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Introdução:
A relação entre cinema e história é um fato já bem estabelecido nas discussões
historiográficas, como apresentado por Marc Ferro, quando determina a
apropriação do cinema como documento histórico, em seu livro Cinema e
História de 1977. Ferro (1977) determina sobre o método em que as obras
cinematográficas podem ser analisadas, observando o filme como uma
representação da sociedade que o produz e, por isso, é adequado o estudo
pelos historiadores.
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Participante do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem – LEDI
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Orientador Prof. Dr. Rogério Ivano
Tal ponto nos conduz até os estudos culturais de Douglas Kellner em A Cultura
da Mídia, de 1995, em que é proposto uma análise de como a Indústria Cultural
fabrica os produtos culturais da mídia que convertem os discursos sociais
existentes em imagens e narrativas, pois os conflitos do cotidiano se
expressavam pela mediação dos produtos culturais da mídia. É possível
compreender, então, que as lutas sociais ocorridas no cotidiano
contemporâneo são adaptadas em formatos narrativos e visuais dentro das
representações fílmicas. Podemos discutir, neste caso, sobre a relação do
social e do gênero terror, no qual é perceptível a transposição de questões
sociais para uma ficção de medo no filme da categoria do horror.
Logo, o intuito desse estudo então busca realizar uma análise comportamental
da protagonista, Rosemary, por meio da visualização e interpretação da
transformação visual da personagem ao longo da narrativa. Pois a observação
das mudanças de comportamento, nos apresenta uma forte relação com a
cenografia e os figurinos dos personagens. Por essa análise, encontramos a
temática da questão feminina no filme, fundamentada no comportamento social
feminino e a visão do sujeito-mulher a partir da década de 1960.
No entanto, com Guy finalmente ganhando o papel principal em uma peça, ele
propõe a gravidez para Rosemary. Ambos então planejam a noite em que irão
conceber o bebê. Na noite escolhida, com mais uma das interrupções de
Minnie, a personagem é incentivada a comer um mousse preparado por sua
vizinha e Rosemary desmaia logo em seguida. Contudo, ela apresenta
momentos de lucidez, como se estivesse em um sonho e, nesses momentos,
ela experiencia visões de seus vizinhos Roman e Minnie, Guy e os demais
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Documentário “Roman Polanski on ‘Rosemary's Baby’: Conversations Inside The Criterion
Collection”
moradores do prédio nus em torno de uma cama, na qual ela acaba presa.
Neste ponto da história, há a cena de estupro, ocorrido entre Rosemary e uma
figura demoníaca masculina com aparência semelhante ao seu marido.
Imagem 2: Rosemary rodeada por seus vizinhos, marido e demais moradores do prédio, devido
ao ritual satânico em que fazem parte. Disponível: ROSEMARY'S BABY (O Bebê de
Rosemary). Direção de Roman Polanski. Roteiro de Roman Polanski. USA. Produzido por
William Castle e Paramount Pictures. Dist. Paramount Pictures. 1968, 1 disco (2h 22 min.)
DVD.
Sua gravidez é comemorada tanto por seu marido como seus vizinhos Roman
e Minnie, que indicam outro médico para o casal, o conhecido Dr. Abraham
Sapirstein (Ralph Bellamy). Então, inicia-se o difícil processo de gravidez de
Rosemary. A personagem começa a sentir dores constantes em seu corpo e
sente perda de apetite, se tornando extremamente pálida e magra, com
semblante de doente.
Tal imagem caminha junto com tais acontecimentos, sendo a preocupação da
personagem transmitida para seu marido, seu agora médico Dr. Sapirstein e
até para seus vizinhos, os Castelvets. No entanto, suas opiniões e
questionamentos são ignorados, demonstrando o descaso por parte das figuras
masculinas e femininas com a protagonista, como se ela devesse ser deixada
de fora sobre os conhecimentos de seu bebê, em conjunção com uma
desvalorização de sua capacidade de pensar sobre o melhor para si e sua
gravidez.
