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Resumo: O cinema pode ser compreendido como fonte histórica que influencia e é capaz
de atravessar o funcionamento social, cultural e psicológico dos indivíduos na sociedade.
Sendo a representatividade feminina no cinema um reflexo de diversos conceitos
presentes na história da humanidade, possibilitando que a arte cinematográfica possa
reforçar padrões nocivos dependendo de como as narrativas são construídas e as
representações colocadas. Dessa forma, podendo manter preconceitos, funções e normas
antiquadas que estruturam uma sociedade machista. As final girls no cinema de horror
durante décadas são pauta de estudo sobre gênero e como a mulher e suas demandas são
representadas no cinema. Possibilitando observar que essa representatividade se modifica
com o passar do tempo, a presente pesquisa teve como objetivo identificar e comparar as
final girls de enredos pontuais, para observar essas diferenciações entre elas e quais
impactos sociais essas representações possuem. O instrumento de coleta foi um protocolo
de registro com pontos de análise, que posteriormente levantados, foram analisados e
integrados em um contexto cultural e temporal. Como resultado, foi possível observar a
gradativa mudança das personagens e de demais elementos das narrativas, contudo ainda
há uma manutenção de conceitos conservadores e nocivos para representatividade
feminina que necessita de evidência.
1. INTRODUÇÃO
1
Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Graduação em Psicologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. 2021.
2
Acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul. E-mail:
gsrocha197@gmail.com.
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Doutora em Psicologia – Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Professora Titular na
Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL.
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Slasher é uma palavra em inglês para se referir à alguém que fere outra pessoa utilizando um objeto
cortante.
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Em filmes de horror com final girls, esses pontos podem ser observados como
tornando-se mais complexos. O termo foi cunhado em 1987 por Carol J. Clover, no artigo
“Her Body, Himself: Gender in the Slasher Film”, e posteriormente elaborado em 1992,
no livro “Men, Women, and Chainsaws”. Clover (1992) definiu as final girls como sendo
as mulheres protagonistas em filmes de horror que sobrevivem à uma ameaça contra suas
vidas, muitas vezes ocasionada por um assassino, quando ao final do filme o inimigo é
eliminado ou contido, seja por recursos próprios da personagem ou pela intervenção de
terceiros.
Até que a final girl chegue a esse momento final de sua história, é possível
observar que de forma recorrente, as narrativas mostram a mesma sendo perseguida e
agredida pelo assassino, correndo e se escondendo pela sua sobrevivência, além de ter
que lidar de forma direta ou não com a morte visualmente violenta de seus familiares e
amigos (CLOVER, 1992).
Acerca das definições individuais, a autora aponta que essa figura possui algumas
características recorrentes, a principal sendo se comportar de forma mais atenta e possuir
mais sagacidade do que os demais personagens (CLOVER, 1992). Para além disso,
Clover (1992) aponta uma definição da final girl como uma personagem que possui um
dualismo complexo, pois ainda que não se comporte de uma forma a ponto de incomodar
os homens com sua liberdade sexual e sua auto competência, as mesmas conseguem
suceder e garantir sua sobrevivência possuindo um comportamento feminino não
esperado, do ponto de vista patriarcal.
Um ponto relevante sobre as produções com final girls é que, ainda que ocorram
diversas mortes nessas narrativas, são as personagens femininas que sempre possuem as
cenas violentas com mais evidência na tela. E, retrocedendo para a questão de como a
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sociedade, ainda que as vezes de forma inconsciente, utiliza do simbólico presente nos
filmes para organizar suas relações, torna-se relevante apontar que o público, em sua
maioria jovens, que frequentavam os cinemas e garantiram a popularidade de filmes com
essa narrativa, conseguiam assistir tais cenas, com violências e mortes tão explícitas, de
forma a não se sentirem perturbados por elas (LAROCCA, 2015).
A partir disso, é possível que essa narrativa seja caracterizada por questões
debatidas nas décadas anteriores, mesmo que podendo ser vista como uma forma mais
complexa de ver a mulher, ainda há uma dualidade que aponta uma tentativa de reafirmar
os valores conservadores de comportamento e atribuições para as mulheres na sociedade.
