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Damarso, M. E. M., Suguihura, A. L. & Wechsler, A. M. (2017). Psico-oncologia infantil e o brincar.

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Psico-oncologia infantil e a importância do brincar no
enfrentamento da doença

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Maria Emília Matos Darmaso
Ana Luisa Magaldi Suguihura
Centro Universitário UNIFAFIBE
Amanda Muglia Wechsler
Pontifícia Universidade Católica de Campinas

RESUMO: O adoecer traz uma série de perdas, limitações e exposições a estímulos aversivos. Além de
precisar lidar com a doença e o tratamento em si, o indivíduo se vê frente a mudanças em sua rotina e
estilo de vida. A vivência do câncer infantil gera a necessidade de uma série de adaptações e
ajustamentos da criança a novos estímulos. Este artigo visa compreender a importância do instrumento
lúdico para o enfrentamento do câncer infantil, pois este recurso é considerado um meio da criança
expressar os sentimentos e também é utilizado como meio de comunicação e compreensão dos
procedimentos aversivos aos quais as crianças são submetidas durante o período de internação. Deste
modo, o artigo tem como objetivo refletir sobre o papel do lúdico dentro do contexto hospitalar relacionado
ao câncer pediátrico. Para isto, foram realizadas leituras de material bibliográfico para compreender e
refletir sobre o papel deste instrumento no período de internação infantil. Pode-se concluir que o objeto
lúdico é considerado um instrumento facilitador e mediador utilizado pelo profissional de Psicologia, tendo
a finalidade de auxiliar a criança durante o período de internação. Sendo assim, este recurso visa
contribuir para o desenvolvimento infantil e também pode proporcionar à criança bem-estar físico e
psíquico durante o período em que estiver hospitalizada.

Palavras-chave: Psico-oncologia pediátrica. Hospitalização infantil, Brincar.


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Pediatric psycho-oncology and the importance of playing on


dealing with the illness

This article aims to comprehend the importance of the ludic instrument to dealing with infant cancer, since
this resource is considered a way of the child express their feelings and also can be used as a mean of
communication and understanding of the aversive procedures that the children are put in during the
hospitalization. This way, the article aims to reflect the ludic role inside of the hospital context related to the
pediatric cancer. For this was realized a reading of bibliographic references to comprehend and reflect the
paper of this instrument on the period of infant hospitalization. It can be concluded that the ludic instrument
could be consider as a facilitator and helpful instrument used by the psychologist, therefore this resource
has the goal to contribute for the infant development and also it could provide a physical and mental well-
being to the child during their hospitalization.

Keywords: Pediatric psycho-oncology, Infant hospitalization, Play.

1
Maria Emília Matos Darmaso. End. Correspondência: Av. João Gurjon, nº 62, 147333-000, Marcondesia, SP, Brasil, e-mail:
maah_darmaso@hotmail.com

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hospitalar, com intuito de contribuir para elaboração
Introdução e enfrentamento do tratamento do câncer infantil.

Uma criança ao ser diagnosticada com O câncer infantil e implicações psicológicas