Há também, o corte de seu cabelo, que seu marido desaprova, que lhe oferece
um ar bem menos afeminado, e como Bellantoni (2005) aponta, o corte mesmo
sendo “Vidal Sassoon” – cabeleireiro famoso da época –, é uma reminiscência
de outros cortes de cabelo curtos de outros mulheres na história da civilização
ocidental. Tal corte de cabelo das mulheres significaria a colaboração com o
inimigo, como há muito tempo conhecido. É significativo, dentro dos limites da
história, que Rosemary teria seu próprio corte de cabelo ao estar grávida com a
“semente do Diabo”.
Porém, sua condição melhora após tal acontecimento, e Rosemary segue sua
gravidez tranquilamente, semelhante ao seu comportamento inicial, com ela
aceitando seu papel de esposa e futura mãe, permitindo novamente a presença
dos Castelvets e o novo acolhimento do marido. Há o retorno de seu visual
inocente e feliz, com tons amarelos voltando às cenas. Isto muda após a morte
de seu querido amigo Hutch (Maurice Evans), que esteve desconfiado de
Roman Castelvet em uma de suas visitas à jovem, e que já havia alertado
Rosemary e Guy sobre o prédio e seus acontecimentos macabros. Tal
mudança ocorre a partir da leitura do livro denominado “All of them witches”,
que lhe é entregue no funeral por uma amiga de Hutch.
Imagem 6: Momento que Dr. Abraham Sapirstein, Guy e Dr.Hill agem contra os pedidos de
Rosemary. Disponível: ROSEMARY'S BABY (O Bebê de Rosemary). Direção de Roman
Polanski. Roteiro de Roman Polanski. USA. Produzido por William Castle e Paramount
Pictures. Dist. Paramount Pictures. 1968, 1 disco (2h 22 min.) DVD
Com tal afirmação, podemos relacionar a fala de Polanski, com contexto geral
do período dos anos 1960, quando a obra foi produzida, onde a questão da
histeria feminina era considerada verídica e utilizada como justificativa para
menosprezar as mulheres e suas opiniões, preocupações e discordâncias com
o discurso masculino vigente. E esse fato transparece dentro da narrativa
fílmica, por meio da intervenção contra Rosemary momentos antes de ela dar à
luz.
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Documentário “Roman Polanski on ‘Rosemary's Baby’: Conversations Inside The Criterion
Collection”
Imagem 7: Rosemary após seu parto, perturbada e inquieta. Disponível: ROSEMARY'S BABY
(O Bebê de Rosemary). Direção de Roman Polanski. Roteiro de Roman Polanski. USA.
Produzido por William Castle e Paramount Pictures. Dist. Paramount Pictures. 1968, 1 disco
(2h 22 min.) DVD
No entanto, após finalmente olhar seu filho, e perceber sobre sua situação e
experienciar o choque, há uma rápida mudança comportamental da
protagonista. Rosemary acaba aceitando seu papel de mãe, não havendo
incomodo após o passar de seu susto, como se ela não se importasse mais ou
mesmo se lembrasse sobre tudo o que passou nos últimos meses. Ela apenas
termina cumprindo o que sempre desejou como mulher, de seguir seu papel
materno indicado para todas as mulheres.
E é possível observar que a utilização da cor azul clara de seu vestido, e o
grande foco sobre a maternidade, seria uma representação da ligação com a
Virgem Maria e o menino Jesus. Contudo, de acordo com Corso (2008),
Rosemary nunca seria como Maria, por ser uma mulher da década de 1960, e
estar em uma luta contra a passividade imposta sobre ela, pois verificamos seu
processo de fortalecimento contra o culto diabólica relacionado aos idosos que
a reprimia e controlava. “É um embate entre uma nova mulher, mais autônoma,
armada da prepotência dos jovens de sua época, e a antiga, cuja experiência
será alienada e tutelada pela sabedoria das velhas.” (CORSO; 2008, p. 71).
Considerações finais:
Referências: