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Impactos da doença crônica 

na constituição psíquica

INTRODUÇÃO

No início do século XX o Brasil passou por transformações importantes no que diz


respeito ao perfil epidemiológico e demográfico, antes caracterizados com altas taxas de
mortalidade infantil por doenças parasitárias e infecciosas, conseguiu avanços importantes
com melhorias nas condições sanitárias, vacinação e acesso a tecnologias e saúde. Neste
cenário a doença crônica paulatinamente vem ocupando espaço, contribuindo para as taxas
de mortalidade,  internações e comorbidades, necessitando de cuidados integrais e
complexos ( Cortez et. al,  2019)  Schramm et. al 2004 apontam  que este movimento mais
do que uma mudança no perfil  epidemiológico sinalizam para a necessidade de revisão da
relação entre o sujeito e o objeto, quanto dos saberes e práticas no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS), exigindo reflexões a partir da experiência de adoecimento. Segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), essas doenças são a principal causa de morte no
mundo. Com o avanço da tecnologia e da medicina, doentes antes fadados à morte,
atualmente, têm condições de tratamento, e enfrentam uma nova realidade: ser um doente
crônico. Estima-se que cerca de 10 a 20 por cento da população infantil tenha alguma
doença crônica (ANTÃO, 2019).
DEFINIR A DIFERENCA ENTRE TRANSMISSIVEIS E NAO TRANSMISSIVEIS e porque a Sol vai
escolher um grupo.
Doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são caracterizadas por início gradual,
curso demorado, de prognóstico incerto que necessitam de tratamentos prolongados, e de
grande impacto na capacidade funcional ( BRASIL, 2013; PICCININI, 2002).
A doença crônica na infância pode trazer implicações para o desenvolvimento da
criança e suas relações, dentre elas, mudanças nas condições físicas, limitações de atividades
diárias, restrições alimentares, internações recorrentes para cuidar da fase aguda da doença,
perdas de mobilidade, dificuldades de aprendizado (SPARAPANI,2010; PERAZZO 2022). Sem
perspectivas de cura, a criança portadora de doença crônica necessita de cuidados
complexos e a longo prazo, que envolvam os cuidados de equipe multiprofissional que de
forma ímpar construa o cuidado integral nos seus aspectos sociais, familiares, econômicos,
emocionais e cognitivos.  Diante deste fato, estudos apontam impactos na qualidade de
vida, levando em consideração a complexidade diária dessas crianças em função dos sinais e
sintomas, desconfortos físicos, internações e consultas aos ambulatórios de referência. 
(MENEZES, et. al 2013)
Crianças que nascem com doença crônica tem em sua experiência de vida, desde
tenra idade, acompanhamento e intervenções médicas, dores físicas, limitações no
cotidiano, restrições, alterações na imagem corporal, incorporando o cenário hospitalar em
sua rotina e  aprendendo a enfrentar situações adversas. O adoecimento e a hospitalização
trazem para o universo infantil vivências que são ameaçadoras tanto do ponto de vista físico
quanto psíquico (CHERER,2012).  Segundo Gomes e Prochno (2015), o processo de
adoecimento e hospitalização implica em uma desestruturação emocional do sujeito,
abrindo fendas psíquicas que se revelam nos dizeres e nos fazeres dentro da instituição.
Essas vivências nos apontam para a relevância de refletirmos sobre o sujeito diante da
fragilidade humana exposta pelo adoecimento. As crianças com doença crônica apresentam
sofrimento agudo com relação ao diagnóstico e internação hospitalar, com vivências de luto,
sentimentos de desintegração e desproteção (Vargas 2020).
A doença crônica na infância impõe aos sistemas de saúde e aos profissionais que
dela lidam reflexões e intervenções que ajudem na melhor qualidade de vida dos pacientes
acometidos e na compreensão deste caminhar, pesquisas e estudos desenvolvidos
permitiram construir um arcabouço consistente de conhecimentos sobre esta condição que
vem permitindo melhor abordá-las. 
Entretanto, em revisão de literatura (a ser desenvolvida o 1º capítulo deste trabalho) a
respeito do tema, encontramos predomínio da prática hegemônica dos cuidados, revelando-
se através da construção de conhecimentos médicos-biológicos, priorizando manifestações
dos sinais e sintomas orgânicos e fisiopatológicos buscando restabelecimento do organismo
preconizado pelo saber médico (KONDERA, 2015). Esta construção de conhecimento está
voltada para um olhar dos cuidados físicos organicistas, tendo como efeito uma atuação
biomédica traduzida em cuidados permeados por técnicas, estabelecimento de um
relacionamento mais prescritivo, favorecendo a objetividade científica, transformando o
sujeito acometido em objeto de investigação Frente a diagnósticos, internações sintomas sinais
físicos, as demandas e a escuta da criança adoecida ficam em segundo plano.
Sendo assim, entendemos que a criança está presa no discurso vigente da medicina e do
discurso parental que muitas vezes só vê um corpo doente, diagnóstico e terapêuticas voltadas para
prescrições. 
Estudos (Antão, 2019, Castro e Jimenez, 2010, Piccinini, 2002) demonstram que crianças
com doença crônica apresentam risco de ajustamento e comportamentos psicopatológicos .
Observa-se que esses estudos utilizaram instrumentos padronizados de coleta como questionários,
observações, escalas, check-list e inventários.  Esses instrumentos têm a finalidade de capturar os
comportamentos observáveis e diretos, sejam eles através da observação e ou respostas,
objetivando os dados quantitativos e ênfase na leitura dos sinais e sintomas.  Estes dados
observáveis têm como finalidade apontar para caminhos de intervenções voltadas para a adequação
da criança ao binômio normal/patológico. Contribuindo para a lógica da supressão dos sintomas e
exclusão da subjetividade. 
 Outros trabalhos lançam sobre a criança um olhar desenvolvimentista, isto é, consideram a
criança como ser em processo de formação e incompleto, acreditando que a compreensão da criança
seja permeada pela compreensão dos adultos cuidadores, havendo quase uma indiferença referente
à compreensão e percepção da criança sobre sua doença (KODERA 2015). Acrescenta-se a este fato a
dificuldade de leitura do funcionamento dada pela própria condição do infans, pais são chamados a
responder pela criança em forma de informantes da medicina e não como sujeitos a contribuir com
sua subjetividade. 
Entretanto, poucos estudos na temática do doente crônico abrem espaço para compreender
aspectos do adoecimento do corpo na constituição da subjetividade. Estamos falando aqui de corpo 
e não de organismo como a medicina se ocupa. Para a Psicanálise o corpo é mais que um organismo
que pulsa, trata-se o corpo pulsional, recoberto por fantasias e palavras ( MORETTO 2006)

