composto de um disco rígido ou um
volante que gira em grande velocidade ao redor de um eixo de
revolução e é suspenso de modo a ter liberdade de movimentos
[É us. em diferentes aparelhos de navegação.]. Que gira em torno de
si mesmo.

Na atual realidade, podemos dizer que houve uma inversão desta situação. O homem atual
vive numa passividade e numa apatia que o impede de redescobrir a fonte de força íntima. Ou um
novo centro de força íntima. Passividade e apatia se misturam, gerando assim a ansiedade, como
nos afirma May:

Os jovens de hoje renunciaram, em grande parte, à ambição de destacar-se, de chegar ao


alto; ou, caso tenham tais ambições, consideram-nas uma falta e desculpam-se por esse
resquício de costume herdados dos pais. Desejam ser aceitos por seus iguais, mesmo ao
custo de desaparecerem, ficarem absorvidos pelo grupo. Este quadro sociológico é muito
similar, nas linhas gerais, ao quadro psicológico obtido no contato com indivíduos.

Há umas duas décadas, o vazio da classe média era conhecido pela “doença do subúrbio”.
Porque esta era uma realidade da classe menos abastada. Cheia de problemas financeiros e que
repercutiam na sua própria maneira de conduzir a família. Como vemos hoje, até mesmo os assim
chamados de ricos, trazem dentro de sua existência um vazio profundo. Essa hostilidade recalcada
os faz morrer mesmo de tédio. Mas mesmo nessas décadas, descobriram que este vazio se tornou
muito mais sério do que possamos imaginas; sobretudo para algumas pessoas. O vazio nos leva ao
tédio e o mesmo nos leva a morte e a ansiedade muitas vezes suporta e aceita certas atitudes
inexatas pelo fato do tédio de um certo indivíduo ser o tédio de todos.
A quem diga que este “homem de ferro”, não passa de um grande herói como os pés de
barro. Tudo vai bem para todos, desde que ele não pouse na terra em dia de chuva. A partir daí seus
pés se derretem e todos percebem que ele não passa de um ser humano. Todos se decepcionam,
dado o fato de que este homem, disfarçado de herói, sente as mesmas dores dos que o admiravam
tanto. Só que ele tinha sido recalcado anteriormente pelo o grupo.

O indivíduo que não aprende e nem tão pouco evolui permanece no vácuo, permanecendo
assim por muito tempo, ele cai no tédio e na solidão, assumindo então problemas secundários,
como: drogas, prostituição e demais vícios. A apatia e a falta de emoções são defesas contra a
ansiedade. Assim observou Eric Fromm:

Hoje em dia as pessoas deixaram de viver sob a autoridade da igreja ou das leis morais, mas
submeteram-se a “autoridades anônimas”, como a opinião pública. A autoridade é o próprio
público, mas esse público é uma simples reunião de indivíduos, cada qual com seu radar
ligado para descobrir o que os outros esperam.

SOLIDÃO

Outra característica do homem moderno é a solidão (estado de quem se acha ou se sente


desacompanhado ou só; isolamento). Ele a descreve como “estar por fora”. Vazio e solidão andam
de mãos dadas, traduzindo na prática a falta de convicção diante do que são e sentem na vida. Eles
se encontram facilmente, assemelhando-se a uma moeda (tendo duas faces), cujo triste resultado é a
ansiedade. “Toda história do homem é um esforço para destruir a solidão”. (Norman Brown)

A sensação de isolamento ocorre quando a pessoa se sente vazia e amedrontada, não apenas
porque deseja sentir-se protegida na multidão. A Ânsia de ser bem recebido no grupo revela a
necessidade de preencher o vácuo interior, mostrando assim a necessidade do companheirismo
humano. O ser humano adquire sua primeira experiência com o seu *self no relacionamento com os
seus semelhantes. Diz Rollo:

“... O homem, mamífero biossocial, depende não somente dos demais seres humanos, como
o pai e a mãe, para a sua segurança durante a longa infância, como adquire autoconsciência,
base de sua capacidade para orientar-se na vida, graças a esses primeiros relacionamentos.”

*Self – É o processo desenvolvido pelo indivíduo em interação com seus semelhantes e


através do qual se torna capaz de tratar a si mesmo como objeto, isto é, observar-se,
considerando seu próprio comportamento de vista alheio (N. da T.). May. P. 24
Precisamos do êxito social para provarmos que somos capazes de vencer a solidão e não
ficarmos no vácuo. Não ser estimado é um fracasso. É natural querer ficar sozinho
temporariamente. Estar só por escolha e se descobrir no silêncio são dar um mergulho no lamaçal
da nossa existência, mas também nos ajuda a descobrir a nossa dignidade real (parte de nossa
existência que somente nós e Deus temos acesso, e mesmo assim quando queremos nos
autodestruir, esta parte é preservada). É inconcebível escolher de viver sozinho por um longo
tempo.

Mesmo que encontremos com as mesmas pessoas, falemos dos mesmos assuntos,
frequentemos os mesmos lugares, bebamos as mesmas bebidas... O importante é não estarmos, ou
permanecermos sozinhos por longo tempo. A solidão pode-se tornar uma fuga do outro, do grupo e
na maioria das vezes de nós mesmos e da necessidade de mudança. O silêncio em determinados
momentos pode se tornar um grande crime; pois o mesmo significa solidão e medo.

O medo de estar só deriva, em grande parte, da ansiedade de perder a consciência de si


mesmo, afirma May. Ao perder esta autoconsciência, conquista-se o medo de estar totalmente só.
Neste momento começa a paranoia do que os outros pensam e dizem da pessoa indesejada por si
mesma. Há momentos em que este ser cai num desespero terrível, a ponto de cair na desorientação
total, acontecendo então o medo da psicose.

O vazio nos coloca em situações difíceis, nos dando o sentimento profundo do abandono.
Onde o ser estimado tem tanta importância, porque mantém a distância do isolamento, enquanto os
seres empalhados se tornam mais solitários, mesmo se apoiando nos outros. Neste mesmo esquema
entra o suicídio psicológico, como iremos aprofundar mais na frente. Rollo May nos mostra como é
o retrato deste homem moderno.

O homem ocidental, habituado há quatro séculos a enfatizar a racionalidade, a


uniformidade, com pouco êxito, recalcar seus aspectos que não se coadunam com esses
padrões uniformes e mecânicos. Será exagerado dizer que o homem moderno, sentindo seu
vazio, teme que se não tiver seus associados costumeiros à volta, se esquecer que horas são,
perderá o talismã do programa diário, da rotina do trabalho e sentirá, embora de maneira
confusa, uma ameaça as se sente à beira da psicose?

Neste vazio, aumenta-se mais e mais o medo do abandono, levando algumas pessoas a se
isolarem dentro de si mesmo, tornando-se seres “empalhados”. Ou seja: aparentemente vivos,
mas no seu interior só existe o vazio e a solidão que os leva à morte.
ANSIEDADE E A AMEAÇA DO SELF

Este processo de desenvolvido da capacidade que cada indivíduo adquire em interação com
seus semelhantes e através do qual se torna capaz de tratar a si mesmo como objeto, isto é,
observar-se, considerando seu próprio comportamento de vista alheio, é que define o ser humano
como um todo. A ansiedade coloca em profundo risco esta capacidade. Deixando assim esta lacuna
na vida humana, proporcionalizando ao homem o vazio absoluto em sua existência enquanto
indivíduo na sociedade, mas enquanto espaço interior.

Esta ansiedade se tornou outra característica do homem moderno. Solidão e vácuo o


consome, criando assim aquela dor e confusão psicológica. Bertrand Russel escreveu:

“A coisa mais penosa do nosso tempo é que são tolos os têm convicções, e os que possuem
imaginação e raciocínio vivem cheios de dúvidas e indecisão”.

A ansiedade é dada pelo vazio psicológico e espiritual e isso gera o totalitarismo como
forma de vender a própria liberdade a fim de se livrar da ANSIEDADE INTENSA. Esta ansiedade
seja individual ou grupal levam os seres a doenças do corpo e do espírito, dividindo assim as
pessoas do convívio social, gerando então o terrível vácuo humano e se sentindo vazia, a pessoa
entra neste totalitarismo para preencher o vácuo.

Quando um indivíduo sofre de ansiedade durante um prolongado período de tempo fica com
o corpo vulnerável a doenças psicossomáticas. May nos mostra isto acontece:

Quando um grupo sofre contínua ansiedade sem tomar medidas eficazes, seus membros,
mais cedo ou mais tarde, voltam-se uns contra os outros. Quando o país se encontra em
confusão e tumulto ficamos expostos a venenos como os assassinos morais do macartismos
e as pressões ubíquas, que tornam cada qual desconfiado de seu vizinho.

Quando nos aprofundamos no estudo da ansiedade, percebemos que o problema vais além
dos fatores: guerras, instabilidade econômica. Estamos vivendo ansiosos por ignorarmos o papel
que devemos ter e que princípios de ação devemos crer. Vejamos como o autor descreve esta
situação:

A ansiedade pessoal, semelhante à de toda nação, é uma confusão e um desnorteamento


básico a respeito de nossos objetivos. Devemos lutar pelo êxito econômico, segundo nos
ensinaram, ou para sermos “boas praças”, estimados por todos? Ambos é impossível.
Obedeceremos aos ensinamentos da sociedade com respeito ao sexo, permanecendo
monógamos, ou seguiremos a média, “o que todo mundo faz”, conforme revelou o relatório
Kinsey.

Como vimos, o autor nos deu dois exemplos, onde a confusão sobre os nossos objetivos está
permeando a essência do homem moderno. O desnorteamento está aprofundando em nossa a vida, a
ponto de baixarmos para o nível dos sentimentos e desejos.

A geração atual se encontra num profundo conflito, sustentada pela ansiedade. Esta
incapacidade de definir os próprios objetivos, não sabendo qual corrente seguir, dá ao homem
moderno a capacidade de viver no vácuo, tornando-o assim um ser ansioso.

QUE É ANSIEDADE?

Como podemos definir a ansiedade e como a relacionaremos com o MEDO?

A palavra "ansiedade" tem origem no latim anxietas, que significa “angústia",


"ansiedade”, de anxius = “perturbado", "pouco à vontade”, de anguere = “apertar",
"sufocar”. A palavra "ansiedade" tem origem no latim anxietas, que significa “angústia",
"ansiedade”, de anxius = “perturbado", "pouco à vontade”, de anguere = “apertar",
"sufocar”.

Medo – Estado afetivo suscitado pela consciência do perigo ou que, ao contrário, suscita
esta consciência ao sentir-se ameaçado. Temor, ansiedade fundamentada ou irracional,
receio.

O medo nos leva a buscar medidas próprias, pessoais para nos tirar do perigo, já a ansiedade
nos oprime, impossibilitando-nos encontrar possíveis saídas dos perigos. Quando sentimos o medo
sabemos o que nos ameaça e somos impulsionados a encontrar uma saída ou buscar uma solução.
Mas, quando somos e estamos ansiosos, sentimo-nos ameaçados sem saber de fato como enfrentar o
perigo. Ela nos oprime a ponto de perdermos o caminho para sair do vazio que ela nos causa.

Quando muita intensa, a ansiedade é a emoção mais penosa sentida pelo


animal racional. “Perigos presentes são menores que a previsão
do futuro”, disse Shakespeare; e sabe-se de pessoas que saltaram de barcos
salva-vidas por não conseguirem enfrentar a agonia da dúvida, a incerteza
de ser ou não salvo.

A morte é o símbolo mais comum na ansiedade, até porque o medo de não dar conta de si
mesmo diante do percurso da vida, leva este ser humano a não ver outra saída a não ser preferir a
morte do que viver nesta dúvida. Na vida existem valores estipulados pela sociedade, ou até mesmo
pela própria pessoa, como:
Isto é exato, de um modo ou de outro, para quase todo ser humano. determinados valores,
como o sucesso, o amor, a liberdade para falar a verdade, como no caso de Sócrates, ou de
Joana D’Arc fiel a suas vozes interiores, são considerados o “âmago” da razão de viver de
uma pessoa, e se tal valor é destruído, ela sente que sua existência pessoa poderia ser
igualmente aniquilada. “Liberdade ou morte” não é uma simples figura retórica, nem lema
patológico. Já que os valores dominantes em nossa sociedade reduzem-se, para a maioria
das pessoas, a ser estimado, aceito e aprovado, grande parte da ansiedade de nossos tempos
advém da ameaça de não ser querido, viver isolado, solitário, abandonado. (grifo nosso)

Existe sim a ansiedade natural, que cada ser humano adquire no desenrolar de deu
amadurecimento, mas o que se precisa estudar e é o que estamos fazendo é a ansiedade neurótica.
Essa sim necessita sobretudo defini-la.
Esta ansiedade natural, da qual referimos anteriormente brota dos desafios que nos são
impostos no decurso natural da vida. São momentos, que longos ou curtos, podemos identifica-los e
até controla-los. Vai desde uma viagem, até mesmo a apresentação de um trabalho escolar. Todo ser
humano a possui. Não é ruim tê-la. Pois ela muitas vezes nos impulsiona a buscar, lutar pelo o que
almejamos. Uma pessoa isenta deste tipo de ansiedade pode se tornar uma pessoa apática, talvez,
“morta” no seu interesse básico que é: viver. Ansiar por algo novo e que faz parte do contexto
cotidiano da vida, não é somente saudável, como necessário.
Já a ansiedade neurótica se diferencia da primeira, pois esta bloqueia o ser humano e o joga
neste vácuo, tornando-o incapaz de ser ele mesmo. Podemos avaliar o exemplo de uma senhora que
para vencer a depressão, causada por esta ansiedade neurótica, pôs-se a cuidar do seu jardim. Em
determinado tempo, por necessidade de sobrevivência, tiveram que reduzir a dimensão geográfica
do jardim. Ela simplesmente deixou de viver e passou a sobreviver do jardim. Passou a ter uma
compulsão obsessiva; isolando-se de sua família, de si mesma, passando então a revelar para os
seus vizinhos que sua filha e seu marido estavam conspirando contra ela e que queriam dopá-la
(com seus medicamentos), para depois desová-la em um lugar deserto. Assim sendo ela entra neste
quadro:
A maioria das ansiedades neuróticas provém de conflitos psicológicos subconscientes. A
pessoa se sente ameaçada como que por um fantasma; não sabe onde se encontra o perigo,
como combate-lo e dele fugir. Esses conflitos inconscientes em geral têm início numa
situação ameaçadora anterior, que a pessoa não teve forças para enfrentar – por exemplo,
uma criança diante de mãe dominadora ou possessiva, ou obrigada a enfrentar o fato de que
os pais não gostam dela. O primeiro problema é recalcado, porém surge mais tarde na
forma de ansiedade neurótica. A maneira de resolvê-lo é trazer à tona a experiência real
anterior, temida pela pessoa, e em seguida transformá-la numa ansiedade ou medo normal.
Para tratar de qualquer ansiedade neurótica séria a medida mais sensata é procurar um
psicoterapeuta profissional. (Rollo)

Esta ansiedade neurótica causa um desastre na vida do indivíduo; desorientando-o, afastando


dele temporariamente o conhecimento nítido do que é e de quem ele é, enevoando a realidade que o
rodeia. Jogando-o num vazio absurdo, a ponto de desejar a própria morte, uma vez que o mesmo
perdeu o caminho da vida. Esta confusão de quem somos e o que deveríamos fazer é a parte mais
penosa do ansioso (a). May faz o seguinte relato:

“Mas existe um lado positivo: assim como a ansiedade destrói a consciência de nós
mesmos, esta pode destruir a ansiedade. Isto é, quanto mais forte a consciência, de nós
mesmos, tanto melhor podemos lutar e vencer a ansiedade. Esta é sinal de luta interior.
Assim como a febre é sintoma de que o corpo está mobilizando as forças físicas para
combater uma infecção, por exemplo os bacilos da tuberculose, a ansiedade é prova da
existência de um conflito psicológico ou espiritual. Observamos acima que a ansiedade
neurótica é sinal de um conflito não resolvido e enquanto existir uma possibilidade de
tomarmos consciência das causas desse conflito e encontrarmos uma solução em plano
mais elevado e saudável. A ansiedade neurótica é, por assim dizer, um meio de que usa a
natureza para indicar que precisamos resolver um problema. O mesmo é exato em
relação à ansiedade normal – sinal para fazermos apelo às nossas reservas e lutar contra
a ameaça. (Grifo nosso)

Quando se trata desta ansiedade neurótica que ameaça destruir o quem somos e o que fazer
com o que somos; nasce no campo interior uma guerra terrível. Luta interior é pouco, quando
ouvimos as pessoas que estão se tratando desta doença que está assolando a humanidade neste
século atual. Muitas vezes os conflitos externos são sustentados pela falta de espaço interior para
tanto conflito. É comum atribuir a culpa de tudo nos outros: família, patrão, esposa, namorado, etc.
Assim como a febre é o sinal para reagirmos contra as infecções que nos afeta o corpo, a
consciência de que estamos doentes e que a doença se instala no nosso interior, onde não vemos e
não pegamos, mas o sentimos profundamente; é o primeiro passo a fazer, buscando assim ajuda de
um terapeuta e até mesmo de um médico psiquiatra. Chega um momento que o campo de batalha
interior é tão vasto e sofrido que não damos mais conta de combater a si mesmo... chegando o
momento de encontrar “aliados” (profissionais técnicos) para nos auxiliar ao retorno do quem
somos e para onde iremos. Veja o que nos diz May:
Nossa tarefa é, portanto, reforçar a consciência de nós mesmos, encontrar forças
integradoras que nos permitam resistir, apesar da confusão que nos rodeia.

Capítulo II
As raízes da Nossa Doença

A perda do foco. É exatamente aqui que as pessoas com ansiedade neurótica se esvaem. Ao
passarem pela guerra interior e se gladiarem entre si próprias, perdendo a batalha do quem somos e
para onde vamos, vem a seguir o desespero da escuridão. Não sabemos para onde ir. Passado,
presente e futuro... torna-se o problema maior. Se misturam, se entrelaçam e se perdem por não
saber qual caminho dos três a pessoa deve seguir.

A PERDA DO FOCO DE VALORES DA NOSSA SOCIEDADE

Aqui brota o problema central. Outro conflito entre o homem velho que parte e o novo que
deve chegar, mas não acontece do tão simples assim. o primeiro homem acredita nas suas crenças
antigas, nas regras apresentadas na sua educação de berço. Muita coisa já não serve mais, deve ser
superada para que o segundo nasça com clareza de si mesmo. Parece filosofia, mas não é: é uma
pura e dura realidade que o circunda nesta batalha interior que o levou a se escurecer de vez. Ele já
não existe mais, mas; precisa existir para resistir a doença do vácuo, do vazio que o escraviza. Ele
pode até passar de jardineiro para o jardim. É o risco. Para reconquistar a perda do foco é necessário
conhecer as causas que lhe proporcionou a chegada nesta nova e dura etapa.
A escravidão do indivíduo no grupo o leva a crer que ele não é e sim que somos. É uma
regra que para vencer ele tem que estar no grupo... as vezes assassinando a si próprio. No entanto,
este homem consegue chegar ao século XX e começa a perceber que ele pode sim existir e ser um
humano individual. No entanto as regras que a sociedade ainda impõe faz com que esse homem
moderno continue ainda sofrendo neste vazio, mesmo tendo superado guerras, fome, doenças,
instabilidade econômica; o mesmo não consegue superar o vácuo e pior do que isto, não sabe para
onde vai e quem ele poderá levar, uma vez que ele nem sabe que existe. O individualismo absoluto
mata até Deus, dentro da concepção homem/comunidade. Friedrich Nietzsche nos mostra isso:

“Eu lhes direi! Nós o matamos vocês e eu!... Mas como o fizemos?... Quem nos deu a
esponja para apagar todo o horizonte? Que fizemos ao separar esta terra do seu sol?...
Aonde iremos agora? Para longe de todos os sóis? Não cairemos incessantemente? Para
trás, para os lados, para frente, em todas as direções? Haverá ainda algum caminho para
cima e para baixo? Não estaremos errando por um vácuo infinito? Não sentiremos o sopro
do espaço vazio? Não ficou mais frio? A noite não será mais noite, avançando de todos os
lados?... Deus está morto! Deus permanece morto!... e nós o matamos!... “Então o louco se
calou, fitando novamente seus ouvintes”. Também eles ficaram em silêncio, olhando para
ele... “Vim cedo demais”, disse então... “Este tremendo acontecimento ainda está por
suceder”. (grifo nosso)

O que interessa é de fato saber que os valores e as metas que forneciam uma força
integradora para o ser humanos nos séculos passados, para o homem moderno, estas deixaram de
ser convincentes e o pior é que ainda não encontramos outras que possam substituí-las, formando
um novo eixo; levando este homem moderno a um plena confusão e ansiedade de não saber para
onde nos voltarmos.
A PERDA DO SENSO DO SELF
O homem precisa se interagir consigo mesmo, como o meio em que ele vive e com seu
semelhante. Assim ele encontra a resposta para o que ele realmente é. Humano. Uma vez que ele
perde essa interação entre o seu interior e o mundo que o cerca, ele perde a si mesmo. Não encontra
com a sua identidade. Só que esta perda do self não acontece assim de uma noite para outra. Leva-
se tempo. Aqui carece de décadas, até mesmo de séculos. Só que quando isto acontece, o dito ser
humano adoece de ansiedade e sucessivamente parte para seu processo de degeneração. May nos
mostra como o homem moderno descobriu sua força interior, ou quase:

Embora a década de vinte fosse aparentemente um período em que os homens tinham


grande confiança no poder da pessoa, na verdade foi justamente o oposto: confiava-se
na técnica e nos instrumentos e não no ser humano. A visão ultra-simplificada e
mecânica do self na verdade manifestava uma falta oculta de fé na dignidade,
complexidade e liberdade da pessoa humana. (grifo nosso)

Muita gente hoje em dia, encontra muitas razões externas para serem insignificantes,
impotentes, como pessoa. Há muitas indagações: religiosas, econômicas; mas nenhuma delas
justificam totalmente porque estes indivíduos são incapazes e ansiosos.

O que ficou esquecido neste “raciocínio”, naturalmente foi a perda da fé na dignidade da


pessoa é em parte a causa desses movimentos sociais e políticos de massas. Ou, para ser
mais exato, a perda do self e a ascensão dos movimentos coletivistas, conforme
observamos, são ambos resultados das mesmas transformações históricas de nossa
sociedade. Precisamos, portanto, lutar em duas frente – combater o totalitarismo e as outras
tendências para a desumanização da pessoa, e recuperar a experiência e a fé no valor e na
dignidade da pessoa humana. (May)

Uma só coisa é importante para salvar este ser humano desta terrível solidão e ajudá-lo a se
encontrar consigo mesmo. Valorização, e fé na dignidade deste ser perdido. Como já dissemos
anteriormente, não se perde o self assim de um minuto para o outro. Assim também como
reconstruí-lo não é tão simples como se pensa. Reafirmamos que a pessoa que vive esta ansiedade
neurótica, precisa de cura, de cuidados e um tratamento específico com profissionais competentes e
precisa sobretudo ajudá-lo a tomar consciência do problema, dando-o espaço para lutar contra sua
febre interior, reagindo assim ao tratamento e vencendo a solidão que a ansiedade o jogou. Aqui
entra também o fator sociedade e família que disponibilizará, ou não, espaço e condições para a
recuperação do seu self. Não é um caminho de volta, mas sim prossegui-lo de mãos dadas na
consciência de que ele é um ser humano. George Herbert disse certa vez:

Uma nave ao léu,


Batendo contra tudo...
Meu Deus, sou eu mesmo.

Muitas pessoas se refugiam no coletivo para não ter que tomar consciência de si mesmo. E
quando o fazem entra num profundo conflito por ter passado tempo demais cuidando dos outros e
fugindo de si mesmo. Caindo no seu auto esquecimento. Esta perda do Self está se tornando tão
comum nesta atual sociedade que nem sempre se consegue um diagnóstico preciso. No entanto o
sofrimento aumenta a cada dia nas pessoas por conta desta doença causada pela perda do mesmo. A
dita e estudada ansiedade. Muitas vezes este ser perdido em si mesmo se torna para a família e até
mesmo para o grupo o: “bobo da corte”.
É notável que muita gente não julga o valor de suas ações, não baseada na sua essência e sim
na maneira como é recebida pelos outros... Tornando assim um verdadeiro estranho para si mesmo.
Podemos observar dentro deste contexto como o humor/riso e o self está se desintegrando em nosso
tempo atual, sobretudo na linha de relação entre o humor e o riso. O normal seria o primeiro
preservar o segundo. Podemos dizer que é uma expressão da capacidade humana singular sentirmo-
nos como indivíduo, não absorvidos pela situação objetiva. Aqui observa-se que é se torna uma
ferramenta para estabelecer o limite entre nós e o problema, ou seja: um modo de como afastá-lo
com uma certa perspectiva. De uma forma real, não podemos rir do pânico, porque naquele
momento a pessoa está absorvida pelo mesmo, perdendo assim a distinção entre ela própria o
mundo que a rodeia. Neste momento nasce então o dito que sorrir numa hora desta é sinal de
coragem.
Vejamos como nasce esse efeito humor e riso, segundo Rollo:

Em casos psicóticos extremos, quando a pessoa tem genuíno humor _ isto é, quando é
capaz de rir, ou pensar de si mesma, conforme disse alguém, “Como fui louco!” _ está
preservando sua identidade pessoal. Quando qualquer um de nós, neurótico ou não , tem
uma visão de seus problemas psicológicos, a reação espontânea é em geral um risinho. O
humor ocorre por causa de uma nova apreciação de si mesmo como sujeito atuante num
mundo objetivo. (Grifo nosso)

É fato que enquanto pudermos rir não ficaremos sob o domínio da ansiedade e do
medo. Mas, após verificarmos a função do humor no ser humano, devemos nos perguntar:
quais as atitudes que prevalecem ao humor e ao riso em nossa sociedade? O pior que isto ao
passar dos tempos se tornou um artigo de consumo. Muitas vezes essa capacidade de ter
humor e sorrir é computada na quantidade, como se fosse um kg de banana ou uma dúzia de
peras. Tanto é que muitas vezes o riso pode se tornar uma fuga à a ansiedade e ao vazio, até
em forma de euforia; maneira pela qual o avestruz (esconder-se no buraco), tornando-se
assim um método não positivo para se resolver o problema.
Citamos ainda nesta parte o riso vingativo, que nada mais é a forma de prevalência do
triunfo sobre os outros e não é sinal de progresso na realização da própria personalidade.
Assim como o riso quantitativo (exagerado), do tipo “gás hilariante”, reflete o humor de uma
pessoa que perdeu em grande parte o senso de dignidade e da importância do ser humano.
Muita gente culta como ignorante, perdeu a convicção do quanto é importante o problema da
redescoberta do senso do self (si mesmo),
Muitas vezes essa pessoa, dopada pelo gás hilariante fere e magoa, hora pode até destruir o
momento de outro indivíduo, convicto que está alegre; enquanto que na verdade está usando da
fragilidade desta outra pessoa para se esconder, como faz o avestruz. Temos que tomar consciência
da nossa maneira de nos alegrarmos e até mesmo como sorrimos. Isso nos ajuda no controle da
ansiedade.
A PERDA DA LINGUAGEM DE COMUNICAÇÃO PESSOAL

Juntamente com a perda do self, vem também a perda da linguagem de comunicados


profundamente pessoais. Este é um importante aspecto da solidão vivida no mundo ocidental.
Vejamos o exemplo do autor:

Tomemos, por exemplo, a palavra “amor”, que evidentemente devia ser a mais
importante para transmitir sentimentos pessoais. Quando alguém a emprega, a pessoa
com quem está falando talvez pense num amor cinematográfico, na emoção
sentimental das canções populares, “eu amo meu bem, meu bem me ama”, na
caridade religiosa, na amizade, ou no impulso sexual, seja lá o que for. O mesmo
ocorre com quase todas as palavras importantes não técnicas: verdade, integridade,
coragem, espírito, liberdade e até com o vocábulo “eu” - self. A maioria das pessoas dá
às palavras conotações particulares que talvez sejam completamente diferentes das de
seu vizinho. Daí muita gente evitar o uso de tais vocábulos. (Grifo nosso)

Podemos observar que quando pedimos um homem de traduzir em linguagem acessível um motor de uma
máquina ou mesmo um computador, este o faz com muita desenvoltura. Mas quando se pede a este mesmo ser que se
crie um relacionamento pessoal significativo, sua linguagem torna-se pobre. A gagueiras e até pode se tornar
momentaneamente mudo. Eliote nos mostra como são esses “homens vazios”:

Nossas vozes secas,


Aos murmúrios,
São vazias de sentido
Como o vento na grama seca
Ou ratos sobre vidro quebrado
No sótão empoeirado. (Grifo nosso)

Por mais que a tecnologia avançada nos joga para o futuro, cada dia mais nos tornamos
incapazes de comunicar o que sentimos em relação aos outros e sobretudo a nós mesmos... Tudo
parece tão antigo, como se estivéssemos na pré-história. Fugimos de nós mesmos, tornando-nos
surdos a ponto de não escutarmos às nossas necessidades e de não falarmos explicitamente o que
sentimos em relação ao “eu” e aos outros.
A ansiedade é a ponte para o vácuo, este buraco enorme no nosso universo humano. Muitas
pessoas encontraram na arte uma forma de mostrar a sua genialidade, sua aflição, de cor e forma
que os outros humanos pudessem compreendê-los. No entanto, o recalque desses gênios persistiu
em suas características, e mesmo sendo quem eram, não deram conta do seu vazio interior, tendo a
enorme dificuldade de administrá-lo e comunica-lo. Assim sendo, estes fantásticos homens, bem
reconhecidos pelo grupo, se sufocaram na tenra solidão, pois com suas metáforas, não deram conta
de expressar o total de suas essências e não foram entendidos completamente. Exemplo disto foi o
gênio do cinema americano que suicidou em agosto de 2014, depois de ter sido diagnosticado com a
doença demência de corpos de Lewy (DCL), doença neurodegenerativa progressiva, segundo relato de
sua esposa Susan:
Robin McLaurin Williams [1][2]
(Chicago, 21 de julho de 1951 — Paradise Cay, 11
de agosto
[3]
foi um ator e comediante americano. Após conquistar fama interpretando
o alienígena Mork na série de televisão Mork & Mindy, e pelo seu trabalho posterior
com stand-up comedy, Williams foi destaque de diversos filmes desde 1980. Venceu
o Oscar de melhor ator coadjuvante por sua performance no filme Good Will Hunting, de
1997, e também conquistou dois Prêmios Emmy do Primetime, seis Globos de Ouro, dois
prêmios do Screen Actors Guild e cinco Grammys.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Robin_Williams - acesso em 23/05/2018

“NA NATUREZA POUCO VEMOS QUE SEJA NOSSO”

As pessoas que perderam o senso de sua identidade tendem a perder o senso de


relacionamento com a natureza. Diz Rollo:

São privados não só da experiência da ligação orgânica com a natureza inanimada, tal como
árvores e montanhas, como também de parte da capacidade para sentir empatia pela
natureza animada. Isto é os animais. Em psicoterapia, pessoas que se sentem vazias têm às
vezes bastante percepção do que seria uma resposta vital à natureza para
compreender o que estão perdendo. Talvez observem, lamentosas, que, embora outros se
comovam com o pôr do sol, elas se sentem frias diante do espetáculo; e que, embora outros
achem o oceano majestoso e imponente, elas, de pé nos rochedos da praia, quase nada
sentem. Ficam ábsono (que está fora do tom, que destoa; absonante, dissonante que se
opõe, que discorda; contrário) diante da magnitude do acontecimento... (Grifo nosso)

O relacionamento da pessoa com a natureza tende a ser destruída não tão somente pelo
vazio, como também pela ansiedade. É como se esta fizesse com que as cores, os sons e até
mesmo os movimentos fossem contrário à sua existência. A modernidade de uma certa forma
assombrou o homem, dando a ele a possibilidade de ir aos céus, e contemplar este firmamento que
é o símbolo clássico da vastidão, da imaginação e da libertação. Assim nos relata May:
Num plano mais corriqueiro, o que queremos dizer é o seguinte: quando uma pessoa se
sente interiormente vazia, o que sucede com tantos hoje em dia, tem a impressão de que a
natureza à sua volta está também vazia, seca, morta. As duas experiências de vazio são
ambas as faces do mesmo estado de débil relacionamento com a vida.