câncer passa por grandes alterações em sua vida
social, familiar e pessoal, ocasionando mudança de O câncer é um grupo de diversas patologias,
rotina e sendo submetida a tratamentos invasivos e em que ocorrem diversas mutações nas células.
dolorosos, além de possíveis períodos de internação. Estas, ao se reproduzirem, acabam entrando em
Devido à ausência de suas atividades diárias, que contato com tecidos e órgãos e, assim, se
eram realizadas no contexto social e familiar, a multiplicando por todo o corpo do indivíduo (Instituto
criança acabará sentindo–se angustiada, com medo Nacional do Câncer [INCA], 2016).
do abandono de seus familiares e também dos De acordo com dados do INCA (2016), o
procedimentos aos quais será submetida diante da câncer já é a primeira causa de morte em crianças e
nova rotina dentro do contexto hospitalar, devido ao adolescentes no Brasil. Nos anos de 2016 e 2017,
período de hospitalização. estão previstos 12.600 novos casos de câncer
Ao serem internadas, as crianças passam a pediátrico. Muitas variáveis podem influenciar no
fantasiar questões relacionadas aos tratamentos desenvolvimento de uma neoplasia, como fatores
médicos, devido à internação, exames e injeções ambientais e fatores genéticos, apesar destes não
que são realizadas ao longo da hospitalização. Com estarem totalmente claros quando se aborda o
isto, medos, angústias, dores físicas e emocionais câncer pediátrico. Um diagnóstico precoce é
começam a ser manifestadas. Deste modo, cabe ao essencial para que o tratamento específico seja
profissional de saúde acolher e auxiliar a criança realizado, de forma a conseguir a cura da doença
durante o período em que estará internada. (Cardoso, 2007 como citado em Associação
Muitas vezes, as crianças hospitalizadas não Brasileira do Câncer [ABC], 2007).
compreendem o que está acontecendo consigo e Ao receber o diagnóstico de câncer toda
nem mesmo conseguem nomear os sentimentos que família passará por mudanças, como por exemplo, a
são ocasionados devido à internação. Assim, o rotina será modificada diante da hospitalização da
lúdico é inserido dentro do contexto hospitalar com o criança. Desta forma, a doença acabará
objetivo de auxiliar o profissional de Psicologia influenciando na vida social do cuidador, pois este
durante as intervenções, com objetivo de fornecer terá que abandonar muitas de suas atividades para
para a criança as condições necessárias para dedicar-se à criança e suas necessidades. Estas
adaptação, reestabelecimento e compreensão do mudanças acabam intervindo na maneira em que o
quadro clínico e dos procedimentos aos quais será cuidador enfrentará a situação, pois o mesmo muitas
submetida, podendo, assim, colaborar para o vezes se sente impotente e responsável pelos
enfrentamento do tratamento do câncer infantil. procedimentos que serão realizados, gerando
Deste modo, o brincar proporciona à criança sentimentos de tristeza, angústias e medo diante das
hospitalizada meios de desenvolver novos incertezas sobre o futuro da criança (Bessa, 1997;
repertórios de enfrentamento da doença, além de ser Lima 1995 como citado em Santos & Gonçalves,
uma estratégia para diminuir as ansiedades, 2008).
angústias, medos e incertezas, pois ao se relacionar A vida da criança também passará por
com o objeto lúdico elas estarão se expressando. muitas transformações, devido às internações e a
Portanto, cabe ao profissional de saúde mudanças de hábitos e rotina. Assim, a criança
compreender e interpretar os conteúdos passará a maior parte de seu tempo dentro do
manifestados e auxiliar a criança no enfrentamento contexto hospitalar, com pessoas diferentes, sendo
do tratamento oncológico. submetida a vários exames e tratamentos que irão
O presente trabalho tem a finalidade de afetar seu desenvolvimento e provocar sentimentos
compreender e refletir sobre o papel do lúdico de medo, ansiedade e insegurança (Menezes et al.,
durante o período de hospitalização de crianças com 2007).
câncer, devido a este instrumento ser considerado Durante a hospitalização a criança terá sua
um facilitador e mediador durante as intervenções vida modificada, se afastando do contexto familiar,
realizadas pelo profissional de psicologia no contexto escolar e social, além de ter que passar por
procedimentos invasivos e dolorosos. A
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hospitalização pode causar na criança sequelas & Smith, 2007 como citado em Fiaes & Bichara,
psicossociais, como ansiedade, depressão, solidão, 2009).
