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Resumo: Este ensaio faz uma relação entre a teoria e a prática do Psicodrama com crianças
discutindo sobre suas raízes e transformações.
Unitermos
O psicodrama não exige um espaço determinado para que o trabalho terapêutico aconteça,
podendo ocorrer no consultório, na escola ou até mesmo na via pública, além de não se limitar
apenas no encontro entre duas pessoas – terapeuta e cliente, mas, podendo, ainda, envolver
grupos.
Diante desse quadro, vem a pergunta: Como trabalhar esse pequeno ser que não tem a
objetividade de um adulto, por se encontrar, ainda, em fase de formação, e muitas vezes,
sequer consegue expressar verbalmente seus medos, angústias ou alegrias? Faz-se necessário,
pois, conhece-lo em sua totalidade, e, para que isso possa acontecer, é preciso que o
profissional seja um bom entendedor das teorias do desenvolvimento infantil, das teorias de
personalidade, mas, principalmente, que entenda bem psicopatologia, de modo a poder
identificar os males que rodeiam o contexto existencial da criança.
No trabalho psicoterápico infantil, o profissional precisa, ainda, resgatar a sua própria criança
interior, para que esta, juntamente com a criança-cliente permita que o material terapêutico
flua, criando a aliança indispensável no fortalecimento do vínculo terapêutico que gera
confiança, fator preponderante para uma verdadeira entrega. Petrilli (2000, p.357) afirma que
“o fascinante estado de disponibilidade, o estar pronto para estar junto e aquecido para a
improvisação são, no meu entender, o melhor instrumento de que alguém pode dispor no
papel de psicoterapeuta”.
O psicodrama com crianças apresenta-se como uma proposta muito adequada a esse tipo de
atendimento, com resultados eficazes, visto que é no “aqui-e-agora” que se trabalha o “como
se”. E essas vivências vêm repletas de imaginação e simbolização, revelando, então, seus
conteúdos emocionais. A criança que vem para a psicoterapia possui um sofrimento interior
manifestado por algum tipo de sintoma físico ou psíquico, ou seja, está fragilizada.
O melhor modo de se ter acesso ao público infantil é através do “brincar”, onde por meio do
conteúdo imaginativo são colocados os conteúdos reais, possibilitando, desse modo, uma
melhor forma de acesso ao seu mundo subjetivo.
Não se pode esquecer que esse tipo de atendimento apresenta-se como um desafio para o
psicoterapeuta, já que ele deve estar aberto e pronto para situações inesperadas, mas,
principalmente, para o brincar e seus significados, liberando o poder imaginativo, fantasiando
e simbolizando suas brincadeiras, visto que, apenas assim estará à altura de uma criança e de
um atendimento adequado.
Na visão de Bermúdez (1997), a terapia psicodramática conta com uma forma específica de
brincadeira: o teatro de faz-de-conta, isto porque, na representação dramática, agindo “como
se” ou “fazendo de conta que”, a criança expressa o que atinge sua sensibilidade, o que dá
prazer ou desprazer e vontade ou medo de aprender. Neste momento, revela o sentimento que
o mundo tem para com ela ou revê, através de papéis imaginários, que é capaz de reconhecer,
imitar e interpretar, visto que, no contexto psicodramático, o indivíduo pode reviver as
situações pelas quais passou, a testar novas maneiras de reagir ou de se comportar em
ocasiões diversas, fora do clima de tensão que a vida real apresenta.
algumas adequações, até porque o protagonista é uma criança, que não dispõe, ainda, da
precisão do adulto já formado.
Oaklander (1980, p.25) enfatiza que é preciso encontrar a explicação no próprio ato
dramático:
[...] através da fantasia podemos nos divertir junto com a criança e também
descobrir qual é o processo dela. Geralmente o seu processo de fantasia é o
mesmo que seu processo de vida. Pode-se penetrar nos recantos mais íntimos
do ser da criança por meio da fantasia. Podemos trazer à luz aquilo que é
mantido oculto ou o que se passa na vida da criança a partir da perspectiva
dela própria.
A máxima expressão infantil ocorre através do brincar, que ensina à criança como lidar com
sua realidade, isto é, expressar suas vivências. Winnicott (1975, p.80) afirma que “é no
brincar e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar
sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self)”. É
inegável, então, que brincando, a criança demonstra comportamentos que provavelmente não
seriam notados em uma situação real, pois ela se mostra por completo nesta atividade, ao
mesmo tempo em que impõe, também, a aprendizagem de regras e limites, elementos
essenciais no desenvolvimento da vida em sociedade.