William Wordsworth, ao despontar do século XIX, notou claramente a perda do sentimento


pela natureza, o excesso de ênfase no comercialismo, que era em parte sua causa, e o vácuo que daí
resultaria, e descreveu o que estava acontecendo no seu conhecido soneto:

O mundo está bem perto de nós; tarde ou cedo


Ganhando e gastando, desperdiçamos nossas forças;
Pouco vemos na natureza que seja nosso;
Entregamos o coração, sórdido favor!
Este mar que descobre o peito a lua,
Os ventos que sirvam a todas as horas
E estão agora encolhidas como flores adormecidas,
Com tudo isto perdemos o contacto;
Não nos movemos. _ Meu Deus, preferia ser
Um pagão absolvido pelo um credo obsoleto,
De modo que pudesse, de pé neste belo prado,
Vislumbrar o que me tornaria menos desamparado,
Avisar *Proteu emergindo das ondas
Ou escutar o velho *Tritão soprar sua enfeitada *cornucópia.

*Proteu – deus marinho da mitologia grega // *Tritão – deus marinho que habitava as profundezas do mar //
*Cornucópia – vaso em forma de chifre, com frutas e flores e que dele extravasavam profusamente, antigo símbolo da
fertilidade, riqueza, abundância, e que, hoje simboliza a agricultura e comércio.

May nos aponta ainda para esta reflexão:

Como seres humanos, nossas raízes estão mergulhadas na natureza, não apenas pelo fato de
que a química do nosso corpo é constituída essencialmente dos mesmos elementos que o
ar, o pó ou a grama. Participamos da natureza numa multiplicidade de outras maneiras _ o
ritmo da mudança de estações, ou do dia e da noite, por exemplo, reflete-se no ritmo de
nossos corpos, na fome e na satisfação, no sono e no despertar, no desejo sexual e na sua
gratificação. Proteu pode ser uma personificação das transformações do mar porque
simboliza algo que o mar e nós partilhamos: alterações de humor, caprichos e
adaptabilidade. Neste sentido, quando nos relacionamos com a natureza, ESTAMOS
LANÇANDO RAÍZES DE VOLTA AO SOLO NATAL. (Grifo nosso)
Autoconsciência... é a afirmação da nossa própria personalidade. May afirma o
seguinte:
Mas, em outro sentido, o homem difere completamente da natureza, uma vez que possui
consciência de si mesmo; seu senso de individualidade o distingue do restante dos
seres animados (vivos) e inanimados (corpóreos). E a natureza não se importa
absolutamente com a identidade pessoal do homem. Este ponto crucial em nosso
relacionamento traz à baila o tema desta obra _ a necessidade da *autoconsciência. É
preciso afirmar a própria personalidade, apesar do caráter impessoal da natureza, e
preencher seus silêncios com a própria vida interior. É preciso um self vigoroso _ isto é,
um forte senso de identidade pessoal _ para relacionar-se plenamente com a natureza sem
ser por ela absorvido. (grifo nosso)

*Autoconsciência // substantivo feminino


consciência que reflete sobre si própria, sobre sua condição e seus
processos.
No kantismo, consciência que o eu tem de si mesmo como sujeito do
pensamento e do conhecimento de objetos externos.
p.ext. no hegelianismo, a forma através da qual o sujeito se encontra plenamente consciente
de si, alcançada no estágio de conhecimento em que o mundo externo se torna o produto, a
possessão ou a imagem especular do próprio eu.

E ele ainda continua afirma esta verdade que muitas vezes o ser humano desconhece, ou tão
somente não obteve autoconsciência da mesma. May continua afirmando que:

Pois sentir verdadeiramente em silêncio e o caráter inorgânico acarreta considerável


ameaça. Se alguém se encontrar num alto promontório, por exemplo, contemplando o mar
em violenta agitação e compreender, de maneira plena e realista, que o oceano jamais
“tem uma lágrima pela dor alheia, nem se importa com o que os outros pensem”, e que sua
vida poderia ser engolida com uma alteração infinitesimal para aquele tremendo
movimento químico da criação, a pessoa se sentiria ameaçada. Ou se alguém se entregar à
sensação das distâncias no pico de uma montanha e entrar em empatia com as altitudes e os
abismos, compreendendo ao mesmo tempo que a montanha “nunca foi amiga de
ninguém”, “nem prometeu o que não poderia dar”, e que ele poderia despedaçar-se no
sopé rochoso sem que sua extinção como pessoa humana trouxesse a menor alteração às
paredes de granito, então sobrevirá o medo. Esta é a profunda ameaça do “não ser”, do
“nada”, que se experimenta em plena confrontação com o ser inorgânico. E recordar que
“tu és pó e em pó hás de tornar” não constitui grande conforto. (Grifo nosso)
Na maioria das vezes, esta experiência direta com a natureza causa nas pessoas uma
profunda ansiedade; fugindo, estas se isolam a imaginação, voltando aos pensamentos corriqueiros,
como preparar um almoço. Ignoram, por assim dizer, a capacidade de contemplar o que tem ao seu
redor. O autor desta obra nos mostra como é vital ter um self vigoroso no relacionamento com a
natureza:

É necessário, conforme dissemos, um forte senso do self e muita coragem para


relacionar-se com a natureza. mas, afirmar a própria identidade contra o ser inorgânico
produz, por sua vez, um self mais vigoroso. Desejamos aqui apenas dar relevo ao fato de
que a perda de contacto com a natureza acompanha a perda do senso de si mesmo. “Na
natureza pouco vemos que seja nosso”, o que poderia ser dito por muita gente hoje em
dia, é sinal de personalidade débil e empobrecida. (Grifo nosso)

A PERDA DO SENSO TRÁGICO

Tragédia - ocorrência ou acontecimento funesto que desperta piedade ou horror; catástrofe,


desgraça.
Quando acontece a perda do self, vem também a perda do senso trágico. A pessoa presa na
sua ansiedade, mergulhada no seu profundo vácuo, torna-se incapaz de sentir compaixão, piedade e
horror. Torna-se como: apático diante de tudo aquilo que acontece ao redor de sua vida. As
tragédias evocam as nossas emoções de termos compaixão e sentirmos horror por aquilo que fere
profundamente a pessoa. May nos afirma que:

Consequência final e evidência da perda de nossa convicção no valor da dignidade da


pessoa é o fato de termos perdido o senso do significado trágico da vida humana. Pois o
senso trágico é simplesmente o reverso da crença na importância do indivíduo pelo ser
humano e uma dedicação aos seis direitos e destino _ de outro modo não importa que
Orestes ou Lear, você ou eu, caiamos ou fiquemos de pé em nossas lutas. (Grifo nosso)

“A morte do Caixeiro Viajante”, de Arthur Miller, que mencionamos anteriormente, é em si


mesma uma das poucas verdadeiras tragédias a respeito das pessoas comuns _ nem
alcoólatras, nem psicopatas _ que constituem a classe social da qual a maioria de nós se
originou neste país. (Na versão cinematográfica do drama, Willie Loman, o caixeiro
viajante, assume, infelizmente, um ar patético _ os que viram apenas o filme precisaram
imaginar Willie num contexto mais amplo, a fim de apreciar seu verdadeiro significado
trágico). Ele era um homem que levava a sério os ensinamentos de sua classe,
acreditando que o resultado de trabalho árduo, energético, que o progresso econômico
é uma realidade e que se a pessoa tiver os “contactos” certos o sucesso e a salvação
estão garantidos. É fácil, olhando de uma perspectiva mais distante, perceber as ilusões de
Willie e rir de seus valores instáveis. Mas não é isso que importa. O principal é que Willie
acreditava; levava a sério sua existência e o que, segundo lhe haviam ensinado, deveria
esperar da vida. “Não digo que ele seja um grande homem, diz a mulher, descrevendo aos
filhos a desintegração de Willie, “mas é um ser humano, e algo de terrível lhe está
acontecendo. Precisamos cuidar dele”.
“... Ele é apenas um barquinho a procura do porto, conforme diz sua mulher...” “Ele nunca
soube quem era”, e, no entanto, foi uma pessoa que levou a sério seu direito de saber.
(Grifo nosso)

Sabemos que esta visão trágica indica que procuramos levar a sério a liberdade da pessoa e
sua tenra necessidade de realizar-se; demonstra ainda nossa fé na “vontade indestrutível para
realizar sua humanidade”. E May acrescenta:

O conhecimento da natureza humana e a visão dos conflitos subconscientes revelados pela


psicoterapia fornecem novas bases para a crença nos aspectos trágicos da existência
humana. O psicoterapeuta, tendo o privilégio de testemunhas a luta íntima de um certos
número de pessoas, seus combates muitas vezes graves e amargos, consigo mesmas e
com as forças externas que as desafiam, adquire por elas um grande respeito e uma
nova compreensão do potencial de dignidade do ser humano. além disso, inúmeras
vezes por semana tem provas, em seu consultório, de que, quando o homem finalmente
aceita o fato de não poder mentir com êxito para si mesmo e resolve levar-se a sério,
descobre no íntimo uma capacidade de recuperação anteriormente desconhecida e às vezes
mesmo notável. (Grifo nosso)

Nesse tempo, onde as origens das doenças levam-nos a um sombrio diagnóstico (fase do ato
médico em que o profissional procura a natureza e a causa da afecção), não necessariamente a um
prognóstico (predição do curso ou do resultado provável de uma doença; prognose); existe um lado
positivo nisto tudo, levando-nos a crer que não se escolhe, mas que se deve caminhar para frente.
Mesmo estando num processo de psicanálise e mesmo tendo vencido, como defesa, as ilusões, a
única opção é de avançar cada dia mais para algo melhor. E assim se resume o pensamento de
Rollo:

Nós _ e com isso refiro-me a todo mundo, velho ou jovem, cônscio da situação
histórica em que nos encontramos _ não somos a geração “perdida” da década de vinte. O
termo “perdida”, quando aplicado a pessoas que viveram naquele período de rebelião
adolescente que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, significava encontrar-se
temporariamente afastado de casa e poder regressar a qualquer momento em que surgisse o
medo de estar sozinho. Mas nós somos a geração que não pode voltar atrás. Em pleno
século XX somos como os pilotos de vôos transatlânticos, que ultrapassaram o ponto sem
regresso, não dispõem de combustível bastante para voltar e são obrigados a seguir
para diante, apesar de tempestades ou outros perigos. (Grifo nosso)

Precisamos avançar, mesmo não tendo combustível o suficiente, lutando contra as


tempestades e os outros perigos que virão. É acreditar com convicção que somos humanos.

PARTE II
A Redescoberta do Self
Capítulo III
Tornar-se Pessoa - um Empreendimento

No capítulo anterior tratamos sobre a perda do self, neste capítulo estudaremos com mais
afinco ainda sobre a redescoberta do self (de si mesmo).
Certa feita, um psicólogo conseguiu um chimpanzé da mesma idade do seu filho bebê. A
ideia era descobrir o hábito de sua especialidade, criando juntos o macaco e o ser humano no
mesmo ambiente (em sua casa). Nos primeiros meses os dois evoluíram no mesmo ritmo, brincando
juntos e com poucas diferenças no seu desenvolvimento. No entanto, após um ano, uma
transformação começou a manifestar-se no bebê, e daí para frente a diferença entre os dois
seres tornou-se pronunciada. Rollo mostra-nos:

Deu-se exatamente o que era de esperar, pois existe pouca diversidade entre o ser humano
e qualquer filhote de mamífero, desde a origem do feto materno, passando pelo
primeiro pulsar do coração, até a expulsão no momento do parto, o início da
respiração independente e os primeiros meses de vida. Mas aos dois anos, mais ou
menos, surge no ser humano a mais importante e radical ocorrência no processo evolutivo,
isto é, a autoconsciência. Ele começa a perceber que é um “eu”. Quando feto, no ventre
materno, fazia parte do “nós original” com sua mãe. Mas àquela altura a criança, pela
primeira vez, toma consciência de sua liberdade. ... Em relação aos seus pais... sente a si
mesma como um indivíduo independente, capaz de opor-se a eles, se necessário. ESTA
NOTÁVEL OCORRÊNCIA CONSTITUI O NASCIMENTO DA PESSOA NO ANIMAL
HUMANO. (Grifo nosso)
AUTOCONSCIÊNCIA _ CARACTERÍSTICA SINGULAR DO HOMEM

Esta autoconsciência nos difere dos demais animais, exatamente porque é a característica de
distinguir interior e exterior. Enquanto que o animal irracional, não tem como fazer esta distinção.
O exemplo disto está no exemplo do cão que ao comando do dono, salta e ladra querendo apenas
brincar. A quem diga que o cachorro ao latir quer dizer: “quero brincar”. Todos os fãs de cães
projetam neles este desejo que o seu melhor amigo expresse suas ideias. A atitude de ir buscar a
bola quando o seu dono a lança, demonstra que o dito animal não sabe distinguir interior do
exterior, até porque o mesmo não o possui. Walt Whitman, fazendo eco a esta ideia, sente inveja
dos animais:

Creio que eu poderia viver com os animais...


Que não suam e lamentam sua condição
E não ficam insones à noite
Chorando suas faltas...

Mesmo nascendo o desejo alheio de tornar o cão num ser pensante, ou o pensante num cão;
o que mais nos importa é que evoluímos. Podemos até aceitar que nossa ancestralidade provém dos
primatas, convicção científica comprovada; nós humanos num determinado momento da história,
“nós humanos” evoluímos. Tomamos consciência de que temos interior e exterior. May nos mostra
isso com mais evidência:

Mas na verdade a autoconsciência é a origem das mais altas qualidades humanas. Existe
na capacidade de se distinguir entre “eu” e o mundo e proporciona ao homem o talento de
suspender o tempo, que é aptidão para sair do presente e imaginar-se na véspera do
dia seguinte. Assim os seres humanos podem aprender com o passado e planejar o futuro.
O homem é, portanto, um mamífero histórico no sentido em que é capaz de sair de si
mesmo e contemplar sua história, influenciando assim seu desenvolvimento como pessoa
e, em menor extensão, a marcha dos acontecimentos em seu país e na sociedade como um
todo. (Grifo nosso)

Já o cão, como vimos anteriormente não tem esta consciência e não tem esta capacidade de
sair de si mesmo, dado o fato de apenas pertencer àquele ambiente e não sabendo disto, torna-se um
mero espectador da sua existência. May continua dizendo que:
... A autoconsciência existe sob a aptidão humana para usar símbolos, isto é, desligar algo
do que ele é, como os dois sons que constituem a palavra “mesa”, convencionando que
servirão para toda uma classe de objetos. O homem pode, portanto, pensar em abstrações,
como “beleza”, “razão” e “bondade”.

Esta capacidade de ver a si mesmo torna o ser humano o talento de cuidar de si mesmo e até
mesmo do ambiente que este vive. A faculdade de ir e vir e prestar atenção no presente,
averiguando o passado e até sonhando com o futuro, é nato do ser que sabe que existe. Tenhamos
em mente que que a perda desta capacidade, torna-nos, quem sabe, inferior ao animal irracional. O
homem é assim:

Esta faculdade da autoconsciência lhe confere o talento de ver-se a si mesmo com os


outros o vêem e sentir empatia. Existe ainda sob a notável aptidão para transportar-se até
a sala de alguém, onde na realidade só se encontrará na semana seguinte, e em imaginação
planejar sua maneira de agir. Permite a pessoa se colocar de outra e imagine como se
sentiria e o que faria se fosse ela. Por pior que se use, deixe de usar, ou menos abuse desta
aptidão, ela constitui os rudimentos da capacidade para amar ao próximo, ter
sensibilidade ética, considerar a verdade, criar a beleza, dedicar-se a ideias e morrer por
eles, caso necessário. (Grifo nosso)

Existe no ser humano as possibilidades para o mesmo se tornar uma pessoa. Basta
analisarmos a tradição cristã onde fala que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. No
entanto, os dons atribuídos este ser, custa-lhe um preço alto, tendo em vista um resultado negativo,
permeado de ansiedades e crises íntimas.
Fazer renascer o Self não é tão simples e muito menos fácil, pois já na infância o ser humano
defronta-se com a temível perspectiva de se tornar independente, sozinha, sem a total proteção de
seus genitores. Não é atoa que quando esta criança começa se tornar um indivíduo, experimenta a
terrível impotência em comparação aos adultos altos e fortes que o rodeia. May nos alerta para essa
realidade:
Em plena luta para libertar-se da dependência materna, uma pessoa teve um sonho
muito eloquente: “Eu estava num barquinho preso a um barco maior. Navegávamos no
oceano, quando enormes ondas surgiram, desabando sobre meu barco. E perguntei a mim
mesmo se ele continuaria ainda preso ao barco maior”. (Grifo nosso)

Essa criança, citada anteriormente; quando bem tratada, cuidada e amada pelos seus, vai
continuar evoluindo, mesmo tendo suas crises e dores. Já numa situação diferenciada de falta de
amor, cuidados e amparo... esta criança tende a não evoluir. O não que resultaria do amor, torna-se
o não do castigo. Oras, até mesmo evidenciado na violência física. Esta criança tomará esse não
como rebeldia e não como sinal de independência.
Hoje em dia os genitores se encontram imersos no medo e na ansiedade, confusos, nas águas
agitadas do período de transição de suas crias; torturados pelas dúvidas, levando-os a acreditar que
lançar suas crianças no mundo do crescimento é demasiadamente arriscado.
Esta luta do ser humano para crescer se alarga por toda a sua vida, mas existem fases
específicas, onde a transição de um momento para o outro causa-lhe dores, que bem superadas
podem levá-lo a um crescimento positivo e até mesmo ao seu selfhood (individualidade) social.
Geneticamente Auden tem toda razão:

... pois o ego é um sonho


Até que uma alheia necessidade
Cria seu nome.

Sem esta individualidade, não seremos nós mesmos e podemos nos perder no nosso coletivo
de cada dia. Na nossa cultura habitual vivemos a regra que temos que agradar e criar para os outros.
Mas se perdemos esta capacidade de agradarmos e criarmos para o nós mesmos, tornaremos seres
presos no vácuo e condenados a viver o nosso eterno vazio.
A consciência da própria individualidade não é apenas uma questão intelectual, mas sim de
como cada um de nós viveu suas transformações ao longo de sua existência, contando sobretudo a
experiência que teve com seus genitores. O bom exemplo disto se perfaz num homem que sofre de
um transtorno mental, o qual lhe preenche de uma ansiedade que o torna absurdamente inseguro de
si, do seu self e do seu selfhood. Desde o ventre ele sentiu-se abandonado, uma vez que ele já era a
13ª gravidez de sua mãe; e a mesma já se encontrava em uma idade avançada para época. A mesma
com 44 anos, desejou profundamente abortá-lo. A figura paterna era ausente e quando aparecia era
um tipo que não se integrava dentro daquela realidade miserável que os circundavam. Este mesmo
homem foi criado somente pela mãe, que apesar de depressiva crônica, era possessiva, dominadora
e cruel. Sozinho e objeto de manipulação para sua mãe enfrentar a prostituição de seu pai, foi usado
e abusado emocionalmente por ambos os seus genitores. O que deveria ser amor e proteção, se
tornou raiva e competição; levando-o a crer que a vida não passava de um mero castigo e solidão.
A criança do exemplo anterior não conseguiu evoluir, até porque não obteve espaço para
desenvolver o self e a individualidade. Ele não era o seu próprio eu, mas se perdia no nós dos seus
pais. Razão pela qual viveu toda a sua infância, adolescência e fase adulta mergulhado numa
profunda solidão, angústia e ansiedade. Tendo que reconstruir a si mesmo se quiser se sentir amado
por si e não tão somente pelos os outros que o rodeia. Ele precisa se redescobrir como pessoa
humana.
Neste trajeto o ser humano exemplificado teve que optar por fazer um acompanhamento
com o psicanalista e com o psiquiatra para superar a ansiedade, o vácuo, a profunda solidão, que o
enterrou no lamaçal do seu nada. Houve uma perda da sua identidade no decorrer de sua existência.
A perda da identidade parte não somente do princípio de não saber quem somos. Mas
essencialmente da realidade de sermos apagados da nossa própria existência. A experiência da
nossa própria identidade ou o processo de tornar-se pessoa, é ao mesmo tempo a experiência mais
simples e mais profunda de nossas vidas. O autor desta obra nos mostra através de um exemplo que
esta identidade tem que existir, porque se a mesma é perdida ou negada, tornar-se um apagão na
vida do ser humano a ponto do mesmo não se sentir existente em si mesmo e no mundo. Vejamos o
exemplo disto na experiência de duas meninas gêmeas:

Duas meninas gêmeas ilustraram de modo expressivo o quanto é importante para uma
criança ser pessoa com seus próprios direitos. As duas eram muito amigas,
principalmente porque se completavam, sendo extrovertida, o centro do grupo
quando havia visitas, contentando-se a outra em ficar só, desenhando e escrevendo
poeminhas. Os pais, como geralmente acontece no caso de gêmeos, vestiam-nas de
maneira idêntica para sair para o passeio. Estavam com três anos e meio, mais ou
menos, quando a menina extrovertida começou a querer vestir-se diferente da irmã.
Se necessário usava até um vestido mais velho e mais feio, contanto que não ficasse
igual à irmã. Se esta vestia, depois, suplicava, às vezes chorando, que não usasse um
vestido igual ao seu. Isso intrigou os pais, uma vez que a menina não demonstrava
ansiedade em outros sentidos. Finalmente, seguindo um pressentimento,
perguntaram: “Quando vocês duas saem para passear você gosta de ouvir as pessoas
que encontram dizerem: ‘Olhe aquelas duas gêmeas’?” Imediatamente a garotinha
exclamou: “Quero que digam: ‘olhe para aquelas duas meninas diferentes’!” (Grifo
nosso)

A expressão espontânea de querer ser diferente, traduz na necessidade da garota extrovertida


a exigência, muito mais que a necessidade, de ser independente e ter uma identidade pessoal. Esta
necessidade era mais latente do que receber elogios e atenções. Isto é o que nós chamamos de
posse de nossa identidade pessoal. Eu sou. May nos explica a inerente necessidade em ser uma
pessoa, mostrando-nos a seguir como isto deve acontecer na evolução deste ser humano:

A menina expressou corretamente a finalidade de todo ser humano tornar-se uma pessoa.
Todo organismo possui ser uma tornar-se uma pessoa. Todo organismo possui uma, e
apenas uma, necessidade central na vida - realizar suas potencialidades. A semente torna-se
um carvalho, o filhote, um cão, que se relaciona com o dono em amizade e lealdade, como
convém aos de sua espécie; é só o que se pede de um carvalho e um cão, mas a tarefa do ser
humano em busca da plenitude de sua natureza é muito mais complexa, pois o homem
deve agir com autoconsciência, isto é, sua evolução nunca automática, mas deve ser
até certo ponto escolhida e confirmada por ele próprio. “Entre as obras do homem que a
vida humana se dedica a aperfeiçoar e embelezar, a mais importante é com certeza o
próprio homem...” _ escreveu John Stuart Mill. A natureza humana não é uma máquina
a ser construída segundo o modelo e ajustada para determinado trabalho, mas uma
árvore, que precisa crescer e desenvolver-se em todos os sentidos, segundo a tendência
das forças interiores que a tornam um ser vivo”. Neste pensamento, expresso de maneira
encantadora, J.S.M. omitiu infelizmente a mais importante “tendência das forças
interiores”, que tornam o homem uma coisa viva, isto é, que o homem não cresce
automaticamente como uma árvore, mas realiza suas potencialidades somente quando
planeja e escolhe conscientemente. (Grifo nosso)

A infância é uma fase longa na vida humana... que em comparação com a semente, que ao
ser depositada na terra apenas nasce, brota, cresce e fenece... enquanto o ser humano carece de
evoluir, adquirindo conhecimentos da sua existência para si e para os outros. O difere o homem dos
outros seres é a capacidade que ele adquire em escolher e decidir. Vejamos esta afirmação de Rollo:

Além do mais, o homem deve fazer suas opções como indivíduo, pois a individualidade é
uma das facetas da autoconsciência. Observamos claramente este ponto ao compreender
que tal consciência é sempre um ato singular _ nunca sei exatamente como você vê a si
mesmo e você nunca sabe exatamente como eu me relaciono comigo próprio.
E isso significa que, uma vez que não fundimos automaticamente como nossos
semelhantes, precisamos aprender a amar-nos uns aos outros por nossa própria
decisão. (Grifo nosso)

O grande risco que o ser humano tem é renunciar a sua própria natureza, tornando-se assim
vazio, obscuro, solitário e na sua medida interior... inexistente. Mais uma vez recordamos aquele
herói, bravíssimo; no entanto com os pés de barro. Que quando foi obrigado a pousar para salvar
uma vida, colocou a sua em risco. Tornou-se apenas um ser humano... sem os pés.
Quando a pessoa não passa pelo seu processo de metamorfose, renunciando assim suas
potencialidades, renunciado à sua natureza, ele se torna um ser inorgânico, apenas um parasita.
Perdendo a si mesmo. Tornando-se um eu sem conteúdo algum. Inóspito ser... e aqui já não é mais
humano.
Quanto mais exploramos as nossas potencialidades, mais nos tornamos humanos e dignos de
sermos pessoa. Na medida que vamos crescendo e amadurecendo, vamos tomando autoconsciência
da nossa existência, nossa história e do mundo que nos rodeia. O que fazer com tudo isso? Injetar
nas veias da sobrevivência e trazer a tona, este ser que recuperou o seu self, dando forma e vida a
um corpo que deambulava perdido pelo vácuo do nada. Hoje ele não é mais apenas um nós...
tornou-se um eu definido, capaz de amar e ser amado. Viver e ser vivido. Nem mais e nem muito
menos. Apenas... eu sou aquilo que sou. O resgate da própria identidade é o caminho para que este
indivíduo tem sucesso no presente e consiga se preparar para viver o futuro; mesmo passando por
transformações mil, ele está sempre decidido a ir em frente consigo mesmo e com os outros pares
que lhe circunda... tudo está iniciado, mas carece como toda boa obra prima, ser finalizado,
concluído.