medo dos procedimentos médicos, medo da morte, Assim, Rolim, Guerra e Tassigny (2008)
revolta por estar doente, culpa, raiva, agressividade esclarecem que o brincar é fundamental em todas as
diante da situação, e uma restrição em seu brincar, fases da vida, principalmente na infância, pois
algo fundamental para o seu processo de proporcionam momentos de diversão, distração,
desenvolvimento. Todos estes fatores podem ser conhecimentos, aguça a imaginação e a criatividade,
desencadeados pelas restrições impostas pela além de contribuir com o processo de ensino-
hospitalização ou também por condições pré- aprendizagem. Nessa visão, Aragão e Azevedo
existentes, anteriores ao diagnóstico de câncer (2001) explicam que o lúdico auxiliará a criança em
(Cardoso, 2007). seu desenvolvimento, pois proporciona meios da
Portanto, o hospital acaba sendo um criança relacionar-se com o mundo, e desenvolvendo
ambiente aversivo, no qual a criança acaba comportamentos adaptativos para cada ambiente.
perdendo sua identidade pessoal, suas crenças, Ainda, os brinquedos são considerados
costumes diários, rotina e valores, contribuindo instrumentos mediadores para o desenvolvimento
assim com o processo de despersonalização. Neste infantil, contribuindo para o desenvolvimento
sentido, ao ser inserido no contexto hospitalar o cognitivo, afetivo e social infantil. Ao brincar, a
indivíduo passará a ter que se adequar às novas criança conseguirá desprender-se da realidade, das
rotinas e regras do ambiente, perdendo a sua situações do cotidiano e passará a entrar em contato
identidade (Fongaro & Sebastiani, 2003 como citado com seu mundo imaginário através dos brinquedos,
em Valverde, 2011). começará a vivenciar suas fantasias ao
relacionarem-se com o objeto (Rolim, Guerra &
O brincar e a importância para o Tassigny, 2008). Durante as brincadeiras, a criança
desenvolvimento infantil começará a desenvolver concentração, memória,
comunicação verbal e não verbal e raciocínio,
Conforme discussão de Figueiredo (2004), a contribuindo assim com o desenvolvimento cognitivo
brincadeira é fundamental para o desenvolvimento infantil (Moraes, 2001 como citado em Macarini &
infantil, porém muitos adultos não compreendem a Vieira, 2006). De acordo com Vygotsky (1984-1998),
função deste instrumento para o processo de é preciso entender e compreender as necessidades
desenvolvimento da criança. Desta forma, acabam e também os incentivos oferecidos através do
entendendo que ela se refere apenas a uma brinquedo à criança, pois somente assim será
recreação e/ou divertimento, não percebendo que a possível observar em qual estágio de
brincadeira proporciona à criança uma construção de desenvolvimento cognitivo a criança se encontra.
conhecimentos e potencialidades, ou seja, É interessante também ressaltar que o
proporciona um aprendizado de várias habilidades. desenvolvimento cognitivo infantil é constituído a
Com base nisso, Vygotsky (1984a-1998b) partir das relações entre os indivíduos, ou seja, é
esclarece que, ao nascer, a criança possui poucas fundamental a relação social para o desenvolvimento
habilidades, devido a não ter interação com os infantil, através desta relação às crianças vão
ambientes social, familiar e escolar. Quando bebê, o adquirindo novos conhecimentos, contribuindo
instrumento lúdico tem como objetivo proporcionar também, segundo Coelho e Pisoni (2012), para o
meios de satisfazer as necessidades, que estão desenvolvimento relacionado a memória, percepção
relacionadas aos desejos pessoais da criança e e concentração. Portanto, a relação com o meio
tendem a ser supridos imediatamente. contribui com o processo de aprendizagem, esta que
Especificamente, quando começam a é oferecida através das relações sociais e através do
frequentar o contexto escolar, o instrumento lúdico contato com o lúdico, pois ao brincar a criança está
passa ter uma função diferente daquela imediata. contribuindo para seu desenvolvimento psíquico.
Assim, o brinquedo é utilizado de forma imaginária Além disso, o brincar permite a aquisição de novos
como meio de suprir os desejos pessoais. Nesse repertórios comportamentais, que são aprendidos
sentido, com o passar do tempo e com a interação através da relação com o meio em que está inserida.
com o meio social, as crianças passarão a Além disso, por um lado o brincar favorece
desenvolver novas habilidades fundamentais para o também as habilidades motoras, que estão
seu processo de desenvolvimento (Pellegrini, Dupuis relacionadas a brincadeiras que envolvem

