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RESUMO
plexo da mãe morta (1983/1988), postu- em que a comunicação ativa com o que é
lando a idéia de uma perda ou depressão percebido objetivamente é repudiada para
que tem lugar na presença do objeto, preservar o núcleo verdadeiro do self.
produzindo buracos no psiquismo e se Assim, de acordo com o autor, é funda-
relacionando a falhas na constituição do mental no trabalho analítico, preservar o
sujeito. Esta noção está presente nos núcleo isolado do self do paciente, permi-
afetos de intensidade de D. Stern (1985/ tindo-lhe vivenciar o isolamento na pre-
1992) e na ênfase dada por Winnicott às sença do analista sem se sentir violado por
relações iniciais como sendo a base da interpretações que varam suas defesas.
estruturação do self e do desenvolvimen- Esta indicação de Winnicott é pre-
to do Eu (1963/1990). Ao pensarmos ciosa, pois resgata o valor positivo da não-
neste segundo modelo, poderíamos dizer comunicação na clínica, evidenciando a
que a angústia não se relaciona à castra- necessidade de o analista suportar o silên-
ção, mas à aniquilação, já que a disponibi- cio do paciente como uma técnica pessoal
lidade afetiva do objeto marca a constitui- para preservar o sentimento de se sentir
ção do sujeito. real. É a partir de sua indicação sobre o
Em nosso trabalho, muitas vezes isolamento como uma proteção contra a
encontramos analisandos que se aproxi- percepção prematura do estado de se-
mam mais de um modelo clínico relacio- paração entre self e objeto que gostaria de
nado a uma clínica do negativo e do vazio apresentar o fragmento de um caso clínico.
– a série em branco, proposta por Green Luiza, seis anos de idade, me foi
– do que de um modelo metapsicológi- indicada por uma colega da área de saú-
co, que tem como referencial o Édipo e a de, em razão de sua timidez, retraimento
castração. Nesse tipo de atendimento, o e, principalmente, de uma situação trági-
lugar do analista no campo transferencial ca vivida recentemente: o súbito desapa-
parece se relacionar a uma função empá- recimento do pai, dado por morto, sem
tica, na qual “sentir-com” o analisando que se produzissem evidências concretas
(Ferenczi, 1928/1992) é muito importante de sua morte. A mãe ocultara o fato da
para propiciar o surgimento de um espaço filha, dizendo que o pai precisara viajar
potencial que respeite e reconheça a ne- com urgência, mas, diante de sua longa
cessidade de um isolamento que propicie ausência, resolveu dizer à menina o que
a comunicação. acontecera, trazendo-a para a análise
“A comunicação se origina do si- logo depois dessa comunicação.
lêncio”, aponta Winnicott (1963/1990), Na entrevista inicial, a mãe relata o
ressaltando a importância da comunica- sofrimento da família diante dessa tragé-
ção silenciosa do infante com os objetos dia que não tem fim, de uma história em
subjetivos para o estabelecimento do sen- aberto, que os impede de sofrer, que os
timento de realidade, ao mesmo tempo impele a esperar, ora com esperança, ora
com desespero, sem descanso possível. por muito tempo, parecendo desvitalizada
Diz, no entanto, que sua filha deveria e retraída. Ao longo deste primeiro tem-
estar em análise há muito tempo em po, passa a escolher minha poltrona como
função de seu retraimento, do “grude” o lugar privilegiado de sua encenação:
com ela ou com a babá, de chupar o dedo inicialmente, faz alguma atividade, mas
constantemente e não conseguir dormir logo, deita-se na minha poltrona em posi-
sozinha. Fala também que tem a impres- ção fetal, polegar à boca, e dorme! Geral-
são que Luiza só se relaciona com ela e, mente, sento-me a seu lado, em silêncio,
apesar de sofrer a perda do pai, nunca mas atenta a seus gestos e movimenta-
teve uma relação intensa e íntima com ção. Ela oscila entre entregar-se ao sono,
ele. ou ficar de olhos fechados, atenta à minha
Luiza permaneceu durante cinco movimentação. Em função da situação
anos em análise, marcados por uma lenta do desaparecimento súbito de seu pai e da
construção de um espaço potencial, atra- impossibilidade de vivenciar um luto, pen-
vés do qual emerge do isolamento e do so, inicialmente, nesta situação de regres-
silêncio em direção a uma comunicação são e isolamento como uma vivência de
que lhe permite começar a testar a exter- desamparo e abandono. No entanto, no
nalidade do objeto e sua sobrevivência. decorrer do tratamento, começo a vis-
lumbrar uma perda ainda mais precoce –
Primeiro tempo: a perda de uma vivência afetiva com a
isolamento e não-integração mãe, que tem muita dificuldade em reco-
nhecer o sofrimento da filha e sua própria
Minha primeira impressão de Lui- dor.