DESPREZO DE SI MESMO _ SUBSTITUTO DE AUTOVALORIZAÇÃO

A cultura que nos rodeia é cheia dessa pseuda afirmação: que olhar para si próprio em
demasia, é uma forma de egocentrismo profundo. Será? Isso quer dizer que a autovalorização é
negativa? Enfim... dar aos outros, algo que não temos para nós mesmos... é um suicídio psicológico
grave que a humanidade está mergulhada neste século atual. Quanto indivíduos vazios, até bem-
intencionados, mas que vivem no seu vácuo interior estão na sociedade, fazendo o mal, pensando
que estão construindo a vida. Já diz o dito popular: “De boas intenções o inferno está cheio...” May
nos mostra como esta autovalorização pode nos potencializar, dando-nos fôlego para avançarmos
junto a meta desejada:

Consideremos, em primeiro lugar, à última objeção. Não há dúvida de que não se deve
pensar demasiado bem de si próprio. A humildade corajosa é característica da pessoa
realista e amadurecida. Mas ter-se em exagerado conceito, no sentido de vaidade e
autopromoção, não resulta de mais autoconsciência, ou de segmentos de autovalorização.
Na verdade, é exatamente o oposto. Autopromoção e vaidade são, em geral, sinais
exteriores de insegurança e vazio interior; uma exibição de orgulho é um dos mais
comuns disfarces da ansiedade. O orgulho foi a principal característica da ruidosa
década de vinte, mas sabemos agora que esse período foi de ampla e recalcada ansiedade.
Quem se sente fraco torna-se fanfarrão, quem se sabe inferior torna-se gabola (que ou
quem se gaba a si mesmo);
Flexionar músculos, falar demais, ser obstinado e imprudente são sintomas de
ansiedade oculta, numa pessoa ou num grupo. Tremendo orgulho manifestava o fascismo,
conforme pode verificar quem assistiu aos filmes do psicopata Hitler ou gaguejante
Mussolini; mas só recorrem ao fascismo as pessoas vazias, ansiosas e desesperadas,
sujeitas, portanto, a acreditar em promessas de megalomaníacos. (Grifo nosso)

Esta humildade da qual trata esta obra vai além do significado próprio da palavra humilde
(que não é vaidoso, tem ou manifesta a virtude de conhecer suas próprias limitações; modesto, que
expressa ou reflete deferência ou submissão, despretensioso, simples, sóbrio, singelo). Assim
descreve Aldous Huxley:

“Para todos nós, a vida mais intoleravelmente árida é aquela que vivemos conosco
mesmos”. Felizmente, observamos de pronto, esta generalização não exata. Não é um fato,
empiricamente, que os momentos mais áridos de Spinoza fossem aqueles em que viveu
consigo próprio. O mesmo se diga de Thoreau, Einstein, Jesus Cristo, ou inúmeros seres
humanos desconhecidos, que se aventuraram, segundo a expressão de Kiergaard, “tomar
consciência de si mesmos”. Na verdade, duvido muito a observação de Huxley fosse exata
em relação a ele próprio, ou a Reinhold Niehbur, ou outros que, com tanta confiança em si
e segurança, proclamam os males da auto-afirmação, na verdade, é muito fácil conseguir
público, hoje em dia, quando se prega contra a vaidade e o orgulho, pois a maioria das
pessoas se sente tão vazia e convicta de sua falta de valor que prontamente concorda com
quem as deseja condenar”.

Aqui nos adentramos em outra questão também grave que é: autocondenação. No entanto,
na maioria das vezes esta se torna um disfarce da arrogância. Baruch Spinoza, filósofo judeu nos
mostra que quem quer combater o orgulho condenando-se a si mesmo, deveriam observar o
seguinte: “Quem se despreza está muito próximo do orgulho”. O mesmo relata Sócrates, que
criticava os políticos que para conquistarem os votos da classe trabalhadora, vestiam-se com roupas
furadas: “Vê-se a vaidade através de cada buraco de sua capa”.
Nos dias atuais os mecanismos de condenação, levam as pessoas a viverem depressões
psicológicas. Ainda por cima, este sentimento condenatório leva o indivíduo a uma racionalização
do ódio por si mesmo, acentuando atitudes de execração pessoal. Essa excessiva preocupação com a
sua pessoa, nada é, na verdade, o ódio por si mesmo. May nos relata o seguinte:

E observa que amor-próprio não é mesma coisa que egoísmo e, sim, oposto; isto é, a
pessoa que se sente intimamente indigna precisa valorizar-se pelo egoísmo, e aquela
que tem uma compreensão sadia do próprio valor e que ama a si mesma possui as bases
para agir com generosidade em relação ao próximo. Felizmente torna-se também claro, de
uma perspectiva religiosa mais distante, que muito da autocondenação e desprezo pessoal
contemporâneos são produto de problemas específicos do nosso tempo. O desprezo de
Calvino pelo self estava intimamente ligado ao fato de que os indivíduos se sentiam
insignificantes nos círculos industriais dos tempos modernos. E o autodesprezo do século
XX resulta não só do calvinismo, mas também do nosso vazio doentio. Assim, a atual
ênfase no desprezo pessoal não é representativa da tradição hebraico-cristã. Kierkegaard
expressou-o de maneira bastante vigorosa: “Se a pessoa não aprender com o cristianismo
a amar a si mesmo de maneira correta também não poderá amar aos seus semelhantes...
Amar a si mesmo corretamente e aos semelhantes são conceitos absolutamente análogos
e, no fundo, são idênticos... Daí o mandamento: “Amarás a ti mesmo como ao teu
próximo, quando o amas a ti mesmo”(Grifo nosso)

Essa autocondenação está muito difusa na espiritualidade cristã, dando assim uma
interpretação errônea do maior mandamento que é: “Amar a Deus com todo coração e ao próximo
como a ti mesmo”. Só nos resta então uma pergunta: quem é o próximo mais próximo de nós
mesmos? A partir desta resposta podemos então trabalhar essa cultura de interiorização para chegar
ao outro. E o eu, onde fica? E a identidade pessoal de cada indivíduo? E o self?

AUTOCONSCIÊNCIA NÃO É INTROVERSÃO

Autoconsciência e autoconfiança... Eis aqui a próxima a nossa próxima demanda. Crer que
ter autoconsciência é um risco para o nosso próprio desenvolvimento, é nada menos que não possuí-
la. Prova disto é o exemplo da centopeia que se preocupou tanto com qual das pernas deveria passar
primeiro que terminou caindo no buraco. O risco de se olhar no espelho e enxergar quem realmente
somos é o de não aceitarmos quem e como somos. Aqui falaremos da consciência mórbida, fazendo
uma pausa exatamente para entendermos o significado dessas duas palavras:

Consciência
Rubrica: psicologia.
Nível da vida mental do qual o indivíduo tem percepção (ao contrário dos processos
inconscientes)
Fase subjetiva de uma parte dos processos físicos (esp. dos processos perceptivos) que se
produzem no sistema nervoso
mórbida
Rubrica: medicina.
que origina, que causa doença(s)
oriundo de ou que denota desequilíbrio psíquico; que apresenta alguma anormalidade;
doentio
falto de vigor, de energia; frouxo, lânguido, brando (Dicionário Houaiss).
No idioma alemão o significado de autoconsciência é muito mais próximo do que queremos,
do que no nosso idioma. O vocábulo usado para autoconsciência na Alemanha é: autoconfiante.
Como deveria ser. Devemos esclarecer também que é o oposto de timidez, embaraço e introversão
mórbida. O que queremos de fato ilustrar é que consciência mórbida de uma pessoa e sua
incapacidade para ser espontânea e cordial estão ligadas precisamente à falta de autoconsciência, à
falta da experiência de que ele era o “eu” atuante. Porque ser apenas um observador de si
mesmo, tratar-se como um objeto, é ser estranho a si mesmos. May nos descreve este processo com
muita nitidez:

A famosa centopeia é, em geral, uma racionalização usada pelos que não desejam passar
pelo difícil processo de ampliar a AUTOCONSCIÊNCIA. Além disso, não é uma fábula
correta. Quanto menos cônscio se está do processo de dirigir um carro, por exemplo, ou das
condições do tráfego à sua volta, tanto mais tenso e maior atenção precisa ter sobre si
mesmo. Mas, por outro lado, quanto mais experiente como motorista, mais cônscio dos
problemas do tráfego e conhecedor do que fazer numa emergência, tanto mais à vontade se
ficará ao volante e tanto maior será a sensação de poder. A pessoa tem a consciência de
estar dirigindo, controlando. A autoconsciência expande o controle da própria vida e
com essa força ampliada vem a capacidade de sentir-se mais livre. (Grifo nosso)

Aqui se encontra a verdade que se esconde atrás deste falso pensamento que afirma: quanto
mais autoconsciência tenha uma pessoa, tanto mais espontânea e criativa ela será ao mesmo tempo.
Segundo May... alguns aconselham esquecer o self infantil, mas que também isto raramente dará
resultado.
A EXPERIÊNCIA DO PRÓPRIO CORPO E SENTIMENTOS

Quando nos tornamos adultos temos a pretensão de acreditar que já sabemos tudo sobre nós
mesmos e que estamos prontos para conduzir o mundo. Engano. Para chegar neste ponto, ou seja, o
da autoconsciência, muitas vezes precisamos retornar ao início da nossa existência; redescobrindo
os nossos próprios sentimentos. É surpreendente ver que a maioria das pessoas tem um
conhecimento geral sobre os seus sentimentos. As vezes o vazio nos leva a afirmar que estamos
alegres ou tristes, de um modo tão vago que é como se estivéssemos dizendo: “A Europa é
distante’. Na maioria das vezes, o nosso contato com os nossos sentimentos é tão remoto, como se
os obtivéssemos por um telefonema à longa distância. Não há como sentir os próprios sentimentos
diretamente, mas se tem ideias de como eles são. Não se sente afetados pelos próprios afetos, as
emoções não as comovem. É o homem vazio de Eliot:

Um feito sem forma, uma sombra sem cor,


Força paralisada, gesto em movimento.

Doutor Rollo May, nos mostra o que fazer com estes indivíduos que não são mais capazes
de sentir os próprios sentimentos:

Em psicoterapia, quando uma pessoa é incapaz de sentir os próprios sentimentos, precisa


muitas vezes aprendê-lo respondendo, dia após dia, à pergunta: “Como estou me sentindo
neste momento?” O mais importante não é o quanto se sente, e certamente não queremos
dizer que seja necessária uma verdadeira ebulição; isto é sentimentalismo e não
sentimento, afetação e não afeto. O mais importante é sentir que o “eu” ativo é que está
sentindo, o que torna direto e imediato o sentimento. Experimenta-se o afeto em todos os
níveis do próprio ser. Sente-se com vivacidade intensificada. E em vez de os sentimentos
serem limitados, como as notas de um clarim, a pessoa amadurecida torna-se capaz de
diferenciá-los, perceber suas diversas nuanças, as experiências vigorosas e
apaixonadas, ou as delicadas e ligeiras, como as diferentes partes de uma sinfonia. Isso
significa também que temos que recuperar a consciência do próprio corpo. (Grifo nosso)

Quando anteriormente falamos que temos que retornar ao início de nossa existência, não
quisermos afirmar que foi quando adquirimos a certeza que éramos “conscientes”. Mas é retornar às
origens. Isto é desde o ventre. A afirmação de Gardner Murphy nos incentiva a crer que:

Um bebê adquire seu primeiro senso de identidade pessoal pela percepção do seu
corpo: “Podemos chamar ao corpo, segundo sente a criança, o primeiro âmago do self”.
O bebê segura a perninha de vez em quando e, mais cedo ou mais tarde, ocorre a
experiência: “Isto é uma perna. Eu a sinto e ela pertence a mim”. As sensações sexuais
são particularmente significativas por se encontrarem entre as primeiras que a criança
pode referir diretamente a si mesma. Quando as partes sexuais são estimuladas no
brinquedo ou pela fricção da roupa dá-se o esboço rudimentar a sensação se si mesmo.
Infelizmente, no passado, tais sensações e as ligadas à excreção tornaram-se tabu em
nossa cultura e a criança aprendeu que são “más”. Como constituem parte de sua
maneira de identificar-se, o tabu sugeria claramente: “Sua auto-imagem é suja”. Isto
constitui, sem dúvida alguma, parte importante da origem das tendências a desprezar-se,
manifestas em nossa sociedade. (Grifo nosso)
É necessário afirmar que quanto mais autoconsciência uma pessoa tem de si mesmo, mais
espontânea e criativa será ao mesmo tempo e isso leva esta criatura experimentar o afeto em todos
os níveis de sua existência.
Quando o ser humano perde esta capacidade nata de sentir o próprio corpo, perde-se no si
mesmo... dando entrada franca há algumas doenças. Portanto, para tal, temos que reconquistar esta
consciência do nosso corpo tão humano, que na maioria das vezes é ignorado pelos tabus que a
sociedade lhe impõe. Sem esta consciência corporal, não somos humanos. Podemos nos tornar em
qualquer “coisa” ... exceto humano. Prestar atenção no próprio corpo é se autodescobrir e
automaticamente entrar em compreensão com os próprios sentimentos. Rollo nos mostra como
reage o corpo quando nós o ignoramos em nome do tabu imposto pela sociedade:

A atitude impessoal, desligada, em relação ao corpo manifesta-se também no modo como


reage a maioria das pessoas, ao adoecer. Falam na voz passiva: “Fiquei doente”,
imaginando o corpo como um objeto, exatamente como diriam: “Fui atropelado por um
carro”. Em seguida dão de ombros e consideram sua responsabilidade cumprida indo para a
cama e colocando-se inteiramente nas mãos de um médico e das novas drogas milagrosas.
Utilizam assim o progresso científico como racionalização da passividade: sabem que os
germes, vírus ou alergias atacam o corpo é capaz de curá-las. A atitude em relação à
doença não é a da pessoa autoconsciente, que sente o corpo como parte de si própria, e
sim da pessoa compartimentalizada, que poderia manifestar sua atitude passiva com a
seguinte sentença: “O pneumococo fez-me adoecer, mas a penicilina curou-me”. (Grifo
nosso)

Claro que o bom senso nos ajuda a buscar nas ciências uma forma de melhorar a própria
saúde, mas não podemos perder a autonomia de conhecer o próprio corpo. Inúmeras perturbações
físicas; como andar incorretamente, obter uma postura defeituosa, um andar incorreto, uma
respiração deficiente; são sem dúvidas doenças que brotam no psicossomático. Elas brotam
exatamente no momento em que abdicamos da nossa autonomia de conhecer o nosso próprio corpo
e nos tornamos apenas máquinas. Vejamos o que acontece quando o ser humano chega a tal ponto:

Ao combater males psicossomáticos, ou doenças crônicas como a tuberculose, é essencial


“ouvir o próprio corpo”, deixa-lo decidir quando deve trabalhar ou descansar. É
surpreendente quantas intuições, sugestões e orientações para a vida recebe a pessoa
sensível, que sabe ouvir o que seu corpo está dizendo. Estar atento a estas reações, assim
como aos próprios sentimentos nas relações emocionais com o mundo e as pessoas que
nos rodeiam, é estar a caminho de uma saúde que não sofrerá frequentes alterações.
(Grifo nosso)
Quando caímos neste erro de separarmos o corpo do self (de nós mesmos), corremos o risco,
como já dissemos anteriormente de nos tornamos meras máquinas de trabalho. E isto reflete
negativamente da construção de um ser humano saudável e feliz. É isto que nos circunda quando
chegamos a tal ponto. Rollo May afirma o seguinte:

Não só as pessoas separam o corpo do self usando como instrumento de trabalho, como
fazem o mesmo na busca do prazer. O corpo é tratado como um veículo de sensações, do
qual se pode obter com habilidade e exatamente como quem liga um televisor certos
prazeres gastronômicos e sexuais. A atitude desligada em relação ao sexo, que já foi
apontada no capítulo anterior, está unida a esta tendência de separar o corpo do self. O
relatório Kinsey fala do parceiro sexual como “objeto” sexual; do mesmo modo, muita
gente pensa em termos de: “meus impulsos sexuais exigem uma válvula de escape”, e não:
“Eu quero e decido ter relações sexuais com determinada pessoa”. A tendência de separar a
atividade sexual do resto do self é, como todos sabem, ilustradas pelas atitudes puritanas.
Mas a ideia de que o libertinismo, oposto de puritanismo, comete exatamente o mesmo não
é de conhecimento geral.

Aqui entramos em outro tópico que na maioria das vezes é tratado com tabu. Sentir prazer.
Que não é necessariamente o sexual. Pode ser o de comer, descansar, se divertir, etc. Assim sendo,
propomos a união do self com o corpo, uma vez que esta junção cria o equilíbrio tão necessário para
a vida humana. Pode-se usar a doença para reeducar o próprio corpo. Vejamos a carta de certo
paciente a um amigo:

“A doença ocorreu-me não só porque eu estava trabalhando demais, ou porque contraí os


micróbios da tuberculose, mas porque tentava ser algo que na verdade não era. Eu
estava vivendo como um extrovertido, correndo de um lado para o outro, fazendo três
coisas ao mesmo tempo e deixando adormecido e desusado o lado da minha
personalidade que queria contemplar, ler, pensar e “penetrar a alma”, em vez de
trabalhar e viver a toda velocidade. A doença é uma exigência e uma oportunidade para
descobrir minhas funções perdidas. É como se a natureza quisesse dizer: “Você precisa
tornar-se um ser total e ficará doente na medida em que não o fizer; e só ficará bom
quando se tornar autêntico”. É um fato clínico comprovado, acrescentamos que certas
pessoas, encarando a crise como uma oportunidade para reeducar-se, tornaram mais sadias,
tanto psicológica como fisicamente, e mais realizadas como pessoas, após uma moléstia
grave”. (Grifo nosso)
O retorno ao self acontece quando encontramos o equilíbrio entre o corpo e a alma
(psicossomático). Na medida que reconstituímos essa sinfonia, nos tornamos “eu” novamente. A tal
dicotomia pré-existente na perda do self, nos joga em um mundo obscuro, vazio e preenchido de
uma vasta solidão, acompanhada da mais profunda ansiedade. O homem moderno tem sofrido
muito na medida em que separa sua alma do seu corpo. Aí neste momento a doença. Resposta a tal
faceta humana. A doença é uma exigência e uma oportunidade para redescobrir minhas funções
perdidas. Como disse Rollo:

A consciência dos próprios sentimentos constitui a base do segundo passo: sabe o que se
quer. Este ponto pode parecer muito simples à primeira vista. Quem não sabe o que quer?
Mas, conforme observamos no primeiro capítulo, o surpreendente é que poucas pessoas o
sabem na verdade. Alguém que se estude honestamente descobrirá que a maior parte de
seus desejos são rotineiros, como um peixe às sextas-feiras. Ou então quer o que julga sua
obrigação querer _ como ser bem sucedido no trabalho; ou desejaria querer, como amar os
seus semelhantes. Muitas vezes surpreendemos claramente a expressão de um querer
honesto e direto no rosto de uma criança, antes que aprenda a simular seus desejos. Ela
exclama: “Gosto de sorvete, quero um sorvete!” sem qualquer espécie de confusão sobre
quem e o que quer. Esta atitude direta parece uma lufada de ar fresco num ambiente
abafado. Talvez não convenha que ela tome o sorvete naquele momento. Evidentemente é
responsabilidade dos pais dizer sim ou não, caso a criança não tenha ainda maturidade
bastante para decidir. Mas que não ensinem ao filho a disfarçar suas emoções, tentando
persuadi-lo de que não quer o sorvete! (Grifo nosso)

O ser humano se constitui de fases. A primeira destas é a infância. Nesta etapa forma-se a
base para uma juventude sadia e feliz. Bem sabendo que o adulto de hoje, teve no passado
experiências positivas e negativas. Ter consciência dos próprios desejos e sentimentos é uma luta
interior que cada humano trava quando este deseja ser “eu”, mas na medida que na infância lhe
ensinaram apenas disfarçar suas emoções e sentimentos, tentando persuadi-lo daquilo que ele
deveria querer ou não querer; morre aqui a possibilidade de se SABER REALMENTE O QUE
QUER. May nos mostra como isto acontece:

Ter consciência dos próprios desejos e sentimentos não supõe, de modo algum, expressá-
los indiscriminadamente em toda parte. Julgamento e decisão, conforme veremos mais
tarde, fazem parte da autoconsciência da pessoa amadurecida. Mas como ter uma base
para julgar o que se fará ou não, a menos que antes se saiba o que se quer? Para o
adolescente tomar consciência do impulso erótico em relação a sua mãe, ou a pessoa do
sexo oposto, sentada diante dele no ônibus, não significa absolutamente que agirá baseado
nesse impulso. Mas suponhamos que ele nunca permita que cheguem ao limiar da
consciência, por não serem socialmente aceitáveis. Como saberá anos mais tarde, depois de
casado, se tem relações sexuais com sua mulher porquê de fato o deseja, ou porque é
um ato aceitável e “esperado”, a rotina a cumprir? (Grifo nosso)

Repressão... conter a si próprio; moderar-se, dominar-se; anular-se, para que o controle nos
seja dado, mesmo que aparentemente, não é sinal de vitória, mas sim de um túnel, cuja luz lá no
fundo já se apagou faz tempo. Nesse ato de aniquilar-se nada pode sair de positivo. É por aí que
surge o desejo sexual pela própria mãe ou até mesmo pela esposa do melhor amigo ou outros
impulsos que nos leva a destruição. Isso pode desintegrar o ser humano a ponto dele deixar de ser
“ele” para ser outro não existente. Quanto mais integrado é este indivíduo, menos compulsivas são
suas emoções. Como isto acontece na pessoa amadurecida?

Na pessoa amadurecida, os sentimentos e desejos ocorrem numa figuração. Ao ver um


jantar que faz parte de um drama no teatro, a pessoa não fica consumida de vontade de
comer; foi ao teatro para ver a peça, não para alimentar-se. Ou ao ouvir uma cantora não se
fica consumido de desejo sexual, embora ela seja muito atraente; a configuração é
determinada pelo fato de que a pessoa pretendia ouvir música... Nenhum de nós escapa
aos conflitos, de vez em quando, mas isto é diferente de ser compulsivamente impelido
pelas emoções. (Grifo nosso)

Essa desconfiguração leva o ser humano a travar-se nas suas emoções. Deixando-o assim
criança eternamente; na medida que ele não toma autoconsciência e não amadurece o seu self.
Este ser maduro, em algum momento se recalcou, perdendo de vez a propriedade sobre si
mesmo, no entanto chegou a uma neurose destrutiva. Na sua modernidade simplesmente ele
renunciou a soberania sobre seu corpo, abdicando assim, ao lado inconsciente de sua personalidade,
tornando-se a ele quase alheio. Portanto, temos que trazer de volta o quanto antes possível, o que
perdemos nos recalques, porque se não teremos consequências graves para a nossa própria saúde
mental.
Não iremos nos aprofundar na temática dos sonhos, mas podemos dizer que são expressões
não só dos conflitos e desejos recalcados, como também de conhecimentos prévios adquiridos
talvez há vários anos e que julgavam esquecidos. Até mesmo as pessoas idosas incultas, trazem
nos seus sonhos algo que não devem ser rejeitados ou tidos como tolices.
*INSIGHTS
Os sentidos que tem em Psicologia – súbita percepção da solução de um problema ou
dificuldade – e especialmente em Psicanálise – percepção dos próprios impulsos ou
desejos e de sua origem – ajudaram a difundir esta palavra de uso semiculto generalizado
no Brasil – que se pode dizer insubstituível ou intraduzível. É DISCERNIMENTO,
COMPREENSÃO SÚBITA, OU CAPACIDADE DE SENTIR O ÂMAGO DAS
COISAS OU SITUAÇÕES, UMA ILUMINAÇÃO, UM ESTALO, O ATO DE VER
NA MENTE COM CLAREZA.

Discernir a nossa mente não é uma tarefa fácil. Precisa-se uma caminhada determinada, para
que este humano se torne um ser de verdade. O homem moderno sofre exatamente da doença de
falta de clareza. Para onde irei, para onde fugirei? (Sl 138). Quanto mais auto percepção tem a
pessoa de si mesma, tanto mais viva será. Já dizia Kierkegaard: “Tornar-se uma pessoa significa
aprofundar essa consciência, essa experiência do próprio “eu”, de que sou o eu ativo o sujeito
do que está acontecendo”.
Esta visão do que significa tornar-se uma pessoa evita em conclusão, dois erros:
PASSIVISMO – “deixar que as forças deterministas de sua experiência tomem o lugar da
autoconsciência. Existe uma forma não construtiva (neurótica) de passividade... Ajudar a
racionalizar o passivismo com técnicas de psicanálise. “Eu”, necessito mais do que obter
consciência, mas ter também autoconsciência. É uma ponte por onde o ser humano atravessa ao
longo de sua breve existência”.
ATIVISMO – não se confunde com o “eu ativo” – agitação, realização de uma série de coisas para
disfarçar a ansiedade _ sendo que este ato é um modo de fugir de si mesmo.
Estar vivo significa muitas vezes ter a capacidade de não agir, e sim para estar criativamente
ócios _ o que talvez seja mais difícil do que fazer outra coisa. Para a maioria dos homens de hoje, a
meditação e a contemplação é uma fuga do agir. Enquanto sabemos é ao contrário. É o modo de
provar o próprio valor, expressão criativa das forças espontâneas de quem afirmou conscientemente
seu relacionamento com o mundo e seus semelhantes.
Portanto, nós homens modernos, temos que buscar na meditação e na contemplação, a
melhor forma de conquistar o próprio “eu”. Entrar em harmonia com este é redescobrir a melhor
maneira de ser nós mesmos. Ou seja: atravessar a ponte existencial é chegar a grande alegria de
saber para onde irei e quem sou eu.
CAPÍTULO IV
A Luta para Ser

Lutas e conflitos... isso constitui a história de toda a humanidade. Desde que o homem
tomou consciência de si mesmo, essa batalha iniciou. A guerra é bruta e a batalha é interminável.
Ontem, hoje, amanhã e sempre; faz a diferença quando se quer ser: pessoa. Para que isto aconteça
tem que percorrer o caminho da autoconsciência. Quem sou? Ou quem devo ser? Ou: quem quero
ser? Pois o que é morrer corajosamente senão o passo duradouro no aprendizado da independência,
da libertação do todo? “Nada do que foi será, do jeito que a gente já pensou um dia...”
Há pessoas que sofrem por terem no corpo o sinal da maturidade, mas lá no seu interior
vegeta numa infantilidade duradouro. Não consegue compreender o motivo pelo qual existe e
existindo, não sabe quem é. Esse é o campo de batalha interior, onde tudo começa e muitas vezes
não termina tão bem. Mas isso não importa muito, quando este ser quer amadurecer e ser gente
humana. Ou seja: a luta de ser humano. May mostra esse passo crucial para este indivíduo humano:

Assim a vida de cada um poderia ser representada por um gráfico de diferenciação até que
ponto a pessoa se libertou de dependências automáticas, tornou-se um indivíduo capaz de
relacionar-se com seus semelhantes em um plano de amor livremente escolhido,
responsabilidade e trabalho criador? Voltamo-nos agora para as lutas psicológicas
existentes nesta diferenciação entre PESSOA e MASSA. (Grifo nosso)

CORTANDO O CORDÃO UMBILICAL PSICOLÓGICO

O bebê se torna fisicamente um indivíduo quando o seu cordão umbilical é cortado


na hora do seu nascimento. O mesmo acontece com o lado psicológico do indivíduo. Se este não
rompe o cordão umbilical psicológico, não se tornará uma pessoa madura, mas sim; permanecerá
uma criança insegura atada ao ambiente paterno/materno. Não irá longe, devido estar bloqueado na
sua liberdade interior, dificultando assim seu amadurecimento, jogando-o simplesmente num mar
de ira e ressentimento. Segundo Rollo se tornam pessoas:

Estas são pessoa que, embora se sintam bem na extremidade da corda, ficam
profundamente perturbadas diante do casamento, ou do primeiro emprego e,
eventualmente, ao enfrentar a morte. Diante de cada crise tendem, figurada ou
literalmente, a “voltar para a mamãe”. Um jovem marido declarou: “Não posso bastante
a minha mulher porque amo demais minha mãe”. Seu único erro foi usar a palavra
“amor” no relacionamento com a mãe. Este sentimento, quando verdadeiro, é expansivo, e
jamais exclui o amor dos semelhantes. Estar “amarrados” é que é exclusivo e impede de
amar os outros. Hoje, a tendência a permanecer preso é particularmente forte, porque a
sociedade, demasiada alterada, deixou de ser “mãe” no sentido de dar ao indivíduo
um mínimo de apoio consistente. Ele tende assim muito mais a agarrar-se à mãe real de
sua infância.

Esse típico caso do rapaz que não conseguia se sobressair, porque estava psicologicamente
atado à sua genitora, configura bem o caso de crianças que são abusadas emocionalmente pelos seus
pais. O próprio se perdia diante dos seus próprios sentimentos, por viver atado aos sentimentos da
sua mãe. Quando falamos em abuso emocional dos pais, podemos observar que muitas vezes, este
se dá na contramão do relacionamento. Um dos genitores sabe que o que está acontecendo naquele
momento é errado e não faz nada para mudar a realidade, tornando-se omisso diante do sofrimento,
das queixas e até mesmo dos eventuais pedidos de socorro. Esse abuso emocional dos genitores
para com sua prole, pode nada menos que coisificar aquela criança, que no decorrer de sua
existência, impedindo-a de ser pessoa-humana. Pode acontecer que este adulto não amadurecido
fica preso neste umbigo a ponto de ser uma criança rancorosa e vingativa. Portanto, entre os dois,
parece que a experiência negativa com a mãe é mais acentuada do que com o pai.