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movimentações físicas, como, por exemplo, processo de suporte educacional. Este processo de
coordenação, equilíbrio e agilidade (Pellegrini & aprendizagem também pode ocorrer devido à
Smith 1998 como citado em Pereira & Bonfin, 2009). relação da criança com os objetos lúdicos.
Portanto, de acordo com De Souza (2000) as Durante as atividades lúdicas, a criança, ao
Habilidades Cognitivas também são expressas na se relacionar com os brinquedos, passará a
brincadeira infantil, e facilita a aprendizagem, desenvolver e compreender assuntos e questões
compreensão, criatividade, resolução de problemas e que antes não conseguia, portanto, devido ao
armazenamento de conteúdos importantes para o aprendizado que foi adquirido ao relacionar-se com
processo de desenvolvimento da criança. objeto lúdico e também devido à relação com outras
Por outro lado, o brincar também contribui pessoas, passará a compreender e adquirir novos
com o desenvolvimento afetivo/emocional infantil. O conhecimentos e habilidades diante as situações às
desenvolvimento afetivo está relacionado ao quais está exposta (Oliveira, 1995 como citado em
autoconhecimento: a criança começará a Rolim, Guerra & Tassigny, 2008).
compreender suas próprias atitudes diante das Portanto, o brincar é essencial em todo
situações durante as brincadeiras, poderá identificar processo de desenvolvimento e pode ser realizado
semelhanças em outros indivíduos e também poderá em qualquer contexto. Assim, este instrumento foi
expressar seus sentimentos e ansiedades durante as inserido no ambiente hospitalar com objetivo de
brincadeiras (Macarini & Vieira, 2006). Concluem De auxiliar no processo da hospitalização infantil e
Souza (2000) e Dohme (2003) que a brincadeira irá contribuir com a aceitação do paciente na internação,
influenciar na obtenção de autoconhecimento, proporcionando qualidade de vida às crianças ao
paciência e tolerância à frustração. Desta forma, é brincar (Brito et al., 2009).
essencial que as crianças sejam estimuladas a Segundo Soares e Zamberlan (2001), o
brincar, pois é através do brinquedo que começam a instrumento lúdico tem um papel efetivo na
desenvolver a sua construção e comunicação com o hospitalização infantil, pois a criança ao se deparar
mundo. com um ambiente no qual pode brincar, sentir-se-á
Também, o brincar contribui com o mais tranquila e relaxada. Desta forma, este
desenvolvimento social infantil, devido à interação da instrumento acaba proporcionando bem-estar às
criança com outras pessoas e em diferentes crianças com câncer, pois fornece formas de a
contextos (familiar, social e escolar), contribuindo criança expressar seus medos, angústias e
para as trocas de experiências, proporcionando ansiedades.
habilidades para desenvolver atividades em equipe, Neste sentido, ao brincar a criança explora
cooperação e respeito às regras (Macarini & Vieira, seu mundo imaginário, encontra meios de expressar
2006). seus sentimentos, além de reviver as situações que
Desta forma, Figueiredo (2004) justifica que, são ou foram traumáticas (Aberastury, 1972 como
ao relacionar-se com o objeto lúdico, a criança estará citado em Rolim, Guerra & Tassigny, 2008).
expressando sua autonomia e passará a Portanto, o brinquedo permite que a criança supere,
compreender as regras impostas pelo ambiente no enfrente e compreenda situações delicadas, como o
qual está inserida. Através da ludicidade, a criança tratamento oncológico.
poderá aprender regras e métodos de expressar seu
mundo imaginário. O brincar na psico-oncologia pediátrica
Sendo assim, todas as brincadeiras
proporcionam às crianças o desenvolvimento Durante a internação, as crianças precisam
proximal, conceito denominado por Vygotsky (1984- receber o tratamento médico e psicológico de acordo
1998) que está relacionada ao que as crianças com a sua faixa etária e condições clínicas, de tal
conseguem realizar sozinhas e o que não forma que os profissionais de saúde consigam
conseguem, portanto necessitam de ajuda e apoio compreender as suas dores físicas e psicológicas,
de um indivíduo com mais experiência que possa amenizando-as e preservando, na medida do
auxiliá-las neste processo de aprendizagem. Sendo possível, o seu desenvolvimento normal. Deste
assim, a relação com outras pessoas fornece às modo, um instrumento que é inserido dentro da
crianças novos conhecimentos e habilidades rotina hospitalar é o brincar, é considerado um
intelectuais e sociais, devido ao apoio e orientação recurso que auxiliará e contribuirá para o
que lhes são proporcionados durante todo o