za é de uma menina bonita, séria e desvi- O comportamento regressivo de
talizada. Apesar de arrumada, parece Luiza – deitada na poltrona da analista –
não ligar para seu corpo, com os cabelos indica um isolamento que tem a marca da
caídos sobre seu rosto, como que se comunicação, já que ela só se deita em
escondendo do olhar do outro. Logo esta- minha poltrona, que funciona como um
belecemos uma forma de comunicação espaço de continência onde ela pode ex-
através de desenhos, até que um dia ela perimentar uma não-integração sem an-
me escreve um bilhete dizendo que, dali gústia de aniquilamento. O uso feito aqui
em diante, ela não falaria mais comigo, só da palavra “encenação” se refere à idéia
se comunicaria por meio da escrita. Co- de corporeidade na clínica (Zornig, 2008),
meçamos essa forma de trabalho: ela em que o paciente encena e figura em seu
escreve, eu falo. Falo às vezes por nós corpo aspectos dissociados que ficam
duas, descrevendo a atmosfera da sessão fora de seu discurso e de sua narrativa
e como ela me afeta. Luiza não consegue verbal. A encenação se refere a um
prender a atenção em nenhuma atividade corpo que expressa o sofrimento de uma
não é interpretado como defesa contra a com a mãe, a perguntar sobre seu desa-
comunicação, mas como uma lenta cons- parecimento, a olhar álbuns familiares, de
trução em direção a uma forma de comu- viagens, a construir uma imagem do obje-
nicação que se expressa pelos afetos de to que, na ausência, começa a ter uma
vitalidade, pequenos gestos e movimen- consistência de lembrança e presença
tos que sugerem uma dimensão afetiva afetiva.
que passa pela forma, pela musicalidade
da língua, pela intensidade dos afetos, Segundo tempo:
sem codificá-los em uma linguagem recusa e comunicação
verbal.
Em uma sessão conjunta, Luiza O segundo tempo da análise é
senta-se perto da mãe no sofá e gradual- marcado por uma recusa a entrar na sala
mente vai caindo, até ficar em posição de atendimento sem a presença da babá,
fetal, ao seu lado. Esta fica muito incomo- que é então convidada a participar de
dada, mas incapaz de conter a filha, se suas sessões. Esta estratégia produz uma
queixando de sua postura. Começa a cena na qual a analista é colocada na
criticar essa forma regressiva de com- posição de observadora da relação afetu-
portamento, mas Luiza permanece imó- osa entre as duas, ficando no lugar de
vel, na mesma posição. Falo que Luiza terceiro excluído. Da observação de uma
parece estar precisando de um colo, de relação dual, passamos a uma brincadeira
um aconchego. A mãe então a abraça e a três, em que um dos participantes sem-
ela se encolhe e se acomoda em seu colo. pre morre no final. Luiza se diverte muito
Esse movimento emociona a mãe, que quando eu “morro” e ela e a babá sobre-
acaricia seus cabelos suavemente, me vivem, podendo, a partir dessa brincadei-
dizendo como é difícil para ela lidar com ra, incluir um novo objeto em sua vida sem
a dependência da filha, que sua mãe uma angústia de perda maciça, vivencia-
nunca foi muito carinhosa, sempre esti- da na situação traumática do desapareci-
mulou sua autonomia e ela procura fazer mento concreto do terceiro excluído
o mesmo para não reforçar a regressão fantasmaticamente (desaparecimento do
da filha. Ressalto a importância de pode- pai).
