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A REPRESENTATIVIDADE FEMININA DAS FINAL GIRLS NO CINEMA DE


HORROR1

Giovanna Rocha Silva2


Carolina Bunn Bartilotti3

Resumo: O cinema pode ser compreendido como fonte histórica que influencia e é capaz
de atravessar o funcionamento social, cultural e psicológico dos indivíduos na sociedade.
Sendo a representatividade feminina no cinema um reflexo de diversos conceitos
presentes na história da humanidade, possibilitando que a arte cinematográfica possa
reforçar padrões nocivos dependendo de como as narrativas são construídas e as
representações colocadas. Dessa forma, podendo manter preconceitos, funções e normas
antiquadas que estruturam uma sociedade machista. As final girls no cinema de horror
durante décadas são pauta de estudo sobre gênero e como a mulher e suas demandas são
representadas no cinema. Possibilitando observar que essa representatividade se modifica
com o passar do tempo, a presente pesquisa teve como objetivo identificar e comparar as
final girls de enredos pontuais, para observar essas diferenciações entre elas e quais
impactos sociais essas representações possuem. O instrumento de coleta foi um protocolo
de registro com pontos de análise, que posteriormente levantados, foram analisados e
integrados em um contexto cultural e temporal. Como resultado, foi possível observar a
gradativa mudança das personagens e de demais elementos das narrativas, contudo ainda
há uma manutenção de conceitos conservadores e nocivos para representatividade
feminina que necessita de evidência.

Palavras-chave: Representatividade feminina e cinema; Representação da mulher e


cinema; Gênero e cinema.

1. INTRODUÇÃO

Em qualquer parte do mundo, nas mais diferentes épocas, é possível visualizar


que existem diversos momentos em que a cultura machista e o sistema patriarcal atuaram
causando opressão às mulheres, colocando-as como inferiores, submissas e definindo
quais seriam seus papéis na sociedade (CADORE, MONTEIRO, 2018). Segundo Cardore
e Monteiro (2018), foram desde atribuições comportamentais, como o dever de serem
sensíveis e passivas, até questões que atravessam sua existência na sociedade, como a
impossibilidade de serem atuantes nas decisões políticas, a diferença salarial, o dever de
serem cuidadoras de suas famílias e seus lares e entre outras demais questões.
Diferentes áreas do conhecimento, buscam compreender possíveis questões que
originaram essas opressões. Há tentativa de utilizar justificativas antiquadas usando a
biologia, limitando a existência feminina à função do útero, ou “um ser não-homem, ou
seja, uma pessoa física e fisiologicamente incompleta” (FEITOZA, RODRIGUES, 2021,
p. 2), ou até mesmo utilizando um viés religioso, afirmando através de interpretações que
a mulher teria sido originada do homem e por isso, à ele pertence, para seu domínio e
serviço (FEITOZA, RODRIGUES, 2021).

1
Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Psicologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. 2021.
2
Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul. E-mail:
gsrocha197@gmail.com.
3
Doutora em Psicologia – Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Professora Titular na
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL.
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Sendo essas questões antigas e enraizadas culturalmente, é possível constatar que


o domínio patriarcal influenciou em muitas regras e normas sociais, especialmente pelas
estruturas de poder terem tido majoritariamente representações masculinas. Por esse
motivo, é inviável não considerar como a sociedade atuou de forma direta e indireta, no
sofrimento psíquico e físico de mulheres ao longo da história da humanidade (FEITOZA,
RODRIGUES, 2021).
Um momento possível de observar essas questões é, segundo Karnal (2007), no
final da década de 40, com os impactos da Guerra Fria na América Latina. Através de
propagandas advindas da elite Estadunidense, foi instaurado uma série de valores e
padrões de comportamentos conservadores do “modelo americano”, os quais exerceram
um papel importante para estruturação de um sistema patriarcal.
Essas propagandas aconteciam através da literatura e das artes cinematográficas e
televisivas, as quais reafirmaram esses padrões, projetando narrativas como: famílias
heterossexuais, sem conflitos, onde o pai possuía um emprego, um papel ativo na
sociedade, e a mãe cuidava do lar e dos filhos, mantendo-se passiva e pronta para servir
(KARNAL, 2007). Ditando, dessa forma, características do que deveria ser tido como o
modelo comum de vida.
Segundo Karnal (2007), foi apenas nos meados da década de 60, com o
movimento feminista em evidência e a resistência da contracultura, que as pautas sociais
sobre as mulheres se tornaram mais democráticas, possibilitando debates sobre algumas
questões, como: o uso de contraceptivos, a atuação no mercado de trabalho e a
reorganização das questões referentes às leis e às práticas médicas. Todo esse movimento
provocou mudanças frente ao papel das mulheres na sociedade.
Porém, no meio artístico, essas reproduções não sofreram modificações
relevantes. Podendo essa questão ser atribuída ao fato de que as criações artísticas
estavam, em maioria, sob controle masculino, tornando-se assim as representações do que
era o desejo de homens, através da perspectiva dos mesmos sobre as mulheres (FEITOZA,
RODRIGUES, 2021).
Isso se estendeu para as produções cinematográficas da década de 70 e 80, com a
diferença de que essa representação se tornou camuflada por alguns elementos
simbólicos. As representações da figura feminina no cinema foram expostas como um
objeto, um “outro”, anulando as mulheres como sujeitos na sociedade e buscando ocultar
sua subjetividade (GUBERNIKOFF, 2016). Para Gubernikoff (2016), a imagem da
mulher nas narrativas foi atribuída a uma mercadoria. E, para isso, a autora aponta que
essa representatividade é criada a partir de um significado social que a mulher possui no
cinema, e que é construído sob uma visão masculina da realidade feminina.
O cinema, além de propaganda social, é considerado pela autora como produto
para consumo. E as narrativas de mulheres submissas e fetichizadas são tentativas diretas
de anular a subjetividade feminina e produzir representações que sejam possíveis de
comercializar (GUBERNIKOFF, 2016).
Para Feitoza e Rodrigues (2021), essa narrativa é machista, e desde sua criação,
tinha como objetivo reafirmar como uma mulher deveria ser e se comportar em ordem de
ser considerada boa, ou seja, dentro dos padrões, para um ponto de vista masculino.
Feitoza e Rodrigues (2021) pontuam que o cinema, assim como outras formas de
expressão artísticas, “estão relacionadas com o conceito de mimese, isto é, de expor ou
não determinados pontos da realidade” (FEITOZA, RODRIGUES, 2021, p.4), o que é
possível de analisar em peso no caso das narrativas nas produções cinematográficas de
horror. Contudo, pela possibilidade técnica e criativa da arte, essas expressões não
necessariamente ocorrem de forma explícita.
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Como por exemplo, os filmes de horror nas décadas de 70 e 80 utilizavam de uma


ambientação que consistia em: subúrbio, onde a população era majoritariamente branca,
heterossexual, classe média, e em sua maioria, o enredo tinha como foco um grupo de
adolescentes. Larocca (2016) aponta que mesmo “as localidades serem ficcionais, estas
promovem um grau de identificação com sua audiência e com um ideal de vida”
(LAROCCA, 2016, p. 52), concluindo que os elementos da narrativa estavam ali por um
motivo, sendo esse de reforçar padrões comportamentais.
E, acerca de como acontecem essas representações, Larocca (2016) aponta que as
mesmas possuíam em suas narrativas a sexualidade feminina como o “veículo do mal”,
sendo essa a principal problemática do enredo. As formas escolhidas nos roteiros para
resolver o que então era visto como um desvio de conduta da natureza feminina, eram: as
doenças que poderiam levar a personagem até a morte; o casamento, dentro dos padrões
conservadores; ou o “assassinato causado por uma arma representante do falo, que a
domine e elimine” (LAROCCA, 2016, p. 63).
Com isso, segundo Larocca (2015), no cinema durante os anos 70 e 80, as
representações de mulheres que fossem atreladas à independência e liberdade eram
narradas de maneira negativa. Ainda com avanços políticos, debates feministas e demais
questões, a mídia reforçava uma imagem de que “a revolução sexual não deu certo e que
as mulheres tidas como livres tornaram-se desesperadas e infelizes” (LAROCCA, 2015,
p.7).
A autora caracteriza os filmes de horror e seus subgêneros, especialmente os
filmes de slasher4, como formas possíveis de observar esse fenômeno, uma vez que
possuem “manifestações de ansiedade em relação à puberdade feminina, sua sexualidade,
emancipação e função reprodutora” (LAROCCA, 2015, p.7). As narrativas conectando
um assassinato direcionado às pessoas que cometem alguma transgressão é comumente
vista. E nesses casos, a forma com que a representação da mulher é colocada na narrativa
chama mais atenção pela violência explícita (LAROCCA, 2015).
Para entregar esses elementos de representações, o cinema possui como papel se
relacionar com o imaginário social e criar uma história para a personagem feminina,
muitas vezes com a narrativa secundária, e/ou com ausência de suas próprias questões e
associada ao outro ou para servir a uma função diante de uma figura masculina.
(GUBERNIKOFF, 2016). E é como cita Gubernikoff (2009), “ajuda a reforçar a
identificação da mulher com essa representação idealizada, interferindo diretamente, na
nossa formação como sujeitos sociais” (GUBERNIKOFF, 2016, p. 9).
Toda essa construção cria representações femininas que se solidificam
culturalmente na sociedade e não permitem que as questões subjetivas das mulheres sejam
expostas (LAROCCA, 2016). E, como afirma Gubernikoff (2009), “a imagem divulgada
pelo cinema reforçou o aparecimento de atitudes estereotipadas da mulher e reforçou a
hierarquia sexual. Desvalorizou o feminino e mitificou o masculino, tornando o processo
quase irreversível” (GUBERNIKOFF, 2009, p. 35).
E segundo a autora, através do cinema é possível revolucionar estruturas sociais
e “instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo” (GUBERNIKOFF,
2009, p. 35). A autora afirma que há várias formas pelas quais as narrativas desempenham
influências na forma em que homens percebem e lidam com mulheres, e que por meio
disso, faz com que as mulheres se reconheçam no papel reforçado nas telas.

Segundo Douglas Kellner, estes nos fornecem determinados modelos de


identidade, ou seja, nos “ensinam” o que significa ser homem ou mulher, bem

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Slasher é uma palavra em inglês para se referir à alguém que fere outra pessoa utilizando um objeto
cortante.
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sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente e etc. Estas narrativas e


imagens nos fornecem símbolos, mitos e recursos que ajudam a constituir uma
cultura em comum: uma cultura da imagem, que explora a visão e a audição,
trabalhando com emoções, sentimentos e ideias (KELLNER, 2001 apud,
LAROCCA, 2015, p. 1).

Em filmes de horror com final girls, esses pontos podem ser observados como
tornando-se mais complexos. O termo foi cunhado em 1987 por Carol J. Clover, no artigo
“Her Body, Himself: Gender in the Slasher Film”, e posteriormente elaborado em 1992,
no livro “Men, Women, and Chainsaws”. Clover (1992) definiu as final girls como sendo
as mulheres protagonistas em filmes de horror que sobrevivem à uma ameaça contra suas
vidas, muitas vezes ocasionada por um assassino, quando ao final do filme o inimigo é
eliminado ou contido, seja por recursos próprios da personagem ou pela intervenção de
terceiros.
Até que a final girl chegue a esse momento final de sua história, é possível
observar que de forma recorrente, as narrativas mostram a mesma sendo perseguida e
agredida pelo assassino, correndo e se escondendo pela sua sobrevivência, além de ter
que lidar de forma direta ou não com a morte visualmente violenta de seus familiares e
amigos (CLOVER, 1992).
Acerca das definições individuais, a autora aponta que essa figura possui algumas
características recorrentes, a principal sendo se comportar de forma mais atenta e possuir
mais sagacidade do que os demais personagens (CLOVER, 1992). Para além disso,
Clover (1992) aponta uma definição da final girl como uma personagem que possui um
dualismo complexo, pois ainda que não se comporte de uma forma a ponto de incomodar
os homens com sua liberdade sexual e sua auto competência, as mesmas conseguem
suceder e garantir sua sobrevivência possuindo um comportamento feminino não
esperado, do ponto de vista patriarcal.

(...) as final girls sobrevivem marginalmente justamente porque apresentam


equilíbrio e adequação admiráveis em suas personalidades, remetendo e
incorporando comportamentos considerados mais “puros” e “agradáveis”
socialmente. É justamente por não desafiarem a sociedade com suas
reinvindicações de igualdade e exercício explícito de sua sexualidade, que não
necessitam ser castigadas violentamente como as outras personagens, nem
representadas como antagonistas que ameaçam a ordem, podendo assim se
estabelecer plenamente como heroínas e sobreviventes desses massacres
punitivos (LAROCCA, 2016, p.193).

Esse dualismo possibilita um debate sobre como comportamentos de mulheres


que não transgridam o conforto masculino cria um conceito de superioridade moral como
privilégio para as sobreviventes nessas narrativas. Para Clover (1992), não é possível
definir essas questões como totalmente boas ou ruins para as mulheres, visto que essas
representações estão distantes de serem claras. A única possibilidade é utilizar como base
para levantar hipóteses e problematizações acerca de teorias políticas feministas
(CLOVER, 1992).
a morte feminina é sempre a mais violenta e associada a uma crueldade mais
“racionalizada”, tanto do ponto de vista do roteiro quanto dos “métodos” dos
assassinos. Algumas garotas morrem porque estavam fazendo sexo, porém
independentemente do filme, o motivo maior é sempre o mesmo: elas morrem
por serem mulheres (LAROCCA, 2015, p. 4).

Um ponto relevante sobre as produções com final girls é que, ainda que ocorram
diversas mortes nessas narrativas, são as personagens femininas que sempre possuem as
cenas violentas com mais evidência na tela. E, retrocedendo para a questão de como a
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sociedade, ainda que as vezes de forma inconsciente, utiliza do simbólico presente nos
filmes para organizar suas relações, torna-se relevante apontar que o público, em sua
maioria jovens, que frequentavam os cinemas e garantiram a popularidade de filmes com
essa narrativa, conseguiam assistir tais cenas, com violências e mortes tão explícitas, de
forma a não se sentirem perturbados por elas (LAROCCA, 2015).
A partir disso, é possível que essa narrativa seja caracterizada por questões
debatidas nas décadas anteriores, mesmo que podendo ser vista como uma forma mais
complexa de ver a mulher, ainda há uma dualidade que aponta uma tentativa de reafirmar
os valores conservadores de comportamento e atribuições para as mulheres na sociedade.
Acima de tudo, pelo motivo de que nesse gênero de filme as mulheres que se
comportavam da forma oposta das final girls eram violentamente mortas de forma
explícita, divergindo de qualquer outra morte na narrativa.
Tradicionalmente, no cinema, toda expressão de força sendo raivosamente
expressada é relacionada aos personagens masculinos. Enquanto, todas as expressões de
“choro, o acovardamento, os gritos, os desmaios, os tremores, os pedidos de misericórdia
pertencem à mulher” (CLOVER, 1982, p. 53). E por consequência, o papel da final girl
se preenche nessas narrativas porque não é viável colocar personagens masculinos
vivenciando os perigos com as mesmas expressões.
Além disso, como apontado por Clover (1982), com o surgimento da final girl nos
filmes, era possível observar que a personagem comumente não transgredia os modelos
conservadores, especificamente os que desafiavam a superioridade masculina. Era
comum que não se engajassem em qualquer atividade sexual; não utilizassem drogas que
afetassem seu estado de percepção, o que as tornava sempre atentas a qualquer ação
suspeita; e aparentassem, através dos demais comportamentos, passividade e inocência.
Curiosamente, essa definição tende a se invisibilizar quando o filme atinge o
momento que deixa explícito que a personagem está em perigo. Clover (1982) aponta
essa dualidade por conta de que filmes de horror com as final girls tinham como principais
espectadores homens adolescentes. E por isso, o momento do rompimento parcial com os
comportamentos conservadores serviam para que a final girl pudesse possuir uma
feminilidade que não fosse inapropriada o suficiente a ponto de transgredir as estruturas
de superioridade e sexualidade masculina (CLOVER, 1982).
É possível observar que as narrativas presentes no cinema de horror se relacionam
diretamente com as inquietações presentes na sociedade. Sendo possível de serem
elaboradas das maneiras mais diferentes possíveis. Contudo, nas que apresentam
narrativas conservadoras, é possível observar questões como: reafirmação de valores
conservadores; os impactos da revolução feminista sob as mulheres; e entre outras
questões; são trabalhadas nesses enredos, fazendo com que seja “possível examinarmos
a complexa relação entre filme e cultura, medo ficcional e ansiedade cultural,
familiaridade e choque” (LAROCCA, 2015).
Feitoza e Rodrigues (2021) apontam que

homens, como produtores das representações femininas, por longos períodos,


criavam projeções de mulheres que satisfaziam seus olhos e seu gosto,
disseminando um “modelo ideal de mulher”. Muitas assim, tentavam
enquadrar-se fielmente nessa imagem. (FEITOZA, RODRIGUES, 2021, p.2).