Acima de tudo, pelo motivo de que nesse gênero de filme as mulheres que se
comportavam da forma oposta das final girls eram violentamente mortas de forma
explícita, divergindo de qualquer outra morte na narrativa.
Tradicionalmente, no cinema, toda expressão de força sendo raivosamente
expressada é relacionada aos personagens masculinos. Enquanto, todas as expressões de
“choro, o acovardamento, os gritos, os desmaios, os tremores, os pedidos de misericórdia
pertencem à mulher” (CLOVER, 1982, p. 53). E por consequência, o papel da final girl
se preenche nessas narrativas porque não é viável colocar personagens masculinos
vivenciando os perigos com as mesmas expressões.
Além disso, como apontado por Clover (1982), com o surgimento da final girl nos
filmes, era possível observar que a personagem comumente não transgredia os modelos
conservadores, especificamente os que desafiavam a superioridade masculina. Era
comum que não se engajassem em qualquer atividade sexual; não utilizassem drogas que
afetassem seu estado de percepção, o que as tornava sempre atentas a qualquer ação
suspeita; e aparentassem, através dos demais comportamentos, passividade e inocência.
Curiosamente, essa definição tende a se invisibilizar quando o filme atinge o
momento que deixa explícito que a personagem está em perigo. Clover (1982) aponta
essa dualidade por conta de que filmes de horror com as final girls tinham como principais
espectadores homens adolescentes. E por isso, o momento do rompimento parcial com os
comportamentos conservadores serviam para que a final girl pudesse possuir uma
feminilidade que não fosse inapropriada o suficiente a ponto de transgredir as estruturas
de superioridade e sexualidade masculina (CLOVER, 1982).
É possível observar que as narrativas presentes no cinema de horror se relacionam
diretamente com as inquietações presentes na sociedade. Sendo possível de serem
elaboradas das maneiras mais diferentes possíveis. Contudo, nas que apresentam
narrativas conservadoras, é possível observar questões como: reafirmação de valores
conservadores; os impactos da revolução feminista sob as mulheres; e entre outras
questões; são trabalhadas nesses enredos, fazendo com que seja “possível examinarmos
a complexa relação entre filme e cultura, medo ficcional e ansiedade cultural,
familiaridade e choque” (LAROCCA, 2015).
Feitoza e Rodrigues (2021) apontam que
cinema, por exemplo, é uma pauta que permanece delicada e necessita de atenção e
análise frente às suas reproduções.
As final girls, por exemplo, se comportam similarmente à lutadoras por suas
capacidades de sobreviver e, ao mesmo tempo, com arquétipos comportamentais que se
assemelham aos demandados pelo patriarcado, evidenciando um dualismo na aparição
das mesmas nos filmes de horror que vão se complexificando e deixando de ser regra ao
decorrer das produções. Ainda que essa personagem possa aparecer como uma forma de
reforçar os estereótipos apontados, a mesma também pode ser vista como
representatividade feminina que enfrenta as ameaças de forma autônoma e perspicaz,
quebrando com a passividade muitas vezes reforçada.
Como evidenciado por Feitoza e Rodrigues (2021), desde que o movimento
feminista se tornou mais debatido abertamente pela sociedade, foi possível ser introduzida
outra visão sobre a representatividade feminina no meio artístico, uma vez que surgiram
narrativas “com experiências mais próximas sobre o que de fato é ser uma pessoa do
gênero feminino” (FEITOZA, RODRIGUES, 2021, p. 3). E isso é possível observar nos
filmes de horror, que ainda utilizando de final girls como protagonistas, modificaram suas
narrativas e características, tornando essas personagens e as ameaças contra suas vidas
mais complexas e de acordo com o reflexo social atual.
