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O capítulo X do livro "Metáfora e Devolução: O Livro de História no Processo de

Psicodiagnóstico Interventivo", escrito por Elisabeth Becker, Marizilda Fleury Donatelli e Mary
Dolores Ewerton Santiago, aborda a questão da devolução de informações psicodiagnósticas a
crianças em contextos de psicodiagnóstico. As autoras, que trabalham como supervisoras de
estágio em Psicologia, destacam a dificuldade de comunicar os resultados do psicodiagnóstico
às crianças, uma vez que a comunicação com elas é desafiadora devido à falta de um meio
comum de expressão verbal.

Uma alternativa sugerida pelas autoras é a construção de uma narrativa em forma de livro de
história infantil para apresentar os aspectos mais relevantes do psicodiagnóstico às crianças.
Elas fundamentam essa abordagem nas narrativas como uma parte essencial da evolução
humana e na formação da identidade das pessoas. As narrativas, que podem se manifestar
como mitos, fábulas e contos de fadas, têm raízes antigas na história da literatura e
desempenham papéis distintos.

Os mitos são narrativas coletivas, muitas vezes de origem anônima, que transmitem
conhecimentos e experiências que não seguem a lógica racional. Eles têm um caráter espiritual
e histórico e servem para dar sentido a eventos inexplicáveis.

As fábulas, por outro lado, são histórias construídas por autores específicos e têm o propósito
de transmitir uma moral ou um valor. Elas retratam situações cotidianas e oferecem lições de
comportamento social.

Os contos de fadas, por sua vez, são antigas criações que exploram questões humanas
universais, como nascimento, vida e morte. Eles têm um caráter mágico e se conectam
profundamente com o universo psíquico das crianças, permitindo que elas enfrentem suas
próprias lutas internas e questões existenciais.

Em resumo, o capítulo destaca a importância das narrativas na comunicação com crianças em


psicodiagnóstico e explora diferentes tipos de narrativas, mostrando como elas podem ser
usadas de forma eficaz para transmitir informações complexas de maneira acessível e
significativa para as crianças.

Neste texto, o autor explora a relação entre contos de fadas, psicologia e a devolução
psicodiagnóstica em crianças. O autor destaca que nos contos de fadas, o bem e o mal são
separados de maneira clara, refletindo uma polarização que também existe na mente das
crianças. Essas histórias têm um caráter moral e podem ser úteis para psicólogos na
compreensão do psiquismo infantil e no atendimento aos clientes.

O autor menciona que Freud usou mitos como Édipo e Narciso para explicar fenômenos
psicológicos no desenvolvimento humano, e outros autores também reconhecem os
benefícios dos contos de fadas na psicoterapia. Além disso, o autor compara os contos de
fadas com livros de história usados em práticas clínicas, observando que ambos visam
transmitir conhecimento, seja sobre a própria criança, seus conflitos ou aspectos do existir
humano. Ambos atingem diferentes camadas da psique, usando metáforas, analogias e
imagens visuais para facilitar a compreensão da criança.

No entanto, o autor destaca diferenças importantes. Os contos de fadas têm um caráter moral,
enquanto os livros de história não o têm. Os contos de fadas promovem a internalização de
valores, o que não é o objetivo dos livros de história, que buscam estimular a criatividade da
criança e deixar que ela julgue e encontre soluções para seus próprios conflitos.
O texto também aborda os fundamentos da devolução psicodiagnóstica, mencionando a
importância dessa técnica para ajudar os pacientes a integrar aspectos dissociados de sua
identidade. A devolução funciona como um mecanismo de reintegração, permitindo que o
paciente se perceba de maneira mais realista e menos distorcida. O objetivo principal é auxiliar
o paciente na integração psíquica de partes de sua personalidade, contribuindo para a
preservação de sua identidade, o que pode ter um efeito terapêutico.

No entanto, o autor reconhece a complexidade dessa tarefa, especialmente quando se trata


do desenvolvimento da criança.

Neste texto, Verthelyi (1989) discute o conceito de devolução no contexto do psicodiagnóstico.