 Crianças acometidas por doença crônica, além de lidar com desafios do próprio
desenvolvimento infantil, enfrentam perdas, lutos e ocupam um lugar dos discursos médicos e
parental, sempre permeados por um lugar de doente crônico somente.  Pavone (2014)  nos coloca
que impactos orgânicos podem tornar-se um entrave à constituição,  uma vez que este traço possa
ser o único reconhecido pelo pais, impactando assim, que os pais fizessem sua função de constituinte
do sujeito.
O cuidado da criança com doença crônica exige além dos cuidados técnicos aplicados
adequadamente para seu tratamento e reabilitação, também necessitam da compreensão através da
escuta deste processo na vida dos pacientes. A criança desde seu nascimento é falada, porém pouco
se fala com ela. François Ansermet (2003) em sua experiência na clínica, aponta:
   Trabalhar como analista em pediatria supõe levar em conta não somente a realidade física da
doença, mas também o lugar ocupado por ela na realidade psíquica do sujeito. Essa distinção
entre realidade física e realidade psíquica é um pré-requisito essencial para qualquer colaboração
entre um psicanalista e um pediatra junto à criança doente. Para isso, o psicanalista deve
contrariamente ao médico, preservar na sua relação com o paciente o que poderíamos designar
como o lugar da ignorância: deixar aberta a escuta do corpo tal qual ele aparece na dimensão
subjetiva, o corpo falante que apenas o paciente pode revelar (p. 15). 

Considerando a importância das experiências dos primeiros vínculos na constituição do


sujeito (Gueller, 2011) e as repercussões do funcionamento psíquico ao longo do desenvolvimento,
se fazem necessários estudos que caminhem na direção de compreender os impactos do adoecer na
constituição psíquica ainda em construção desta criança e seus efeitos no desenvolvimento
A presente proposta de pesquisa advém da constatação da complexidade do processo de
adoecimento e que envolve componentes para além da dimensão biológica, cognitiva e emocional,
implica que em reflexões acerca da criança como protagonista de seu processo e escuta do sujeito
em suas dimensões simbólicas.  Carvalho (2011)  refere que a escuta do real que se impõe para que
as crianças possam  simbolizar  algo dessa experiência. Escuta aqui considerada como efeito da
relação de um sujeito à fala (LOURDES, 2003). 

OBJETIVO : O presente trabalho buscou identificar marcas do sofrimento psíquico na escuta 


de crianças com doença crônica. 

  
Daqui para baixo estava igual ao início do projeto.  Deixei somente para relembrar um pouco
o que já tinha colocado

MÉTODO:
Trata-se de um estudo clínico qualitativo  MINAYO (2002), fundamentado no campo teórico
psicanalítico. Participantes da pesquisa:
Crianças de 06 a 12 anos portadores de doença crônica internadas em unidade hospitalar
para tratamento de descompensações clínicas decorrentes da doença orgânica de base no
período de agosto de 2021 a agosto de 2022, que aceitem participar do estudo, e assinem o
termo de Assentimento e o Termo de Consentimento.

Cenário do estudo:
O estudo será desenvolvido em um hospital, no município de São Paulo.  A escolha deste
cenário se deu pelo fato de o referido hospital ter cunho de assistência, ensino e pesquisa,
ser terciário e referência de vários tipos de patologias crônicas.
Critérios de inclusão:
Crianças portadoras de doença crônica atendidas regularmente na Enfermaria, com
possibilidades e interesse em participar da pesquisa.
Critérios de exclusão:
Crianças portadoras com as mesmas condições acima, mas com acometimentos severos de
desenvolvimento e dificuldades na comunicação.

PROCEDIMENTO
As crianças e suas famílias serão convocadas a participar da pesquisa pela pesquisadora.
Etapa 1:
a) Entrevista semiestruturada com familiares e/ou cuidadores para identificar em seu
discurso, as marcas do sofrimento psíquico em relação ao processo de adoecimento da
criança portadora de doença crônica.
b) Entrevista com as crianças em situação semi lúdica para identificar em seu discurso, as
marcas do sofrimento psíquico em decorrência do processo de adoecimento
c) Coleta de dados do prontuário de cada criança para um delineamento de seu estado
clínico.
Etapa 2: análise dos dados
Os dados serão analisados pela metodologia da análise de discurso de vertente francesa,
para observar a complexa rede de fatores que aí intervêm: suas condições de produção, os
lugares ocupados pelo sujeito na enunciação, os fatores histórico-sociais, a memória
retomada, o suporte que o sustenta.
Etapa 3: a intervenção
A partir da interpretação das manifestações nas narrativas das crianças portadoras de
doença crônica, identificar emoções, fantasias, pensamentos e angústias e através da escuta
acolhedora espera-se oferecer continência, fortalecendo as competências emocionais,
E espaço para elaborar conflitos e construir uma via para a significação desta vivência. Este
espaço de continência analítica contribui para que os aspectos emocionais sejam
compreendidos, compartilhados e nomeados, favorecendo a evolução do que é da ordem do
corpo ao psiquismo, das sensações a emoções e das percepções às representações.