Essa busca demonstra uma modificação na representação do que é a mulher,
colocando em conta que mesmo que ainda haja opressão e uma sociedade estruturalmente
patriarcal, as mulheres já não sofrem da mesma forma e pelos mesmos motivos das
décadas anteriores. O movimento feminista nesse sentido, para além da conquista de
direitos, possibilitou uma ampliação do debate acerca do que causa sofrimento para as
mulheres no século XXI e como as mesmas enfrentam novas e antigas opressões.
Larocca (2015) afirma que o cinema, embasando-se nas primeiras produções no
século XX, foi o
principal meio de transmissão das histórias que nossa cultura conta para si
mesma, tornando-se importantes meios para delimitar nossa relação com o
passado e para o entendimento da sociedade (LAROCCA, 2015, p.2).
Sendo possível observar essa afirmativa nas produções atuais, torna-se inviável
ignorar todo o atravessamento que manifestações artísticas, especificamente as
cinematográficas, possuíram e ainda possuem como influência para construir uma
definição de feminino, que vai interferir nas relações intra e interpessoais de mulheres
acerca do que é ser mulher, assim como faz para todo resto da sociedade.
E compreendendo a constituição do sujeito, que segundo Damiani e Neves (2006),
utilizando as teorias de Vygotski, ocorre através de uma relação ativa e interativa com o
meio histórico-social, é possível constatar que o indivíduo não está passivo frente a
relação com o mundo, mas construindo significações mediadas a partir de sua
subjetividade.
Baseando-se no que foi até aqui exposto, constata-se que é possível observar as
contribuições cinematográficas frente as pautas sociais, uma vez que é utilizado da arte
como instrumento para projetar questões que atravessam os sujeitos em sociedade e
promover elaborações e debates para que ocorram mudanças. Partindo do ponto de que
houveram diversas modificações sociais com o passar das décadas, o presente estudo
possui como objetivo geral comparar a representatividade feminina das final girls no
cinema de horror nas produções clássicas (70, 80 e 90) e a partir de 2017, e como
objetivos específicos, identificar as final girls nas décadas de 70, 80 e 90 e identificar as
final girls nas produções de 2017 à 2020.
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2. MÉTODO
considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é,
um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito
que não pode ser traduzido em números (SILVA E MENEZES, 2001, p.20).
todo trauma até então vivenciado e sendo perseguida por Adrian, que após forjar a própria
morte, utiliza uma roupa que o torna um homem invisível.
3. ANÁLISE DE DADOS
A análise dos dados foi feita seguindo e se baseando nos objetivos (geral e
específicos) preestabelecidos e com as informações coletadas no protocolo de registro.
3.1 Atributos físicos das final girls
Em relação aos atributos físicos das final girls, é possível observar que a idade
das mesmas vai aumentando com o passar das décadas dos filmes. Outro fator que pode
ser atribuído é a preferência de padrão dos filmes de cada época, como por exemplo, a
finalidade de se conectar com o público que era majoritariamente adolescente e jovens
adultos a partir dos anos 80 (LAROCCA, 2016), ou até mesmo com a mensagem de
inocência e indefesa ligada à juventude.
Outro fator relevante, e que é atribuído a todas as personagens, é o fato de serem
mulheres brancas e magras. Essa questão pode ser atribuída a diversos padrões estéticos
e até mesmo uma manutenção de questões de racistas. Borges e Cavalcanti (2013),
apontam que é a partir de uma visão eurocêntrica que as relações sociais se organizam no
mundo, e por isso há uma distinção negativa e significativa entre pessoas brancas e
negras. Além disso, associado ao machismo, “que infelizmente é um elemento
estruturante da maioria das sociedades, a mulher negra está em último lugar na escala
social e é um dos sujeitos que mais sofre com a opressão e a injustiça” (BORGES,
CAVALCANTI, 2013, p. 2).
Esse dado, como fator social, é possível de ser observado como marcante nessas
produções, uma vez que não apenas as final girls são mulheres brancas, como os outros
personagens do filme também são. O que reafirma uma falta de representatividade
feminina negra5 e passa uma mensagem sobre padrões raciais. Borges e Cavalcanti (2013,
p.2) apontam que “a arte vem ocupando um espaço de destaque na sociedade, seja como
reprodutora ou crítica de ideologias” e que o cinema, como meio de comunicação,
reproduz e legitima uma conduta social. Ou seja, o que é reproduzido nos filmes é
incorporado socialmente como sendo a normativa aceita e correta, organizando o
funcionamento da sociedade nos parâmetros apresentados e representados nas narrativas.
O que, se não bem conduzido, sem recortes e uma tentativa cuidadosa de evidenciar
subjetividades, torna-se uma problemática, já que essas reproduções podem estar
carregadas de estereótipos de raça e gênero.
É de relevância evidenciar essa ausência de mulheres negras e suas representações
no cinema em geral, especialmente suas demandas únicas dentro desse espaço, uma vez
que “enquanto as feministas brancas teorizam a imagem feminina em termos de
objetificação, as feministas negras problematizam o corpo feminino negro como um lugar
de resistência simbólica” (FERREIRA, 2018, p.7) o qual evidencia essas mulheres de
forma desumanizada.
Acerca das diferenças de demandas e análises na teorização da imagem feminina,
é significativo e possível de ser observado no presente trabalho o quanto a objetificação
das personagens brancas, dentro de uma padronização de serem final girls, é evidenciada,
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É necessário constar que existem final girls negras, ainda que as mesmas não tenham aparecido no presente
trabalho e que sejam minoria.
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Acerca da situação financeira, nos filmes MSE74, H78, HP84, P96 E MP17 não
é evidenciado exatamente em qual classe social cada uma das final girls se encaixa.
Contudo, é possível, através da existência dos bens materiais (por exemplo: tipo de casa
em que habita) que são atribuídos como sendo das personagens, compreender que elas
não se encontram em uma situação de precariedade financeira que dificulte a
sobrevivência delas, pelo contrário, é possível observar que todas possuem privilégios e
confortos sociais.
Em CS19, é comentado que previamente ao casamento, Grace cresceu em lares
adotivos, mas não há evidência e comentários acerca de sua vida de forma geral, levando
em conta apenas o fato de a mesma estar casada com Alex, que é membro de uma família
de alta classe social. Já em HI20, é possível observar que Cecilia (pelo contexto da relação
abusiva) não possuía uma ocupação previamente à sua fuga de Adrian, o que a fazia ser
dependente do namorado. Quando o mesmo forja a própria morte, ele transfere seus bens
e seu dinheiro para a personagem, o que a manteve como uma mulher de alta classe social
por conta disso.
Em apenas nesses dois filmes a classe social das final girls é pauta relevante e
comentada no enredo. Inclusive, em ambos as personagens, em algum momento, são
relacionadas a “interesseiras” e é insinuado que a relação se deu por motivação financeira,
já que o dinheiro provém dos homens que elas possuíam uma relação.
Esse dado é relevante pela maneira que essa temática é conduzida nessas
narrativas e por essa ser uma escolha de representação feminina, já que em ambos os
filmes as mulheres estão atreladas à um tipo de dependência financeira de seus parceiros.
E, vinculando a situação financeira à ocupação que uma pessoa exerce e que, como visto
no ponto anterior, existe uma problemática envolvendo as ocupações para as personagens,
é possível levantar como hipótese que essa representação pode ser um reflexo equivocado
de um problema social, que é referente a diferença de remuneração entre homens e
mulheres (MADALOZZO, MARTINS, LICO, 2015).
Tanto no Brasil, quanto nos Estados Unidos (onde se passam as narrativas), existe
uma discriminação contra mulheres em diferentes ocupações, que se dá como uma
percepção de que homens são mais qualificados que as mesmas, o que resulta na
concentração de determinadas funções, ocupações e classe social para cada gênero e que,
consequentemente, pode levar a uma representação que desvaloriza a mulher enquanto
sujeito atuante na economia e independente financeiramente (MADALOZZO,
MARTINS, LICO, 2015). A principal problemática nessa questão é o déficit que as
representações cinematográficas apontam, uma vez que as mesmas tendem a desvalorizar
ainda mais essa independência.