A LUTA CONTRA A MÃE

Aqui entraremos no drama, exatamente para se compreender melhor esta etapa da luta contra
a própria genitora. A mãe, ou simplesmente mamãe. Tem-se uma certa magia quando se trata da
mãe. Parece uma pessoa inconcebível de fazer qualquer tipo de mal a sua cria. Doce, meiga,
disponível, chega se aproximar até da santidade. Basta sentirmos as músicas para se comemorar em
específico o dia das mães. A rainha do lar. Mas, por nosso azar, esquecemos que esta criatura é feita
de carne e osso e que nem sempre teve a graça de escolher o seu caminho de felicidade. Humana.
Apenas humana. Vamos ao drama narrado por May:

“Enquanto Agamenon, rei de Micenas, está ausente, conduzindo os exércitos gregos


contra Tróia, sua mulher Clitemnestra, aceita seu tio Egisto como amante. Quando
Agamenon volta de Tróia, ela o assassina. Em seguida manda para o exílio o filho
Orestes, e conserva sua filha Electra em situação servil. Quando Orestes atinge a sua
maioridade, volta a Micenas para matar a mãe. Enfrentando-o de espada
desembainhada, diante do palácio, Clitemnestra procura comovê-lo, lançando a culpa no
pai: “Terrível é meu destino, filho”. Em seguida, recorre a ameaças, gritando: “Cuidado
com minha maldição, a maldição da mãe que gerou”!” E quando estas estratégias não
funcionam, segundo a versão de Robinson Jeffers, procura finalmente seduzir Orestes
com falsos protestos de amor, abraçando-o e beijando-o apaixonadamente. De súbito,
ele fica inerme, deixa cair a espada, dizendo: “Ficarei passivo, estou confuso”. O
surpreendente nesta súbita passividade é o fato de poder ser nitidamente observada por
todo psicoterapeuta, hoje em dia, nos casos em que o rapaz fica impotente na luta com a
mãe dominadora. Somente quando Orestes nota que ela procura, rápida, tirar vantagem
desse momento de passividade para chamar os soldados e compreende que seu pseudo-
amor não é amor absolutamente, e sim uma estratégia para dominá-lo, é que consegue
erguer-se, recupera as forças e a abate.” Orestes fica, então, de fato, louco. É perseguido
pelas Fúrias, “os espíritos da noite”, com seus cabelos entrelaçados de víboras”. São as
figuras da mitologia grega que personificam a autocensura e o remorso. E de novo
surpreende como os antigos gregos descrevem a nitidez e profundidade esses símbolos do
remorso corrosivo, que não deixa a pessoa dormir e a impele à neurose, ou até a
psicose”. (Grifo nosso)

O drama prossegue com a situação de Orestes... Mas surge uma pergunta: Deve alguém ser
condenado por matar um dos genitores o domina e o explora? O autor nos faz entender o paradeiro
do filho explorado:
Orestes, insome e exausto, é acossado pelas Fúrias, até finalmente cair diante do altar de
Apolo, em Delfos, onde descansa por algum tempo. Em seguida, sobre a proteção do
deus, é mandado por Atena. A tremenda questão é: deve alguém ser condenado por
matar um genitor que o domina e explora? Já que o resultado será crucial para o futuro
da humanidade, os deuses do Olimpo descem para participar do debate. Após vários
discursos, Atena pronuncia a acusação diante do júri, suplicando que “não expulsem deste
recinto toda autoridade”, para conservar “o respeito dos deuses e o santo temor” e evitar,
de um lado, os perigos da anarquia e, de outro, da servidão senhoril. O júri vota e o
resultado é um empate. De modo que Atena, deusa das virtudes cívicas, da objetividade e
da sabedoria, é obrigada a dar o voto decisivo. Anuncia ao tribunal que, se a humanidade
quiser progredir, as pessoas precisam libertar-se das cadeias de pais odiendos, mesmo que
isso implique em seu assassínio. E assim Orestes é salvo (absolvido). (Grifo nosso)

A questão aqui não é tão meramente jurídica, mas sim, só há de fato e de direito,
amadurecimento e conquista do self, se o indivíduo adulto conflituoso se livrar das amarras
psicológicas que herdou da péssima relação com seus genitores e companhia. Se a humanidade
quiser progredir saindo da solidão absurda que vive hoje, terá que se abdicar deste inferno cordão
umbilical psicológico. Esquecer no passado seus procriadores e ressuscitar no presente o verdadeiro
eu. E aqui me vem uma dúvida? Será que Susana Von Hichthofen, matou seus genitores de forma
tão bárbara somente para ficar com a herança? Digamos que as ciências jurídicas provaram que sim,
mas e as ciências psicológicas e demais ciências, disseram o quê? Comprovaram o quê? Vale apena
salientar que ela declarou que o sonho dela é ter uma família. Bom, aqui é tema para outro livro.
Podemos observar que na história com Orestes houve um matricídio. Uma experiência
humana trágica da qual não há retorno, senão a condenação por tal crime. May acrescenta:

Sob este esboço cru de uma terrível luta de paixões jaz um dos conflitos mais
profundos e fundamentais da experiência humana. O tema é o matricídio, mas o
verdadeiro significado é a luta de Orestes, o filho, por sua existência como pessoa. É
nada menos que o combate para “ser ou não ser” uma entidade psicológica e espiritual.
Como Atena e outros deixam bem claro em seus discursos no tribunal, é um debate entre os
costumes e a moral antiga, representados pelos espíritos de Clitemnestra e de Erínia, as
irmãs das sombrias profundezas, e os “novos”, advogados por Apolo e Atena e
personificados pelo o ato de Orestes. A história pode, naturalmente, ser interpretada em
sentido sociológico como a luta do novo patriarcado contra o antigo matriarcado, como
Erich Fromm a apresenta em seu livro “The Forgotten Language” (O Idioma Esquecido) . .
.
Com fascinante percepção psicológica, Ésquilo observa que “Orestes não podia fazer outra
opção, exceto escalar as alturas”, e que ficaria “doente” para sempre se assim não houvesse
agido. E, no crescendo final, Ésquilo leva o coro grego a cantar: “Veio a luz, o dia
amanhece luminoso”, isto é, com o festo de Orestes, nova luz e compreensão desceram
ao mundo. (Grifo nosso)

Na verdade, o drama termina quebrando aquela pseuda imagem de santidade da mãe sobre o
filho. O que surpreende até hoje não é a atitude de filhos como Orestes, mas sim de que existem
mães como Clitemnestra. Claro que aqui existe uma situação extrema. Mas na vida real também
existem extremidades nas famílias, o que nós chamamos de conflitos, que se não resolvidos,
passarão de pais para filhos. Costumamos chama-los de efeito dominó. De geração em geração vai-
se passando ódio, ira, rancor, ânsia e poder. Claro que Clitemnestra é mais um símbolo do que uma
pessoa. Símbolo de tendências dominadoras e autoritárias de pais que bloqueiam as potencialidades
de seus filhos.
Quando falamos em dominação, não referimos somente naquela espécie de mandar em
costumes e atitudes, mas daqueles que conseguem consumir a alma criativa dos seus subordinados
sejam eles da família ou não. O próprio Freud acreditava na universalidade do complexo de Édipo.
Mas hoje sabemos que este complexo depende de vários fatores culturais e históricos. Como Freud
teve um pai germânico, ele acentuava essa atitude dominante ao seu genitor. Enquanto que outras
pessoas tendo um conflito direto de castração e dominação com sua genitora, aponta a mãe como
responsável pela sua ansiedade, solidão e imaturidade. Tal filho tantas vezes se prende a mãe,
tentando agradá-la, vez que sua recompensa só chega através desta via. May nos mostra como isto
acontece:
... É como se sua potência só lhe acessível para cumprir as grandes expectativas da mãe ao
seu respeito. Naturalmente, potência não é de modo algum poder quando se encontra
disponível somente sob as ordens de outra pessoa. Obviamente ele é incapaz de
utilizar suas forças para a própria evolução, ou para amar alguém até libertar-se das
cadeias a que ela o prendem. (Grifo nosso)

Há casos de filhos que tem uma grande dificuldade de cultuar a “mamãe”, que a princípio
parece ser a boazinha e a submissa, perante a figura do patriarca. Este culto às mães é estigado até
nos dias atuais. No entanto, estão começando a divulgar que a santidade proferida a mamãe tem
sido falsa. No sentido que muitas vezes, “a rainha do lar” ou a “pobre Amélia”, passou de
dominada de dominada para dominadora. De vítima para vencedora. De castrada para
castradora. Por causa de um velho ódio, esta mãe termina dominando para “vingar” seu sofrimento
nos filhos. O motivo maior é daquela ferida não cicatrizada que começa a evacuar raiva, ira,
rancor e não sabendo como curá-la, passa então a destilar seu veneno na dominação e na
destruição da pessoa do outro. A coisificação que falamos anteriormente. A única maneira de
proteger-se dos sofrimentos futuros é dominar tudo e todos.
O elo biológico entre mãe e filho é muito grande. Há filhos que narram fatos com a figura
paterna que quase os destruíram; mas apesar de tudo superaram. Mas, certas experiências
castradoras com a figura materna são tremendamente estragadoras e quase sem “concerto”. Quando
este papel de proteção que os pais deveriam oferecer aos filhos, lhes é negado, e horas até abusado
pelos os próprios, causa um rompimento profundo entre a pessoa e seu eu. E se isso não é encarado,
trabalhado e até mesmo tratado pelo o adulto ferido. As possibilidades de sucesso no futuro são
poucas. No caso de Orestes ficou bem claro os conflitos existentes nele, por conta do domínio
materno sobre sua vida. Se Orestes tivesse sucumbido aos caprichos de sua mãe, ele se tornaria uma
pedra ambulante. Isto é: sem vida e perdido no tempo, ou em si mesmo, tornando-se um simples ser
inorgânico. Ou seja: de pessoa, passaria a objeto de uso e abuso de sua matriarca. May afirma que:

Por si mesmo, Orestes resolveu que “não se desgastará interiormente”. Caso cedesse às
suas súplicas, permanecendo em Micenas, diz à irmã, seria como “uma pedra ambulante” _
isto é, perderia o direito à sua natureza singular de ser humano, tornando-se inorgânico.
Caminhando “em direção à humanidade” e distanciando-se do ninho incestuoso de Micenas
conclui com uma frase que ressoaria através dos séculos como meta da integração
psicológica do homem: “Apaixonei-me voltado para fora”. Não é por acaso que Orestes
usa os termos “interiormente” e “exteriormente” várias vezes em poucas linhas e afirma
que o grande problema de Micenas era o “incesto”. Pois o incesto é simplesmente o
símbolo sexual físico de voltar-se para dentro, para a família e, por conseguinte, ser
incapaz de “amar voltado para fora”. Psicologicamente, os desejos incestuosos, ao
ultrapassarem a adolescência, são sintoma sexual de dependência mórbida dos pais e
ocorrem predominantemente em pessoas que não evoluíram, não cortaram o cordão
umbilical que as ligava ao pai e à mãe. (Grifo nosso)

E o autor continua nos mostrando que a gratificação sexual vai além da cópula:

A gratificação sexual não é, neste caso, muito diferente da gratificação oral da criança
amamentada pela mãe. No relacionamento incestuoso, conforme diz Orestes, é importante
também a necessidade de ser admirado pelo outro, “alguém que o elogie”. (Grifo
nosso)

Jeffers leva Orestes a dizer que:


... que até a religião, em tais pessoas, é incestuosa. Vêem projeções de si mesmas no céu,
“homens correndo e banqueteando-se, a quem chamam deuses”. Seus deuses são
expressão não de mais altos níveis de aspiração e integração, mas de sua própria
necessidade de voltar à dependência infantil.
...
Tive uma visão, nós nos movíamos nas sombras; tudo o que fizemos e sonhamos era
recíproco; o homem perseguia a mulher, a mulher agarrava-se ao homem; reis e
guerreiros combatiam-se na escuridão, todos amavam ou lutavam interiormente, cada
qual, perdido, buscava os olhos de alguém que o louvasse, nunca os seus, sempre os
alheios. Voltando-se, viam apenas um homem de pé no começo, ou olhando para diante
outro no fim; ou para cima, homens no céu brilhante, correndo e banqueteando-se. A estes
chamavam deuses...
E, no fim, mil desejos incestuosos... (grifo nosso)

May continua a narrativa da seguinte forma:

Do ponto de vista religioso psicológico, isto é o oposto do que Jesus proclama: “Vim,
não para trazer a paz, mas a espada. Porque vim separar o filho de seu pai e a filha de
sua mãe e a nora de sua sogra. E os inimigos do homem serão seus próprios domésticos”.
Evidentemente Jesus não prega o ódio e a divisão, mas quer dizer, da maneira mais
radical, que a evolução espiritual está afastada do incesto e voltada para a capacidade
de amar seu semelhante, vizinho ou estranho. Na verdade, os membros da família serão
“os inimigos do homem” se continuar a eles atado. (Grifo nosso)
Incesto Datação: 1540

substantivo masculino
1 relação sexual entre parentes (consanguíneos ou afins) dentro
dos graus em que a lei, a moral ou a religião proíbe ou condena o
casamento
Ex.: i. entre irmãos

adjetivo
Diacronismo: antigo.
2 que não é puro, não é casto; impudico, impuro, incestuoso, torpe
(Houaiss)

Incesto – amar para dentro e não para fora e que não ajuda
humanidade evoluir também para fora. (Grifo nosso)

A questão do incesto como tabu, não vem somente para introduzir regras morais para uma sadia
convivência social, mas sim uma introdução de “sangue e genes novos”. O exatamente a
possibilidade de evolução da humanidade. May afirma ainda:

... O incesto não causa mal físico ao bebê: duplica simplesmente a sua hereditariedade,
roubando-lhe as possibilidades que encontraria se o pai casasse com alguém de fora de
sua família. Isto é, o tabu contra o incesto favorece uma maior diferenciação na evolução
humana e exige que a integração se realize através da igualdade, mas em plano mais
elevado. Assim, podemos acrescentar à nossa declaração do princípio deste capítulo que “o
processo de diferenciação, que é a peregrinação do ser humano pela vida, exige que ele
evolua para longe do ser humano pela vida, exige que ele evolua para longe do incesto e
em direção à capacidade de “amar voltado para fora”. Crescer para fora. (Grifo nosso)

O crescer, ou evoluir para fora dá a humanidade essa possibilidade e oportunidade de evoluir,


trazendo novas oportunidades genéticas, onde este novo ser vai ser bem superior a indivíduos que
permaneceram amando para dentro. Ou talvez essa frase seria: diminuindo-se, morrendo para
dentro. Isso sem deixar de observar que a ciência também constatou várias deformações genéticas
nas gerações que praticavam incesto. Como por exemplo o choque sanguíneo. Mesmo encontrando
fora da árvore familiar, este por sua vez se acentua na procriação entre parentes.
A LUTA CONTRA A PRÓPRIA DEMÊNCIA

Não iremos aqui radicalizar com a trama de Orestes e sugerir que cada indivíduo mate sua
genitora, mas sim, sugerir a superação do homem em amadurecer, livrando-se das amarras infantis
impostas pela genitora. Como já afirmamos antes, Orestes não é uma pessoa, mas sim uma situação
de abuso, violência e opressão de uma sociedade que castra, coisificam e tornam pessoas em objeto
de mera manipulação. Essa batalha vai além do grito de liberdade em relação aos pais, luta essa que
não venceremos dentro de poucas semanas, mas sim pela vida toda. Rollo nos mostra que este
processo acontece de forma integrativa dos pensamentos e sentimentos humanos:

Na vida real é uma questão de demorada e difícil evolução para novos planos de
integração _ evolução significando não um processo automático, e sim
reeducação, descoberta de novas ideias, tomada de decisões conscientes e uma
boa vontade constante para enfrentar lutas ocasionais ou frequentes. Quem se
submete à psicoterapia precisa muitas vezes investigar seus padrões durante
meses para descobrir até que ponto está preso sem saber, e verificar que tal
prisão existe sob sua incapacidade de amar, trabalhar, ou seguir uma vocação.
Descobre então que a luta para tornar-se uma pessoa independente provoca muitas
vezes, considerável ansiedade e até mesmo um certo terror. Não é surpreendente que
os que lutem para romper tais cadeias passem por terríveis PERTUBAÇÕES e
CONFLITOS emocionais, comparáveis à loucura de Orestes. Em essência, o
conflito é deixar um lugar protegido e familiar por uma nova dependência, sair do
apoio para o isolamento temporário, sentindo-se ao mesmo tempo impotente e
ansioso. A luta assume um caráter grave (isto é neurótico) quando a pessoa já
conseguiu evoluir em estágios anteriores; assim, os conflitos se avolumam e o
eventual rompimento é o mais traumático e radical. (Grifo nosso)

O grande problema relatado por Ésquilo (Orestes) e Shakespeare (Hamlet) na luta para o ser,
num profundo conflito íntimo e subjetivo, é uma luta travada na própria consciência; com remorso,
coragem ambivalente e indecisão... são lutas travadas tanto no interior quanto no exterior da pessoa.
Quando nascemos nos tornamos vítimas dos pais exploradores e do sistema em que estes foram
“educados”. Falando em educação, podemos divergir, pois há história de adultos que foram mais
adestrados como animais, do que amados e educados com amor como pessoa. Essa criança nascida
naquele meio, precisa se ajustar e adaptar naquele meio em que ela nasceu. Só que no evoluir deste
ser humano, ele vai interiorizando este autoritarismo a ponto de se tornar essa “coisa” autoritária
que sofrerá e trará grandes sofrimentos para os seus semelhantes. Esta luta se centraliza no seu
interior, no entanto, esta se esvai pelo exterior, dando aos pares que lhe rodeiam a triste fórmula da
solidão e da ansiedade.
Essa luta crucial de que tanto falamos que parte do nosso íntimo, tem que ser bem maior do
que digladiar com nossos genitores, mas sim de vencermos nossas dependências, que causam
tanto sentimento de culpa e ansiedade, na medida que marchamos para a liberdade. May nos
mostra como isto acontece:

O conflito básico, em suma, dá-se entre aquela parte da pessoa que procura evoluir,
expandir-se e ser sadia, e a outra que anseia por permanecer em nível imaturo, atada ao
cordão umbilical psicológico e recebendo a pseudoproteção e os mimos dos pais, em troca
de independência. (Grifo nosso)

Creio que todo ser humano quer crescer, amadurecer e encontrar-se consigo mesmo. Mas a
força necessária para vencer essa batalha é a causa em questão. No entanto, se não dermos o
primeiro passo para ganharmos esta guerra, o campo de batalhada interior, continuará minado de
ressentimento, ira e ansiedade. Continuaremos sendo vítimas destes sentimentos e não
degustaremos da tão sonhada liberdade interior.

ESTÁGIOS DA AUTCONSCIÊNCIA
Percebemos então que passamos por várias etapas para chegarmos a consciência de nós
mesmos. Vamos avalia-las agora com mais precisão os seguintes estágios na visão de Rollo:

O primeiro é o da inocência da criança antes do nascimento da AUTOCONSCIÊNCIA.


O segundo é o estágio da rebeldia, quando a pessoa luta para libertar-se, a fim de
estabelecer uma força interior independente. Este estágio pode ser mais claramente
observado na criança de dois ou três anos, ou no adolescente, e talvez inclua desafio e
hostilidade, conforme demonstrado de maneira extremada na luta de Orestes pela própria
libertação. Em maior ou menor grau, A REBELDIA é uma necessária transição no romper
das velhas cadeias e na busca de novas. MAS NÃO DEVE SER CONFUNDIDA COM
LIBERDADE. Ao terceiro estágio podemos chamar de autoconsciência comum. Nele, a
pessoa pode, até certo ponto, distinguir seus erros e fazer concessões aos seus preconceitos,
utilizar os sentimentos de culpa e ansiedade como experiências com as quais poderá
aprender e tomar decisões com certa responsabilidade. Isto é o que a maioria das pessoas
quer ao falar de personalidade sadia. Mas há um quarto estágio da consciência que é
extraordinário no sentido em que a maioria dos indivíduos raramente o experimenta. É
ilustrado de maneira nítida pelo repentino insight (clareza súbita na mente) de um problema
_ de súbito, sem que se saiba de onde, surge uma solução que se havia procurado em vão
durante vários dias. Às vezes tais revelações ocorrem em sonhos, ou em momentos de
devaneio, quando a pessoa está pensando em outra coisa; de qualquer modo, sabemos que a
resposta emerge do que chamamos planos subconscientes da personalidade. Tal
consciência talvez ocorra numa atividade científica, religiosa ou artística e é popularmente
chamada “despertar de ideias”, ou “inspiração”. (grifo nosso)

Despertar de ideias ou pura inspiração, não sabemos. Só entendemos que neste momento
trataremos deste assunto com mais satisfação como: autoconsciência criativa. Tendo em vista que
o termo clássico para esta consciência é êxtase. A palavra significa literalmente “ficar fora de si
mesmo”, ou seja: crescer amando absolutamente para fora de si mesmo, dando assim a
humanidade a vasta oportunidade de evoluir. É muito mais do que matar e se livrar da opressão
materna. Talvez a dificuldade do ser humano desfrutar deste quarto estágio seja realmente a falta de
consciência de si mesma e a não oportunidade de alcança-la. Assim, toda introspecção já existente
neste ser humano que foi coisificado torna à tona, fazendo com que essa pessoa volta a ser dona de
si mesma. Aqui os crentes citaram Paulo de Tarso: “Nos veremos como num espelho”, ou seja, sem
confusão. Face a face.
Cada pessoa tem sua forma pessoal de ver o mundo e de julgá-lo, segundo o que pensa ser
bom ou ruim. Mas, até mesmo isso, acontece numa nebulosidade que impede este mesmo ser
subjetivo. Somos sempre perseguidos pela dicotomia entre o objetivo e subjetivo. Este quarto
plano existe abaixo do Split (da separação) entre o objetivo e subjetivo.
Depois de ter passado pela intuição ou inspiração, de ter se surpreendido com a verdade
objetiva, podemos experimentar aquilo que chamamos de: experiência de amor desprendido (para
fora daquilo que somos e podemos ser evoluindo). Isto foi o que aconteceu no drama com Orestes,
quando vagueia pela floresta, após seu feito:

... não inventaram palavras para isso, ver por detrás das coisas, para além das horas e das
épocas, e estar em tudo, sempre...
... como expressar a maravilha que encontrei, sem cor, toda luz, sem mel, todo êxtase... sem
desejo, mas realizada, sem paixão, toda paz...

E May esclarece que o modo poético de Jeffers não ofusca o que Orestes quis dizer, sobretudo
a nível psicológico:

É simplesmente um estágio adiante de ter conseguido vencer a tendência dos homens de


Micenas para ver apenas em si mesmos aos olhos dos outros, “todos voltados para
dentro”, preocupados com as projeções de seus próprios preconceitos que, em sua
vaidade, chamavam de “verdade”. Estar “voltado para fora” significa penetrar em
imaginação para além do que se sabe no momento...
... É simplesmente um aspecto da característica fundamental do ser humano sadio, em
desenvolvimento, o fato de a cada instante ampliar a percepção de si mesmo e o mundo. “A
vida ocupa-se tanto em perpetuar-se como em ultrapassar-se”. (Grifo nosso)

Segundo a escritora, filósofa francesa, Simone Beauvoir – 1908; “Caso se limite a conservar-
se, então a vida é apenas não morrer, e a existência humana não pode ser distinguida de qualquer
absurdo vegetal...” Na mesma linha tem o dito bíblico que diz: “Que o grão de trigo que não
morre, não produzirá frutos”.
May acrescenta como se vive este quarto estágio de autoconsciência criativa:

Esta autoconsciência criativa é um estágio que quase todos nós só atingimos a raros
intervalos; e ninguém, exceto os santos, religiosos ou seculares, e as grandes figuras
criadoras, vive neste plano a maior parte de sua existência. Mas é ele que empresta
significa as nossas ações e experiências nos planos inferiores. Muita gente talvez tenha
experimentado esta consciência num momento especial, digamos, ao ouvir música, ou
a viver uma nova experiência amorosa ou de amizade, que temporariamente as afasta
da rotina diária. É como se por um momento a pessoa se encontrasse no alto de uma
montanha e visse sua vida daquela ilimitada perspectiva. Esta visão do alto orienta e
permite traçar um mapa mental para o percurso de semanas de paciente subida e
descida em menores altitudes, quando o esforço é grande e a “inspiração” prima pela
ausência. Pois o fato de conseguirmos, por um instante, distinguir a verdade não
ofuscada pelos nossos preconceitos, amar aos outros sem nada exigir em troca, e criar
no êxtase que ocorre quando nos absorvemos completamente no que estamos
realizando _ o fato de termos tido esses vislumbres dá significado e direção a todas as
nossas ações futuras. (Grifo nosso)

Na literatura bíblica encontramos sempre o conselho de “esquecer de si mesmo”. Digamos


que a frase em si trás um certo acanhamento. “Esquecimento de si mesmo” neste plano, é viver o
estado de plenitude da raça humana. É o ser pessoa no total de sua humanidade capaz de evoluir e
causar nova vida. Mais uma vez é o crescer para fora amando.
A autoconsciência se encontra no amadurecimento e conhecimento das nossas emoções,
pensamentos e dos sentimentos. Mas, para que isto aconteça de fato, precisamos obter uma
compreensão súbita de nós mesmos, superando vários estágios e alcançando a nossa humanidade no
total da evolução e não morrendo em si mesmo. Nietzsche descreveu a pessoa de autoconsciência
criativa citando Goethe:

“Ele disciplinou-se até chegar à plenitude, ele criou a si mesmo... Esse espírito que se
libertou permanece no cosmo como um fatalismo alegre e confiante, acreditando que... no
conjunto, tudo está redimido e afirmado _ ele deixa de negar”.

Resumindo, portanto, os estágios da autoconsciência, podemos delinear o seguinte:


1. Inocência - Antes da consciência do self – o descobrir de si mesmo;
2. Rebeldia – a busca da liberdade. No entanto não podemos confundi-las; até porque a
liberdade vai mais além do protesto de não querer ser. Acontece entre os dois a três anos
de idade e digamos que termina lá pela adolescência;
3. Autoconsciência comum – consegue distinguir os próprios erros, fazendo concessões
de seus preconceitos, utilizando o sentimento de culpa e ansiedade para tomar decisões
com maturidade e responsabilidade;
4. Consciência extraordinária ou autoconsciência criativa – onde a pessoa consegue
chegar no estágio da compreensão súbita do problema, conseguindo até fazer a divisão
(Split) entre o ser objetivo e subjetivo.
No quarto estágio temos a possibilidade de nos “contemplar do alto”. A pessoa passa ter uma
percepção quase que instantânea, ou inspiração do que aconteceu, acontece e até mesmo que
acontecerá (Passado, presente e futuro). No entanto, para que isto aconteça, esta pessoa precisa se
encontrar numa plena tranquilidade, num profundo silêncio interior. A bíblia mostra que neste
quarto estágio a pessoa deve estar preparado para sacrificar a própria vida pelos os valores que se
acredita. Este estágio é o mais pleno de todos. Algumas poucas pessoas viveram ou vivem este
estágio. Talvez aqueles que passaram por uma santidade (humano e divino) a ponto de vive-los
intensamente sem anular um ou outro.
O que mais importa para alcançar este amadurecimento e crescimento interior é que a pessoa
tenha o profundo desejo de ser ele mesmo. De abrir-se para evoluir para fora, contemplando e
vivendo o amor na sua totalidade. No entanto, a disciplina, o conhecimento, a busca, a pesquisa, o
estudo; a contemplação e a busca incansável pelo silêncio interior... se faz necessária e urgente.
Porque somente assim poderemos ter o gosto da felicidade. Ou seja: poderemos nos contemplar
face a face. Eu sou. A pessoa perdida dentro de si mesma.
A disciplina nos leva a plenitude da autoconsciência. Tendo em vista tal evolução, o espírito
se liberta, gerando assim alegria e confiança em si mesmo. No entanto, quando a autonegação se vai
dando espaço ao homem maduro, capaz de sentir e pensar, experimentando assim o amor ao
próximo, mas antes de tudo, a si mesmo.
O próprio Cristo nos mostra a convicção forte que ele tinha de si mesmo e de Deus. “Eu Sou”.
Sua posição (pessoa) de filho jamais antepunha a posição do Pai. Na sua natureza reinava o filho
humano, mas a grande expressão da divindade do todo poderoso. Ele ultrapassou os quatro
estágios... uma vez que ela tinha pleno controle na contemplação e no silêncio interior. E assim,
Deus se fez gente humana-divina e habitou entre nós.
PARTE III
AS Metas da Integração
Capítulo V
Liberdade e Força interior

Prisão externa e interna. Eis a realidade da existência humana. Este é o homem a procura de
se mesmo. May então formula a seguinte questão:

Que aconteceria se alguém perdesse total e literalmente a liberdade? Abordaremos a


questão elaborando na fantasia uma parábola que se poderia chamar o homem que foi
colocado numa gaiola. (Grifo nosso)

O autor desta obra descreve a fantasia do soberano da seguinte forma:

Certa noite, o soberano de um país distante estava de pé à janela, ouvindo vagamente a


música que vinha da sala de recepção, do outro lado do palácio. Estava cansado da recepção
diplomática a que acabara de comparecer e olhava pela janela, cogitando sobre o mundo em
geral e nada em particular. Seu olhar pousou num homem que se encontrava na praça,
lá em baixo _ aparentemente um elemento da classe média, encaminhando-se para a
esquina, a fim de tomar um bonde para casa, percurso que fazia cinco noites por
semana, há muito anos. O rei acompanhou o homem em imaginação _ fantasiou-o
chegando a casa, beijando distraidamente a mulher, fazendo suas refeições, indagando se
tudo estava bem com as crianças, lendo o jornal, indo para a cama, talvez se entregando ao
ato de amor com a mulher, ou talvez não, dormindo, e levantando-se para sair novamente
para o trabalho no dia seguinte. (Grifo nosso)

O monarca diante do seu cansaço, subitamente pensou: o que aconteceria se ele colocasse
aquele homem, o qual lhe causava tamanha inveja, numa gaiola, como os animais no zoológico?
Sem hesitar, o soberano chamou um psicólogo, disse a sua ideia e pediu para que este observasse o
homem de classe média que seria preso na gaiola.
A princípio, esta pobre criatura ficou confuso, uma vez que foi confiscado naquela gaiola.
Reclamou que chegaria atrasado para os seus compromissos, mas no decorrer do dia ele reivindicou
sua liberdade, atestando que o rei não poderia fazer aquilo com ele. Com raiva ele afirmou: “Isto é
injusto. É contra a lei”.
No decorrer do tempo, o homem aprisionado reclamou veementemente com o rei daquela
injustiça, afirmando que era injusto e que era ilegal à sua prisão. Com o passar do tempo, o homem
foi se aquietando e calou-se. Mas o psicólogo observava que mesmo diante do silêncio, os olhos do
homem brilhavam de raiva e ódio. Tanto tempo preso levou-o até imaginar se o rei tinha ou não
razão. Afinal, ele estava bem cuidado.
No entanto, depois de algumas semanas o homem começou a questionar o psicólogo, se
estava certo o que o monarca estava fazendo com ele. A resposta foi contundente, com a afirmação
que ele deveria se conformar com sua situação. A partir daí o homem passou a divulgar para os
visitantes que aquela maneira de viver na gaiola era uma forma boa. Trazia-lhe segurança e ele era
bem alimentado. Porém, o psicólogo protestou afirmando que aquela forma de vida era patética e
lhe perguntou porque motivo ele insistia na aprovação naquela sua maneira de viver.
A partir daí, cada vez que o rei passava diante da gaiola, o homem se inclinava para agradecer
ao rei o tipo de vida que tinha. Mas, quando tanto o rei como o psicólogo não eram presentes, o
homem agia de forma impertinente e mal-humorado. Muitas vezes deixava cair os pratos com os
alimentos, derramava sua água, ficando depois embaraçado por ter sido desajeitado. A partir
daquele momento, o mesmo não perdia tempo em explicar filosoficamente as razões injustas de seu
cárcere, passando então apenas dizer: “isto é o destino”. Vejamos o relato final de Rollo em relação
ao homem na sua gaiola:

Difícil dizer quando se estabeleceu a última frase, mas o psicólogo percebeu um dia que o
rosto do homem não tinha mais expressão alguma: o sorriso deixara de ser subserviente,
tornara-se vazio, sem sentido, como a careta de um bebê aflito com gases. O homem
comia, trocava algumas frases com o psicólogo, de vez em quando. Tinha o olhar vago
e distante e, embora fitasse o psicólogo, parecia não vê-lo de verdade. Em suas raras
conversas deixou se usar a palavra “eu”. Aceitara a gaiola. Não sentia ira, zanga, não
racionalizava. ESTAVA LOUCO.
Naquela noite, o psicólogo instalou-se em seu gabinete, procurando escrever o
relatório final, mas achando dificuldade em encontrar os termos corretos, pois sentia
um grande vazio interior. Procurava tranquilizar-se com as palavras: “Dizem que nada se
perde, que a matéria simplesmente se transforma em energia e é assim recuperada”.
Contudo, não podia afastar a ideia de que algo se perdera, algo fora roubado ao universo
naquela experiência. E o que restava era o vazio. (Grifo nosso)

Se observa que a partir da experiência do homem engaiolado; quando este vazio supera os
patamares da consciência, resta somente então a loucura. O “eu” já não existe mais, perde-se
sobretudo a razão da existência até mesmo na consciência. Não restando mais nada. Senão vazio,
angústia, ansiedade e solidão.
ÓDIO E RESSENTIMENTO _ PREÇO DA LIBERDADE NEGADA

Liberdade. Faz parte da essência do ser humano. O complicado fato de perdê-la, leva a pessoa
a ter sentimentos como: raiva, rancor, ressentimento. Estes sentimentos negativos surgem já na
infância, quando por algum motivo, a criança a perde; deixando então de ser uma pessoa para se
tornar um mero objeto. Naquele momento há uma aceitação superficial da perda da liberdade, mas
no futuro, bem mais próximo do que pensamos, surgirá a necessidade de rebelar-se contra esta
coisificação, para novamente reconquistar o eu pessoa. O ódio e o ressentimento, nascem como
expressão da perda do self. May acentua mais ainda esta realidade, quando:

Ódio ou ressentimento são muitas vezes a única arma de que a pessoa dispõe para não
suicidar psicológica ou espiritualmente. Sua função é preservar uma certa dignidade e
sentimento da própria identidade, como se a pessoa _ ou pessoas, no caso de nações _
dissesse tacitamente aos vencedores: “Fui dominado, mas reservo-me o direito de odiá-
los”. EM CASOS GRAVES DE NEUROSE OU PSICOSE TORNA-SE MUITAS
VEZES BEM CLARO QUE A PESSOA, ACOSSADA POR CONDIÇÕES
NEGATIVAS ANTERIORES, fez do seu ódio uma cidadela interior, um último vestígio
de dignidade e orgulho. (Grifo nosso)

Essa perda de identidade, de não saber mais “quem sou eu”, o “que sou eu” é marca registrada
do indivíduo que se tornou escravo de outro ou outros (no caso social). Aqui, já no limiar do
desespero, a única coisa que resta para a pessoa escravizada é o sentimento profundo e arraigado do
ódio. Digamos que é o último estágio para se chegar de fato a coisificação. No entanto, este
sentimento pulsa tanto nas veias deste ser humano que ele é capaz de se ferir (automutilação) e de
ferir gravemente, seja a nível físico ou emocionalmente outras pessoas. É necessário enfatizar que
quando este ódio chega ao externo da pessoa, todo o seu interno já foi contaminado ou até destruído
pelo mesmo. Este sentimento tão brutal de destruição muitas vezes se torna um sinal de
potencialidade interior para resistir aos seus opressores.
Podemos observar que o elemento chave para se instalar uma guerra civil ou militar é o
sentimento profundo do ódio. A partir dele os governos então encontram razão para matar em nome
da soberania e até de Deus. O triste é que este sentimento começa por destruir até mesmo o interno
daquelas nações que estão em guerra. Rolo nos mostra como este sentimento assola uma pessoa ou
um grupo:
Não queremos dizer, naturalmente, que o ódio e o ressentimento sejam em si louváveis, ou
que a característica de uma pessoa sadia é a sua capacidade de odiar. Nem que a
finalidade da evolução seja cada qual odiar aos seus pais, ou às autoridades. Ódio e
ressentimento são EMOÇÕES DESTRUTIVAS e é sinal de maturidade transformá-las
em EMOÇÕES CONSTRUTIVAS, conforme veremos adiante. Mas o fato de que o ser
humano destruirá algo _ geralmente a si mesmo, no final das contas _ de preferência a
renunciar à própria liberdade prova o quanto esta é importante para ele. (Grifo nosso)

A função do ódio e do ressentimento nada mais é que uma arma contra quem oprimiu e ou
roubou a liberdade de outrem. No entanto, esta pessoa que foi roubada na sua liberdade, guarda o
“sacro” direito de odiar o seu opressor. No entanto, cabe à vítima se livrar do opressor, procurando
ao longo dos tempos canalizar o seu ódio e ressentimento destrutivo para algo construtivo. Falando
assim parece fácil, não é? Não é bem assim, mas, independentemente se é fácil ou difícil, o que
importa é que não é impossível. Para isto a pessoa na condição de vítima, precisa querer ficar livre
do seu algoz, livrando-se de tais sentimentos destrutivos. Não é questão de espiritualizar tudo isso,
jogando a culpa no sentimento do perdão. Não é isso. É mais do que isso: a opressão continuará,
mesmo depois do perdão, caso o indivíduo continua odiando tudo ou todos.
Sabemos que num exemplo claro e eficaz que os judeus foram o bode expiatório de Hitler
diante das nações. Não vem ao caso perdoá-lo diante das mesmas nações que o apoiaram. Caso isto
aconteça, ótimo, mas coube aos judeus transformar todo o sofrimento causado pelos seus opressores
em algo construtivo, porque senão as gerações futuras seriam contaminadas pelo ódio e pelo
ressentimento contra os alemães. Difícil ou não, creio que a possibilidade de melhorar esta situação,
depende desta nação acreditar, apostar e criar algo construtivo no evoluir de sua própria nação.
Mesmo assim Rolo May nos mostra como está hoje a face do homem moderno:

Nos livros de Kafka, como em grande parte da literatura moderna, encontramos o


quadro deprimente do homem moderno que perdeu a capacidade de resistir aos
seus acusadores. O personagem principal de “O Processo”, K., foi preso, mas
nunca soube qual a sua culpa. Vai de tribunal a juiz, a advogado e novamente ao
tribunal, queixando-se sem veemência e pedindo que alguém lhe explique de que foi
acusado, mas nunca afirma seus direitos, nunca estabelece um limite, dizendo:
“Além disto não recuarei, ainda que me matem”. O padre grita para eles, na igreja:
Você não compreende coisa alguma?” _ grito que não primava pelas boas
maneiras, tanto burguesas como eclesiásticas, mas revelava a profunda dignidade
da preocupação de uma pessoa por outra e significava: “Você não tem mais
energia alguma? Não é capaz de erguer-se e afirmar-se?” Ao final do romance, os
dois executores vêm em busca de K. e oferecem-lhe uma faca COM A QUAL
PODERIAM SUICIDAR-SE. A prova decisiva da tragédia que constitui a perda
do último vestígio de dignidade foi o fato de não ter sequer conseguido matar-se.
(Grifo nosso)

Nos círculos sociais, nos dias de hoje, não querem admitir o ódio. Assim como há 40 anos
atrás não se admitiam os impulsos sexuais, a ira e a agressividade. São emoções negativas, embora
fossem consideradas num lapso ocasional, mas não encaixavam dentro do perfil burguês sadio,
controlado, bem ajustado e equilibrado da época. assim como hoje não admitem o ódio e o
ressentimento. Ambos são recalcados e muitas vezes destilamos estes dois sentimentos em outras
pessoas e grupos, fingindo que nada aconteceu de negativo naquele relacionamento. Basta vermos
a população carcerária no Brasil, cuja estatística afirma que a maioria são negros, pobres e
analfabetos, incluindo aqui também o público feminino. Essa ideia bíblica de amar e rezar pelos
nossos inimigos não é muito praticado no cotidiano, uma vez que camuflamos o nosso ódio e
fingimos ser bons samaritanos.
O que importa na verdade após a não aceitação do ódio na nossa sociedade atual é entender o
personagem anterior que não teve coragem nem sequer para matar-se. Ao recalcar este sentimento
tão horrendo contra o opressor, podemos volta-lo para nós mesmos. Entrando assim de uma vez por
todas no sentimento de autocomiseração. O ressentimento e ódio por si mesmo. Rollo descreve a
situação do homem moderno na visão de Nietzsche:

Friedrich Nietzsche sentiu, de modo amargo e profundo, esse problema de ressentimento


nos tempos modernos. De fato, novamente situa-se no âmago dos conflitos psicológicos do
homem moderno, pois, com tantos de seus contemporâneos dotados de sensibilidade,
rebelava-se contra a negação da liberdade; contudo, não conseguiu ultrapassar inteiramente
o estágio da rebeldia. Filho de pastor protestante, que morreu quando ele era ainda criança,
educado por parentes numa atmosfera sufocante, Nietsche padecia sob os aspectos
coercitivos de background (experiência de fundo) alemão, mas, ao mesmo tempo, estava
sempre em luta contra eles. De espírito religioso, embora não dogmático, percebia o
grande papel representado pelo ressentimento na moralidade convencional da
sociedade em que vivia. Sentia que a classe média estava impregnada de ressentimento
recalcado, e que este emergia indiretamente na forma de “moral”. Proclamou que “... o
ressentimento se encontra no âmago de nossa moral”, e que o “amor cristão é um
simulacro do ódio impotente...”. qualquer pessoa que queira, hoje, ilustrar a “moralidade”
motivada pelo ressentimento não precisa ir além dos mexericos de uma cidade pequena.
Mesmo os que crêem que o ponto de vista de Nietzsche era unilateral, como de fato era,
concordarão em que ninguém pode chegar ao verdadeiro amor, à moralidade, ou à
liberdade antes de ter enfrentado francamente e vencido o próprio ressentimento. Este,
assim como o ódio, deveria ser usado como motivação para a reconquista da genuína
liberdade: não se transformarão essas emoções destrutivas em construtivas enquanto isso
não for conseguido. (Grifo nosso)

Esse processo de amadurecimento começa no momento em que a pessoa identifica quem ou


que coisa tanto odeia. Se o ódio está sendo dirigido àquela pessoa em específico ou a alguma coisa
criada ou realizada pela mesma. Isto se faz necessário, porque boa parte das pessoas se protegem
interiormente com o próprio ódio. Podemos até odiar algo ou alguém, mas o interessante é que este
sentimento tão ruim nos impulsione para realizar algo de novo. Ou seja: crescendo para o exterior,
uma vez que a dignidade e a liberdade interior estão latentes. Muitas vezes nos escravizamos com o
ódio direcionada a esta ou aquela pessoa ou sua obra de arte, enquanto aquela pessoa nem sequer
sabe que existimos.

O QUE A LIBERDADE NÃO É

Com certeza das mais certas é: liberdade não é revolta. A revolta é uma normal de conquista
da liberdade. E compreenderemos o que é a liberdade com mais afinco, quando entendermos o que
não é liberdade. A força da rebeldia se encontra presente em todas as fases da vida. Vai desde a
infância até a adolescente, chegando em alguns momentos até na fase adulta. O excesso desta na
juventude marca o período em que o jovem está combatendo a ansiedade de ingressar no mundo.
Ainda bem que avançamos no quesito educar as crianças e não somente tratá-las como mero
objeto de manobra para nossos interesses pessoais. Havia uma doutrinação específica da infância,
deixando-a assim a mercê de uma realidade que não valorizava mais aquele ser como pessoa de
direito.
A partir do momento em que esta criança foi tratada com o genuíno respeito, aceitando-a
como pessoa, real em potencial, permitindo que se desenvolva em todas as suas potencialidades, em
vez de exigir que simule seus desejos e emoções, entremos em uma nova era de busca concreta
pela liberdade e não apenas um quesito utópico.
Outro erro constante na sociedade como um todo é confundir falta de planejamento com
liberdade. Isso vale desde a nossa vida pessoal até a macro e microeconomia mundial. Planejar é ter
autoconsciência de que cada um tem seu espaço, sua independência, mas como sempre disse o dito
popular: “Minha liberdade termina, onde começa a tua...”. E assim vamos criando espaço para o eu,
o você e o nosso.
O século XX foi marcado pela interdependência, assinalado sobretudo pela a comunidade
econômica. Esta por sua vez é construtiva da liberdade quando conservamos o senso de perspectiva.
Superamos o correio a cavalo e agora estamos na era da tecnologia da mídia veloz. Isso nos deu
mais tempo para dedicar ao intercâmbio intelectual e espiritual contido nas correspondências
tradicionais como cartas ou bilhetes; abrindo-nos um leque para o mundo, através da comunicação,
sem nos preocupar com o método de transporte das correspondências antigas.
Isso tudo nos levou a uma competição tão grande pela liberdade que agora confundimos o que
ela nos representa de fato e de direito. A grande importância concedida à liberdade para competir
parece-me revelar o quanto perdemos da verdadeira compreensão da liberdade.
O cristianismo na sua essência prima pela liberdade como verdade de fé (dogma); isso
baseando-se nas suas doutrinas romanas, deixando assim pouco espaço para a conquista de novos
horizontes.
Esta tão mencionada liberdade é algo viva, advindo precisamente do modo como esta pessoa
na sua essência total se relaciona com a sua comunidade e os seus semelhantes. Liberdade significa:
abertura, disposição para evoluir; significa ser flexível, pronto para mudar em vista de mais
importantes valores humanos. May nos afirma o seguinte:

Identificar liberdade com determinado sistema é negá-la, cristalizá-la, transformá-la


num dogma. Agarrá-la a uma tradição, alegando que se perdermos algo que dava
resultados no passado teremos perdido tudo, não demonstra espírito livre, nem contribui
para a futura evolução da liberdade. Conservaremos a fé naqueles homens corajosos, os
primeiros industriais, os comerciantes e capitalistas dos séculos XVI-XIX, do mundo
ocidental, assim como nos pioneiros independentes de nosso país, se imitarmos sua
coragem, ousarmos pensar à sua maneira audaz e planejar as medidas econômicas para o
nosso tempo, conforme eles fizeram na sua época. (grifo nosso)

E o autor continua expressando sua fé na liberdade, mesmo não sendo sua obra uma literatura
de economia ou sociologia, mas um tratado de psicologia. Vejamos como ele traduz na realidade
atual sua crença na liberdade socioeconômica.

Propomos simplesmente que nosso ideal sócio-econômico seja que a sociedade dê a cada
um o máximo de oportunidades para realizar-se, desenvolver o uso de oportunidades
para realizar-se, desenvolver o uso de suas potencialidades e trabalhar como um ser
humano digno, em intercâmbio com seus semelhantes. Uma boa sociedade é, portanto,
aquela que concede mais liberdade aos seus componentes _ liberdade definida não negativa
e defensivamente, e sim de maneira positiva, como a oportunidade para realizar valores
humanos cada vez mais amplos. Segue-se que o coletivismo, como o fascismo e o
comunismo, são a negação desses valores e devem ser combatidos a todo custo. Mas só
conseguiremos vencê-los quando nos dedicarmos a ideais mais positivos, sobretudo à
construção de uma sociedade baseada num genuíno respeito da pessoa humana e de sua
liberdade. (grifo nosso)

Liberdade significa abertura para a vida e o mundo como tal: nas suas diferenças e
diferenciações. Abertura para o novo que desponta a cada dia que brota, mas que nos lança desafios
para compreendermos a evolução em cada parte no planeta. Abertura para a autoconsciência que se
faz presente na pessoa e que a leva a conquista eficaz da liberdade.

O QUE É LIBERDADE

Depois de descobrimos o que não é liberdade, passaremos então a entender o que é...
“Liberdade, liberdade... abre as asas sobre nós...”. Sendo na sequência a definição de May sobre a
tal sonhada liberdade.

Liberdade é a capacidade de o homem contribuir para a sua própria evolução. É a aptidão


para nos amoldarmos. Liberdade é o outro aspecto da autoconsciência: se não tivermos
consciência de nós mesmos seremos impelidos pelo instinto, ou pela marcha automática
da história, como as abelhas ou os mastodontes. Mas, pela autoconsciência, somos capazes
de recordar de que modo agimos na véspera, ou no mês passado, e, aprendendo com essas
ações, influir ainda que pouco na maneira de agir hoje e planejar uma situação futura _
digamos, um jantar, uma entrevista para emprego, ou uma reunião de diretoria. E,
debatendo na fantasia as diferentes alternativas que nos apresentam, escolher a que melhor
nos convenha. (grifo nosso)

A autoconsciência é a chave para acessarmos a liberdade. Sem ela não nos abrimos para o
infinito, mesmo sendo finito. Esta nos estimula a procurar, entender, dizer e sobretudo a viver a
verdade que nos liberta da escravidão, do medo e da liberdade. Tudo se torna claro e nesta
clareza nos fazemos gente humana. Assim sendo, Rollo May nos adverte para vivermos a procura
incessante pela o conhecimento de nós mesmos, cabendo somente a nós evoluirmos ou
continuarmos na mesmice da velhice.

A autoconsciência dá-nos a aptidão para nos afastarmos da rígida cadeia de estímulos e


reações, fazer uma pausa e assim avaliar, decidir qual será a nossa resposta.
Quanto mais somos controlados por doutrinas moralistas, por inibições, repressões,
condicionamentos da infância (conscientemente esquecidas), mas que ainda a impulsionam
inconscientemente, tanto mais é impelida por forças que não consegue controlar. Nisto, somos
sobressaltados pelas nossas angústias e medos. Somos escravizados pela nossa ânsia e desespero e
deixamos a estrada da liberdade, para trilharmos os padrões condicionantes da velha escravidão.
Quanto mais ligeiros os sintomas, a percepção de nós mesmos que se esboça vem a par a
crescente capacidade para orientar a própria vida.
O que devemos tomar um zelo grande é quando entramos no determinismo. Que isso é
determinado por aquilo. Ou vice-versa. Existe sim alguns fatores que determinam a
autoconsciência, mas não é uma regra. A liberdade revela-se assim na maneira como nos
relacionamos com as realidades deterministas da vida. Para se conquistar a liberdade precisa-se
interagir com a própria realidade, como nos mostra May:

A liberdade revela-se no ajuste da própria vida com as realidades _ tão simples como
o descansar e alimentar-se, ou tão importantes como a morte. Meister Eckhart
expressou seu approach (visão) da liberdade num de seus argustos (sagazes) conselhos
psicológicos: “Quando você se sente tolhido é porque sua atitude está desajustada”. A
liberdade está implícita quando aceitamos as realidades, não por cega necessidade, e sim
por opção. Isto significa que a aceitação de limitações não precisa ser uma “rendição”, mas
pode e deve ser um ato livre e construtivo; e talvez tal opção tenha resultados mais
criativos para a pessoa do que se esta não precisasse lutar contra nenhuma limitação. O
homem dedicado à liberdade não perde tempo lutando com a realidade; ele “enaltece a
realidade”, conforme observou Kierkegaard. (grifo nosso)

Um ser humano desajustado e desconfigurado não consegue encontrar-se consigo mesmo,


perdendo-se na longa batalha interna e externa a procura do seu ser pessoa. Uma vez que esta
travada batalhada acontece longe da autoconsciência, esta pessoa não cresce para fora. Não evolui e
assim impede se perde na vida que toma sempre o seu curso. Como já cita William Shakespeare:
“Mesmo você estando quebrado, a vida não pára, para você se concertar...”. No entanto é necessário
afirmar que a revolta não nos leva a cura completa, mas muitas vezes ela nos paralisa diante do
sofrimento e nos impede de ir além da nossa consciência. Assim, de maneira negativa, não
alcançamos o estágio da autoconsciência.
Tomemos como exemplo os pacientes de tuberculose que aceitam o tratamento com todas as
suas regras, mas se revoltam por estarem limitados às regras impostas, não aceitando a imposição
das mesmas como resultado da cura. Estes pacientes podem até não morrem, mas o resultado final,
que é a cura, não acontece.
Outro grupo de tuberculosos aceitam as regras apenas com pelo determinismo. Usam esse
fator para saírem da sucumbência da doença, procurando usar os meios para se auto conhecerem.
Mas, como variam de dia para dia, a autodisciplina falha, não dando assim um resultado eficaz.
A cura se encontra na autoconsciência da doença. Ter a liberdade de aceitar as regras
impostas para tratar-se, mas, ao mesmo tempo este procura entender e compreender as razões pelas
quais caiu naquela tuberculose. Podem até usar como tema para contemplação a fé ou a religião;
mas enfrentam com liberdade aquilo que determinou a gravidade na sua saúde. May nos confirma
tal fato mostrando-nos como isto é possível:

Através da capacidade para estudar a própria vida o homem pode TRANSCEDER


(superioridade de inteligência; perspicácia, sagacidade) dos acontecimentos imediatos que o
determinam. Seja tuberculoso, ou escravo, como o filósofo romano Epicteto, ou
prisioneiro condenado à morte poderá escolher livremente como se relacionará com
tais fatos. E a maneira como se relaciona com o fato de realidade irreversível, a morte,
pode ser mais importante para ele do que a própria morte. A liberdade é dramaticamente
ilustrada por ações “heroicas”, como a decisão de Sócrates no sentido de antes tomar a
cicuta (um dos venenos mais letais que existem) que transigir; mais significativo ainda,
porém, é o exercício diário da liberdade por parte de uma pessoa em evolução para a
integração PSICOLÓGICA e ESPIRITUAL, numa sociedade conturbada como a nossa.

A liberdade, portanto, não é apenas uma questão de dizer “SIM” ou “NÃO” diante de uma
situação específica: é a força de amoldar e criar a nós mesmos. É a capacidade, para
dizer como Nietzsche, “de nos tornarmos o que verdadeiramente somos”.

O conceito de liberdade que encontramos nos dicionários, sobretudo na rubrica da filosofia


traduz que capacidade individual de optar com total autonomia, mas dentro dos condicionamentos
naturais, por meio da qual o ser humano realiza a sua plena autodeterminação, organizando o
mundo que o cerca e satisfazendo suas necessidades materiais. Ou seja... quando nós
conseguimos viver realmente a liberdade de ser quem somos. Pessoas. E que estas “tenham vida e
em abundância”, como determina o preceito bíblico.
LIBERDADE E ESTRUTURA

Falamos anteriormente da revolta. Que ela pode não matar a pessoa, mas pode impedi-la de
avançar para o crescimento externo, perdendo assim o direito de evoluir. Podendo até sucumbir
dentro da sua própria espécie. Assim sendo afirmamos também que a liberdade não acontece no
nada, e nem tão pouco numa anarquia. Se não existir uma estrutura para esta pessoa exercer sua
autoconsciência, estando esta mergulhada num profundo vazio; tudo poderá acontecer, exceto,
liberdade. Podemos até questionar que tipo de estrutura nós temos ou fazemos parte, mas o que é
importante saber é que a estrutura do eu, não pode se confundir ou se perder na coletividade, como
já salientamos anteriormente neste livro. Elaborar esta estrutura é buscar na ética, na religião e até
mesmo na filosofia as nossas próprias potencialidades como indivíduo que precisar crescer para
fora e assim livremente evoluir.
O termo indivíduo nos faz crer que somos de fato e também de direito qualquer ser concreto,
conhecido por meio da experiência, que possui uma unidade de caracteres e forma um todo
reconhecível. Somos existência pura que ao obtermos autoconsciência e nesta encontrarmos a tal
sonhada liberdade de “ser” quem somos; reconheceremos em nós mesmos a nossa verdadeira
essência que é a de evoluir.

“OPTAR POR SI MESMO”

Já nascemos livres ou esta liberdade já vem incutida na nossa existência? Podemos filosofar
muito tempo nesta questão, mas o que importa para esta obra é afirmar que a mesma não chega
automaticamente, mas sim devemos conquistá-la. E essa conquista não é um troféu adquirido num
único lance. Precisamos a cada dia conquistar a nossa “porção” de liberdade. É como Goethe diz na
lição final aprendida por Fausto:

“Sim! A esta ideia atenho-me com firme persistência: a sabedoria impõe-lhe o seio da
verdade; conquista a existência e a liberdade somente quem tem todo dia a reconquista”.
(grifo nosso)

Se quisermos nos tornar um ser livre, temos que optar por sermos nós mesmos e assumirmos
a responsabilidade pelo nosso self e pela nossa própria existência. Essa escolha antepõe o impulso
cego rumo a existência rotineira. O coletivo muitas vezes de escudo protetor para nossa covardia e
assim sendo, implica em tomarmos uma decisão de existirmos por nós mesmos ou para e pelo os
outros.
Podemos avaliar que o suicídio, exceto nos psicóticos, torna-se uma forma de confirmar essa
opção por nós mesmos. Devo ou não morrer? Se optarmos pelo suicídio, optamos por findarmos
neste plano a nossa existência, estamos afirmando que tivemos a liberdade de escolha. Ficar ou
partir. No entanto, Rollo afirma:
A importância do suicídio não reside no fato de que as pessoas se matam em grande
número. Na verdade, é um acontecimento raro, exceto nos psicóticos. Mas, psicológica e
espiritualmente, a ideia do suicídio tem um significado mais amplo. Há o suicídio
psicológico, no qual a pessoa não toma a própria vida com determinado gesto, mas
morre porque decidiu – talvez sem plena consciência – não mais viver...
... Desconhecemos, naturalmente, os processos psicológicos que levaram uma pessoa,
aparentemente ainda com forças, a desistir da vida, mas podemos suspeitar que exista em
ação uma tendência íntima a optar por não viver. (grifo nosso)

Podemos também citar outro exemplo de uma pessoa que cuidou por muitos anos de um
doente. E quando este morre. O que parecia ser uma vitória por parte do cuidador (em ter colocados
seus préstimos) em favor da vida, termina morrendo dentro de si mesmos, quase como uma escolha
interior. Uma vez que somos livres para morrer, também somos livres para viver. O que carece uma
reflexão mais aprofundada é o que conta como maior naquele momento. Morrer ou viver?
A liberdade acontece quando temos a capacidade de avaliar os dois lados. Razões primárias
para morrer e secundárias para viver. Sabendo conscientemente dos riscos, o humano escolhe entre
uma ou outra. Vivendo ou morrendo, o ‘eu’ estou livre e assumo as consequências do ato em si.
Como disse o poeta Gonzaguinha: “Viver e não ter a vergonha de ser feliz, mas ter a certeza de ser
um eterno aprendiz.”
A grande questão em si é em relação à liberdade em querer aceitar o resultado das próprias
escolhas. May nos mostra como essa prisão interior acontece no ser humano em questão:

... quem não é livre é u autômato e, é evidente, não tem responsabilidade, e se não pode ser
responsável por si mesmo não pode ter liberdade. Mas quando se faz uma opção “pessoal”,
esta união de liberdade e responsabilidade torna-se mais do que uma ideia agradável.
A pessoa experimente-a em sua própria pulsação. Ao optar por si mesma tona-se cônscia
de ter escolhido, conjuntamente, a liberdade pessoal e a responsabilidade. (grifo nosso)

O que acontece depois desta descoberta é o seguinte:


a) A disciplina exterior transforma em autodisciplina;
b) A pessoa não aceita mais obedecer a ordens, simplesmente porque são ordens;
c) A escolha de morrer ou viver começa a ser embasada nos valores que deseja alcançar;
d) A pessoa assume a responsabilidade da própria vida, liberdade e responsabilidade se
perfazem no cotidiano;
e) Deixa de ser “a maria vai com as outras”, isto é: não viver mais de opções coletivas, mas
sim optar por decisões feitas por si próprio;
f) Transformar a disciplina exterior em autodisciplina - aceitá-la não somente por ordens
externas, mas conquistar o sacro direito de pensar a partir de si mesmo, suas necessidades,
assumindo a responsabilidade de seus resultados, atingindo assim a maturidade.

