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INTRODUÇÃO
É inegável que a partir da década de 1970 e 1990 histórias com cunho político
mais progressista começaram a aparecer. Debates sobre racismo, xenofobia, sexualidade
e mesmo novos espaços da mulher na sociedade passaram a permear as histórias dos
quadrinhos norte-americanos. Surgem super-heroínas mais diversas como Oráculo
(1989), a Tempestade (1975), Supergirl (1976), Miss Marvel (1977), apenas para citar
alguns personagens de grande representatividade, ainda hoje.
Contudo, ainda é possível ver nas produções deste período as permanências
do machismo, patriarcalismo e sexismo. O cenário editorial e de produção das HQs
continuam dominado por homens e a visão de público alvo ainda é essencialmente o
Masculino. Tal situação resulta na utilização de personagens femininas
hipersexualizadas, como estratégia de Marketing.
Corpos com curvas e formas voluptuosas, anatomicamente impossíveis de
existirem na realidade, se tornaram um padrão, de modo que um ideal de beleza foi
aparentemente criado apenas para satisfação e desejo masculino. Logo, não se trata de
uma representação da Mulher, mas sim, da Mulher que os homens querem ver
representadas e isso torna as personagens femininas nas HQs extremamente frágeis e
facilmente descartáveis.
Em 1999, a autora e quadrinista Gail Simone criou o site Women In
Refrigerators (tradução livre: “Mulheres na geladeira”), que lista apenas super-heroínas
ou “supergarotas” que, de alguma forma, foram inevitavelmente mortas, mutiladas ou
destituídas de seus poderes. Ela centra-se na “decadência” de mulheres notoriamente
poderosas, ela acaba demonstrando um padrão de gênero comparativo. Ou seja, quando
comparamos os homens e mulheres com superpoderes, apenas as mulheres sofrem esse
tratamento de diminuição.
Embora ficcionais ou fantasiosos, atitudes e comportamentos de super-heróis,
mais próximos da realidade dos leitores, podem ser normalizados e naturalizados. Logo,
apontar as formas de tratamento desiguais entre homens e mulheres, mostrar como
realidades ficcionais reproduzem condutas sociais dos momentos históricos em que são
lançadas, são passos importantes para a contestação de uma ordem discriminatória.
Há uma tradição inventada, uma espécie de fetiche introjetado, que
essencializa o gosto das mulheres pelos quadrinhos ao longo do que foi convencionado
pelos padrões de gênero. Ou seja, mulheres gostam apenas de “florezinhas” e
Coraçõezinhos”? Ao fazer isso, nega-se o envolvimento com o público feminino para os
principais quadrinhos de super-herói. Convencionou-se acreditar que HQs,
principalmente de super-heróis, é voltada apenas ao público masculinos, contudo, tal
premissa não se sustenta.
De fato, não temos pesquisas densas sobre o público feminino para os
principais quadrinhos de super-heróis, o que já sabemos, no entanto, é que boa parte do
público feminino de quadrinhos gira em torno dos quadrinhos independentes. Segundo
Suzanne Scott (2013) isso se dá em parte porque é onde a grande maioria das escritoras e
artistas de quadrinhos do sexo feminino está trabalhando, suas obras retratam mulheres
mais próximas do real.
Para além do debate acadêmico, é preciso fortalecer a revolução social das
minorias que já vem acontecendo. Ora, as HQs são produtos de mercados, e como tal
acompanham as tendências deste. Assim, exigir melhor representatividade e respeito às
mulheres, maior empoderamento dos personagens femininos — incluindo suas
diversidades étnicas e sexuais — apontar e debater as presenças do machismo e do
sexismo nas histórias e desenhos publicados, além de ampliar os espaços para escritoras
e desenhistas feministas são importantes passos para as mudanças
Por fim, é imprescindível dizer que tais passos não podem continuar a ser
“passos de tartarugas”, pois não se trata de “dar voz” às mulheres. Voz, sempre tivemos.
Talento e competência também, é preciso agora que as oportunidades não sejam negadas,
nem nossas pautas diminuídas e negligenciadas. É preciso ouvir o que temos a falar e
juntos — lado a lado — alcançar a equidade e o fim das violências de gênero. Tanto na
ficção, quanto na realidade
É acreditando nisso que optamos por desenvolver o produto didático no
formato de quadrinhos. “Mariquinhas”, assim como muitas outras obras femininas, nasce
sob a perspectiva da independência e, apesar de estar intimamente ligada a uma tese
acadêmica, como um requisito indispensável para o alcance do título, ela desafia-se a ser
mais. Almeja, por exemplo, despertar empatia e fortalecer identidades nos leitores.
Ao apresentar personagens femininas complexas e bem desenvolvidas,
mostramos as experiências e os desafios enfrentados pelas mulheres do século XIX,
diante de um “crime horroroso”, como noticiaram os jornais da época. Oferecendo
modelos positivos e inspiradores de protagonismo feminino, aspiramos contribuir no
fortalecimento e empoderamento de mais mulheres, destacando a resistência, a coragem
e a capacidade de superação delas diante das adversidades, encorajando-as a se
posicionarem contra a violência e a opressão.
Como uma graphic novel, ansiamos questionar e subverter as estruturas
patriarcais desafiando as normas e os estereótipos de gênero. Acreditamos que a obra
pode inspirar reflexões e ações que levam para uma mudança social mais ampla,
independente do seu gênero. Em suma, promover uma reflexão crítica em prol da busca
de uma sociedade mais justa e igualitária a todas as pessoas.
Figura 1. Revista “O Mosquito”. Anno 5º. Rio de Janeiro. 04 de outubro de 1873. N.º 212.
Fonte: Hemeroteca digital. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/709654/665
Figura 2. Revista “O Mosquito”. Anno 5º. Rio de Janeiro. 11 de outubro de 1873. N.º 213.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Casos como o crime de Pontes Visgueiros não são incomuns, menos insueto ainda
é a forma em que ele costuma ser retratado. Inúmeros sites, incluindo de seções estaduais
da OAB (como a de São Paulo) apresentam o caso apenas sob a ótica do desembargador,
Mariquinha é apenas uma vítima, mais uma estatística, sem força, sem luta, quase que
desumanizada, quando não culpada de seu próprio infortúnio. As ações das demais
mulheres lutando para a solução e consequente punição do criminoso desaparecem nesses
relatos, a idade, a classe social e a paixão violenta do homem privilegiado por sua classe
tomam o protagonismo dessas mulheres e nesse sentindo é uma nova violência de gênero
que elas sofrem, pois, não são protagonistas de suas próprias histórias.
A existência dessas experiencias femininas não podem mais ser negligenciadas,
contudo, não se trata apenas de levantar o véu do ocultamento, descrevendo fatos e
apontando sujeitos. Não é imperiosa uma história descritiva, mas antes de tudo é
imprescindível uma história-problema, cuja partir das análises meticulosas podemos
interpretar as experiências, buscando ver nesses fenômenos aquilo que se manifesta
rigorosamente da mesma forma para todos, e assim erguendo uma realidade passível de
apreensão e crítica.
Os documentos pesquisados podem não nos proporcionar um entendimento mais
aprofundado dos sujeitos estudados, mas eles serão importantes para decifrar o mundo de
significações da sociedade da época, além de explorar a multiplicidade de sentidos que
eles podem adquirir. Assim, mediante uma leitura minuciosa recorreremos à interpretação
de vestígios e indícios nas entrelinhas e nos “espaços em branco” de documentos
(GINZBURG, 2002, p. 44), muitas vezes escritos por autoridades moldadas pelo
pensamento hierarquizado do período.
O que nos propormos é construir uma história cujo centro de atenção está na
“cultura dos oprimidos” em uma espécie de revalorização do “ponto de vista” das vítimas
tantas vezes deixado de lado pela historiografia tradicional, e embora não possamos
chegar idoneamente às vozes dos indivíduos oprimidos que não escreveram ou não
puderam escrever sobre si, podemos no âmbito do provável, longe de ingenuidades,
acessar seus universos valorativos.
Ao construir uma grafic novel sobre o crime abrimos portas para os debates
históricos no âmbito dos quadrinhos, chamando a atenção para a força e a
representatividade que essa mídia cultural pode alcançar tanto como fonte, quanto recurso
didático.
É preciso salientar que nosso intuito, com o quadrinho “Mariquinhas” não é fazer
uma transposição histórica, reivindicando-se como “A verdade”, reforçamos se uma
história inspirada nos acontecimentos reais. É nosso desejo que a obra alcance uma
verossimilhança tão impressionante que se torne uma ferramenta educativa que auxilie na
preservação e disseminação do conhecimento histórico. Além de ser um estímulo
poderoso para o estudo da História do Maranhão e o desenvolvimento de novas pesquisas,
tanto no que diz respeito às questões de gênero quanto em outras áreas.”
Sabemos que as violências a qual analisamos seguem a sua própria historicidade,
mas isto não impede de problematizá-las de modo a colaborar para a superação de uma
mentalidade enraizada sobre a passividade e subserviência das mulheres no passado,
demonstrando que mesmo diante da naturalização da violência sobre seu gênero,
houveram aquelas que ousaram se levantar e contestar a ordem vigente.
O atual aumento da violência contra a mulher suscita questionamentos no sentido
de se pensar ações de atenção, prevenção e combate a estas formas de violência. Nesse
sentido, acreditamos que tanto a pesquisa histórica sobre o assassinato de Mariquinhas,
quanto o produto didático em quadrinhos podem contribuir para ampliar os estudos que
anseiam por uma transformação cultural sobre as desigualdades de gênero que
historicamente carregamos, assim como pensar novas práticas consoantes à educação
para equidade, manutenção dos direitos e da dignidade humana.
REFERENCIAS
• BOVO, Marcos Clair. Interdisciplinaridade e transversalidade como dimensões da
ação pedagógicas. Urutágua: Revista Acadêmica Multidisciplinar. Maringá,
Universidade Estadual de Maringá, n. 7, p. 1-11, ago./nov. 2005. Disponível em:
http://www.uem.br/urutagua/007/07bovo.htm
• GINZBURG, Carlo. Relações de força: história, retórica, prova. São Paulo:
Companhia das Letras, 2002
• MELO, Kelli Carvalho; RIBEIRO, Maria Ivanilse Calderón. Vilãs, Mocinhas ou
Heroínas: Linguagem do Corpo Feminino nos Quadrinhos, Revista Latino-americana
de Geografia e Gênero, Ponta Grossa, v. 6, n. 2, p. 105 – 118, ago. / dez. 2015. Disponível
em
https://www.researchgate.net/publication/276884987_Vilas_Mocinhas_ou_Heroinas_Li
nguagem_do_Corpo_Feminino_nos_Quadrinhos Acesso em: 05 abr. 2023.
• SCOTT, Suzanne. Fangirls in refrigerators: The politics of (in)visibility in comic
book Culture. In: Transformative Works and Cultures, edited by Matthew J. Costello,
special issue, v.13, 2013. Disponível em:
https://journal.transformativeworks.org/index.php/twc/article/view/460/384. Acesso em:
14 abril de 2023.
• SIMONE, Gail. Woman in Refrigerators, site, 1999. Disponível em: http://
https://www.lby3.com/wir/index.html Acesso em: 14 abril de 2023.