Acerca das outras produções selecionadas, de 1974 à 2017, é possível e
compreensível que o fato da dependência financeira seja atrelado aos responsáveis,
devido as fases da vida (adolescência e jovem adulta) que as final girls se encontram, por
esse ser um modelo cultural e social em que o funcionamento se dá desta maneira.
3.4 Relações interpessoais das final girls
e cultura, sendo um deles a família, amizades, entre outa relações sociais. E em cada um
dos filmes o elemento familiar é expresso e elaborado de uma forma única.
Em MSE74, a relação de Sally e seu irmão Franklin, é evidenciada como
desconfortável para ambos, é possível observar um distanciamento entre eles, quase que
de forma evitativa por parte da final girl. Além disso, um elemento relevante é a forma
carregada de estereótipos e limitações que Franklin é submetido por ser uma pessoa com
deficiência física. A narrativa evidencia o personagem como sendo uma responsabilidade
inconveniente para Sally, que em contrapartida se mostra muito mais confortável e feliz
com seu namorado e amigos. Essa construção entrega uma forma de que por eles serem
irmãos há uma responsabilidade, independente da qualidade dessa relação, e não há
espaço para elaboração do que acontece.
No enredo de H78, o enfoque maior está na relação de Laurie com seus amigos,
mostrando especialmente diferenças marcantes no comportamento da final girl entre
outros personagens do grupo. Esses comportamentos possuem uma função fundamental
na narrativa, pois são elementos básicos para que a mesma seja entendida como uma final
girl.
Em HP84, a família de Nancy, especialmente a relação da mesma com sua mãe,
possui um pouco mais de foco. A relação das duas fica evidentemente com questões a
partir do momento em que a mãe de Nancy sabe o que está acontecendo, mas prefere não
se envolver por medo de Freddy Krueger. Isso faz com que a final girl se demonstre
desamparada e frustrada. O pai de Nancy comete uma série de equívocos e não aparece
como um auxílio as problemáticas.
Em relação as amizades, Nancy é evidenciada como uma cuidadora de seu grupo
de amigos, podendo essa questão ser atribuída posteriormente as suas características
comportamentais para ser considerada uma final girl clássica. Há uma sequência de
questões, como: a amiga morrendo mesmo ela estando dormindo na casa da mesma para
fazer companhia; o amigo morrendo na cadeia sem saber que não poderia dormir
enquanto ela fazia o possível para salvá-lo; e seu namorado também não conseguindo se
manter acordado. Demonstrando que mesmo a personagem tentando cuidar, ela foi a
única capaz de permanecer viva.
Em P96, o motivo pelo qual tudo aconteceu, posteriormente falado por um dos
assassinos, é a relação extraconjugal da mãe de Sidney com o pai de Billy. Nessa
narrativa, essa problemática marca como a família se desestrutura, não apenas pelo luto
mas também pela traição conjugal. E, vai de encontro com o que é definido como
motivador para castigar uma personagem feminina em uma narrativa, nesse caso sendo
tanto a mãe de Sidney como, posteriormente, ela mesma. A própria final girl sofre com
várias falas violentas da maioria das pessoas da cidade sobre o que é tido como um erro
cometido por sua mãe. Chegando ao ponto de isso ser utilizado como justificativa para
que Sidney também seja “castigada”.
Acerca das outras relações, em especial as amizades, Sidney marca um ponto de
mudança nas final girls, já que possui comportamentos e atitudes mais similares e que
não demonstram uma passividade frente ao seu grupo (o que era visto em peso nos outros
enredos), nessa narrativa a personagem se integra ao meio de uma forma mais apropriada.