Contudo, com o passar das décadas e da evidência do movimento feminista, houve


a conquista de novos direitos, que resultaram em modificações na sociedade e levaram a
novas representações dos atravessamentos humanos nas obras de artes. As opressões
ainda existem, com novas formas e em novos cenários. E a representação feminina no
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cinema, por exemplo, é uma pauta que permanece delicada e necessita de atenção e
análise frente às suas reproduções.
As final girls, por exemplo, se comportam similarmente à lutadoras por suas
capacidades de sobreviver e, ao mesmo tempo, com arquétipos comportamentais que se
assemelham aos demandados pelo patriarcado, evidenciando um dualismo na aparição
das mesmas nos filmes de horror que vão se complexificando e deixando de ser regra ao
decorrer das produções. Ainda que essa personagem possa aparecer como uma forma de
reforçar os estereótipos apontados, a mesma também pode ser vista como
representatividade feminina que enfrenta as ameaças de forma autônoma e perspicaz,
quebrando com a passividade muitas vezes reforçada.
Como evidenciado por Feitoza e Rodrigues (2021), desde que o movimento
feminista se tornou mais debatido abertamente pela sociedade, foi possível ser introduzida
outra visão sobre a representatividade feminina no meio artístico, uma vez que surgiram
narrativas “com experiências mais próximas sobre o que de fato é ser uma pessoa do
gênero feminino” (FEITOZA, RODRIGUES, 2021, p. 3). E isso é possível observar nos
filmes de horror, que ainda utilizando de final girls como protagonistas, modificaram suas
narrativas e características, tornando essas personagens e as ameaças contra suas vidas
mais complexas e de acordo com o reflexo social atual.
Essa busca demonstra uma modificação na representação do que é a mulher,
colocando em conta que mesmo que ainda haja opressão e uma sociedade estruturalmente
patriarcal, as mulheres já não sofrem da mesma forma e pelos mesmos motivos das
décadas anteriores. O movimento feminista nesse sentido, para além da conquista de
direitos, possibilitou uma ampliação do debate acerca do que causa sofrimento para as
mulheres no século XXI e como as mesmas enfrentam novas e antigas opressões.
Larocca (2015) afirma que o cinema, embasando-se nas primeiras produções no
século XX, foi o
principal meio de transmissão das histórias que nossa cultura conta para si
mesma, tornando-se importantes meios para delimitar nossa relação com o
passado e para o entendimento da sociedade (LAROCCA, 2015, p.2).

Sendo possível observar essa afirmativa nas produções atuais, torna-se inviável
ignorar todo o atravessamento que manifestações artísticas, especificamente as
cinematográficas, possuíram e ainda possuem como influência para construir uma
definição de feminino, que vai interferir nas relações intra e interpessoais de mulheres
acerca do que é ser mulher, assim como faz para todo resto da sociedade.
E compreendendo a constituição do sujeito, que segundo Damiani e Neves (2006),
utilizando as teorias de Vygotski, ocorre através de uma relação ativa e interativa com o
meio histórico-social, é possível constatar que o indivíduo não está passivo frente a
relação com o mundo, mas construindo significações mediadas a partir de sua
subjetividade.
Baseando-se no que foi até aqui exposto, constata-se que é possível observar as
contribuições cinematográficas frente as pautas sociais, uma vez que é utilizado da arte
como instrumento para projetar questões que atravessam os sujeitos em sociedade e
promover elaborações e debates para que ocorram mudanças. Partindo do ponto de que
houveram diversas modificações sociais com o passar das décadas, o presente estudo
possui como objetivo geral comparar a representatividade feminina das final girls no
cinema de horror nas produções clássicas (70, 80 e 90) e a partir de 2017, e como
objetivos específicos, identificar as final girls nas décadas de 70, 80 e 90 e identificar as
final girls nas produções de 2017 à 2020.
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2. MÉTODO

Por tratar-se de um trabalho que compara o fenômeno da representatividade


feminina das final girls no cinema de horror ao decorrer dos anos delimitados, essa
pesquisa possui um corte transversal, uma vez que foi elaborado sobre como um
fenômeno aconteceu sob uma população definida em um contexto pontual
(ECHEIMBERG et al, 2018).
Pela forma que se tratou dessa representatividade ter sido através de produções
cinematográficas, o método também se caracterizou como bibliográfico, por esses tipos
de produções científicas serem "desenvolvidas com base em material já elaborado”
(BASTOS & FERREIRA, 2016, p.74). Além disso, mais uma característica do método
foi a definição da pesquisa como exploratória, pois a mesma torna a problemática da
representatividade feminina evidente e possibilita a formulação de hipóteses acerca do
assunto (SILVA E MENEZES, 2001).
Acerca da abordagem, foi determinada como uma pesquisa qualitativa, pois a
mesma

considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é,
um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito
que não pode ser traduzido em números (SILVA E MENEZES, 2001, p.20).

O presente estudo analisou a forma que a representatividade feminina se deu no


cinema de horror através das final girls, por isso, é possível fazer uma relação direta com
a definição posta anteriormente. A partir do ponto de que será é impossível desassociar
essa representação com a subjetividade de mulheres, tampouco não considerar um
dinamismo dessa questão com o mundo real.
Além disso, por se tratar de uma pesquisa com delineamento bibliográfico, como
já apontado, a análise será apresentada de uma maneira descritiva e indutiva, de forma
que “o processo e seu significado são os focos principais da abordagem” (SILVA E
MENEZES, 2001, p.20).
Os filmes elencados para a análise foram selecionados a partir dos seguintes
critérios: a protagonista ser uma mulher; o enredo ter como foco a busca dessa
protagonista pela sobrevivência frente a um assassino(s); um final onde essa protagonista
seja sobrevivente. Os escolhidos, em ordem cronológica de estreia e com o título
traduzido para o Português-brasileiro, foram: O Massacre da Serra Elétrica (1974);
Halloween (1978); A Hora do Pesadelo (1984); Pânico (1996); A Morte Te Dá Parabéns
(2017); Casamento Sangrento (2019); O Homem Invisível (2020). A cronologia dos
filmes foi decidida com a intenção de observar se com o passar do tempo há uma diferença
nessas representações e buscar analisar por qual razão, de ordem cultural e/ou social,
houveram essas mudanças e como as mesmas influenciam na sociedade.
O instrumento de coleta é um protocolo de registro contendo os filmes e os
seguintes pontos de análise: Atributos físicos das final girls; Escolaridade e ocupação das
final girls; Classe social das final girls; Relações interpessoais das final girls; Situação
romântica-afetiva das final girls; Objetivo do assassino e motivação para as final girls se
tornarem vítimas; Características comportamentais das final girls.
A escolha dos pontos para análise foi feita na intenção de comparar as histórias e
observar em quais aspectos as mesmas se assemelham e se diferenciam nos diferentes
tempos históricos. A análise foi feita posteriormente ao levantamento de dados presentes
no protocolo de registro, e foi descrita de forma comparativa entre os filmes e
caracterizada nos pontos de relevância.
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Em sequência, os resumos dos filmes escolhidos para análise, em ordem


cronológica e sendo identificados através de siglas e os dígitos finais do ano de
lançamento. Começando por O Massacre da Serra Elétrica (1974), identificado como
MSE74, o qual conta a história de um grupo de jovens que vão até uma pequena cidade
localizada no Texas com o objetivo de averiguar se o túmulo do avô da personagem
principal, Sally Hardesty, não havia sido violado. Após a ida até o túmulo, os jovens
passam por séries de infortúnios, todos com a exceção de Sally acabam sendo mortos pela
família Sawyer, que eram assassinos em série que vivem próximos de onde os jovens
estavam.
Seguindo para Halloween (1978), identificado como H78, em que a história
possui como primeiro foco expor a origem do então assassino Michael Myers, que com
apenas 6 anos brutalmente assassinou sua irmã mais velha e consequentemente foi
internado em um hospital psiquiátrico, onde ficou por 15 anos até sua fuga. Em sequência,
o filme introduz a Laurie Strode, personagem principal que é vítima da obsessão e
perseguição de Michael.
Em A Hora do Pesadelo (1984), identificado como como HP84, a história gira em
torno de um grupo de jovens que possuem pesadelos fatais com o assassino chamado
Freddy Krueger. Nancy Thompson, a personagem principal, é uma das vítimas que busca
descobrir como derrotar Krueger e qual a história por trás das origens do mesmo, além
disso, é a única que consegue sobreviver ao assassino, enquanto durante a narrativa é
visto que seu grupo de amizades é morto pelo mesmo.
Pânico (1996), identificado como P96, inicia contextualizando sobre a ameaça do
filme, o Ghostface, que é um assassino fantasiado de fantasma que liga para o telefone
das pessoas e faz desde perguntas até ameaças. Na história, a vítima principal do assassino
chama-se Sidney Prescott, uma jovem com uma vida turbulenta que está em processo de
luto. Ainda que o Ghostface faça vítimas ao decorrer do filme, o foco é na luta pela
sobrevivência de Sidney, que durante o processo, tenta identificar a real identidade do
assassino e acaba descobrindo que se trata de seu namorado Bill e o amigo Stu.
A Morte Te Dá Parabéns (2017), identificado como MP17, é sobre uma estudante,
chamada Tree, que está vivendo sua rotina como de costume, durante o dia de seu
aniversário. Ao anoitecer, ela é violentamente morta por um assassino mascarado, que
posteriormente descobre ser sua colega de quarto Lori. Contudo, a personagem acorda e
se vê revivendo o dia anterior exatamente como aconteceu, com a exceção de que ela é a
única ciente de que tudo e todos a sua volta estão em repetição. O filme acompanha essas
repetições e a tentativa da personagem de parar o fenômeno enquanto tenta sobreviver e
descobrir quem está a assassinando e por qual motivo.
Casamento Sangrento (2019), identificado como CS19, conta a história de Grace
no dia de seu casamento. Ela aparenta ser uma noiva entusiasmada em fazer parte da
família de seu novo marido. Para isso, ela precisa passar por um tipo de ritual, que consiste
em brincar de esconde-esconde contra todos os membros da família. O que aparenta ser
apenas uma brincadeira, na realidade trata-se de uma caçada sádica de todos os familiares,
que na realidade a procuram com a intenção de matá-la pois os mesmos possuem um
pacto com uma entidade, o qual tem como combinado a morte de todos os membros caso
não seja jogado um jogo com os novos integrantes que entrarem na família.
O Homem Invisível (2020), identificado como HI20, é um filme recente que tem
como foco a vida de Cecilia, personagem principal, após a morte de Adrian, seu ex-
namorado. Logo nos minutos iniciais, as cenas indicam que a personagem está tentando
fugir da casa em que ela e o namorado moram, sendo possível observar que se tratava de
uma relação abusiva a qual a personagem demonstra a vontade de se separar. Após o ex-
namorado cometer suicídio, a trama se desenvolve com a personagem tentando elaborar
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todo trauma até então vivenciado e sendo perseguida por Adrian, que após forjar a própria
morte, utiliza uma roupa que o torna um homem invisível.

3. ANÁLISE DE DADOS

A análise dos dados foi feita seguindo e se baseando nos objetivos (geral e
específicos) preestabelecidos e com as informações coletadas no protocolo de registro.
3.1 Atributos físicos das final girls

Em relação aos atributos físicos das final girls, é possível observar que a idade
das mesmas vai aumentando com o passar das décadas dos filmes. Outro fator que pode
ser atribuído é a preferência de padrão dos filmes de cada época, como por exemplo, a
finalidade de se conectar com o público que era majoritariamente adolescente e jovens
adultos a partir dos anos 80 (LAROCCA, 2016), ou até mesmo com a mensagem de
inocência e indefesa ligada à juventude.
Outro fator relevante, e que é atribuído a todas as personagens, é o fato de serem
mulheres brancas e magras. Essa questão pode ser atribuída a diversos padrões estéticos
e até mesmo uma manutenção de questões de racistas. Borges e Cavalcanti (2013),
apontam que é a partir de uma visão eurocêntrica que as relações sociais se organizam no
mundo, e por isso há uma distinção negativa e significativa entre pessoas brancas e
negras. Além disso, associado ao machismo, “que infelizmente é um elemento
estruturante da maioria das sociedades, a mulher negra está em último lugar na escala
social e é um dos sujeitos que mais sofre com a opressão e a injustiça” (BORGES,
CAVALCANTI, 2013, p. 2).
Esse dado, como fator social, é possível de ser observado como marcante nessas
produções, uma vez que não apenas as final girls são mulheres brancas, como os outros
personagens do filme também são. O que reafirma uma falta de representatividade
feminina negra5 e passa uma mensagem sobre padrões raciais. Borges e Cavalcanti (2013,
p.2) apontam que “a arte vem ocupando um espaço de destaque na sociedade, seja como
reprodutora ou crítica de ideologias” e que o cinema, como meio de comunicação,
reproduz e legitima uma conduta social. Ou seja, o que é reproduzido nos filmes é
incorporado socialmente como sendo a normativa aceita e correta, organizando o
funcionamento da sociedade nos parâmetros apresentados e representados nas narrativas.
O que, se não bem conduzido, sem recortes e uma tentativa cuidadosa de evidenciar
subjetividades, torna-se uma problemática, já que essas reproduções podem estar
carregadas de estereótipos de raça e gênero.
É de relevância evidenciar essa ausência de mulheres negras e suas representações
no cinema em geral, especialmente suas demandas únicas dentro desse espaço, uma vez
que “enquanto as feministas brancas teorizam a imagem feminina em termos de
objetificação, as feministas negras problematizam o corpo feminino negro como um lugar
de resistência simbólica” (FERREIRA, 2018, p.7) o qual evidencia essas mulheres de
forma desumanizada.
Acerca das diferenças de demandas e análises na teorização da imagem feminina,
é significativo e possível de ser observado no presente trabalho o quanto a objetificação
das personagens brancas, dentro de uma padronização de serem final girls, é evidenciada,

5
É necessário constar que existem final girls negras, ainda que as mesmas não tenham aparecido no presente
trabalho e que sejam minoria.
10

constatando que as demandas das representatividades femininas brancas e negras são


variadas e diferentes entre si.
3.2 Escolaridade e ocupação das final girls
Entre os 7 filmes escolhidos, em 3 (H78, HP84, P96) há estudantes de ensino
médio. Em 2 (MSE74 e CS19) não constam informações quanto à escolaridade e a
ocupação da personagem, e em apenas 2 (MP17 e HI20) é retratado o ensino superior
como uma realidade das personagens, já que respectivamente uma está na faculdade e a
outra é formada.
Durante essa análise também é possível observar a gradativa inserção de mulheres
no ensino superior. Já que, em MSE74 não é comentado nem evidenciado sobre a
escolaridade e ocupação da final girl, e nos demais filmes entre as décadas de 70 e 90
existia um padrão de personagens no ensino médio. Já em MP17, a final girl está cursando
o ensino superior, e em HI20 a final girl possui uma formação superior e busca pela
reinserção no mercado de trabalho.
A partir desses dados, e de uma análise histórica, é possível constatar que a tardia
inserção feminina no ensino superior foi influenciada por diversos fatores. Segundo
Favaro e Pereira (2017), no período colonial brasileiro, por exemplo, a educação de
mulheres restringia-se aos afazeres domésticos e cuidados maternais. Essa realidade era
produto da concepção reforçada de que mulheres são naturalmente sensíveis e delicadas,
e a elas existe a atribuição de cuidados privados. Em contrapartida, os homens possuíam
qualidades de inteligência e força, o que reforçava o papel de necessidade e predestinação
dos mesmos na vida pública (FAVARO, PEREIRA, 2017).
Posteriormente, houve o avanço que possibilitou a inserção feminina nos colégios,
contudo as mulheres ainda estavam em menor quantidade frente ao número de homens.
Acerca dos motivadores, é possível constatar que os “fatores sociais, econômicos e
culturais contribuiu para manter a mulher em uma condição de inferioridade na sociedade
brasileira” (FAVARO, PEREIRA, 2017, p.5532).
A possibilidade de inserção feminina no ensino superior ocorreu no Brasil no final
do século XIX, contudo as problemáticas eram inviabilizadoras ao ponto de que “foi só a
partir da década de 1960 que as mulheres tiveram maiores chances de ingressar no ensino
superior” (FAVARO, PEREIRA, 2017, p.5534). Esse momento demarca uma onda do
movimento feminista à nível internacional, o que auxiliou e influenciou essa mudança de
cenário até os dias atuais.
No cenário atual, “as mulheres vem sendo a maioria em todos os níveis de ensino
no país, principalmente o superior” (FAVARO, PEREIRA, 2017, p.5535). Com essas
constatações e os dados levantados dos filmes, é possível observar que houve um déficit
significativo nas representações de mulheres no ensino superior, sendo expressiva nas
produções selecionadas que são anteriores à 2017. Como hipótese, pode ser levantado o
fato de que os filmes foram, propositalmente, produzidos para que essa representação não
tivesse ali por algum motivo ou até mesmo preferência dos idealizadores e executores da
produção, por buscarem manter um padrão de personagens durante certos períodos de
tempo.
Um outro ponto em destaque é que em CS19, a final girl possui como foco o
enredo de seu casamento. Podendo dar margem a interpretações acerca do quanto o
projeto de vida da mulher é atravessado por questões matrimoniais, por exemplo, já que
qualquer outro aspecto da história de vida dessa personagem sofre apagamento e não é
explorado.
3.3 Classe social das final girls
11

Acerca da situação financeira, nos filmes MSE74, H78, HP84, P96 E MP17 não
é evidenciado exatamente em qual classe social cada uma das final girls se encaixa.
Contudo, é possível, através da existência dos bens materiais (por exemplo: tipo de casa
em que habita) que são atribuídos como sendo das personagens, compreender que elas
não se encontram em uma situação de precariedade financeira que dificulte a
sobrevivência delas, pelo contrário, é possível observar que todas possuem privilégios e
confortos sociais.
Em CS19, é comentado que previamente ao casamento, Grace cresceu em lares
adotivos, mas não há evidência e comentários acerca de sua vida de forma geral, levando
em conta apenas o fato de a mesma estar casada com Alex, que é membro de uma família
de alta classe social. Já em HI20, é possível observar que Cecilia (pelo contexto da relação
abusiva) não possuía uma ocupação previamente à sua fuga de Adrian, o que a fazia ser
dependente do namorado. Quando o mesmo forja a própria morte, ele transfere seus bens
e seu dinheiro para a personagem, o que a manteve como uma mulher de alta classe social
por conta disso.
Em apenas nesses dois filmes a classe social das final girls é pauta relevante e
comentada no enredo. Inclusive, em ambos as personagens, em algum momento, são
relacionadas a “interesseiras” e é insinuado que a relação se deu por motivação financeira,
já que o dinheiro provém dos homens que elas possuíam uma relação.
Esse dado é relevante pela maneira que essa temática é conduzida nessas
narrativas e por essa ser uma escolha de representação feminina, já que em ambos os
filmes as mulheres estão atreladas à um tipo de dependência financeira de seus parceiros.
E, vinculando a situação financeira à ocupação que uma pessoa exerce e que, como visto
no ponto anterior, existe uma problemática envolvendo as ocupações para as personagens,
é possível levantar como hipótese que essa representação pode ser um reflexo equivocado
de um problema social, que é referente a diferença de remuneração entre homens e
mulheres (MADALOZZO, MARTINS, LICO, 2015).
Tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos (onde se passam as narrativas), existe
uma discriminação contra mulheres em diferentes ocupações, que se dá como uma
percepção de que homens são mais qualificados que as mesmas, o que resulta na
concentração de determinadas funções, ocupações e classe social para cada gênero e que,
consequentemente, pode levar a uma representação que desvaloriza a mulher enquanto
sujeito atuante na economia e independente financeiramente (MADALOZZO,
MARTINS, LICO, 2015). A principal problemática nessa questão é o déficit que as
representações cinematográficas apontam, uma vez que as mesmas tendem a desvalorizar
ainda mais essa independência.
Acerca das outras produções selecionadas, de 1974 à 2017, é possível e
compreensível que o fato da dependência financeira seja atrelado aos responsáveis,
devido as fases da vida (adolescência e jovem adulta) que as final girls se encontram, por
esse ser um modelo cultural e social em que o funcionamento se dá desta maneira.
3.4 Relações interpessoais das final girls

Acerca das relações interpessoais, no que engloba as relações amplas e familiares


das personagens, é possível observar em todos os filmes que em algum ponto do enredo
é falado sobre suas respectivas famílias e, em alguns casos, a família está presente na
história, fazendo parte diretamente ou não dos acontecimentos. E um dos motivos
possíveis da família e demais relações sociais estarem presentes em todas as narrativas,
vezes até a família sendo ponto central da narrativa, é pelo fato de que o cinema de horror
possui como uma de suas funções projetar medos e ansiedades reais em suas histórias,
então diversos elementos na construção dos enredos são voltados aos usuais da sociedade
12

e cultura, sendo um deles a família, amizades, entre outa relações sociais. E em cada um
dos filmes o elemento familiar é expresso e elaborado de uma forma única.
Em MSE74, a relação de Sally e seu irmão Franklin, é evidenciada como
desconfortável para ambos, é possível observar um distanciamento entre eles, quase que
de forma evitativa por parte da final girl. Além disso, um elemento relevante é a forma
carregada de estereótipos e limitações que Franklin é submetido por ser uma pessoa com
deficiência física. A narrativa evidencia o personagem como sendo uma responsabilidade
inconveniente para Sally, que em contrapartida se mostra muito mais confortável e feliz
com seu namorado e amigos. Essa construção entrega uma forma de que por eles serem
irmãos há uma responsabilidade, independente da qualidade dessa relação, e não há
espaço para elaboração do que acontece.
No enredo de H78, o enfoque maior está na relação de Laurie com seus amigos,
mostrando especialmente diferenças marcantes no comportamento da final girl entre
outros personagens do grupo. Esses comportamentos possuem uma função fundamental
na narrativa, pois são elementos básicos para que a mesma seja entendida como uma final
girl.
Em HP84, a família de Nancy, especialmente a relação da mesma com sua mãe,
possui um pouco mais de foco. A relação das duas fica evidentemente com questões a
partir do momento em que a mãe de Nancy sabe o que está acontecendo, mas prefere não
se envolver por medo de Freddy Krueger. Isso faz com que a final girl se demonstre
desamparada e frustrada. O pai de Nancy comete uma série de equívocos e não aparece
como um auxílio as problemáticas.
Em relação as amizades, Nancy é evidenciada como uma cuidadora de seu grupo
de amigos, podendo essa questão ser atribuída posteriormente as suas características
comportamentais para ser considerada uma final girl clássica. Há uma sequência de
questões, como: a amiga morrendo mesmo ela estando dormindo na casa da mesma para
fazer companhia; o amigo morrendo na cadeia sem saber que não poderia dormir
enquanto ela fazia o possível para salvá-lo; e seu namorado também não conseguindo se
manter acordado. Demonstrando que mesmo a personagem tentando cuidar, ela foi a
única capaz de permanecer viva.
Em P96, o motivo pelo qual tudo aconteceu, posteriormente falado por um dos
assassinos, é a relação extraconjugal da mãe de Sidney com o pai de Billy. Nessa
narrativa, essa problemática marca como a família se desestrutura, não apenas pelo luto
mas também pela traição conjugal. E, vai de encontro com o que é definido como
motivador para castigar uma personagem feminina em uma narrativa, nesse caso sendo
tanto a mãe de Sidney como, posteriormente, ela mesma. A própria final girl sofre com
várias falas violentas da maioria das pessoas da cidade sobre o que é tido como um erro
cometido por sua mãe. Chegando ao ponto de isso ser utilizado como justificativa para
que Sidney também seja “castigada”.
Acerca das outras relações, em especial as amizades, Sidney marca um ponto de
mudança nas final girls, já que possui comportamentos e atitudes mais similares e que
não demonstram uma passividade frente ao seu grupo (o que era visto em peso nos outros
enredos), nessa narrativa a personagem se integra ao meio de uma forma mais apropriada.
Em MP17, o enredo vai decorrendo conforme as relações de Tree vão também se
modificando. Na parte introdutória, é possível observar que de forma geral, a personagem
possui problemas de relação com todos ao seu redor. Especialmente com sua mãe, devido
ao processo de luto que é expresso como não elaborado devidamente. Com todas as outras
pessoas que possui relação social, ela possui um movimento evitativo e grosseiro, como
se ela evitasse proximidade dos outros com a sua vulnerabilidade, sendo esse um grande
marco entre as outras final girls anteriores. Ao decorrer do filme, é possível ver em
13