Ela argumenta que a devolução está relacionada à projeção e reintrojeção de aspectos que o
paciente revela durante o processo. Verthelyi, juntamente com Friedenthal (1976), sugere que
fazer uma única devolução no final do processo pode não ser a abordagem mais eficaz. Em vez
disso, elas propõem fazer devoluções parciais ao longo do processo, o que permite explorar
melhor as hipóteses e ter efeitos terapêuticos mais significativos.

Essas devoluções parciais devem incluir aspectos acessíveis e aceitáveis ao ego do paciente,
em vez de interpretações profundas. Isso significa que, ao final do processo, pode não ser
necessário comunicar algo completamente novo, e a entrevista de encerramento se destina
mais a resumir o que foi observado e despedir-se do paciente.

Quanto à técnica de devolução, Ocampo e Arzeno (1974) sugerem usar material de testes,
começando com aspectos mais adaptativos e depois abordando os menos adaptativos. Eles
enfatizam o uso de linguagem simples e adequada à criança para garantir que ela compreenda
a comunicação.

Verthelyi (1989) concorda com essa abordagem e destaca que as técnicas projetivas, como
testes gráficos e relatos, podem ser materiais adequados para mostrar ao paciente aspectos
observáveis de si mesmo. A análise cuidadosa do material ajuda a priorizar aspectos que o
paciente pode reconhecer mais facilmente e que estão mais próximos de sua consciência.

O autor também menciona a importância de tornar o processo de psicodiagnóstico


interventivo terapêutico. Eles observaram que o uso de técnicas projetivas, como o CAT-A,
teve limitações na integração dos aspectos do funcionamento psíquico da criança. Isso levou à
pesquisa de novos procedimentos para alcançar objetivos mais eficazes, como permitir que a
criança se aproprie de sua própria história e desenvolva uma compreensão mais autônoma e
integrada de sua situação.

Finalmente, o texto menciona o uso de histórias na psicoterapia de crianças, com destaque


para o trabalho pioneiro de Gardner (1993) na criação da "técnica de relato mútuo de
histórias" para crianças de 5 a 11 anos. Essa abordagem aproveita o amor das crianças por
histórias como uma forma de comunicação eficaz para transmitir o significado psicodinâmico
de seus sintomas.

Nesta técnica de psicoterapia infantil, o psicoterapeuta encoraja a criança a criar uma história
que reflita seus conflitos psicológicos, tratando-a como uma projeção de seus sentimentos. Em
seguida, o terapeuta formula e narra uma história alternativa com características semelhantes,
mas com soluções mais saudáveis para os conflitos apresentados pela criança. O objetivo é
falar a linguagem da criança, utilizando a linguagem da alegoria, para que as interpretações
sejam recebidas pelo inconsciente da criança sem causar ansiedade.
Outros psicoterapeutas também utilizam histórias na terapia infantil, como Oaklander, que
baseia sua abordagem na Gestalt e utiliza histórias para ajudar a criança a tomar consciência
de si mesma. Safra, seguindo a orientação winnicottiana, utiliza narrativas de histórias como
uma forma lúdica de expressão que não invade a criança.

Além disso, Gutfreind enfatiza a importância de contar histórias para as crianças como um
meio eficaz de promover a saúde mental, permitindo que a criança explore infinitas
possibilidades de contar, ouvir e imaginar.

A técnica de utilizar histórias também é aplicada no processo psicodiagnóstico interventivo de


crianças, com a finalidade de encerrar o processo de diagnóstico e intervenção de forma
criativa e informativa. Essa abordagem foi inspirada pela psicóloga Constance Fischer, que
propôs um psicodiagnóstico centrado na vida, onde o cliente é ativo na construção de
compreensões compartilhadas com o psicólogo. O uso de livros de histórias é uma das
alternativas oferecidas às crianças durante a devolutiva, complementando as abordagens
tradicionais com brinquedos e técnicas projetivas.