RESULTADOS ESPERADOS
Proporcionar melhor compreensão do  sofrimento psíquico da criança portadora  de
doença crônica, possibilitando através das narrativas construção de sentido e elaboração  a
experiência emocional vivenciada no processo de adoecimento.
Através da identificação das marcas de sofrimento promover acolhimento e ampliação
da escuta atenta para a narrativa dos sujeitos envolvidos na pesquisa,  promovendo 
transformações e impactos significativos na clínica do cuidado. 
Contribuições para enriquecer a investigação e o desenvolvimento psíquico da criança
portadora, dando ênfase ao processo singular e subjetivo envolvido no processo de adoecer.
Fortalecendo a capacidade de elaboração emocional dessa vivência. 
Compartilhar  e enriquecer o  conhecimento dos  profissionais envolvidos no cuidado
da criança portadora de doença crônica.
Reconhecimento das necessidades de intervenção  oportunas  a partir da compreensão
dos aspectos emocionais apresentados na narrativa da criança portadora de doença crônica. 

Promover acolhimento e ampliação da escuta atenta para a narrativa dos sujeitos envolvidos
na pesquisa, promovendo transformações e impactos significativos na clínica do cuidado.

Etapa 4: a intervenção 
Durante nossa prática clínica, algumas inquietações foram surgindo e tornaram-se
objeto de nossos questionamentos. Um deles refere-se a como  se dá a constituição  psíquica
de um sujeito que se vê atravessado em seu desenvolvimento com vivências de ser  portador
de uma condição crônica. O adoecimento  e suas implicações podem se constituir como um
excesso de estímulo à mente.  
A partir da compreensão das manifestações expressadas nas narrativas das crianças
portadoras de doença crônica,  podemos identificar a comunicação das emoções, fantasias,
pensamentos e angústias e através da  escuta empática e acolhedora espera-se oferecer
continência, fortalecendo as competências emocionais, espaço para elaborar conflitos   e
construindo caminho para a significação desta vivência.   Este espaço de continência analítica
contribui para que os aspectos emocionais sejam compreendidos, compartilhados e nomeados,
favorecendo a evolução do corporal aos psiquismos, das sensações a emoções e das
percepções às representações. 
Ética: A pesquisa deverá ser submetida ao comitê de ética

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHERER E & Col. Repercussões psíquicas do adoecer: um relato de atendimentos na nefrologia


hospitalar. Psicologia: teoria e prática, v. 14, n. 2, p. 66-73, 2012

CORTEZ,  A. C. L, et al.  Aspectos gerais sobre a transição demográfica e epidemiológica da


população brasileira.  v. 18 n. 5 (2019): Enfermagem Brasil v 18.

GOMES, D. R. T & PROCHNO, C. C. S. C. O corpo-doente, o hospital e a psicanálise:


desdobramentos contemporâneos? Saude soc., São Paulo, v. 24, n. 3, p. 780-791, Sept.  2015.  
Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
12902015000300780&lng=en&nrm=iso>. access on 16  May  2021.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
12902015134338.

GUELLER, A. Atendimento psicanalítico de crianças. Gueller e Cols. Editora Zagodoni. 2011


MINAYO. M. C. S. & Col. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ. Vozes. 2002.

PAVONE, S., ABRÂO, L.V.  Quando um déficit ou doença orgânica bate à porta do imaginário
parental: Os efeitos na constituição subjetiva da criança. Distúrbio da Comunicação.  v. 26 n. 2 (2014) 

VARGAS. D. M. Et al. Um olhar psicanalítico sobre crianças e adolescentes com diabetes


Mellitus tipo 1 e seus familiares, Rev.Psicol.Saúde. Campo Grande, v.12, n.1, p.87-100, abr.
2020. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-
093X2020000100007

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