A CONSCIÊNCIA CRIATIVA

Quando consegue este estágio da liberdade interior, nasce então uma consciência criativa,
proporcionando-nos uma capacidade de ver, julgar, agir e rever nossos próprios atos, assumindo a
responsabilidade dos mesmos, gerando em nós o grande desejo de mudança, amadurecendo o nosso
‘eu’, fazendo uma revolução a partir de dentro para fora. Aqui existe de fato e de direito uma
evolução.
Há afirmações que o homem é um “animal ético”. Assim narra Rollo May:

... ético em potencialidade, ainda que, infelizmente, na realidade não o seja. Sua capacidade
de juízo ético – como a liberdade, a razão e as outras características exclusivas do ser
humano – baseia-se na consciência de si mesmo.

Sabemos que o ser humano se distingue de outros animais através da consciência. Somos
únicos na capacidade de amar e odiar. Esses dois sentimentos presentes no humano, ajuda no
aparecimento da capacidade de auto-orientação, seja na criança e no jovem. Já a pessoa adulta
precisa saber o que quer dentro da sua aptidão e dos seus valores. Nisto nasce à pessoa madura.
O sinal que certa pessoa amadureceu é ter sua vida integrada com seus valores e escolhas.
Saber o que se quer é essencial quando esta pessoa descobre sua orientação de auto-orientação. Isto
o leva a crer na sua própria capacidade de saber o que está fazendo. Rollo nos mostra que a partir
disto, descobre o âmago psíquico. Vejamos:

Vimos em capítulo anterior que a ansiedade, confusão e vazio - as doenças crônicas


psíquicas do homem moderno – ocorrem principalmente porque seus valores são confusos
e contraditórios e porque não possui ÂMAGO PSIQUÍCO. Podemos agora acrescentar
que o grau de força íntima e integridade do indivíduo dependem da medida de sua crença
nos valores que pautam sua vida... (grifo nosso)
Acrescenta Rollo:

Em primeiro lugar, seus valores e os meus – e a nossa dificuldade em afirma-los – muito


dependem do período que vivemos. É sempre assim: numa época de transição, quando o
ceticismo e a dúvida acompanham todas as ideias, a tarefa do indivíduo torna-se mais
difícil. Goethe, que não teve motivos para rufar tambores pela fé, escreveu: “Todas as
épocas dominadas pela fé, seja qual for a sua forma, são gloriosas, exaltantes e
frutíferas, trazendo prosperidade. Todas as épocas, por outro lado, que o ceticismo, fosse
qual fosse sua forma, apresentasse um precário triunfo, ainda que de esplendor reflexo,
perderam seu significado...” Porque ninguém sente prazer em debater com “o que é
essencialmente estéril”. (grifo nosso)

Mesmo assim, as crenças e tradições herdadas tendem a cristalizar-se, suprimindo a


vitalidade individual de cada ser humano. Quando não existe a liberdade e a responsabilidade, não
existe o amadurecimento; deixando assim espaço para o ritualismo até frenético das crenças e
tradições. A partir daí pode-se afirmar que o ceticismo pode influenciar na auto-orientação, mas a
crença nas tradições impende também o ‘crescer para fora’. Impedindo-nos assim evoluir como
humano ser. Tanto um quanto o outro pode servir de empecilho para o nosso amadurecimento
pessoal.
Quando a vitalidade se divorcia da tradição, surgida da rebeldia, a liberdade acontece e este
ser que outrora se perdeu no coletivo, encontra-se com seu ‘eu’ a partir de escolhas precisas e
maduras. O amadurecimento chega e com ele a autoconsciência.
Boa parte das pessoas não aceitam as transformações, pois as mesmas trazem incertezas na
vida ampla, assim sendo se agarram em religiões tradicionais, conservadoras e fundamentalista, de
preferência às liberais. O risco disto hoje é que as pessoas vazias busquem consolo nestas tradições,
porque assim podem até arriscar a própria vida por escolhas radicais, como aconteceu na década de
30, aonde o comunismo veio para ocupar o lugar da fé.
Quanto mais as pessoas se sentem ameaçadas, ansiosas e vazias, mais elas se tornam
radicais e rígidas. Tornando assim dogmáticas, perdendo de vez a sua vitalidade. O pior é que
refugiar-se no passado não resolve. Tais esforços são fundamentalmente autodestrutivos. Temos
que aceitar nossa vida em sociedade em que vivemos, buscando com ética, compreensão e coragem,
compreender a nossa situação histórica.
O problema de nos refugiarmos em religiões ou grupos radicais é de perdermos o ‘eu’ no
‘nosso’. A própria ciência reconhece que a religião é o meio para se auto educar no encontro
consigo mesmo; sem deixar de buscar a compreensão e a convivência com o próximo. Outro risco
eminente é de intelectualmente criarmos grupos radicais, gerando, sobretudo na tradição religiosa,
aspectos mais óbvios e menos sólidos. Vejamos então a afirmação de May quanto a este tema/;

O verdadeiro problema é, portanto, distinguir o que há de sadio na ética e na religião,


proporcionando segurança que amplie em vez de diminuir o valor pessoal, a
responsabilidade e a liberdade. Comecemos como nos capítulos anteriores, por perguntar
como nasce e evolui uma sadia ética no ser humano. (grifo nosso)

ADÃO E PROMETEU

Não tem como chegar nesta autoconsciência humana sem conflitos. Não é uma regra ‘tão
simples assim’. Mesmo sendo um animal ético, o homem busca evoluir pagando o preço por isso.
Seja com sofrimento e ansiedade. Este conflito nós percebemos no conto do primeiro homem,
Adão, literatura bíblica ou com Prometeu, narração da mitologia grega. Ambos sofrem do mesmo
dilema e conflito: a ansiedade.
Adão e sua companheira Eva, vivem no paraíso, não sofrem de ansiedade e muito menos
ainda de remorsos. Não sabem “que estão nus”. Não carecem lutar para ter seu sustento e não
conhecem conflitos psicológicos no seu íntimo, ou na relação com o Criador. No entanto, havia uma
regra de ouro que não poderia ser quebrada: “o fruto da árvore proibida” (ciência do bem e do
mal). Ao comerem, imediatamente perceberam que estavam nus. Deus então “em sua ira”
(sentimento da criatura e não do criador) os castigou com: a mulher sentiria desejo sexual pelo
seu marido e a o homem deveria trabalhar para conseguir o seu próprio sustento. Assim narra o
livro dos Gênesis:

“Para a mulher Deus disse: - vou aumentar o seu sofrimento na gravidez, e com muita
dor você dará a luz. Apesar disso, você sentirá desejo de estar com seu marido, e ele a
dominará. E para Adão Deus disse o seguinte: - Você fez o que sua mulher disse e comeu
a fruta da árvore que eu proibi de comer. Por causa do que você fez, a terra será maldita.
Você terá de trabalhar duramente a vida inteira a fim de que produza alimento
suficiente para você.” (Gênesis 3:16,17) – (grifo nosso)

Podemos notar então na narrativa anterior, que o ocorrido nos mostra a evolução do homem,
sobretudo na sua fase entre um e três anos de idade, onde surge a emergência da autopercepção.
Antes dessa fase o individuo vive no paraíso, símbolo da primeira infância, que vai da concepção
até o terceiro ano de vida. Nesta fase a criança não conhece nem vergonha e nem remorso.
A lenda, assim como o texto do Gênesis, nos mostra que até então os primeiros seres “Adão
e Eva”, não conhecem no seu intimo, os conflitos psicológicos ou espirituais, seja em relação a
Deus ou a si mesmos. Esta percepção ética só é conquistada ao preço de conflitos íntimos, assim
como a ansiedade. No ano 850 A.C, a lenda do primeiro homem (Adão), demonstra o insight e as
autoconsciência nasceram. May nos mostra como a perda da inocência nos leva a ansiedade:

Com a perda da “inocência” e os primeiros rudimentos da sensitividade ética, o mito


prossegue indicando que a pessoa herda determinados encargos de autoconsciência,
ansiedade e sentimentos de culpa. Além disso, possui uma percepção - embora só surja
talvez mais tarde – de que “pó”, isto é, compreende que algum dia morrerá, torna-se
cônscio de ser finito. (grifo nosso)

Na teoria do livro da criação, Javé se torna a mais antiga e primitiva divindade tribal
hebraica, reconhecida como ciumenta e vingativa. Assim sendo, essa criatura corrompida pela perda
da inocência, passa ser curada pelo criador vingativo. Portanto, tudo que acontecer daqui para frente
na vida deste “velho homem” (Adão após o pecado), será terrivelmente monitorado pelos drones
divinos do seu Criador.
O mito grego mais próximo de Adão é o de Prometeu... Que teve a loucura de roubar fogo
dos deuses e deu aos humanos. Assim sendo, o mesmo foi castigado severamente, como demonstra
a obra que estamos estudando:

O enraivecido Zeus (deus dos deuses do panteão grego), observando, uma noite, um
brilho na terra, verificou que os mortais possuíam fogo e, agarrando Prometeu, arrastou-
o ao pico da montanha. A tortura imaginada pela fértil imaginação de Zeus foi mandar
que um abutre se banqueteasse durante o dia com o fígado de Prometeu e que a víscera
crescesse durante a noite, para que a ave novamente o atacasse, atormentando-o
eternamente.
Do ponto de vista do castigo, Zeus ganhava de Javé em crueldade, pois o deus grego,
irado porque o homem possuía fogo, amontoou todas as doenças, tristezas e vícios numa
caixa dando-lhes a forma de criaturas aladas e mandou que Mercúrio a levasse para o
paraíso terreno (que lembra o jardim do Éden).

Podemos crer que Adão é o mito da autoconsciência e que Prometeu é o símbolo da


criatividade. Sendo assim, o conflito íntimo nasce com a criatividade, tendo em vista que a
crueldade de Zeus representa de certa forma, a capacidade única do indivíduo humano ser capaz de
amar profundamente e de levar seu semelhante a torturas terríveis... Nascendo a seguir na nossa
natureza, a culpa, a ansiedade e o remorso.
O início da sabedoria está na admissão da própria ignorância, tendo em vista que o homem
pode utilizar criativamente de suas forças e até transcender* de suas limitações somente quando
com humildade e franqueza admite essas limitações. Evitando para si, o falso orgulho.
O medo que o ser humano tem de progredir vem desta ansiedade de Adão e da tortura que
sofreu Prometeu. Este fato não só nos mostra o lado corajoso de cada ser humano, assim como o seu
lado servil, que muitas vezes prefere o conforto e a liberdade do que a segurança do crescimento.
Torna-se uma pessoa preenchida por autoconhecimento e criatividade, aquelas que passam pelo seu
conflito interior, superando assim o conforto e assumindo a segurança de ser quem de fato é: um
homem cheio de si mesmo. O novo, o que evolui... São as crenças dogmáticas e os rígidos costumes
que resistem à nova criatividade. Assim sendo, sem essa criatividade, este ‘velho homem’, não
evoluirá, permanecendo na sua zona de conforto, sem se arriscar de ter segurança para continuar na
busca interior do evoluir. Essa luta constante o leva a nada mais, nada menos do que viver na eterna
ansiedade e muitas das vezes na tortura do dia e da noite (a espera do abutre).

Transcender Datação: s XIV

verbo
Transitivo direto e transitivo indireto
1 elevar-se sobre ou ir além dos limites de; situar-se para lá de
Exs.: todos esses fatos incomuns transcendem o nosso entendimento
são conceitos que transcendem à mediocridade dos lugares-comuns
administrar nossas finanças transcende de suas funções de diretor
transitivo direto
2 superar (alguém, algo, um grupo) por lhe ser superior
Ex.: o líder transcende o seu grupo
pronominal
3 superar-se por ir além de suas limitações
Ex.: o homem tem podido t.-se, apesar de todos os valores que erigiu como eternos
transitivo indireto
4 exceler em algum atributo ou qualidade; exceder, salientar-se especialmente
Ex.: o Hermes, de Praxíteles, transcende em beleza
Abertura para o novo. É muito mais difícil prezar pela nossa individualidade, quando somos
assegurados pelos ditames do grupo, levando-nos assim a uma cega e absoluta obediência. Na
maioria do tempo, preferimos viver o devorar da víscera (o fígado de Prometeu), do que ter a
segurança da criatividade, sendo assim uma responsabilidade somente nossa e não daquela
divindade que nos esmaga sob os seus pés e nos pede obediência absoluta.
O próprio Cristo respeitava o homem em seu todo... Deixando de lado o desejo que este
velho homem sentia em ser ‘criança’, que sentiam necessidade de serem conduzidas por algum líder
ou algum milagre. Todos os seus milagres levavam estes indivíduos ao ‘livre arbítrio ou a livre
agência (agir) a ser autoconsciente criativo e responsável.
A liberdade nos pesa sobre os ombros, pois esta nos obriga a nos tornarmos criativos e
responsáveis, saindo assim da dependência de algo ou alguém. O lado *coercitivo (coerção) da
religião leva a pessoa se perder no coletivo, furtando assim a liberdade individual dos seus
seguidores. Nietzsche já afirmou: “A moral cristã é motivada pelo ressentimento.” Enquanto
Freud diz que: “A religião reduz as pessoas a uma dependência infantil”.

Coerção Datação: 1836

substantivo feminino
1 ato ou efeito de reprimir; repressão
2 Rubrica: termo jurídico.
força exercida pelo Estado para fazer valer o direito; coibição

RELIGIÃO – MANACIAL DE FORÇA OU DE FRAQUEZA?

Esta temática deve ser analisada com cautela, uma vez que na discussão entre ciência e
religião, vários crentes afirmam não poder haver um denominador em comum. Apesar de já neste
século, o Papa Francisco afirmar que religião e ciência devem e podem andar juntas, sendo que o
mesmo afirmou que o livre da criação ser uma parábola e que o big bem existiu. Salientando o
porquê não aceitar que a criação pode ter vindo dessa grande explosão cósmica, uma vez que o
próprio livro da bíblia afirma que: “Para Deus nada é impossível.”
No entanto, a religião para algumas pessoas serve para quebrar-lhe a vontade, para mantê-lo
na sua infantilidade e o deixando sempre dependente confortavelmente na obediência cega,
atribuindo assim tudo o que acontece a uma divindade, a algo ou a alguém... Não assumindo,
portanto sua criatividade, autoconsciência e responsabilidade. E aqui podemos concordar com
Nietzsche: “A moral cristã é motivada pelo ressentimento.” Ou mesmo com Freud: “A religião
reduz as pessoas a uma dependência infantil.”
Aqui podemos incutir o termo *dependência, só que não é uma dependência qualquer, mas
Rollo May nos mostra que:

O termo dependência significa aqui “dependência mórbida”, isto é, a dependência que


seria própria de um estado infantil de desenvolvimento, mas que não coaduna
(combina) com o estado presente de determinada pessoa. A dependência pode, certamente,
ser normal: uma criança de um ano precisa ser alimentada pela mãe, o que é normal... Mas
para uma de oito o tratamento seria inadequado. Os pais que sustentam um menino de
dez anos realizam algo de construtivo neste estágio de desenvolvimento do filho, mas a
história seria diferente caso se tratasse de um homem de trinta e cinco. No sentido em que
a usamos, a dependência não é simplesmente um fracasso em evoluir: é um padrão
dinâmico que representa FUGA DA ANSIEDADE. Um bom sinônimo é “simbiose”
(associação íntima entre duas pessoas), condição em que o organismo é incapaz de viver,
exceto quando dependente de outro.
Mt 10,34-39
"Não pensem que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.
35 Pois eu vim para fazer que " 'o homem fique contra seu pai,
a filha contra sua mãe, a nora contra sua sogra;
36 os inimigos do homem serão os da sua própria família'.
37 "Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim; quem ama seu
filho ou sua filha mais do que a mim não é digno de mim;
38 e quem não toma a sua cruz e não me segue, não é digno de mim.
39 Quem acha a sua vida a perderá, e quem perde a sua vida por minha causa a encontrará.
(grifo nosso)

O grande problema é a sujeição ao poder de outrem. Isso é reforçado naturalmente por


desejos infantis, no sentido de que alguém cuide dele, e esta pessoa em si, não procurem aprender a
cuidar de si mesmo. Isso gera uma tendência perigosa de se entregar-se a pessoa que o domine. Isto
nós a classificamos de “religião destrutiva”.
No entanto, temos uma abordagem diferente que nos ensina a viver uma “religião
construtiva”. Uma religião que ajude seus adeptos a serem criativos autoconscientes e
responsáveis. Uma religião cujo criador não é castigador, controlador e cruel. Tanto é que
anteriormente refletimos que Javé foi mais complacente do Zeus. Uma religião que nos mostra que,
o divino direito de ser cuidado vem também da nossa liberdade, da criatividade, mesmo sendo
criaturas, da responsabilidade de saber escolher, sem medo de ser felizes. Uma fé religiosa que nos
ajuda a crescer também para fora. Um grupo religioso que não sufoca, nem mata o ‘eu’ no coletivo,
mas que é amado individualmente por si mesmo, pelo criador e pelas demais criaturas.
Tanto é que já se fala no meio dos espiritualistas, de uma psicose espiritual. Ou seja: de
crentes que tendem, ou já fazem de Deus seu ‘totem’ ou amuleto pessoal. A criatura não é mais
imagem e semelhança do criador, mas sim o criador é imagem e semelhança da criatura. Há uma
inversão no papel de dependência... O criador se torna dependente da criatura.
Não necessariamente nesta linha, mas numa linha mais científica, May nos mostra o
seguinte:

Examinaremos mais concretamente aquilo a que foram forçados a


renunciar ao verificarmos de que modo a “a moral da obediência” e
a ênfase em “ser bom submetendo-se” conquistou seu lugar na
cultura moderna. Assume sua forma atual graças, sobretudo aos
padrões copiados ao desenvolvimento do industrialismo e capitalismo
nos últimos quatro séculos. A subordinação à uniformidade
mecânica, a organização da vida segundo as exigências do
trabalho e da economia, trouxeram, de fato, resultado financeiro.
É possível argumentar, e convencer, que a salvação resulta da
obediência, pois se a pessoa obedecer às exigências do trabalho da
sociedade industrial geralmente acumula riqueza. (grifo nosso)

Na medida em que tomamos consciência de que esta obediência cega não nos leva a
progredir, mas sim a estagnação pode aceitar que uma religião construtiva é aquela que te leva para
o encontro consigo mesmo. Mesmo assim, devemos ter o cuidado sempre que estamos diante dos
líderes religiosos. Olhar bem para que tipo de formação teve aquela pessoa, pois quase sempre, a
formação deles está bem abaixo das outras pessoas.

A forma que os religiosos são tratados pelas suas próprias igrejas, deixa a desejar, porque
em nome do voluntarismo, muitos cristãos chegam ao fim da vida se sentindo abandonados e
desprezados pelos seus líderes, dado o fato deles pensarem que é de pura responsabilidade da igreja
cuidar deles neste período de incapacidade. E não deveria ser assim. Cada crente deveria ter a
criatividade de construir sua própria liberdade, para assim assumir a sua responsabilidade diante das
escolhas feitas ao longo de suas vidas. Isso muitas vezes adquiriu esta pseuda ideia de que devemos
ser cuidados por aqueles que outrora foram nossos superiores. Portanto, fui inferior a ele, assim, ele
tem que se responsabilizar-se por nós.
Dado esta realidade, a pessoa inferiorizada, começa a inferiorizar os seus pares, isto como
forma de ressentimento. Ou seja: de subjugada para subjugadora. Transformaram-se em verdadeiros
abutres ressentidos, procurando sempre um fígado para comer. De submissas para dominadoras.
Goethe expressa muito bem esta verdade psicológica:

... pois quem é incompetente para governar seu interior é bem capaz de abalar a
vontade de um semelhante, mesmo enquanto a própria mente orgulhosa inclina.

Existe outro fator de quem deseja avidamente participar da sombra de algum líder. Isso o
conforta, pois o tenro desejo de obedecer, causa nele a incapacidade de ser ele mesmo. O obediente
necessita desta figura para auferir seus sentimentos de dignidade, prestígio e poder pela
identificação com outra pessoa que ocupa um posto de prestígio, mesmo sendo um superior
hierárquico.

Esta atitude de se tornar mais fácil cuidar dos outros do que de si mesmo, é uma forma de
evitar, enfrentar o próprio vazio do ‘eu’, burlando pseudamente a solidão e a ansiedade. O
“sofrimento pelo próximo” demonstra como nos surpreende a facilidade com ensinamento do
amor cristão pode deteriorar-se, transformando-se no acordo generalizado: “se você se
responsabilizar por mim, eu me responsabilizarei por você.”

A “expiação”*, uma das maneiras neuróticas de se usar a religião tem algo em comum: por
seu intermédio o ser humano evita enfrentar no seu terreno interior a sua solidão e a sua
ansiedade. O criador (Deus) é literalmente transformado num “papa cósmico”, segundo a expressão
de Auden. Ao assumir esta forma, a religião é uma racionalização para disfarçar a compreensão –
que contêm uma boa dose de terror para os que a levavam a sério – de que o ser humano em suas
profundezas está basicamente só e que é inevitável, em última análise, fazer sozinho suas opções.

*Expiação Datação: 1562-1575

substantivo feminino
1 purificação de crimes ou faltas cometidas
2 meio usado para expiar (-se); penitência, castigo, cumprimento de pena; sofrimento
compensatório de culpa.
3 Rubrica: religião. No Antigo Testamento, uma classe de contrições que consistia em
sacrifícios expiatórios, e cuja finalidade era a de reparar os pecados.
4 Rubrica: termo jurídico. Cumprimento da pena imposta à pessoa a quem se imputou a
prática de um crime

Ainda nesta linha May afirma:

Ocorreu-me muitas vezes que a razão pela qual Freud podia trabalhar com tanta coragem e
propósito inabalável durante quarenta anos de sua vida foi ter vencido a luta para evoluir e
trabalhar sozinho naqueles dez primeiros anos em que, após se ter separado de Breuer
(discípulos de Freud), fez suas pesquisas em psicanálise sem colegas ou colaboradores.
Parece-me, além disso, que esta é a luta que figuras criativas como JESUS venceram
no deserto, e que o verdadeiro significado das tentações não foi o desejo de pão ou de
poder e sim, conforme as palavras do demônio, lançar-se do alto da montanha para
provar que Deus o protegia:
Sl 91:11
Ele entregará aos anjos o seu cuidado... nas mãos o levarão, para que nas pedras não
tropece.

Podemos então nos questionar: “Qual ansiedade que me faz desejar voar para as asas de
uma autoridade, e qual o problema a que estou procurando fugir”? Demanda, a qual cabe
cada um de nós, exatamente para observarmos o nosso nível de criatividade, autoconsciência e
responsabilidade diante do que somos e do que queremos ser.

O USO CRIATIVO DO PASSADO

Tradição Datação: 1619

substantivo feminino
1 ato ou efeito de transmitir ou entregar; transferência
2 comunicação oral de fatos, lendas, ritos, usos, costumes etc. de geração para geração
Ex.: t. esquimós
3 herança cultural, legado de crenças, técnicas etc. de uma geração para outra
3.1 conjunto dos valores morais, espirituais etc., transmitidos de geração em geração
Ex.: a geração hippie rompeu com a t.
4 transmissão de uma notícia ou de um fato
Ex.: t. oral
5 em certas religiões, conjunto de doutrinas essenciais ou dogmas não explicitamente
consignados nos escritos sagrados, mas que, reconhecidos e aceitos por sua ortodoxia e
autoridade, são, por vezes, us. na interpretação dos mesmos
6 aquilo que ocorre ao espírito como resultado de experiências já vividas; recordação,
memória, eco
7 tudo o que se pratica por hábito ou costume adquirido
7.1 uso, costume
Ex.: a t. do feijão com arroz

A história faz parte de o nosso crescer e amadurecer, levando-nos assim a uma liberdade
humana, dando-nos assim amplos poderes para a grande virtude da vida que é o amor. Para isso
temos que entender como a tradição herdada pelos nossos pais, ajuda-nos a vivê-la positivamente
ou negativamente. E o que esta tradição influi na conquista da nossa identidade, personalidade e
liberdade.
Já esboçamos anteriormente que este traço do passado influi por demais para a chegada da
perda do ‘eu’, deixando assim um vazio que gera medo e ansiedade. A ignorância da religião não
nos levou a nenhum crescimento, menos ainda a um amadurecimento. Ficou vidente que faltou
nesta temática a ausência de raízes na história.
Sabemos que determinado indivíduo que não tem raízes, tradição e nem história, não
“existirá”, ou tão pouco será um ser humano. Haverá milhões de problemas que impedirá a este ser
de existir para si e para os seus pares.
Quanto mais a pessoa mergulha nas suas raízes, mantendo uma autoconsciência de suas
tradições... Mais original ele se torna, sabendo reconhecer positivamente suas reações e os
resultados das mesmas. Creio que nós já tratamos antes sobre a negatividade da religião. Agora
vamos analisar como a tradição pode positivamente nos ajudar a reconstruir o ‘eu’.
Em primeiro plano, temos que nos eximir de estar transformando Deus em um objeto, para
ser provado ou não cientificamente. Provar pela ciência física e mecânica que Deus existe, ou não,
impede ao ser humano de amadurecer e crescer para fora... Deus é o próprio ser e não um ser. Um
exemplo triste disto foram às cruzadas e a inquisição, que para provar a existência e a autoridade de
Deus, ceifaram milhões de vida. Causando assim um retrocesso na história. Não avançamos e nem
tão pouco crescemos neste período.
May nos mostra que devemos nos maravilhar pelo crescimento e amadurecimento da
humanidade. Vejamos:
“Os que têm uma visão inflexível da verdade religiosa ou cientista tornam-se mais
dogmáticas e perdem a capacidade para maravilhar-se...”
Maravilhar-se pode ser descrito de diferentes maneiras, desde a declaração de Kant – “Duas
coisas inclinam o coração a maravilhar-se, a lei moral íntima e o céu estrelado” (quanto
ao último, Freud concordava), até o tumulto provocado por sentimentos de compaixão e
terror, que purificam a alma, conforme observou Aristóteles, diante de uma tragédia.
Embora não seja, com certeza, do âmbito exclusivo da religião, maravilhar-se está
tradicionalmente a ela ligado... E eu consideraria esta capacidade como o aspecto
religioso das ciências e das artes. Os que têm uma visão inflexível da verdade religiosa
ou científica tornam-se mais dogmáticos e perdem a capacidade para maravilhar-
se...os que assimilam a sabedoria dos antepassados sem renunciar à própria liberdade
descobrem que maravilhar-se acrescenta vivacidade e convicção ao significado que
atribuem à vida. (grifo nosso)

Ainda na mesma linha podemos afirmar que a religião, psicologicamente deve servir como
meio de relacionamento entre a pessoa e a própria existência. A criança tem uma capacidade nata de
maravilhar-se, mas essa capacidade deve se estender, sobretudo ao adulto, para que assim os
mesmos se tornam criativos, autoconscientes e livres. Maravilhar-se é o oposto de ser *cético ou de
tantas que vivem no *tédio, indica se a pessoa tem uma vivacidade mais intensa... Torna-se um
indivíduo mais interessado, com esperança e reage a este movimento de vida em liberdade. A arte
de maravilhar-se surge exatamente quando o amadurecimento preenche esta pessoa e a mesma
experimenta a liberdade de ser ela mesma. Assim, a humanidade cresce e amadurece no relacionar
com o mundo e com seus pares.

*Cético Datação: 1702

adjetivo e substantivo masculino


1 diz-se de ou o partidário do ceticismo
2 Derivação: por extensão de sentido.
que ou aquele que não confia, duvida; descrente.

adjetivo
3 pertencente ou relativo ao ceticismo
Ex.: argumento, comportamento c.
*Tédio Datação: sXIII

substantivo masculino
1 sensação de enfado produzida por algo lento, prolixo ou temporalmente prolongado
demais.
2 sensação de aborrecimento ou cansaço, causada por algo árido, obtuso ou estúpido.
3 sensação de desgosto, ou vazio, sem causas objetivas claras.