Em MP17, o enredo vai decorrendo conforme as relações de Tree vão também se
modificando. Na parte introdutória, é possível observar que de forma geral, a personagem
possui problemas de relação com todos ao seu redor. Especialmente com sua mãe, devido
ao processo de luto que é expresso como não elaborado devidamente. Com todas as outras
pessoas que possui relação social, ela possui um movimento evitativo e grosseiro, como
se ela evitasse proximidade dos outros com a sua vulnerabilidade, sendo esse um grande
marco entre as outras final girls anteriores. Ao decorrer do filme, é possível ver em
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pequenas situações que ela vai mudando de comportamento, sendo mais receptiva com
cada uma de suas amizades e com seu pai, o qual ganha foco em certo momento em que
a personagem consegue elaborar o luto.
Dessa forma, as amizades, a família e o interesse romântico, não ganham foco por
si só, mas sim pela sua relação com Tree em sua jornada.
CS19 possui como foco a relação disfuncional de Grace com a família de seu novo
esposo. Ainda que alguns não estejam necessariamente contentes ou desejando caçá-la,
todos fazem isso por uma questão de sobrevivência. A relação que foge desse padrão é
da final girl com seu marido, Alex, por conta de toda demonstração de afeto e confiança
que é quebrada brutalmente com a traição do mesmo no final do enredo. E, a mais
relevante, é a com seu cunhado, o qual desde o início demonstra preocupação com a
mesma, a ponto de ser o único a realmente ajudá-la. Não é falado sobre outras relações
da final girl nessa trama, assim como outras questões individuais sobre a mesma.
HI20 possui o enfoque da amizade de Cecilia com James, o qual não apenas acolhe
a personagem, como também auxilia a mesma a se proteger e contra-atacar Adrian. Os
dois possuem uma relação de qualidade na maior parte do filme, o que é um contraponto
muito relevante nessa narrativa, já que a mesma fala sobre uma mulher sobrevivente à
uma relação abusiva com outro homem.
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Em Halloween 2, o enredo aponta que na realidade, Laurie era a irmã mais nova de Michael. Com isso,
utilizando essa continuação como análise, a motivação de Michael passa a se configurar como
consequência, uma vez que o mesmo já havia matado sua irmã mais velha e, quando teve possibilidade,
tentou fazer o mesmo com a mais nova.
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assassinos nesta narrativa matam diversas pessoas, com relação direta de proximidade ou
não a Sidney.
Em MP17, a única a ser assassinada é Tree (todos os dias por conta do looping
temporal em que se encontra), por sua amiga de faculdade e colega de quarto Lori. A qual
é motivada pelo fato de sentir ciúmes de Tree com o professor que a mesma possui um
caso. Essa motivação evidencia duas jovens adultas disputando por um homem, que nesse
caso exerce uma figura de poder, evidenciando um funcionamento reducionista a uma
narrativa que poderia elaborar sobre pontos individuais das personagens,
complexificando as pautas.
Em contrapartida, o fato de em MP17 a assassina ser uma mulher torna esse ponto
relevante. Entre as narrativas escolhidas, até então, existia uma relação de poder
demarcada entre o fato de os assassinos serem homens e as vítimas mulheres. Nessa
narrativa há essa diferença relevante, não apenas por se tratar de uma final girl com
características e pautas incomuns até então, mas também por colocarem que outra mulher
pode ser considerada uma ameaça na narrativa.
Em CS19, toda a família está apta e concordando em caçar Grace. No caso do
filme, as empregadas também acabam mortas acidentalmente durante a procura por
Grace, evidenciando as mesmas quase como objetos que estavam atrapalhando a
dinâmica. A personagem tenta escapar da mansão com a ajuda de seu marido, que
posteriormente acaba ficando com medo da profecia e tenta matar a esposa. Em
contrapartida, seu cunhado foi o único que a ajudou desde o início e acabou morrendo na
tentativa de salvá-la.
Durante o filme, é possível observar que Grace tenta se manter viva a todo custo,
porém é importante salientar que recebe o auxílio de dois homens para isso. E ainda que
no final ela esteja por si só, a mesma sobrevive pelo acaso do tempo de a entidade
aparecer.