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desenvolvimento e enfrentamento do tratamento no com os familiares que os acompanham (Whaley &
período da internação (Silva et al., 2011). Wong, 1989 como citado em Aragão & Azevedo,
Sendo assim, é necessário que os 2001). Através do brincar, as crianças acabam
profissionais de saúde ofereçam às crianças expressando suas necessidades, desejos e
hospitalizadas intervenções que ajudem no processo sentimentos, pois muitas vezes não conseguem
de aceitação e também que reduzam o risco de manifestar verbalmente estes conteúdos, mas ao se
agravamento da doença, portanto uma intervenção relacionar com os mais diversos objetos lúdicos as
elaborada é fundamental para oferecer qualidade de crianças tendem a demonstrar estes conteúdos
vida às crianças e também aos familiares que os internos, portanto cabe ao profissional compreendê-
acompanham durante o procedimento oncológico los e interpretá-los (Motta, Enumo & Ferrão, 2006
(Motta & Enumo, 2010). Relatam Soares e como citado em Borges, Nascimento & Silva, 2008).
Zamberlan (2001) que o lúdico é utilizado durante a Desta forma, o lúdico dentro do ambiente
hospitalização infantil como um instrumento hospitalar poderá ser utilizado para obter os mais
facilitador que auxilia o paciente para adaptação e variados resultados, estes que podem estar
enfrentamento da doença, proporcionando relacionados à melhora do quadro clínico,
relaxamento, bem-estar, meios de expressar seus compreensão dos procedimentos médicos, adesão
sentimentos e qualidade de vida às crianças aos tratamentos, bem-estar físico e psicológico. Os
internadas. materiais lúdicos são classificados em: brinquedos
Portanto, este recurso utilizado durante a livres e brinquedos dirigidos, ou seja, cada um
internação infantil tem como objetivo proporcionar às destes possui funções diferentes. Os brinquedos
crianças meios de desenvolvimento pessoal, classificados livres são acompanhados por um
contribuindo com o ensino-aprendizagem, profissional que irá observar todo o processo de
socialização, autoconhecimento, compreensão das interação da criança com o objeto que lhe foi
situações às quais estão expostas no contexto onde oferecido e este responsável tende a destacar para
estão inseridas, além de proporcionar momentos de criança os assuntos que são manifestados durante a
lazer e divertimento ao relacionar-se com o objeto brincadeira, possibilitando à criança uma
lúdico. Ainda tende a contribuir para a compreensão compreensão e elaboração dos acontecimentos e
e aceitação dos procedimentos que serão realizados situações. Os brinquedos classificados como
pela equipe de saúde (Kumamoto, 2006). dirigidos, em que o profissional organiza e estrutura
Ainda dentro dessa perspectiva, Frota et al. toda a brincadeira, têm como objetivo trabalhar com
(2007) apontam que o lúdico é um recurso utilizado a criança assuntos específicos, que envolvem
pelo profissional de psicologia que tende a questões consideradas problemáticas, sendo assim
proporcionar às crianças meios de expressar os o profissional, com auxílio dos objetos lúdicos,
sentimentos diante da internação, com intuito de fornecerá à criança uma melhor compreensão e
minimizar o sofrimento psicológico e físico durante a elaboração dos assuntos considerados importantes
relação com o simbólico. Sendo assim, as (Chiattone, 1988 como citado em Oliveira, Dias &
brincadeiras irão proporcionar meios de socialização, Roazzi, 2003).
pois ao brincar a criança terá de compartilhar os Durante as brincadeiras, a criança tende a
brinquedos com as demais crianças hospitalizadas e sentir-se mais relaxada e calma, devido à relação
também com o profissional que estará realizando a com os brinquedos que são oferecidos durante o
intervenção, deste modo o brincar irá contribuir com período de internação, podendo assim expressar
o desenvolvimento de habilidades relacionadas à suas angústias e contribuindo com a diminuição do
cooperação e diálogo, colaborando também com estresse e os medos produzidos pelos
desenvolvimento global da criança hospitalizada. procedimentos dolorosos (Whaley & Wong, 1989
As crianças hospitalizadas ao brincar como citado em Soares & Zamberlan, 2001).
acabam desenvolvendo métodos para manifestar O lúdico não é utilizado somente para
seus sentimentos através do objeto lúdico, recreação e divertimento. Ele também é considerado
colaborando assim com o processo de facilitador durante o processo de internação infantil,
desenvolvimento pessoal e também social, pois a por proporcionar à criança e aos familiares meios de
ludicidade proporciona às crianças, meios favoráveis enfrentamento, compreensão e qualidade de vida
de lidar com o processo de internação e de se diante dos procedimentos invasivos, portanto é
comunicar com os profissionais da saúde e também fundamental que, durante a realização das