A consciência é a capacidade de explorar os níveis mais profundos do insight (compreensão


súbita de alguma coisa ou determinada situação) na resolução de algum problema. Rolo May faz a
seguinte afirmação. Vejamos:

Quando From fala de consciência como “recordação de si mesmo”, esta recordação não se
opõe à tradição história como tal, mas somente ao seu emprego dogmático. Pois há um
plano que o indivíduo participa da tradição, e esta o ajuda a encontrar sua
experiência mais significativa.
Desejamos sublinhar os aspectos positivos da consciência como método individual para
explorar o saber e procurar novos insights, e a consciência como uma “abertura”, um guia
para uma experiência mais ampla. Era a isso que Nietzsche se referia em seu canto de
louvor sob o tema “além do bem e do mal”, e o que *Tillich queria dizer em seu conceito
de consciência transmoral. Com este ponto de vista não mais se pode dizer que “a
consciência torna a todos covardes”. ELA SERÁ, PELO CONTRÃRIO, UMA FONTE
DE CORAGEM.
Paul Johannes Oskar *Tillich – TEÓLOGO E FILÓSOFO ALEMÃO

É de bom grado recordar que consciência não é um conjunto de normas que servem somente
para julgar ou orientar determinada situação. Mas sim, é a sensitividade ética e percepção, onde a
tradição e a experiência imediata não se opõem uma à outra, mas integram e interagem entre si,
causando assim a pessoa uma fonte de coragem e não de covardia.
No decorrer dos séculos, as pessoas perderam esta capacidade íntima de reconhecer na prática
valores e metas reais que as tornam criativas e vigorosas... É o que o homem moderno no mostra.
Este perdeu na sua maioria a capacidade de crer e afirmar qualquer valor. O próprio Cristo, como
exemplo de criatividade, coragem, autoconsciência e liberdade nos afirma isso: Mt. 5,7 “Eu não
vim abolir a lei, mas sim fazer novas todas as coisas.”
Quando se fala de valor (qualidade humana física, intelectual ou moral, que desperta
admiração ou respeito), pensamos que é coisa do passado, mas é importante atentarmos para o
presente e também para o futuro... Uma vez que estes valores nos acompanharão pelo resto de
nossas vidas e seremos definidos como pessoas por estes.
O vazio que hoje nos consome em pleno século XXI e com uma prospectiva numa muita boa
para o século vindouro, é o que nos adoece já hoje, no presente atual com a ansiedade. Está
sobrando muita coisa material, mas está faltando muitas pessoas preenchidas por valores como o
amor, por exemplo. Como diz May, não vem ao caso classifica-los como negativo ou positivo, mas
sim que um indivíduo preenchido dos seus próprios valores, é de fato uma pessoa que se assume
diante da realidade que o circunda, e o tornar mais ou menos criativo, mais ou menos
autoconsciente e mais ou menos livre. Vejamos a posição de Rollo:

O juízo ético e a decisão precisam estar enraizados na capacidade do indivíduo em avalia-


los. Somente quando ele próprio afirmar, em todos os níveis de sua personalidade, que
determinada maneira de agir faz parte da sua visão de realidade e decide relacionar-se com
ela – somente então o valor será eficaz para sua vida, pois é óbvio que só então será capaz
de assumir responsabilidade por seus atos. E somente assim aprenderá por suas ações
como agir melhor da próxima vez, pois quando agimos por rotina ou regulamento
fechamos os olhos às novas possibilidades, aos motivos pelos quais cada situação é
diferente de todas as outras. Além do mais, afirma May. Unicamente quando alguém
decidir agir e afirmar o objetivo com plena consciência é que sua ação terá convicção e
força, pois então de fato a pessoa acredita no que está fazendo. (grifo nosso)

A partir disto, este indivíduo pode ter a certeza que hoje ele tem certeza que deve fazer assim
e que amanhã, ele pode ser melhor ainda, partindo do princípio que deve corrigir e assumir suas
falhas. Fazer diferente no futuro, não significa fraqueza ou fragilidade, mas sim, amadurecimento e
crescimento. Pois neste avanço para futuro só lhe serve como uma biblioteca a consultar, enquanto
que no presente o mesmo deve desfrutar com liberdade e amor daquilo que de graça o mesmo
recebeu. Devemos estar cientes que a perfeição não existe já pronta em alguma prateleira da vida
para chegar e comprar. A dita deve ser lapidada no nosso interior, até que o brilho venha a tona e
faz ver ao universo que este indivíduo está crescendo e expandindo para fora e assim o universo
cresce e se aperfeiçoa com o mesmo. Vejamos a seguir a teoria de May no quesito perfeição:

É certo que nenhuma integridade é perfeita... Todas as ações humanas têm certa
*ambivalência e motivo algum é totalmente puro. Agir de maneira ética não significa agir
como uma pessoa completamente íntegra – sem qualquer espécie de dúvida – ou então
ninguém jamais agiria. Será sempre preciso lutar duvidar, entrar em conflito... Significa
somente que a pessoa se esforçou por agir, tanto quanto possível, a partir do *âmago de si
mesma... Que admite e está cônscia do fato de que seus motivos não são completamente
nítidos e assume o compromisso de esclarecê-los, à medida que for aprendendo no futuro.
(grifo nosso).
*Ambivalência

substantivo feminino
1 Estado, condição ou caráter do que é ambivalente, do que apresenta
dois componentes ou valores de sentidos opostos ou não
2 Derivação: por extensão de sentido.
existência simultânea, e com a mesma intensidade, de dois
sentimentos ou duas ideias com relação a uma mesma coisa e que se
opõem mutuamente
3 Derivação: por extensão de sentido.
m.q. ambiguidade ('hesitação')
4 Rubrica: psicanálise.
Coexistência ou aparição simultânea, na relação com o mesmo objeto,
de tendências, atitudes e sentimentos opostos, basicamente amor e
ódio

*Âmago Datação: sXV

Substantivo masculino
1 Rubrica: anatomia botânica.
m.q. cerne
2 Derivação: por extensão de sentido.
a parte que fica no centro de qualquer coisa ou pessoa; parte central
Ex.: no â. da cidade
3 Derivação: sentido figurado.
a parte mais íntima ou fundamental; essência
Ex.: o â. da questão
4 Derivação: sentido figurado.
a parte mais profunda ou entranhada de um ser; alma, imo
Ex.: suas súplicas vinham-lhe do â.

A verdade a ser encarada por todos nós é essa: qualquer tradição religiosa deve partir da nossa
“luz interior” (A trave nos olhos, como salienta Jesus), ou seja: deve partir de nós mesmos. Porque
ao contrário morreremos em busca do cisco no olho alheio. Ninguém conhece a Deus sem antes
conhecer a si mesmo. Tanto é que o filósofo Sócrates afirma que:
“Cada indivíduo é seu próprio centro e o universo gira à sua volta porque o
conhecimento de si mesmo é o conhecimento de Deus.”

Digamos que na lógica de Sócrates é esta: se somos imagens e semelhanças de Deus, então
temos que nos conhecermos primeiro, para depois alcançar essa perfeição do conhecimento de
Deus. Seria ainda mais estúpido se nós afirmássemos que também conhecemos o nosso semelhante.
Antes mesmo de aprender a dizer a verdade para os outros, antes devemos vivê-la interiormente. Ao
bem dizer, todo este amadurecimento e crescimento, só existe a partir de quem somos de dentro
para fora e não de fora para dentro.
CAPÍTULO VII
CORAGEM – A VIRTUDE DA MATURIDADE

Coragem Datação: 1563

substantivo feminino
1 moral forte perante o perigo, os riscos; bravura, intrepidez
2 firmeza de espírito para enfrentar situação emocional ou
moralmente difícil
Ex.: armou-se de c. para rever o amigo moribundo
3 qualidade de quem tem grandeza de alma, nobreza de caráter,
hombridade
Ex.: teve a c. de assumir o próprio erro
4 determinação no desempenho de uma atividade necessária;
zelo, perseverança, tenacidade
Ex.: desde jovem, revelou c. no trabalho.

Ao abordarmos este tema, não estaremos aqui falando de grandes soldados que partem para
as guerras, para valentemente defender as suas fronteiras, muito menos ainda de heróis que
conquista sempre a nossa segurança e bem estar. A coragem que estudaremos aqui já está bem
definida acima, pelo dicionário Houaiss: “firmeza de espírito para enfrentar situação emocional ou
moralmente difícil”. Ou seja: construir no hoje o ‘eu’ que se perdeu no coletivo e que agora urge em
crescer e amadurecer.
A coragem de viver a verdade (e não tão somente dizer a verdade) – João 8,32
“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertarás”. Conhecer esta verdade que está na nossa
essência de pessoa humana... Que padece com seus limites, mas que traz dentro de nós mesmos a
imagem e a semelhança do criador. Criatura e Criador se completando. Tornando-se reais,
concretos, não meras fábulas ou parábolas.
De antemão que o contrário de coragem não é covardia, mas sim ausência da mesma. A
coragem de ser autêntico, assim como nos mostra Rollo May nas palavras que seguem:

Coragem é a aptidão para enfrentar a ansiedade que surge na conquista da liberdade.


É a inclinação para diferenciar, sair do reino protetor da dependência paterno-materna para
novos planos de liberdade e integração. A necessidade de ser corajoso não só nesses
estágios em que o rompimento com a proteção paterno-materna é mais óbvio – tais
como o nascimento da autoconsciência, a ida para a escola, a adolescência, as crises do
amor, o casamento, e finalmente a morte – como também a cada passo, quando a pessoa
se afasta do ambiente familiar para fronteiras desconhecidas. (grifo nosso)

Em última análise a coragem se configura como nos afirma Dr. Kurt Goldstein
(neurobiólogo), que nos mostra que: “nada mais é senão uma resposta afirmativa aos choques
da existência, que precisamos suportar para atualizar a nossa própria natureza”. Como já
citamos num parágrafo anterior, covardia não é o oposto de coragem, mas sim a ausência da
mesma. Também não devemos afirmar que covardia significa preguiça, revela simplesmente que
uma potencialidade vital não foi realizada ou está bloqueada.
Vejamos como May define essa coragem autêntica:

A coragem para ser autêntica dificilmente seria considerada a maior virtude dos nossos
tempos. Um dos problemas é que muita gente ainda associa esta espécie de valor com
as atitudes pedantes dos sef-made men (homem feito de si mesmo) do século XIV, ou
com o ridículo, porém sincero tema do poema Invictus – “Sou Senhor do meu destino”. O
especial valor que muita gente dá hoje em dia ao firmar-se nas próprias convicções fica
bem claro na expressão “fazer pé firme”. A principal sugestão desta posição vulnerável é
que qualquer um poderia dar uma rasteira nesse “pé firme”. Que imagem! A pessoa poderá
ficar vegetando nesta posição, tal um hindu sentado numa árvore, exposto ao ridículo da
população, que não dá valor a essa espécie de proeza, até que o galho quebre. (grifo nosso)

O isolamento causa ao indivíduo uma solidão e através desta vai se definhando e cai no
profundo medo de ser expulso do grupo. O oposto da coragem quando se procura compreender o
problema em termos de nossa época, é a conformidade automática. No entanto, o que nos falta
atualmente é a compreensão da coragem amigável, cordial, pessoal, original e construtiva de
Sócrates ou um Spinoza. “... é preciso coragem não só para afirmar-se como para dar-se”.
Honoré de Balzac (um grande escritor francês) escreve com muita propriedade sobre a
coragem. Vejamos:

“A qualidade que merece, acima de todas, a maior glória na arte – e nesta palavra incluímos
todas as criações da mente – é a coragem... coragem de um tipo que as mente vulgares
não concebem, e que talvez seja pela primeira vez aqui descrita... Planeja, sonhar e
imaginar belas obras é com certeza uma agradável ocupação... Mas produzir, trazer à
luz, passar pelo trabalho de parto, alimentar a criança, toma-la nos braços todas as manhãs
com inesgotável amor, acariciá-la, vesti-la cem vezes com belas roupagens, que ela rasga
repetidamente, jamais desanimar diante das convulsões desta vida louca e dela fazer uma
obra-prima viva, que fale a todos os olhos, na escultura, ou a todas as memórias na
pintura, a todos os corações na música – esta é a tarefa da execução. A mão precisa
estar pronta a todo instante para obedecer a mente. E os momentos criativos não vêm
de encomenda... O trabalho é uma luta cansativa, ao mesmo tempo temida e amada
pelas naturezas fortes e refinadas, que muitas vezes que se quebram sob a tensão... Se
o artista não se lança irrefletidamente ao trabalho como um soldado à brecha, e se naquela
trincheira não cavar como um mineiro mergulhado sob uma barreira de rochedos... A obra
jamais será completada, parecerá no estúdio, onde a produção se torna impossível, e o
artista contemplará o suicídio do próprio talento... E é por esta razão que a mesma
recompensa, os louros e a glória são concedidos tanto aos grandes poetas, como aos
grandes generais”. (grifo nosso)

Esta atividade criativa doe que tanto falam nada mais é do que ter a coragem vívida de
libertar-se dos elos do passado infantil e romper com a velha ordem, para que nasça o novo. Para
criar, tanto na arte como na vida, necessita que partamos do nosso interno, porque se assim não
acontecer não haverá crescimento e nem tão pouco amadurecimento e restará somente sofrimento.
Tanto num, quanto no outro processo, seja: no crescer ou no madurecer, o conflito é inevitável.
Mas, sem encará-lo e resolvê-lo corajosamente... Não curaremos a solidão e a ansiedade que nos
assola.

Para se chegar a ser essa pessoa madura e crescida, é como sentir as dores do nosso próprio
nascimento. Já dizia Jesus, “nascer de novo”. Isso não inclui o pensamento retrógado de pensar que
devemos retorno ao útero novamente. Isso é uma meta a conquistar com conflito e suor, pois muitas
vezes tomamos atitudes heroicas, ou não que podem até nos destruir, exatamente por não
sabermos ou podermos controlar a nossa ansiedade.

Não nos enganemos mais com o externo. A coragem deve surgir do nosso interno, porque
caso contrário estamos nos auto enganando... É preciso sim mais coragem para conservar nossa
liberdade íntima e prosseguir na jornada interior em direção as novas conquistas, do que desafiar a
liberdade exterior. May afirma:

Em minha experiência profissional, o maior bloqueio que encontrei no desenvolvimento da


coragem é ter que adotar um modo de vida que não se baseia nas próprias aptidões.

... A pessoa é incapaz, portanto, de saber o que acredita e muito menos de sustenta-lo,
ignora suas forças, se teve que representar algum papel aos olhos dos pais (ou do
grupo) – uma imagem que carrega e perpetua no seu íntimo. Sua coragem é um vácuo
antes que comece agir, uma vez que não possui nenhum verdadeiro fundamento. (grifo
nosso)

Há um risco muito grande de se isolar uma criança na infância. Sobretudo se este isolamento
é causado pela própria genitora. Isso desencadeia uma ansiedade e uma insegurança tão grande que
pode levar a criança não somente ao suicídio de fato, mas também a um suicídio psicológico. Sem
autoconfiança, esse ser humano jamais crescerá. Tenderá ser mais um isolado no meio do universo,
perdido e decepcionado. Vejamos o que nos diz o autor desta obra:

Pois quem tem dúvidas íntimas, às vezes inconscientes, a respeito da própria força tende a
exigir que os filhos sejam particularmente corajosos, independentes e agressivos,
talvez comprem luvas de boxe, encaminhem desde cedo as crianças para grupos
competitivos e insistam de outras maneiras em que sejam “homens” porque
intimamente temem não o ser. Em geral os pais que empurram os filhos ou os que
superprotegem, demonstram, por meio de ações que falam mais alto que as palavras, não ter
confiança neles. Mas, assim como criança alguma será corajosa se for superprotegida,
também não o será se for empurrada. (grifo nosso)

Nestes exemplos acima, podemos concluir que viver segundo as expectativas dos pais ou até
mesmo de um grupo, não deixam a criança ou até mesmo certo adulto terem as suas próprias
expectativas, positivas ou negativas, mas que nos ajudam a crescer por dentro e criarmos coragem
para encarar a batalha que é o mundo fora. Assim, vaidade e narcisismo são inimigos da
coragem.

Este narcisismo e vaidade nascem da necessidade compulsiva de ser amado e elogiado,


mesmo que par isto tenha que se abdicar do sacro direito de ter coragem. Uma vez jogado fora esta
capacidade, resta-nos somente o vácuo e neste nos encontramos com o medo e a ansiedade.

A coragem emerge do sentimento de dignidade e autoestima, e ninguém conseguirá estes


dois valores, quando não tem um bom conceito de si mesma. Ou seja: trair-se a si mesmo é a mais
amarga das humilhações. Porque é nas convicções que acreditamos que somos pessoas,
decisão esta conquistada pelo próprio valor de ser ‘eu’. Creio que não seja por acaso que o nome
de Deus seja: “EU SOU AQUELE QUE SOU.” Neste caso a imagem e semelhança deste criador
mesmo sendo criatura precisam ser também. ‘EU SOU’. Quando nos apresentamos dizemos sempre
assim... Eu sou fulano de tal. O eu sou nada menos é do que a afirmação que Deus está sendo em
mim. E é neste momento que a afirmação que só se conhece a Deus, se conhecermos nós mesmos,
tem um fundamento garantido na nossa existência.

A vaidade e o narcisismo compulsivo servem para preencher o vácuo do ‘eu não sei quem
sou’, ou ‘não acredito que eu seja’. Aqui nasce a covardia de não querer saber quem ‘eu’ Sou. A
coragem é uma escolha positiva e não uma mera opção feita por eu não encontrar outro recurso de
ser. Outro aliado do medo e da ansiedade, neste contexto do não saber quem eu ‘sou’ é o sentimento
de culpa. É uma espécie de autoconvencimento de não se sentir digna de si mesma. A coragem
para ser e confiar em si mesma, apesar do fato de ser finito, não implica término absoluto da
nossa existência, mas sim que termos a capacidade de sentir, agir, amar, pensar (Logo existo)
e criar, embora sabendo que não se possui uma resposta definitiva para todas as nossas
demandas, e que talvez possam errar, mas acertar. Mas que temos que ter coragem de
prosseguir nesta busca inevitável do ser que nós devemos ser... “Eu”.

Assim como afirma o teólogo e filósofo Paul Tillich: “A coragem de aceitar sua própria
finitude”. Aqui nasce a coragem da maturidade. Entretanto, sabemos que nada vem ou vai fácil.
Conflitos, sofrimentos e outros desafios virão para nos testar. O importante é não se habituar a ser a
imagem de outrem, mas sim reconstruir a nossa própria imagem diante de nós mesmos. Quem eu
sou para os outros, já não importa tanto como quem sou eu para mim mesmo. Esse é o nosso
desafio em busca da liberdade e felicidade.
PREFÁCIO AO AMOR

Partilhar a solidão, isto é um gesto de amor.


Não iremos aqui aprofundar neste tema, porque no decorrer desta obra literária, já falamos,
mas ao abordarmos tal questão devemos entender que é um assunto muitíssimo sério e autêntico,
assim como: o amor dos pais pelos filhos e dos filhos pelos pais, a paixão sexual, ou o partilhar da
solidão, e a surpreendente realidade, às vezes descoberta quando se aprofunda a vida de uma pessoa
em nossa sociedade solitária e doente, sem esquecer que conformista... É o que o componente do
amor na realidade pouco se envolve em tais relacionamentos.
Assim May nos ajuda a entender melhor o tópico que iremos discutir:

Mas levando em conta a mistura de motivos e emoções e o fato de que o amor não é um
simples tópico, mas o importante, de saída, é dar às nossas emoções os seus
verdadeiros nomes. E a maneira mais construtiva para se começar a aprender a amar
é verificar as nossas falhas neste sentido. Teremos dado partida, pelo menos, ao
reconhecer nossa situação na do rapaz de “Época de Ansiedade”, de Auden (Wystan Hugh
Auden que escrevia como W. H. Auden foi um poeta anglo-americano, tido como um dos
grandes autores do século XX).
“APRENDENDO A AMAR,
COMPREENDEU ENFIM QUE NÃO AMA.

O século XX nos trouxe tanta novidade e tanta tecnologia, mas neste entremeio nos blindou
com o individualismo competitivo, que cuja lei se perfazia no dominar o semelhante. Com isso veio
a ansiedade, pois aquele vazio pessoal não se preenche com coisas materiais e nem tão pouco com
poder, ter ou prazer.
Podemos também cair em outros extremos que com ‘o amor’ poderemos resolver conflitos de
ordem internacional. Guerras, conflitos e extremismos religiosos que só massacram a figura do ser
humano. Sabemos que para tanto temos que ‘fazer’ *política, porque seríamos demasiadamente
inocentes acreditar que as grandes potências tenham como princípio político o amor e não o capital.
Na seara política o que manda é a hostilidade, porque em primeiro lugar vem à economia e
por subsequente pode-se talvez imaginar que a pessoa humana seja amada, pensada, tratada,
mesmo assim em último plano. No entanto, urge encontrar pessoas, nações e grupos que aprendam
a colocar o mulher/homem em primeiro lugar, uma vez que o mesmo ‘foi criado um pouquinho
menor do que os anjos’, lembrando assim que o universo, “o planeta terra é nossa casa comum”
(Como afirma Jorge Mario Bergoglio).
Hoje a palavra *AMOR, tomou proporções gigantescas no seu significado que tudo e todos
se amam. Vai dá poesia até a literatura mais antiga (Bíblia). Vejamos o que nos diz o dicionário
virtual HOUAISS.

*AMOR Datação: 1275 Ortoépia: ô

substantivo masculino
1 Forte afeição por outra pessoa, nascida de laços de consanguinidade ou de relações
sociais
2 Atração baseada no desejo sexual
3 Derivação: por extensão de sentido.
Relação amorosa; caso, namoro
Ex.: sabíamos tudo sobre os seus a.
4 Derivação: por extensão de sentido.
Atração sexual natural entre espécies animais
5 Afeição baseada em admiração, benevolência ou interesses
comuns; forte amizade
Ex.: a. pelos antigos colegas
6 Derivação: por *metonímia.
a pessoa ou a coisa amada (tb. us. no pl.)
Exs.: meu a. acordou cedinho hoje
seus a. eram a Rosinha
7 Devoção, adoração
Ex.: a. a Deus
8 Derivação: sentido figurado.
Devoção de uma pessoa ou um grupo de pessoas por um ideal
concreto ou abstrato
Exs.: a. à pátria
a. ao teatro
9 Derivação: por metonímia.
O objeto de tal interesse ou veneração
Exs.: seu a. sempre foi o automobilismo
livros e vinhos são os seus a. atuais
10 Demonstração de zelo, de dedicação.
Exs.: a. ao trabalho
a. do cão por seu dono
11 Rubrica: mitologia.
Divindade que personifica o amor, como Cupido (Eros para os
gregos)
12 Rubrica: mitologia.
Cada uma das divindades infantis subordinadas a Vênus e a Cupido

amores
substantivo masculino plural
13 Rubrica: angiospermas. Regionalismo: São Paulo.
m.q. Carrapicho (Desmodium discolor)
14 Rubrica: angiospermas.
m.q. Bardana-menor (Arctium minus) (grifo nosso)

*METONÍMIA.
Figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu
contexto semântico normal, por ter uma significação que tenha relação
objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou
o referente ocasionalmente pensado.

Assim traduz as várias afirmações da ciência linguística a respeito do amor, no entanto nos
parece ainda vazio, tratando deste homem em busca de si mesmo. Vejamos o que nos diz as
Sagradas Escrituras, uma vez que este Criador, se fazendo criatura viveu no nosso meio e deu fortes
lições de vida. Afirmando “que não veio abolir a lei, mas fazer novas todas as coisas”.

1 CORÍNTIOS 13

1
Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver
amor, serei como o sino que ressoa ou como o prato que retine.
2
Ainda que eu tenha o dom de profecia e saiba todos os mistérios e
todo o conhecimento, e tenha uma fé capaz de mover montanhas,
mas não tiver amor, nada serei.
3
Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu
corpo para ser queimado, mas não tiver amor, nada disso me valerá.
4
O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria
não se orgulha.
5
Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente,
não guarda rancor.
6
O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade.
7
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
8
O amor nunca perece; mas as profecias desaparecerão, as línguas
cessarão, o conhecimento passará.
9
Pois em parte conhecemos e em parte profetizamos;
10
quando, porém, vier o que é perfeito, o que é imperfeito
desaparecerá.
11
Quando eu era menino, falava como menino, pensava como
menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem,
deixei para trás as coisas de menino.
12
Agora, pois, vemos apenas um reflexo obscuro, como em espelho;
mas, então, veremos face a face. Agora conheço em parte; então,
conhecerei plenamente, da mesma forma como sou plenamente
conhecido.
13
Assim permanecem agora estes três: a fé, a esperança e o amor. O
maior deles, porém, é o amor.
Bíblia on line: https://www.bibliaonline.com.br/nvi/1co/13

O que podemos compreender e até tirar nossas deduções que quando se trata de amor, não é
muito fácil encontrar o verdadeiro sentido e significado desta palavra tão mal usada ultimamente
pelas mídias sociais. O que importa-nos neste estudo é saber que: dentro desta palavra vem
valores como o bem, a liberdade, a necessidade de preocupar-se com o semelhante, coragem e
verdade vivida e não tão somente dissertada aos quatro ventos. Ou seja, quem ama consegue
trazer no seu âmago todos esses valores. No entanto precisamos estar atendo para uma coisa: o
resumo dos dez mandamentos traz consigo estas duas frases: “Amarás o Senhor teu Deus de todo
a tua alma, com todo teu entendimento, com todas as tuas forças... ‘E a teu próximo como a ti
mesmo’.” (Ex. 20,1) http://www.catolicoorante.com.br/10mandamentos.html.

Tomemos este ponto: ‘E a nosso próximo, como a nós mesmos’. Podemos fazer uma
pergunta simples. Quem é o próximo, mais próximo de mim mesmo? Podemos quase fazer um
paralelo com o título desta obra de May – ‘O homem a procura de si mesmo’. Se não sabemos quem
somos, como saberemos quem é o nosso próximo?

Tantas são os momentos que para fugirmos da nossa solidão, medo e ansiedades, nos
escondemos atrás deste próximo, para não vermos quem somos de fato e de direito. Esta afirmação
é dolorosa, mas é concreta. É real. Já afirmamos em momentos atrás do nosso estudo que, para
conhecermos a Deus, precisamos conhecer a nós mesmos. Isto estamos falando de “alguém que não
podemos ver”. Imagine só o próximo que habita do nosso lado. Não usemos o “próximo” para nos
afastarmos de nós mesmos. Usemos sim, para irmos ao encontro da pessoa que somos e que
queremos ser.
Outro erro que podemos cair é o de idealizar o amor a tal ponto dele não ser possível de
existir. Muitas vezes os religiosos enxergam no amor, somente renúncia, sofreguidão e solidão.
Como diz o texto sagrado: “É se alegrar com quem se alegra e até mesmo chorar com quem
chora...”. Portanto, o amor é real e ao existir concretamente ele nos conduz a vivermos várias
experiências que nem sempre nos levarão ao *êxtase. Mas, sim lutarmos pela essa nossa
conquista do nosso ‘Eu sou...’. A poesia se faz necessária na nossa trajetória humana, mas a
coragem de procurarmos ser quem somos, se faz urgente para o nosso crescimento e
amadurecimento pessoal. Amor e realidade nos garantem a construção de um self criativo e
maduro.

Êxtase Datação: sXIV

substantivo masculino
1 estado de quem se encontra como que transportado para fora de si e do
mundo sensível, por efeito de exaltação mística ou de sentimentos
muito intensos de alegria, prazer, admiração, temor reverente etc.
2 Rubrica: patologia.
absorção em uma ideia fixa, acompanhada de perda de sensibilidade e
motricidade.
A CORAGEM PARA DISTINGUIR A *VERDADE

‘A coragem de viver a verdade. ’(grifo nosso)

No tratante a verdade, é como o amor. Dificulta-nos muito distinguir entre: dizer a verdade
e viver a verdade. O próprio Cristo afirmou: Jo. 8,32 “Conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará...”. Conhecer é diferente de dizer.

Verdade Datação: sXIII

substantivo feminino
1 Propriedade de estar conforme com os fatos ou a realidade
Exs.: a v. de uma afirmação
v. histórica
1.1 A fidelidade de uma representação em relação ao modelo ou original
Ex.: a v. de um quadro
2 Derivação: por extensão de sentido.
coisa, fato ou evento real.
3 Derivação: por extensão de sentido.
qualquer ideia, princípio ou julgamento aceito como autêntico; axioma
Ex.: as v. de uma religião, de uma filosofia.
4 Derivação: por extensão de sentido.
procedimento sincero, pureza de intenções
Ex.: agir com v.
5 Rubrica: filosofia.
Correspondência, adequação ou harmonia passível de ser estabelecida, por meio de um
discurso ou pensamento, entre a subjetividade cognitiva do intelecto humano e os fatos,
eventos e seres da realidade objetiva. (grifo nosso)

Nietzsche proclama que, “errar é covardia!” Traduzindo na prática a citação deste


filósofo... Se optarmos por não compreender a verdade não é por falta de cultura, de
certificados, diplomas acadêmicos, e sim por não termos bastante coragem. Vejamos o
que Rollo May diz sobre a verdade:

“Verdade” para nós não significa apenas, ou principalmente, fatos científicos. O


importante é que os fatos sejam verídicos. Se alguém recapitular as últimas dozes questões
que o perturbaram – sobre as quais teve de ponderar, para descobrir se era verdadeiro
aquilo que acreditava – perceberá que poucas tinham algo a ver com assuntos passíveis
de serem provados por métodos científicos. Qual o melhor emprego a assumir, de que
modo ajudar a um filho com problemas de adaptação na escola, o que sente em relação a
este ou àquele assunto, se está ou não apaixonado – são questões que preocupam a pessoa
durante o dia até à noite, em sonhos. Provas técnicas raramente são utilidade em tais
casos. É preciso aventurar-se, chegar ou não ao melhor resultado depende intimamente do
grau de maturidade e coragem. Mesmo na descoberta de uma verdade científica, antes
que esta seja reduzida a uma fórmula por todos aceita, como a aventura de Colombo para
provar que a terra era redonda, ou as primeiras pesquisas de Freud, o encontro com a
verdade muito depende da probidade e da coragem do pesquisador. (grifo nosso)

O fruto da verdade, não nasce somente do contexto científico, mas como comprova outros
estudos, nasce de uma reflexão profunda do self (eu) que é uma inclinação da mente. May faz seu
acréscimo, mostrando como isto se desenvolve. Vejamos:

Concordamos com Schopenhauer – e o mesmo faz o psicanalista Ferenczi ao citar esta carta
– em que a *probidade é necessária para o encontro da verdade, e que não vem do
intelecto como tal, mas faz parte de uma capacidade inata de autopercepção. Não
concordamos, porém, em que seja uma “inclinação inata” no sentido de não podermos
modificá-la. Tal probidade é uma atitude ética, que exige coragem e outros elementos do
relacionamento da pessoa consigo mesmo, mas só pode como deve ser desenvolvida até
certo ponto, caso a pessoa queira realizar-se como ser humano. (grifo nosso)
Schopenhauer (filósofo alemão) se refere a Édipo (personagem da mitologia grega,
famoso por matar seu pai Laio e casar-se com sua mãe Jocasta). Essas figuras foram
citadas para distinguir a verdade e as declarações de Jocasta, esposa e mãe, como tentações
para evitar distingui-la. Édipo decidido a esclarecer o terrível mistério que envolve seu
nascimento, chama o velho pastor que recebera ordens de matá-lo quando recém
nascido. O pastor é a pessoa que esclarecerá a questão. Édipo terá realmente casado com
a própria mãe? Nas palavras de Sófocles, Jocasta procura dissuadir édipo.