Em HI20, mais uma vez, o assassino possui relação direta com a vítima, sendo
seu ex-namorado. Cecília e Adrian estavam em uma relação problemática e abusiva, por
parte de Adrian, que não aceitou a fuga de Cecília e esquematizou todo um plano para
persegui-la. A temática do relacionamento abusivo, nesse caso, atinge vários níveis
nocivos à saúde e integridade da final girl, sendo essa narrativa uma reflexão de uma
problemática social que está ganhando espaço para debate, prevenção e conscientização.
A pauta teve maior visibilidade a partir dos anos 90, com a instauração de leis que
asseguram as mulheres, assim como debates que o movimento feminista proporciona
(PINTO, 2018). Sendo assim, é importante que cada vez mais narrativas falem sobre essa
temática, especialmente evidenciando as atribuições da mesmas.
3.7 Características comportamentais das final girls
Grace em CS19, é uma mulher que possui como evidência o constante uso do
senso de humor. É muito direta na hora de se expressar e demonstrar desconforto na
relação com a família de seu noivo. Quando o ritual começa, Grace rapidamente muda
totalmente, ao entender que corre risco de vida, se esforça para conseguir sair da casa, se
esconder dos assassinos e lutar pela sua vida quando necessário.
A personagem está durante todo o enredo em choque com a situação, o que é
perfeitamente esperado e dentro do padrão. Isso não faz com que a mesma perca o
controle, então é possível observar que há uma tentativa de equilíbrio e adequação, ora
para entender emocionalmente o que está vivendo, ora entender racionalmente o que é
necessário fazer. Um ponto de diferença marcante dessa final girl com as anteriores é que
conforme a mesma corre mais risco de morte e se acidenta, mais ela fica reativa e
agressiva para conseguir sobreviver.
No enredo de HI20, é possível observar que Cecilia é uma mulher que demonstra
estar sempre em alerta, facilmente assustada com barulhos e movimentos no ambiente.
Possui comportamentos ansiosos característicos de estresse pós-traumático. A
personagem comunica que está sendo vigiada e observada por alguém, e esse fator
influencia totalmente em seu comportamento em todas as situações, desde a dificuldade
em sair de casa, até optar por manter relação apenas com pessoas que confia de forma
significativa. Esses aspectos não invalidam ou impossibilitam a personagem em lutar e
provar os acontecimentos, porém é construído na narrativa como a fraqueza da mesma.
Devido a acontecimentos durante o enredo, envolvendo as atitudes de Adrian de
atacar essas pessoas que a cercam e são o suporte para ela, o comportamento de Cecilia
muda bruscamente para sendo uma mulher mais reativa, mais corajosa, até vingativa e
que consegue tomar decisões rapidamente para enfrentar o assassino. Nessa narrativa em
específica é apresentada uma final girl que elabora um plano organizado e efetivo para
acabar com a ameaça de forma super assertiva e diferente de qualquer outra resolução
vista antes.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através da análise de dados é possível observar que as narrativas das final girls
apresentam diferenciações entre si e, que com o passar dos anos, existe uma tendência a
complexificar a forma que as pautas são elaboradas nos enredos. Desde as características
comportamentais das personagens, como seus atributos físicos, as problemáticas das
narrativas, o momento sociocultural em que os enredos acontecem e até mesmo a
construção da ameaça apontam divergências.
Referente à estudos e pesquisas sobre a temática, foi possível observar que não há
um acesso fácil e amplo, visto que existe uma concentração de produções literárias
Estadunidenses, sem traduções e com valor elevado para importação. Durante as análises,
ficou evidente que há demasiadas pautas nas narrativas que podem ser elaboradas dentro
de outros objetivos.
Acerca das narrativas, durante a análise de dados, foi possível perceber que
MSE74 é um enredo destoante dos demais pelo fato do mesmo conter um elemento de
crítica social ao modelo econômico e político vigente na época. Existem pontos acerca da
representação feminina nessa obra, contudo há outros aspectos com mais evidência, visto
que o foco do filme é outro. Dessa forma, a análise do filme poderia também ser feita
diretamente englobando outros aspectos da narrativa.