O livro de história utilizado no processo de psicodiagnóstico desempenha um papel crucial na


compreensão da criança e de suas dificuldades. Ele é uma síntese que incorpora a história de
vida da criança, suas relações familiares e seu desenvolvimento, além de expressar seus
sintomas de uma maneira acessível. A escolha dos personagens e elementos da história deve
ser cuidadosamente feita com base nas afinidades e analogias com os aspectos identificados
no psicodiagnóstico.

Ao apresentar o livro de história à criança, observam-se diversas reações, como o


reconhecimento de que a história se relaciona com sua própria vida, interesse e atenção
durante a leitura, disponibilidade para interagir e compartilhar a história com outros, bem
como a busca por releituras ou o momento de guarda e "esquecimento".

A elaboração do livro de história como devolutiva permite que a criança tenha uma
experiência psicológica única, utilizando a identificação com os personagens para obter uma
percepção de seu sintoma e expressar seus sentimentos. O final da história é um aspecto
debatido, mas é importante que a criança tenha a oportunidade de contribuir para a solução
final do enredo, o que pode ser valioso para seu processo de compreensão e aceitação.

Além disso, o livro de história pode continuar a desempenhar um papel importante após o
término do psicodiagnóstico, servindo como estímulo para que a criança se aproprie ainda
mais das analogias e continue a trabalhar com os insights obtidos. Isso fortalece a conexão
entre a criança, seus pais e o psicólogo, criando uma base sólida para a continuidade do
trabalho terapêutico.

Em resumo, a devolutiva por meio do livro de história vai além de ser uma etapa final do
psicodiagnóstico, proporcionando uma experiência única para a criança, facilitando a
compreensão de seus problemas e fortalecendo a relação com o profissional, o que é essencial
para o sucesso do tratamento.

Neste estudo de caso, uma menina chamada Maria, de 8 anos de idade, foi submetida a um
processo de Psicodiagnóstico Interventivo devido a queixas de falta de atenção e dificuldade
de aprendizagem na escola. Sua história de vida revelou uma família composta pela mãe e
cinco filhos, sendo Maria a filha mais nova e adotiva. A gravidez de Maria ocorreu durante um
período tumultuado na vida de seus pais, marcado pelo diagnóstico grave de saúde do pai,
seguido de sua recusa ao tratamento e abuso de álcool. O pai faleceu quando Maria tinha
cerca de 3 anos, deixando a família em luto e desorganizada.

Durante o Psicodiagnóstico, observou-se que Maria era uma criança inteligente, com
habilidades para resolver problemas cotidianos, boas habilidades de retenção de informações
e capacidade de abstração. Ela também era extrovertida e sociável, mas apresentava
insegurança e comportamento competitivo, frequentemente comparando-se aos outros para
garantir que suas realizações fossem superiores. Isso a levava a dispersar-se nas tarefas
escolares e demonstrar pouca atenção e concentração. Além disso, Maria percebia a tristeza
contínua de sua mãe pela perda do marido e sentia-se culpada por não conseguir preencher
essa lacuna.

Durante o processo de Psicodiagnóstico, trabalhou-se com a mãe a questão do luto pela perda
do marido e a necessidade de Maria de atenção e estímulo adequados. Ambas tiveram algum
progresso, mas foi decidido que Maria precisava continuar com a terapia infantil para abordar
essas questões de forma mais aprofundada.

Um elemento importante deste processo foi o uso de um livro de histórias, que abordou temas
como a adoção da primeira filha, a doença do pai e sua morte. A história de Nani, a peixinha
adotada, e a busca do pai, Lino, por alívio em algas distantes, bem como sua eventual partida,
simbolizaram a dinâmica emocional da família e a perda que Maria experimentou.

Este estudo destaca a importância da história como uma ferramenta terapêutica e como o
Psicodiagnóstico Interventivo pode ajudar a identificar e abordar questões psicológicas em
crianças, considerando o contexto familiar e as experiências de vida. A necessidade contínua
de terapia para Maria sugere que seu processo de cura ainda está em andamento, mas o
suporte está sendo fornecido para ajudá-la a superar seus desafios emocionais

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