...É melhor levar vida tranquila

Como qualquer gostaria de fazer...

Por que indagar de quem ele falava?

Não, não importa – esquece...

E quando Édipo insiste, ela grita:

Não busca! Estou cansada, basta!

Infeliz – o que és melhor jamais saberes!

Mas Édipo não se deixa desencorajar pela histeria:

Não ouvirei – quero tudo saber...

Seja o que for não hesitarei

Por humilde que seja minha origem.

Quando o pastor exclama:

Oh, que horror contar!

Édipo replica:

E ouvir. Mas preciso. Nada menos que isso.

Ao conhecer a terrível verdade – matou seu pai e casou com Jocasta, sua mãe – Édipo
arranca os olhos. O ato é de grande importância simbólica – cegar a si mesmo é
literalmente o que faz quem tem profundos conflitos interiores. Busca a cegueira para
isolar-se, em maior ou menor grau, da realidade. Uma vez que Édipo assim age após
saber que estava vivendo uma ilusão, consideremos o ato da trágica dificuldade da
finitude e da cegueira do homem à procura da verdade SOBRE SIMESMO E SUA
ORIGEM. (grifo nosso)

A luta de Édipo desta lenda da mitologia grega retrata nada menos que podemos seguir o
caminho da ilusão (cegueira) de quem somos ou buscar o caminho da verdade, pois somente assim
construiremos o quê queremos ser de fato e de direito. Como já dissemos anteriormente, iludir-se
não é o melhor caminho... No entanto a busca da verdade nos coloca na linha da descoberta de
descobrirmos ‘o que somos e detestaríamos ser’. Na verdade. Humanos. Não basta encarar a si
mesmo no inconsciente, mas sim trazer a tona tudo aquilo vivido para encontrarmos a porta da
autoconsciência, para assim de fato o que devemos ser.
Quanto menos nos auto conhecemos, tanto mais somos preenchidos pela ansiedade, ira,
ressentimentos irracionais, e embora a ira no geral nos impeça de utilizar os meios sutis e intuitivos
de perceber a verdade, a ansiedade nos bloqueia sempre. Portanto, o melhor caminho a ser
percorrido é o do autoconhecimento, para aí conhecermos os fatos reais de quem somos e para onde
queremos ir em busca do que nós queremos ser.
Assim, percorrendo o caminho da verdade em busca do ‘eu’ adquirimos a coragem de nos
vermos no espelho como verdadeiramente somos e a partir daí buscarmos outra verdade: quem
gostaria de ser verdadeiramente existindo? No entanto isto não acontece num passo de mágica e
muito menos no mundo da ilusão. Carece de um bom tratamento, um excelente acompanhamento
psicológico e espiritual, para chegamos no final da trajetória sabendo que ‘eu sou’. May ainda
completa:

Esta espécie de humildade não enfraquece a segurança nas próprias convicções, mas
conserva a porta aberta para novo aprendizado e a descoberta de novas verdades no futuro.
CAPÍTULO VIII
HOMEM, O QUE TRANSCENDE O TEMPO.
AUTO REALIZAÇÃO (grifo nosso)

O livro de Eclesiástico, no capítulo 3 nos mostra: “Que debaixo do céu há tempo para tudo”.
Podemos então fazer-nos as seguintes demandas:
Qual é o nosso tempo?
Qual é o nosso momento?
E quais são as nossas desculpas?
Assim como citamos a lenda de Orestes num tópico anterior, nós precisamos vencer os
nossos próprios preconceitos e mudar velhas estruturas, para de fato chegar ao nascimento do
NOVO HOMEM. Deixar tudo o que é de criança e agirmos como adultos, como nos conclama
Paulo de Tarso.
TEMPO:
Datação: sXIII

substantivo masculino
1 Duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de
presente, passado e futuro; período contínuo no qual os eventos se
sucedem.
Ex.: só o t. o fará esquecer o grande amor.
2 Determinado período considerado em relação aos acontecimentos nele
ocorridos; época
Ex.: o t. das grandes descoberta.s.
3 Certo período da vida que se distingue de outros
Ex.: o t. da juventude.
4 Período específico, segundo quem fala, de quem se fala ou sobre
quem se fala
Ex.: no t. dos nossos avós a educação era mais severa.
5 Oportunidade para a realização de alguma coisa.

O homem atual busca resolver no tempo o seu maior adversário que é a ansiedade. Podemos
afirmar que quanto mais o mundo evolui, mais o ser humano se vê necessitado de tempo para si
próprio. Sem contar que o tempo atualmente tem sido regido numa velocidade tão grande que não
rendemos conta da segunda feira, já estando findando a semana na sexta feira. Com essa guerra e
labuta interior para se adaptar ao tempo, o homem moderno se perde nas angústias, inseguranças,
medos desesperos da vida.
O ontem cai no esquecido, o hoje não se vive preocupado com o amanhã e o “futuro se
perde em meio ao nada”, como afirma Shakespeare. Esse caos nos leva a um vazio terrível, que não
rendemos conta de onde estamos vindos e nem para onde queremos chegar. Calcula-se que a doença
do século é a depressão, mãe de todos os males: síndrome do pânico, transtornos variados, doenças
mentais, deficiências maltratando a mente humana e porque não citar sem medo de errar a
ansiedade.

Só teremos uma possibilidade de “cura” se enfrentar com autoconsciência a nossa ansiedade,


ou então fazermos como a avestruz que se esconde para deixar passar o perigo... Sendo que este
estará sempre acontecendo ao nosso redor. Rollo nos diz que:

Não adiante evitar tais questões com respostas estóicas (que ou aquele que se mostra
resignado diante do sofrimento e do infortúnio) como a seguinte: “Nascemos nesta
época e temos que aproveitá-la da melhor maneira possível”. O melhor é investigar o
relacionamento do homem com o tempo – um relacionamento muito estranho na
verdade – para saber se é possível obter insights que nos ajudem a tornar o tempo um
aliado e não um inimigo. (Grifo nosso)

Portanto, esse dilema nos leva ao largo em busca desesperada por ajuda, abarrotando assim
os consultórios em busca de nossas perguntas: Quem somos e para onde estamos indo? Ou partimos
para isto, ou então nos tornaremos avestruzes lutando para termos o nosso próprio buraco para
enfiarmos a nossa cabeça.

O HOMEM NÃO VIVE APENAS NO PRESENTE

Sabemos de antemão que o homem é o único animal que pode viajar no tempo. Mesmo ele
estando no presente... O dito pode escolher de permanecer no passado, desfrutar do agora ou se
lançar para o futuro. Tendo em vista que qualquer uma das opções poderá trazer consequências
danosas ou benéficas. Essa ‘flexibilidade’, se assim podemos afirmar, faz com que este indivíduo
sofra terrivelmente na perda de si mesmo ou até de sua identidade quando não se encontra em
nenhum momento: passado, presente ou futuro.
Rollo nos mostra isso com mais precisão:

Vimos que uma das características singulares do homem é poder colocar-se fora do
presente e projetar-se no futuro, ou então no passado. Um general, ao planejar uma batalha
que se dará na próxima semana ou no mês seguinte, antecipa em fantasia como o inimigo
reagirá se atacado em determinado ponto e o que acontecerá quando a artilharia
abrir fogo em determinado lugar; e assim se prepara seu exército, tanto quanto possível,
para todos os perigos, vivendo em imaginação a batalha, dias ou semanas antes que ocorra.
(Grifo nosso)

O ser humano é dotado não somente de razão, assim como de espírito e isto lhe concede o
dom da sabedoria, capacidade de transitar no tempo, administrando ao seu favor e buscando neste a
razão para ser e resistir. Para isto este precisa entender que este tempo existe bem antes do que vai
acontecer de positivo ou negativo com esta pessoa. Tendo em vista que o tempo cronológico é
diferente do tempo psicológico.
Não se calcula o tempo psicológico com o simples passar das horas; mas sim com o
significado das experiências que vamos acumulando ao longo da nossa existência. A memória que
temos se tornou muito mais que uma impressão do nosso passado; ela é guardiã de tudo o que é
significativo em nossas mais profundas emoções e temores.
No entanto, temos uma prova de que a relação flexível e criativa que temos com o tempo, do
qual o princípio orientador não deve ser o relógio e sim o significado qualitativo de nossas
experiências vividas. Isso nos difere diante dos outros animais que não “vive” o tempo de maneira
psicológica (qualitativo) e sim sobrevive a nível temporal.
O resultado de nossas experiências, podendo ser positivas/negativas;
quantitativas/qualitativas nos traz lembranças que podem nos ajudar no crescimento pessoal, assim
como pode criar ansiedade, medo insegurança e demais doenças. E isto acontece exatamente
quando nos tornamos donos e não administradores do tempo (horas), nos tornando assim paranoicos
no relacionar consigo mesmo e com a coletividade. Rollo enfatiza isso com o seguinte exemplo:

Em plano menos corriqueiro, a antecipação do tempo vazio pode causar horror a quem
achar que, se nada tiver para fazer, nenhum plano rotineiro, nenhum compromisso, ficará
“louco” de incerteza. Quando, em consequência de um complexo especial de culpa e
ansiedade, como no caso de *Macbeth, ou por causa do vazio íntimo, conforme se dá
com muita gente hoje em dia, a vida “não tem significado”, torna-se de fato uma realidade
que...

*Amanhã, amanhã e amanhã


Esgueira-se de mansinho dia a dia
Até a última sílaba do tempo;
E todos os nossos ontem iluminam os tolos
Até a poeirenta, tediosa morte... (Grifo nosso)
O próprio Yung- cita que, o medo do envelhecimento vem do momento em que as pessoas
deixam de viver o momento presente. Ele se torna tão temido, porque como a solidão, ele agita o
espectro (ilusão) assustador do vazio. Assim, uma das piores neuroses a se constatar no ser humano
é a necessidade própria em querer adiar a vida. No momento em que adiamos a nossa vida,
passamos a odiá-la, chegando a nos ver face a face no espelho do livre arbítrio.
O autor desta obra nos mostra como isso acontece a partir do momento que escolhemos
odiar nossa própria vida. Vejamos:

Uma das maneiras negativas, neuróticas, de se usar sua própria percepção cronológica é
adiar a vida. O homem, à diferença da árvore e de o animal, é capaz de afastar-se do
presente, usando o passado e o futuro como fuga. O exemplo mais frequente é, com
certeza, a forma adulterada da crença de que os males presentes encontrarão compensação
no céu, que recompensas e punições serão então distribuídas. A tendência da religião
98732’1conservadora a afastar a mente do povo de injustiças econômico-sociais, na
forma de promessas de futuras bênçãos, conforme sucedeu na Rússia czarista, foi com
razão atacada por Marx. A religião torna-se então, de fato, o ópio, a droga para
insensibilizar o povo.
...
Viver esperando o futuro é a fuga habitual das pessoas sem cultura; viver no passado seja
a fuga das sofisticadas. Em análise, as últimas sabem que não é moda imbuir-se de
esperanças em recompensas celestiais, mas aprenderam que é respeitável falar do passado,
uma vez que os problemas fundamentais de cada um têm raízes na infância. (Grifo nosso)

Portanto, esse problema nos acompanhará pela eternidade. Isto se não adquirirmos
autoconsciência do que e de quem somos. O vazio não será preenchido a nível pessoal se nos
afogarmos no coletivo. O passado deve nos servir de lição para que absorvamos o presente, tal qual
como é e passemos para a próxima etapa de eu sou que é o futuro. Isso implica ter que assumir
quem somos hoje, agora, assumindo quem somos ou fugindo de nós mesmos.

O MOMENTO FECUNDO

Só há vida, se esta for regada e cuidada no presente. O hoje é o tempo que temos para
apostar na evolução para fora. Para isto temos que fazer uma viagem no interior, e porque não fazer
uma cura física, mental e espiritual. Sempre é tempo de recomeçar, aprendendo, sobretudo o hoje
para plantarmos o sou aqui e agora. Salvando-se desta grande tentação de controlarmos aquilo que
se chama tempo.
O futuro e o passado só têm significado por fazerem parte do nosso presente. May afirma
que:
“... um acontecimento passado só existe agora porque alguém está pensando nele no
momento, ou está sendo por ele influenciado, de maneira que, como um ser vivo a pessoa
torna-se até certo ponto diferente. O futuro tem realidade porque se pode evocá-lo no
presente. Procurar viver no “quando” futuro, ou “naquele tempo” passado, resulta
sempre numa certa artificialidade, numa separação entre a pessoa e a realidade, pois de
fato existe-se no presente. O passado tem significado quando ilumina, e o futuro
quando o torna mais rico e mais profundo.
Se alguém olhar diretamente para seu íntimo só perceberá aquele instante de consciência
naquele determinado momento presente. E a esse instante, que é o mais real, não se deve
fugir. (Grifo nosso)

O terapeuta, Dr. *OTTO RANK, apontou de maneira persuasiva que:

Passado e futuro vivem no presente psicológico e acrescenta ainda que na década de


20, a psicanálise ortodoxa estava atolada em excursões artificiais pelo passado, a que
faltam realidade e dinamismo, em perigo de transformar-se em meros exercícios
intelectuais, interessantes como explorações arqueológicas, mas sem força para modificar
a vida de ninguém. E foi por isso que Freud atacou os acadêmicos. Rank sacudiu a
psicoterapia, fazendo-a voltar à realidade ao demonstrar que haja de significativo no
passado de uma pessoa – como os seus relacionamentos na primeira infância – será trazido
para os seus relacionamentos do presente.
* Otto Rank (nascido Otto Rosenfeld, Viena, 22 de abril de 1884 —Nova Iorque, 31 de
outubro de 1939) foi um psicanalista, escritor, professor e terapeuta austríaco. (Grifo
Nosso)

Como já percebemos, não é fácil viver no presente imediato, porque isso exige da pessoa um
alto grau de consciência de si próprio... Que precisa de anos de trabalho interior para se chegar a
esta conquista íntima. Para isto é necessários observar, sentir as nossas experiências, pois as
mesmas nos indicam o caminho por onde devemos trilhar. Vale mais sentir do que falar daquilo que
estamos vivendo e revivendo no nosso cotidiano.

Na nossa trajetória de vida, podemos nos interpelar várias vezes o que e quem é, mas se isto
não parte de uma necessidade interior de se garimpar, descobrir-se como um diamante bruto e
depois se auto lapidar, se auto desenhar no cotidiano de nossas experiências positivas e negativas.
Se não sentimos pelo menos o que somos, nos tornamos um elo perdido seja no passado, presente e
futuro. Podemos nos tornar um diamante embrutecido.

O que é o self?

Numa acepção geral, entende-se por self aquilo que define a pessoa na sua
individualidade e subjetividade, isto é, a sua essência. O termo self em português pode ser
traduzido por "si" ou por "eu", mas a tradução portuguesa é pouco usada, em termos
psicológicos. (https://www.infopedia.pt/$self-(psicologia).

No exemplo acima, podemos constatar que este “eu”, usando nossa língua mãe, é
exatamente o que somos e quem somos... Se não o indagamos, procuramos conhecê-lo;
interagirmos com ele, pode afirmar que não existimos de fato. Para isto temos que enfrentar a
realidade presente e muitas vezes esta nos deixa ansiosa, gerando, esta sensação plena de um vazio
absurdo, que nos joga no buraco negro do existir. A partir dessa experiência, nasce a crescente
busca do homem a procura de si mesmo. É o ‘nú’ existencial.

Na busca incessante por nós mesmos, vivemos muitas vezes angustiados, sem saber de fato
se a pessoa que tanto procuramos está fora ou dentro de nós mesmos. Nesta busca maquiavélica,
vale experimentar tudo: drogas, religiões, filosofias, superstições e tantas mais. Mas, a maioria dos
sofredores em busca de algo perdido dentro de si mesmo, se esconde numa religião e se entorpece
de crenças, na espera que será salvo de si mesmo. Nisto aceita que o método melhor de saída para
tal problema é a revolta do sofrimento. Deixa de se responsabilizar pelos seus próprios atos e
passa a culpar uma divindade, aplacando assim sua dor íntima; perdendo-se no coletivo, e
aceitando ser quem ele nunca foi. Rollo May nos mostra como isso acontece:

Isso nos conduz à forma adulterada da ideia religiosa de “vida eterna”. A expressão “vida
eterna” é popularmente usada para sugerir tempo infinito, como se a eternidade significasse
um passar sem limites de ano para ano. Este ponto de vista está implícito na pergunta
frequentemente pintada – com que motivo só Deus sabe – nas paredes de edifícios,
desafiando os transeuntes: “Onde passará você a eternidade?” Pensando bem, é uma
pergunta. “Passar” sugeres um determinado período de tempo na eternidade? Tal ideia
não só repugna psicologicamente – que perspectiva tediosa passar ano após ano,
infinitamente! – como também é absurda do ponto de vista lógico, e pouco segura do ponto
de vista teológico. A eternidade não é determinado espaço de tempo – transcendo o tempo,
é a sua importância qualitativa. Não é preciso identificar a experiência ouvir música como o
significado teológico da eternidade para compreender que na música – como no amor, ou
em qualquer obra que proceda da integridade íntima – “eterno” é um modo de
relacionamento com a vida e não uma sucessão de amanhãs. (Grifo nosso)
O próprio Cristo afirma que o reino do céu está no coração de cada pessoa, “a eternidade
encontra-se na maneira como a pessoa se relaciona, ou deixa inteiramente de relacionar-se,
com cada momento.” Goethe repete a mesma verdade ao colocar na boca de Fausto a frase:

“Antegozo “de tão elevado encantamento”: a eternidade entra no presente momento


como uma qualidade da existência”. (Grifo nosso)

Esta tão desejada eternidade encontra-se na maneira que cada pessoa se relaciona ou não
com o tempo. Este para o ser humano, não pode ser um corredor; mas sim uma contínua abertura. O
conceito “céu e inferno”, do grau de consciência que cada pessoa alcança na sua jornada de
vida e nas suas experiências. Não existe outra vida ou outro mundo. É presente, aqui e agora...
Vivê-lo é o grande desafio que devemos enfrentar no nosso cotidiano, pois não tem um endereço
certo após a morte. Isso causa medo, insegurança e ansiedade. Aqui cabe amadurecimento e
crescimento para fora, começando do interno íntimo, para se viver profundamente o hoje
abundantemente. “Eu vim para que todos tenham vida e que a tenham em abundância”. Garantiu
Jesus para todas as pessoas.

“A LUZ ETERNIDADE”

*Morte... Fim ou começo?

*Morte Datação: 1266

substantivo feminino
1 interrupção definitiva da vida de um organismo
2 fim da vida humana
3 Derivação: sentido figurado.
fim, desaparecimento, freq. gradual, de qualquer coisa que se tenha
desenvolvido por algum tempo
Exs.: m. de uma língua
m. de uma civilização
4 Derivação: sentido figurado.
fim, término de qualquer coisa, ger. subjetiva, criada consciente ou
inconscientemente pelo homem
Ex.: m. das ilusões juvenis
5 Derivação: sentido figurado.
intenso sofrimento, grande dor e angústia
6 Rubrica: iconografia.
representação iconográfica da morte, ger. a imagem de um esqueleto
humano armado de foice
Obs.: inicial maiúsc. (dicionário Houaiss-virtual)

*Vida... Finita ou infinita?...

*Vida Datação: 947

substantivo feminino
1 modo de viver; conjunto de hábitos
Exs.: v. santa
v. de rico
2 propriedade que caracteriza os organismos cuja existência evolui do
nascimento até a morte
Ex.: a v. dos animais, dos vegetais
2.1 conjunto de atividades e funções orgânicas que constituem a qualidade
que distingue o corpo vivo do morto
Exs.: o acidentado jazia sem v.
salvar a v. de alguém
a goiabeira ficou seca, sem v.
3 Derivação: por extensão de sentido.
período de um ser vivo compreendido entre o nascimento e a morte;
existência
Exs.: muitos anos de v.
durante a v. trabalhou muito
3.1 Derivação: por extensão de sentido.
fase determinada dentro desse período
Ex.: aprendeu muito na v. adulta
3.2 Derivação: sentido figurado.
tempo de existência ou de funcionamento de uma coisa
Exs.: a v. de uma aeronave
a v. de uma lagoa
4 Derivação: por metonímia.
conjunto de seres vivos classificados do ponto de vista da espécie, do
meio ambiente, da época etc. (p. ex., a fauna, a flora)
Ex.: v. submarina
5 Derivação: sentido figurado.
motivação que anima a existência de um ser vivo, que lhe dá
entusiasmo ou prazer; alma, espírito
Exs.: a arte é a minha v.
uma pessoa cheia de v.
6 conjunto dos acontecimentos mais relevantes na existência de uma
pessoa; biografia
Ex.: descreveu a v. de grandes personagens da história
7 meio de subsistência ou sustento necessário para manter a vida
Ex.: ganhar a v.
8 Derivação: sentido figurado.
conjunto de atividades humanas que caracterizam um grupo social,
uma época, um lugar
Exs.: a v. republicana
v. tribal
8.1 Derivação: sentido figurado.
atividade, prática
Exs.: v. esportiva
v. monástica
9 existência do espírito, vista como uma transcendência da morte física
Ex.: a v. eterna da alma (dicionário Houaiss-virtual).

O presente nos é dado para, no aqui e agora, cada pessoa precisa se auto construir. Tornar-se
verdadeiramente humano, adquirir esta magnifica capacidade de transitar no tempo com consciência
de quem é ou de quem será. O homem é o único ser vivo capaz de amar profundamente, assim
como ser cruel ao extremo. Esta tal racionalidade leva o indivíduo ter a “capacidade” de escolher
dentro do seu livre arbítrio. Ou pelo menos se presume que assim seja.
Morte e vida andam de mãos dadas. Uma é antagônica a outra. Para morrer tem que estar
vivo e para viver, a condição é morrer. Vejamos como May traduz esta luz de eternidade:

Spinoza gostava de dizer que o homem deveria agir sub specie aeternitatis – sob a forma
da eternidade. “Pois compreende que a eternidade é a própria existência... Pois a existência
de uma coisa, tal como uma verdade eterna... Não pode ser explicada pela duração ou pelo
tempo...” E prossegue dizendo que a existência de algo depende de sua essência – uma
ideia que não é tão absurda como parece à primeira vista. Para aplicá-la a si mesma a
pessoa age “sob a forma de eternidade” na medida em que suas ações emergem de seu
âmago essencial.
...
E nem significa viver segundo um dogma absoluto, religioso ou não, ou uma regra moral.
Significa TOMAR as próprias decisões com liberdade e responsabilidade, com
autoconsciência e de acordo com o seu caráter pessoa singular. (Grifo nosso)

A IDADE NÃO IMPOSRTA

Como diz Shakespeare: “Que sua idade não tem a ver com quantos aniversários você
comemorou”. Portanto, cada pessoa tem a responsabilidade de plantar o seu próprio jardim e se
responsabilizar de colher ou não as flores que nele virão brotar.
Maturidade, responsabilidade e alegria de viver, marca o tempo em que estamos e para onde
podemos ir. Isso não significa ausência de problemas, significa sim a forma como os enfrentamos e
como os resolvemos. A pessoa madura e responsável transcende o seu próprio tempo, vivendo as
suas vantagens e desvantagens, absorvendo o melhor que a vida lhe proporciona, fincando pé o
presente, no hoje, aproveitando o melhor que seu tempo lhe permita viver.
O autor desta obra afirma que:

O mesmo é exato em relação à nossa idade cronológica. O importante não é ter vinte,
quarenta ou sessenta anos e sim preencher a própria capacidade de opção consciente ao seu
particular nível de desenvolvimento. É por isso que uma criança sadia aos oito anos –
conforme qualquer um pode observar – é pessoa mais completa que um adulto neurótico de
trinta anos. A criança não é mais amadurecida no sentido cronológico, nem pode realizar
tanto quanto um adulto, ou cuidar tão bem de si mesma, porém é mais amadurecida, se
julgarmos a maturidade pela sinceridade da emoção, originalidade e capacidade de fazer
opções em assuntos adequados ao seu estágio de desenvolvimento.

Velhice... Juventude... Eis a questão: ser ou não ser? Outra questão. O que importa afinal é a
questão de afrontar nossas crises de crescimento, nossas lutas, opções familiar para o
desconhecido... Até chegarmos a possuir uma consciência cada vez mais ampla de si mesmo e
assim assumir nossa crescente liberdade e responsabilidade, em níveis mais variados de
discernimento, nos quais se integra progressivamente com os outros em amor e trabalho criativo de
sua livre escolha.
Notemos a vida de Jesus Cristo. O que marca na vida deste Deus feito homem é a sua
liberdade de escolher para quem oferecer-se, mesmo afirmando que veio para todos, ele faz suas
escolhas baseadas no seu amor obediente ao seu Pai. Mas conseguiu libertar muitos do cativeiro das
regras impostas pela lei judaica. A liberdade, a responsabilidade, a coragem e o amor fez Jesus se
tornar o lado humano de Deus.
A consciência de si mesmo leva a criatura compreender pelo menos como parte do mundo e
como o mesmo deve e pode se comportar diante de suas opções. A evolução é marcada exatamente
pelo o momento que este ser tem sede e fome de se autoconhecer. E busca neste autoconhecimento
uma maneira de enfrentar suas crises e seus problemas ao longo do seu próprio amadurecer. Tomar
consciência de si mesmo, o ajuda a trilhar uma crescente liberdade interior, criando assim uma auto
responsabilidade, integrando-se com outros indivíduos, vivendo níveis de responsabilidade e
amadurecimento sem se perder na sua essência. Nisto, o ser humano descobre que o amor constrói
essa base segura, onde o vazio pode ser administrado com “graça de um adulto e não com a
tristeza de uma criança”. (Shakespeare)
A sugestão prática de May é a seguinte:

A meta do homem é viver cada momento com liberdade, sinceridade e responsabilidade.


Desta maneira estará realizando, nas possibilidades de sua natureza, sua tarefa
evolucionária. Se o jovem professor eventualmente termina seu livro ou não, a questão é
secundária: o principal é saber se ele, ou qualquer outra pessoa, escreve e pensa em
determinada sentença ou parágrafo o que acredita “obter os elogios alheios”, ou o que crê
ser o verdadeiro e honesto segundo seu entender naquele momento. O jovem marido não
pode estar certo de seu relacionamento com a esposa dentro de cinco anos: mas, no melhor
dos períodos históricos, poderia alguém ter certeza de viver mais uma semana ou um mês?
A instabilidade do nosso tempo não nos ensinará a mais importante de todas as lições –
isto é, que os critérios máximos são a honestidade, a integridade, a coragem e o amor em
determinado momento de integração? Se não temos isso não estamos construindo para o
futuro. Se o possuímos, podemos deixar o futuro por sua conta.
...
A liberdade, a responsabilidade, a coragem, o amor e a integridade interior são as
qualidades ideais, nunca perfeitamente realizadas por ninguém, mas constituindo as metas
psicológicas que dão significado ao nosso movimento para a integração. (Grifo nosso)

Portanto, o homem a procura de si mesmo, está contido dentro de cada ser humano que
nasce, cresce, amadurece e morre. A conquista para esta experiência positiva depende da coragem
de cada um, em olhar no espelho e afirmar: este sou eu. Aquele não sou eu. Ou tão somente se
perguntar: Mas quem sou eu afinal? Partindo deste princípio, já nasce a crise da existencialidade...
Obrigando-nos a perseguir este verdadeiro homem que habita em mim e que pode estar sufocado
pelo o coletivo, ou se escondendo covardemente da mais pura verdade. Eu não quero ser eu.
Só existem dois caminhos. Aquele que não nos leva a quem devemos ser de verdade, ou
aquele que nos leva a morte da falsidade. Cada um deve ter a coragem de escolher e arcar com as
consequências que virão ainda nesta dimensão chamada de presente.

Nota ao leitor.
Espero que essa minha mania de estudar resumindo lhe sirva para aguçar a sua curiosidade de
querer saber de fato e de direito: Quem sou? Obrigado pela companhia.
João Pessoa, 16 de Abril de 2020.
Eugênio Costa Mimoso.

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