pequenas situações que ela vai mudando de comportamento, sendo mais receptiva com
cada uma de suas amizades e com seu pai, o qual ganha foco em certo momento em que
a personagem consegue elaborar o luto.
Dessa forma, as amizades, a família e o interesse romântico, não ganham foco por
si só, mas sim pela sua relação com Tree em sua jornada.
CS19 possui como foco a relação disfuncional de Grace com a família de seu novo
esposo. Ainda que alguns não estejam necessariamente contentes ou desejando caçá-la,
todos fazem isso por uma questão de sobrevivência. A relação que foge desse padrão é
da final girl com seu marido, Alex, por conta de toda demonstração de afeto e confiança
que é quebrada brutalmente com a traição do mesmo no final do enredo. E, a mais
relevante, é a com seu cunhado, o qual desde o início demonstra preocupação com a
mesma, a ponto de ser o único a realmente ajudá-la. Não é falado sobre outras relações
da final girl nessa trama, assim como outras questões individuais sobre a mesma.
HI20 possui o enfoque da amizade de Cecilia com James, o qual não apenas acolhe
a personagem, como também auxilia a mesma a se proteger e contra-atacar Adrian. Os
dois possuem uma relação de qualidade na maior parte do filme, o que é um contraponto
muito relevante nessa narrativa, já que a mesma fala sobre uma mulher sobrevivente à
uma relação abusiva com outro homem.

3.5 Situação romântica-afetiva das final girls

Em todos os filmes é relatado sobre uma relação (namoro, ex-namoro ou interesse


romântico) entre a final girl com um homem. O único filme em que a final girl não possui
efetivamente uma relação é em H78, já que é comentado até mesmo pela própria Laurie
acerca de sua dificuldade em demonstrar interesse e, por parte de sua amiga Annie, é
surpreendente saber que a final girl sequer “pensa nessas coisas”. Em todos os outros, as
personagens estavam ou estiveram em um relacionamento com um homem.
Em três (P96, CS19, HI20) dos sete filmes, os interesses românticos das final girls
são também os motivos delas estarem em situação de perigo. Nos filmes citados, os
parceiros são os assassinos na narrativa, e em todos há um motivo individual e mal
elaborado por parte do parceiro, que é usado como razão para os mesmos cometerem os
crimes.
Cada relacionamento é singular e os personagens que formam os casais também,
o que resulta em variedades nas situações românticas-afetivas de cada final girl. Em P96,
CS19 e HI20, o enredo é construído diretamente das relações pelos (ex)parceiros serem
também os assassinos, enquanto nos outros filmes, não há dependência do relacionamento
da história. Apresentando assim um dado de que a situação romântica e afetiva das final
girls é mais evidenciada nos enredos quando a mesma gera algo negativo à personagem.
Ainda em uma análise comparativa, é possível observar uma reafirmação da
heterossexualidade em todas as relações nas narrativas. Vila Nova (2012, apud,
Figuerêdo, Asfura, Zanforlin, 2020, p.1) faz uma relação entre socialização e controle
social, apontando que a “assimilação de padrões de comportamento, normas, valores e
crenças, bem como o desenvolvimento de atitudes e sentimentos coletivos”, são
construídos de forma com que levem os sujeitos a reproduzirem e entenderem o que é
socialmente aceito e aprovado. A heterossexualidade se inclui entre esses padrões, a ponto
de que foi atribuída um grau de normalidade que é constituído em diversos meios,
pontualmente aqui sendo retratado na mídia (FIGUERÊDO, ASFURA, ZANFORLIN,
2020).
Associando essa afirmativa com os fundamentos básicos presentes nas narrativas
deste estudo, é possível observar que a heteronormatividade é mais uma forma de
14

manutenção dos conceitos conservadores. Segundo Figuerêdo, Asfura e Zanforlin (2020),


sob uma ótica social, a lógica da heteronormatividade se constitui culturalmente como
disputa política, fazendo com que os sujeitos que não se encaixam nessa normativa
possam sofrer diversas violências. Além disso, a representação dessa temática na mídia,
segundo as autoras, é também de conduzir papeis de gênero, uma vez que reforçam os
únicos marcadores possíveis, salientando que o desejo e a funcionalidade tida com a
normal é de relacionar-se com o gênero oposto (FIGUERÊDO, ASFURA, ZANFORLIN,
2020).
3.6 Objetivo do assassino e motivação para as final girls se tornarem vítimas

É possível perceber que o objetivo dos assassinos é formado e caracterizado de


forma diferenciada em cada um dos filmes. Em MSE74, há uma necessidade básica de
sobrevivência junto de uma inadequação social que influência diretamente na saúde
mental da família Sawyer (os assassinos da narrativa), a qual possui um contexto de
marginalização econômica a ponto de se alimentarem de humanos, ou seja, um nível de
precariedade que faz o enredo apontar os mesmos como desprovidos de direitos básicos
e funcionamentos sociais adequados. Esse é tido como motivador principal para a
ocorrência de vítimas, sendo a final girl Sally uma delas.
Em H78, Michael Myers é o assassino do enredo, que por coincidência 6, ficou
obcecado por Laurie logo após ver a mesma indo até a antiga casa de sua família. Myers
persegue a vítima com o objetivo de matá-la, contudo durante o processo, mata outros
personagens que estão próximos da mesma, sem razão aparente, além de ser entendido
como uma pessoa com transtorno mental que está inapta para conviver em sociedade. Em
HP84, Freddy Krueger é um assassino sádico, o qual não apenas quer matar qualquer um
que tiver chance, como quer se entreter com isso. Nesses filmes, existe uma característica
em comum que são as final girls serem as vítimas por coincidência, uma vez que nenhuma
delas possuía uma relação prévia com o assassino, nem os conheciam e nem tiveram
contato com os mesmos.
Em contrapartida, em P96, Sidney torna-se uma final girl por consequência, uma
vez que os assassinos eram seu namorado, Billy, e seu amigo, Stu. Importante enfatizar
aqui que em nenhuma hipótese a consequência para se tornarem vítimas é atribuída à
personagem tida como a final girl no enredo, mas sim por questões externas à ela que
foram motivadores para o assassino entender a mesma como um alvo.
Ainda sobre P96, Sidney fala para os assassinos que a motivação deles estava
ligada ao fato deles assistirem muitos filmes de horror, mas é corrigida por Billy que fala
que os filmes não criam psicopatas, mas sim faz com que eles sejam mais criativos.
Inicialmente, dizem que não possuem uma justificativa ou motivação por acharem melhor
quando não há, evidenciando mais crueldade para suas ações.
No momento crucial, Stu reafirma não ter uma motivação para os crimes, apenas
ter sido pressionado para cometê-los, Billy afirma que se trata de um tipo de vingança,
uma vez que por causa da relação extraconjugal da mãe de Sidney com seu pai, sua mãe
foi embora da cidade e o abandonou. Podendo ser compreendida como uma forma de
atribuir assim uma culpabilidade e um castigo pelo que é entendido como erro de outra
pessoa, nesse caso, transgressão de uma mulher que outra mulher deve pagar. Os

6
Em Halloween 2, o enredo aponta que na realidade, Laurie era a irmã mais nova de Michael. Com isso,
utilizando essa continuação como análise, a motivação de Michael passa a se configurar como
consequência, uma vez que o mesmo já havia matado sua irmã mais velha e, quando teve possibilidade,
tentou fazer o mesmo com a mais nova.
15

assassinos nesta narrativa matam diversas pessoas, com relação direta de proximidade ou
não a Sidney.
Em MP17, a única a ser assassinada é Tree (todos os dias por conta do looping
temporal em que se encontra), por sua amiga de faculdade e colega de quarto Lori. A qual
é motivada pelo fato de sentir ciúmes de Tree com o professor que a mesma possui um
caso. Essa motivação evidencia duas jovens adultas disputando por um homem, que nesse
caso exerce uma figura de poder, evidenciando um funcionamento reducionista a uma
narrativa que poderia elaborar sobre pontos individuais das personagens,
complexificando as pautas.
Em contrapartida, o fato de em MP17 a assassina ser uma mulher torna esse ponto
relevante. Entre as narrativas escolhidas, até então, existia uma relação de poder
demarcada entre o fato de os assassinos serem homens e as vítimas mulheres. Nessa
narrativa há essa diferença relevante, não apenas por se tratar de uma final girl com
características e pautas incomuns até então, mas também por colocarem que outra mulher
pode ser considerada uma ameaça na narrativa.
Em CS19, toda a família está apta e concordando em caçar Grace. No caso do
filme, as empregadas também acabam mortas acidentalmente durante a procura por
Grace, evidenciando as mesmas quase como objetos que estavam atrapalhando a
dinâmica. A personagem tenta escapar da mansão com a ajuda de seu marido, que
posteriormente acaba ficando com medo da profecia e tenta matar a esposa. Em
contrapartida, seu cunhado foi o único que a ajudou desde o início e acabou morrendo na
tentativa de salvá-la.
Durante o filme, é possível observar que Grace tenta se manter viva a todo custo,
porém é importante salientar que recebe o auxílio de dois homens para isso. E ainda que
no final ela esteja por si só, a mesma sobrevive pelo acaso do tempo de a entidade
aparecer.
Em HI20, mais uma vez, o assassino possui relação direta com a vítima, sendo
seu ex-namorado. Cecília e Adrian estavam em uma relação problemática e abusiva, por
parte de Adrian, que não aceitou a fuga de Cecília e esquematizou todo um plano para
persegui-la. A temática do relacionamento abusivo, nesse caso, atinge vários níveis
nocivos à saúde e integridade da final girl, sendo essa narrativa uma reflexão de uma
problemática social que está ganhando espaço para debate, prevenção e conscientização.
A pauta teve maior visibilidade a partir dos anos 90, com a instauração de leis que
asseguram as mulheres, assim como debates que o movimento feminista proporciona
(PINTO, 2018). Sendo assim, é importante que cada vez mais narrativas falem sobre essa
temática, especialmente evidenciando as atribuições da mesmas.
3.7 Características comportamentais das final girls

Acerca das características previamente apontadas sobre o padrão de


comportamento das final girls, é possível analisar uma singularidade em cada uma, que
pode ser atribuída à época em que os filmes foram feitos, o foco e objetivo do enredo e o
tipo de mensagem proposta para o público.
Em MSE74, Sally se caracteriza como uma jovem extrovertida, que está se
divertindo com os amigos, não é demonstrado na narrativa que há alguma problemática
(previamente ao incidente com a família Sawyer). É associada uma imagem de pureza,
de virgindade à personagem, especialmente em comparação com sua amiga e outra
personagem feminina na narrativa, a qual possui um comportamento sexualizado. Essa
diferença pode ser compreendida como sendo o motivo pelo qual uma morre e a outra
“merece” sobreviver.
16

Sally tenta se defender e sobreviver fugindo o máximo que pode, a qualquer


momento e oportunidade que possui, a mesma se debate e corre com muito descontrole,
até que por sorte e sequências de acasos, acaba sendo salva. Essas características são
evidenciadas como uma fraqueza, reduzindo a personagem ao que seria similar a uma
donzela em perigo, caracterizada com uma passividade demasiada.
Laurie, em H78, tenta sobreviver ao máximo, utilizando o que for possível para
atordoar o assassino e conseguir fugir, sem calcular muito seu caminho, apenas tentando
qualquer brecha para fuga. As características de Laurie fazem com que a mesma possa
ser entendida como mais proativa frente à ameaça, no entanto no final, o enredo deixa o
golpe final para o médico psiquiatra, criando um clima de intervenção que levou ao
salvamento da personagem. Nesse ponto, há uma certa similaridade com o enredo
anterior.
Laurie é uma jovem focada nos estudos, que também não engaja em qualquer
questão de sexualidade. Essas similaridades entre as duas (H78 e MSE74), por mais que
ambas ajam de formas subjetivas, é um dado marcante até mesmo para entender qual era
o padrão da época.
Em HP84, Nancy é uma personagem mais descontraída e corajosa. A personagem
busca a sobrevivência através de autodefesa, mas se destaca pela engenhosidade em
utilizar o ambiente a seu favor (como ao se queimar para acordar e conseguir escapar de
Freddy) e pela coragem no enfrentamento, já que ao entender o que está acontecendo e
ver seus amigos tornando-se vítimas, Nancy cria um plano para tentar derrotar Freddy
Krueger em um confronto direto. Assim como as outras, a personagem também não se
engaja em atividades sexuais e se mostra com interesses diferentes dos jovens à sua volta.
Sendo então a forma como lida com a ameaça o principal marco de diferenciação das
outras final girls anteriores a ela.
Sidney em P96, possui mudanças ainda mais significativas das anteriores acerca
de relações sociais e comportamentos frente ao perigo. Ela engaja em atividades sexuais
quando está confortável para isso, enfrenta verbalmente e fisicamente aqueles que a
incomodam com comentários pejorativos sobre sua mãe e, também possui coragem para
enfrentar os assassinos. Além dos dados que demonstram a coragem da personagem, ela
também possui a percepção aguçada para as informações e situações que vão ocorrendo
no enredo. Ao receber ligações do assassino e ser perseguida pelo mesmo, Sidney
consegue dar devolutivas e raciocinar pontos de fuga que sejam mais seguros.
Em contrapartida, um ponto relevante na narrativa é a possível tentativa de colocar
a dificuldade na elaboração de luto como uma fraqueza da personagem, sendo que é na
verdade uma adequação frente ao conteúdo emocional demandado.
Em MP17, Tree se destaca com diferença significativa no comportamento das
final girls. Especialmente no jeito de agir com os outros e na forma de se portar, já que
no quesito sobrevivência, ela repete alguns padrões das final girls anteriores, como o
pensamento calculista e engenhoso para criar formas de sobrevivência e comportamentos
de enfrentamento. Um ponto que chama atenção nessa narrativa é que, pelo fato de a
personagem continuar morrendo, a mesma satiriza essa situação, tendo reações até
cômicas no momento das mortes.
Esse fator é interessante pois já era característico da personagem utilizar do
humor, majoritariamente ácido, carregado com ironias, sarcasmos e linguagem imprópria,
para se comunicar com os outros personagens e se comportar frente às situações, sendo
diferente de todas as outras final girls anteriores a ela nesses quesitos. Ainda assim, é
possível ver que a personagem é uma mulher com demandas emocionais, também
elaborando um luto e tendo essa pauta trabalhada durante o enredo.
17

Grace em CS19, é uma mulher que possui como evidência o constante uso do
senso de humor. É muito direta na hora de se expressar e demonstrar desconforto na
relação com a família de seu noivo. Quando o ritual começa, Grace rapidamente muda
totalmente, ao entender que corre risco de vida, se esforça para conseguir sair da casa, se
esconder dos assassinos e lutar pela sua vida quando necessário.
A personagem está durante todo o enredo em choque com a situação, o que é
perfeitamente esperado e dentro do padrão. Isso não faz com que a mesma perca o
controle, então é possível observar que há uma tentativa de equilíbrio e adequação, ora
para entender emocionalmente o que está vivendo, ora entender racionalmente o que é
necessário fazer. Um ponto de diferença marcante dessa final girl com as anteriores é que
conforme a mesma corre mais risco de morte e se acidenta, mais ela fica reativa e
agressiva para conseguir sobreviver.
No enredo de HI20, é possível observar que Cecilia é uma mulher que demonstra
estar sempre em alerta, facilmente assustada com barulhos e movimentos no ambiente.
Possui comportamentos ansiosos característicos de estresse pós-traumático. A
personagem comunica que está sendo vigiada e observada por alguém, e esse fator
influencia totalmente em seu comportamento em todas as situações, desde a dificuldade
em sair de casa, até optar por manter relação apenas com pessoas que confia de forma
significativa. Esses aspectos não invalidam ou impossibilitam a personagem em lutar e
provar os acontecimentos, porém é construído na narrativa como a fraqueza da mesma.
Devido a acontecimentos durante o enredo, envolvendo as atitudes de Adrian de
atacar essas pessoas que a cercam e são o suporte para ela, o comportamento de Cecilia
muda bruscamente para sendo uma mulher mais reativa, mais corajosa, até vingativa e
que consegue tomar decisões rapidamente para enfrentar o assassino. Nessa narrativa em
específica é apresentada uma final girl que elabora um plano organizado e efetivo para
acabar com a ameaça de forma super assertiva e diferente de qualquer outra resolução
vista antes.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da análise de dados é possível observar que as narrativas das final girls
apresentam diferenciações entre si e, que com o passar dos anos, existe uma tendência a
complexificar a forma que as pautas são elaboradas nos enredos. Desde as características
comportamentais das personagens, como seus atributos físicos, as problemáticas das
narrativas, o momento sociocultural em que os enredos acontecem e até mesmo a
construção da ameaça apontam divergências.
Referente à estudos e pesquisas sobre a temática, foi possível observar que não há
um acesso fácil e amplo, visto que existe uma concentração de produções literárias
Estadunidenses, sem traduções e com valor elevado para importação. Durante as análises,
ficou evidente que há demasiadas pautas nas narrativas que podem ser elaboradas dentro
de outros objetivos.
Acerca das narrativas, durante a análise de dados, foi possível perceber que
MSE74 é um enredo destoante dos demais pelo fato do mesmo conter um elemento de
crítica social ao modelo econômico e político vigente na época. Existem pontos acerca da
representação feminina nessa obra, contudo há outros aspectos com mais evidência, visto
que o foco do filme é outro. Dessa forma, a análise do filme poderia também ser feita
diretamente englobando outros aspectos da narrativa.
Outro ponto, é referente ao fato de que na maioria há a presença de uma figura
masculina que, de alguma forma, auxilia a final girl a acabar com a ameaça. É interessante
pensar como majoritariamente a ameaça é uma figura masculina (com exceção de MP17
e CS19) e o auxílio é também feito por uma figura masculina. Esse ponto varia, como no
18

filme P96, em que o auxílio é de outra figura feminina, no caso a repórter Gale; em MP17,
onde Tree descobre e lida com a assassina sozinha; e em HI20, onde não há interferência
de James, amigo da final girl Cecilia, no momento de acabar com a ameaça.
Algumas narrativas possuem continuações, o que também é um ponto relevante a
ser comentado, uma vez que a finalização dos filmes não se deu com a ameaça sendo
eliminada, mas neutralizada ou até mesmo através da fuga da mesma (como em MSE74,
H78, HP84 e P96). É interessante pensar, dentro desse contexto, que uma produção com
objetivos de comparação entre as sequências de filmes é válida e pode conter elaborações
relevantes acerca da representação (no caso da mesma) final girl e dos demais elementos
da narrativa.
É possível observar também que a dualidade de características conservadoras e
liberais nas personagens se modifica com o passar dos anos, ainda estando presente de
alguma forma nos atuais enredos. O que pode ser compreendido como um dos motivos
para ainda possuírem um déficit específico das final girls para representar as pautas
femininas de uma forma apropriada, ocorrendo que essas representações permanecem
caracterizada com alguns estereótipos. Além disso, são representações que contém alguns
elementos reducionistas e que reforçam inadequações, as quais mulheres resistem para
modificarem política e socialmente há anos.
Há a possibilidade e necessidade de também visualizar as final girls como
representações femininas de mulheres fortes, corajosas, heroicas, autossuficientes e
resilientes, contudo há também de se problematizar os demais elementos da narrativa que
podem se caracterizar como mais formas de violências a essas personagens. É necessário
que haja uma análise macro dessas narrativas para que não ocorra uma romantização ou
até mesmo uma negligência de fatores que são problemáticos. Com isso, é de relevância
também observar que esse funcionamento pode ser atribuído ao fato de que homens ainda
são os principais idealizadores e executores desse tipo de arte e optam por evidenciar um
funcionamento social que os privilegia.
Desse modo, e como apontado por Figuerêdo, Asfura e Zanforlin (2020)
baseando-se em conceitos evidenciados por Foucault, vale evidenciar que há socialmente
uma tentativa de docilizar e disciplinar os corpos, dentro de uma normatividade, e o que
acontece nessas representações cinematográficas é um espelhamento de um modelo
vigente de uma sociedade produtora de sujeitos homogeneizados. Com as análises,
vinculadas principalmente a época e cultura dos filmes, é importante demarcar que ao
gênero masculino e ao feminino há uma demanda de performance dentro de padrões
conservadores, que sim podem ser flexíveis em alguns momentos e em algumas
narrativas, mas são elementos presentes.
Fazendo também que seja relevante pontuar que o cinema de horror, em geral,
possui como possibilidade elaborar inquietações sociais, contudo a escolha de como fazer
isso não precisa (como em outras produções não é) ser através de modelos engessados. O
horror é um gênero com diversos subgêneros, que possibilita elaborar e evidenciar
problemáticas sociais e o desenvolvimento de competências emocionais para lidar com
os mais diversos temas. A forma pelo qual o mesmo é conduzido deve ser sempre o centro
de atenção. Assim como há a possibilidade de produções revolucionarem estruturas
sociais, as mesmas também podem ocasionar em reafirmações nocivas.
E, pensando ainda acerca da relevância social da temática, torna-se importante
pensar como o ideal machista contra mulheres, que é majoritariamente exposto e
reafirmado nessas produções cinematográficas, influencia (e influenciou) em uma cultura
opressora de violências para além das físicas, mas também que se caracterizam em
dinâmicas de poder entre homens e mulheres, com funcionamentos nocivos e com a
19

ausência de possibilidades em outros aspectos da existência das mulheres nessas


narrativas.
É necessário observar como essas representações tornam-se presentes na
constituição dos sujeitos atravessados por elas, podendo gerar sofrimento psíquico,
comportamentos agressivos, relações disfuncionais e manter um funcionamento social
opressor. Uma vez que a socialização é capaz de orientar e delinear como os sujeitos
agem, se comportam, constroem valores e pensam. É inerente analisar esse processo como
uma possibilidade de controle social que envolve concepções de atribuições de gênero e
seus impactos (FIGUERÊDO, ASFURA, ZANFORLIN, 2020).
E, um dos pontos de destaque, no que diz respeito à relevância profissional da
temática, é relacionar isso com o papel do psicólogo, uma vez que, como cita Sell (1982),
está na atribuição do profissional a relação direta com os papéis dos sujeitos e sua relação
com as estruturas de poder na sociedade.
Sell (1982) aponta que o ser humano se modifica constantemente enquanto está
em relação dialética entre natureza (questões de ordem biológica) e sociedade. Além
disso, a autora enfatiza que “as próprias configurações da identidade obedecem a
pressupostos da cultura” (SELL, 1982, p.86), ou seja, não existe um determinismo, mas
sim uma relação situacional que é constantemente mutável e, em sua origem, são feitas
pela história apresentada através de representações.
A autora ainda afirma que o ser humano produz a realidade, ou seja, a política, a
história, a arte, e são nesses aspectos que ele também produzirá a si mesmo. Com isso, a
autora relaciona também como inerente ao papel do psicólogo compreender que não
existe uma neutralidade teórica, mas que é necessário compreender “toda situação do
indivíduo que o conduziu ali” (SELL, 1982, p.86), dessa forma, incluir como se deu a
relação com os atravessamentos sociais citados anteriormente.
Sendo assim, as representações humanas no cinema tornam-se conteúdos que
geram questões aos seres humanos, uma vez que moldam as subjetividades e orientam
como existir na sociedade. E faz parte do papel do psicólogo estar atento a como essas
representações machistas e violentas ocorrem e como as mesmas afetam a saúde mental
de mulheres, uma vez que, como aponta Sell (1982, p. 91) “quando o psicólogo dá o seu
diagnóstico está fazendo um juízo sobre a sociedade”.
E acerca das produções cinematográficas, vale ressaltar que atualmente é possível
observar que mulheres estão, gradativamente, tomando mais espaço como idealizadoras
e realizadoras de narrativas. Isso seria uma forma de possibilitar uma modificação e
conscientização acerca de diversos preconceitos e marcadores comportamentais de
gênero. Como visto acerca das influências sociais e individuais que as representações
cinematográficas possuem, é importante elaborar sobre o fato de que a existência e
resistência de diferentes representações femininas possibilitam um funcionamento
benéfico de subjetividades, uma vez que essas representações podem ampliar a forma de
mulheres serem e se reconhecerem no mundo.
Com isso, é possível observar que as representações em produções
cinematográficas exercem um papel significativo na sociedade em geral e na
subjetividade de mulheres. Ainda que haja avanços nas narrativas, há também
desdobramentos para elementos de retrocesso, fazendo com isso que essa temática se
mantenha relevante e com a demanda de continuar sendo explorada e explicitada. Em
suma, no cinema de horror há uma diversificada representatividade que é possível de ser
integrada em narrativas com final girls. É importante que essas personagens continuem a
existir, mas que suas construções possam continuar sendo ampliadas, assim como suas
possibilidades dentro das narrativas.
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