rem compartilhar o sofrimento e a situa- Neste segundo tempo, Luiza me
ção traumática que ambas vivenciam, diz que, de agora em diante, vai trazer os
sugerindo que falar sobre a ausência do deveres de casa para fazer na sessão,
pai, resgatar a lembrança de experiências pois assim tem o que fazer comigo. Não
passadas pode ajudá-las a elaborar a retruco e quando ela começa a trazer
experiência. seus deveres, me sento a seu lado, de
Essa sessão teve um grande efeito, novo, com uma postura atenta, me inte-
pois Luiza pode começar a falar do pai ressando pela atividade, sem entrar na
posição de pedagoga. Interpreto essa in- traz comentários sobre suas relações afe-
clusão de sua vida escolar no tratamento tivas com as amigas e aos poucos ela me
como um indício da possibilidade de in- conta de sua dificuldade em dormir fora
vestir libidinalmente em suas relações de casa, de brincar na casa dos outros, do
com o mundo da aprendizagem e das medo de sentir saudades da mãe ou da
possibilidades e como o esboço de uma babá.
curiosidade em saber alguma coisa – de O segundo tempo parece marcar a
sua história, de sua vida. construção de um espaço transicional e
A experiência de realizar uma ta- da vivência de uma relação triangular
refa sem compartilhá-la com a analista sem a morte ou destruição do objeto.
produz uma vivência de isolamento que Poder sustentar, com calma e tranqüilida-
traz a marca da comunicação e demons- de, sem me sentir excluída, a relação
tra a lenta e gradual construção de um amorosa que ela tem com a babá; ser
self verdadeiro. Winnicott indica que a excluída pelas duas, sem me sentir
não-comunicação é fundamental para a destruída; abrir o espaço da sala de aten-
construção subjetiva da criança, pois lhe dimento para a inclusão de uma amiga
permite estabelecer uma comunicação que a submete, colocando limites nessa
silenciosa e criativa com os objetos subje- atuação: parece ter isso possibilitado a
tivos. Ou seja, a recusa é parte do proces- abertura de um canal de comunicação e
so de criação do objeto e sinaliza a distin- dado início a uma relação objetal, na qual
ção entre a comunicação onipotente com a dimensão de alteridade pode ser expe-
os objetos subjetivos e o mundo não-eu rimentada sem uma forte angústia de
dos objetos percebidos objetivamente. separação.
O lugar de Luiza diante das pesso-
as que ela julga importantes é um lugar de Considerações finais
passividade e de não-reinvidicação. Em
uma sessão, entra com uma amiga, anun- O final da análise de Luiza é mar-
ciando que as duas participariam. É inte- cado por uma vivência de ódio direciona-
ressante frisar que ela traz para sua ses- da à analista que é acolhida como um
são uma amiga autoritária, que quer ditar esboço de separação. Todas as sessões
as regras do jogo e comandar tudo de terminam com a frase – eu te odeio, e a
forma manipuladora. Comento com a minha resposta – te aguardo em tal dia e
amiga como ela é “mandona” e Luiza se tal hora “, indicando que ela pode expres-
diverte muito com a minha fala. Quando sar seu ódio sem me destruir, e que eu
retorna, num outro dia, diz que a amiga posso suportar essa vivência sem morrer.
achou bom vir ao meu consultório, mas Winnicott (1975) tem uma indica-
que não voltará mais, pois não gostou que ção preciosa sobre a função da agressivi-
eu a chamasse de mandona. Este assunto dade no reconhecimento da externalida-
SUMMARY
The paper intends to discuss the notion of transference in the clinical practice
with children in reference to two major clinical concepts: the first one base on a clinic
of the neuroses, where the Oedipus and the Castration Complex appear to be the most
important references; and the second one which is based on a clinic of the negative and
absence as postulated by A. Green. A clinical vignette is described in order to analyze
the two clinical concepts.
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