Moreno (2003, p. 34) afirma que o brincar permite à criança um treinamento para a vida,
preparando-a para, no futuro, enfrentar situações esperadas e inesperadas. Nessa mesma linha,
Gonçalves (1988, p.22) entende que o brincar tem para a criança a mesma conotação que a
dramatização tem para o adulto, permitindo a ela representar seus medos e suas vivências,
porém, é mais espontânea. Assim, sua capacidade de simbolização permite que o fato de
colocar uma capa de super-herói faça com que ela se veja assim. Ainda de acordo com
Gonçalves (1988,p.22) “a criança revela no brinquedo simbólico suas relações com a
realidade. Ela demonstra estar consciente de agir no plano da ficção”.
Eis a razão porque as psicoterapias com as crianças são sempre ludoterapias, ou seja,
situações em que o terapeuta presencia seu “brincar” indispensável ou colabora para que este
ocorra, e no psicodrama a forma específica de brincadeira é o teatro de faz-de-conta, sendo
através de jogos, brincadeiras e histórias, espontaneamente criados, que as crianças procuram
lidar com o mundo que lhe é apresentado.
Alegre (1982, p.186) enfoca três funções importantes para o uso de brinquedos: como
aquecimento, pois ao fornecer dados para uma possível dramatização faz com que diminuam
as defesas e emirjam conteúdos a serem trabalhados; como objetos intermediários na
montagem da cena; e assumindo o papel de algum personagem real durante a dramatização.
Ainda de acordo com o autor (p.190), “os brinquedos dão à criança os elementos através dos
quais pode concretizar, sem necessidade de uma elevada abstração e simbolização de que não
é capaz, as fantasias que tem”.
Piaget (1945) diz que por volta dos 4 a 5 anos a criança, no brinquedo simbólico, quando
desempenha papéis, torna suas representações realísticas ou adequadas à realidade. Ao
constatar-se que a criança, ao mesmo tempo em que atinge maior realidade, através de
imitações mais perfeitas, cada vez mais se distância de sua realidade, está implícito que se
podem distinguir ao menos dos níveis de realidade: a realidade individual ou subjetiva, a nível
de vivências internas, se contrapõe à realidade objetiva, partilhada. As pessoas transitam em
sua experiência de vida diária, constantemente, de um nível de realidade a outro.
A criança, ao brincar de faz-de-conta, está atuando num mundo fictício, que se compõe de
elementos da realidade subjetiva (enquanto a criança expressa suas vivências, sentimentos) e
da realidade objetiva (enquanto ela usa elementos desta realidade e os transmuta). Portanto, a
projeção da realidade subjetiva sobre a objetiva é a recomposição desta última através de
elementos originados da primeira.
Para Winnicott (apud Gonçalves, 1988), o brinquedo, como a ilusão, se processa numa zona
intermediária entre a realidade psíquica interna e a realidade exterior. No brinquedo, a criança
usa os objetos ou fenômenos da realidade partilhada a serviço da realidade interna, pessoal.
Na ficção, ao alterar a realidade objetiva, dá vazão à maneira subjetiva como interpreta o real
partilhado ou à configuração que gostaria que a realidade assumisse. Ao mesmo tempo,
interpreta e experiência, através da representação de papéis, a realidade do outro, de forma a
compreendê-la ou elaborá-la á sua maneira.
A criança que brinca pode manter-se interessada na brincadeira para procurar conhecer
melhor, testar e explorar suas potencialidades, habilidades, imagens, sentimentos e emoções.
A experimentação de novos papéis pode interessar à criança em seus aspectos novos e
desconhecidos. Assim, ela manter-se-ia em situação de brinquedo enquanto esta lhe
despertasse imagens e emoções que ainda não domina, cuja reativação e repetição podem dar-
lhe um sentido de competência. A criança tenderia a fugir das experiências externas
excessivamente carregadas de ansiedade e a manipular as experiências moderadamente
perturbadoras, mas suficientemente desconhecidas para que sua repetição no brinquedo
pudesse interessar-lhe. (ERIKSON, 1963).
A referência das crianças a estados internos como estar bravo, raivoso, e a proposição de
situações como guerras e lutas podem significar que a criança procura, nessas situações,
conhecer suas emoções “negativas”. Por outro lado, a aliança entre membros de um partido
(como Super-Heróis ou policiais), a expressão de afeto entre os companheiros e de amor filial
e paterno (nas dramatizações com temas familiares), pode ser uma forma de explorar e
conhecer melhor sentimentos positivos, ou de aproximação. Da mesma forma, motivada pelo
melhor conhecimento a respeito de si própria, a criança procura também explorar as imagens
e experiências “armazenadas” na memória.
Referências
BRITO, D.J. de. Astros e ostras: uma visão cultural do saber psicológico. São Paulo:
Ágora,1988.
SALLES, Camila Gonçalves, Psicodrama com crianças: uma psicoterapia possível, 4.ed, São
Paulo:Agora, 1988.