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brincadeiras, o profissional de saúde proporcione o instrumento lúdico como ferramenta, pode-se obter
momentos de compreensão e adaptação da criança resultados significativos diante a internação da
durante os procedimentos aos quais é submetida criança com câncer, pois este recurso contribui para
(Soares & Zamberlan, 2001). o desenvolvimento, compreensão e enfrentamento
da hospitalização no tratamento do câncer infantil.
Métodos O brincar é fundamental durante o
desenvolvimento infantil, e também no período de
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica cuja hospitalização da criança, pois através desse recurso
coleta de dados foi realizada através de busca ela poderá expressar e manifestar os conteúdos
eletrônica nas bases de dados Google Acadêmico, ocasionados pela nova rotina dentro do contexto
Scielo, site do INCA e na biblioteca do Centro hospitalar e sobre os tratamentos aos quais está
Universitário UNIFAFIBE, de acordo com o interesse sendo submetida. Assim, o lúdico é um recurso que
temático. Desta maneira, a pesquisa foi baseada em auxiliará a criança durante este período, promovendo
coletas de artigos e livros, que foram encontrados adaptação e compreensão de sua doença, sendo um
com auxílio das palavras-chaves: brincar, câncer instrumento benéfico durante o período de
infantil, hospitalização infantil, lúdico no hospital, internação infantil (Soares & Zamberlan, 2001).
psico-oncologia e psicologia hospitalar.
Foi realizada leitura exaustiva de artigos Considerações Finais
científicos nacionais e livros, publicados entre os
anos de 1998 e 2016. Os materiais consultados O presente artigo se propôs a discutir
tinham como temas abordados o recurso lúdico com aspectos relacionados ao instrumento lúdico,
crianças de nove meses a 12 anos de idade no utilizado na Psico-oncologia como um recurso para
período de hospitalização para tratamento auxiliar o profissional durante a intervenção com as
oncológico. crianças internadas com finalidade de contribuir para
o enfrentamento adequado e compreensão do
Resultados e Discussão câncer infantil.
O brincar está presente em todos os
A fim de cumprir o objetivo do presente contextos e é essencial para o desenvolvimento
trabalho, através de leituras de material bibliográfico, infantil. Então, quando uma criança é hospitalizada,
pode-se constatar que o instrumento lúdico este recurso é inserido no contexto hospitalar como
proporciona à criança hospitalizada qualidade de instrumento facilitador durante o período de
vida, bem-estar e meios de expressar os sentimentos internação.
diante as inúmeras situações aversivas às quais é Desta forma, o presente instrumento
exposta durante o período de internação. proporciona à criança enferma qualidade de vida,
Quando abordado o tema brincar nos meios de comunicação e expressão de seus
materiais consultados, pode-se constatar que o sentimentos e adaptação diante das situações
presente recurso obteve resultados positivos, pois as aversivas que são ocasionadas devido ao período de
crianças, ao se relacionarem com os objetos lúdicos, internação. Ao se relacionar com o objeto simbólico,
tendem a expressarem seus medos, angústias e a criança poderá expressar seu mundo interno, suas
incertezas diante o período de internação. Portanto, dúvidas e incertezas.
este instrumento proporcionou às crianças Sendo assim, cabe ao profissional de
hospitalizadas meios de minimizar os efeitos Psicologia compreender e interpretar os conteúdos
aversivos ocasionados pela internação. Devido à manifestados pela criança ao se relacionar com o
relação com o lúdico, pode-se constatar que as objeto lúdico, e assim auxiliá-la na compreensão e
crianças obtiveram uma melhor compreensão dos enfrentamento adequado dos procedimentos
procedimentos aos quais eram submetidas, e médicos, das mudanças de rotina e de suas
também foram evidenciados reestruturação e limitações, impostas pelo período de hospitalização.
fortalecimento de vínculos. Este instrumento Portanto, a utilização do instrumento lúdico é
demonstrou contribuir para o enfrentamento considerada benéfica para a criança enferma, pois
adequado do tratamento do câncer. propicia desenvolvimento integral, além de
Foi possível constatar que, com uma proporcionar qualidade de vida e meios de
intervenção bem elaborada e estruturada, utilizando enfrentamento do tratamento do câncer pediátrico.
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Recebido em 25/05/2017
Versão final em 30/09/2017
Aceito em 02/10/2017

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