Outro ponto, é referente ao fato de que na maioria há a presença de uma figura
masculina que, de alguma forma, auxilia a final girl a acabar com a ameaça. É interessante
pensar como majoritariamente a ameaça é uma figura masculina (com exceção de MP17
e CS19) e o auxílio é também feito por uma figura masculina. Esse ponto varia, como no
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filme P96, em que o auxílio é de outra figura feminina, no caso a repórter Gale; em MP17,
onde Tree descobre e lida com a assassina sozinha; e em HI20, onde não há interferência
de James, amigo da final girl Cecilia, no momento de acabar com a ameaça.
Algumas narrativas possuem continuações, o que também é um ponto relevante a
ser comentado, uma vez que a finalização dos filmes não se deu com a ameaça sendo
eliminada, mas neutralizada ou até mesmo através da fuga da mesma (como em MSE74,
H78, HP84 e P96). É interessante pensar, dentro desse contexto, que uma produção com
objetivos de comparação entre as sequências de filmes é válida e pode conter elaborações
relevantes acerca da representação (no caso da mesma) final girl e dos demais elementos
da narrativa.
É possível observar também que a dualidade de características conservadoras e
liberais nas personagens se modifica com o passar dos anos, ainda estando presente de
alguma forma nos atuais enredos. O que pode ser compreendido como um dos motivos
para ainda possuírem um déficit específico das final girls para representar as pautas
femininas de uma forma apropriada, ocorrendo que essas representações permanecem
caracterizada com alguns estereótipos. Além disso, são representações que contém alguns
elementos reducionistas e que reforçam inadequações, as quais mulheres resistem para
modificarem política e socialmente há anos.
Há a possibilidade e necessidade de também visualizar as final girls como
representações femininas de mulheres fortes, corajosas, heroicas, autossuficientes e
resilientes, contudo há também de se problematizar os demais elementos da narrativa que
podem se caracterizar como mais formas de violências a essas personagens. É necessário
que haja uma análise macro dessas narrativas para que não ocorra uma romantização ou
até mesmo uma negligência de fatores que são problemáticos. Com isso, é de relevância
também observar que esse funcionamento pode ser atribuído ao fato de que homens ainda
são os principais idealizadores e executores desse tipo de arte e optam por evidenciar um
funcionamento social que os privilegia.
Desse modo, e como apontado por Figuerêdo, Asfura e Zanforlin (2020)
baseando-se em conceitos evidenciados por Foucault, vale evidenciar que há socialmente
uma tentativa de docilizar e disciplinar os corpos, dentro de uma normatividade, e o que
acontece nessas representações cinematográficas é um espelhamento de um modelo
vigente de uma sociedade produtora de sujeitos homogeneizados. Com as análises,
vinculadas principalmente a época e cultura dos filmes, é importante demarcar que ao
gênero masculino e ao feminino há uma demanda de performance dentro de padrões
conservadores, que sim podem ser flexíveis em alguns momentos e em algumas
narrativas, mas são elementos presentes.
Fazendo também que seja relevante pontuar que o cinema de horror, em geral,
possui como possibilidade elaborar inquietações sociais, contudo a escolha de como fazer
isso não precisa (como em outras produções não é) ser através de modelos engessados. O
horror é um gênero com diversos subgêneros, que possibilita elaborar e evidenciar
problemáticas sociais e o desenvolvimento de competências emocionais para lidar com
os mais diversos temas. A forma pelo qual o mesmo é conduzido deve ser sempre o centro
de atenção. Assim como há a possibilidade de produções revolucionarem estruturas
sociais, as mesmas também podem ocasionar em reafirmações nocivas.
E, pensando ainda acerca da relevância social da temática, torna-se importante
pensar como o ideal machista contra mulheres, que é majoritariamente exposto e
reafirmado nessas produções cinematográficas, influencia (e influenciou) em uma cultura
opressora de violências para além das físicas, mas também que se caracterizam em
dinâmicas de poder entre homens e mulheres, com funcionamentos nocivos e com a
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REFERÊNCIAS
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etnia à luz dos estudos feministas: articulações entre cinema e educação. Anais... XIII
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