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Aluno: LIVIA MARIA DA COSTA GADELHA

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CONVERSA INICIAL

Olá! Nesta aula vamos conhecer os fundamentos do pensamento


filosófico, buscando compreender suas origens, sua natureza e as semelhanças
e diferenças em relação a outras áreas do conhecimento.
Bons estudos!

TEMA 1 – AS ORIGENS DO PENSAMENTO FILOSÓFICO

A literatura científica aponta que o pensamento filosófico teve origem na


Grécia por volta do século VI a.C., período histórico conhecido como arcaico, no
qual ocorreram uma série de mudanças políticas e sociais. Dentre outros
aspectos, destacamos a formação das cidades-Estado (pólis), o
desenvolvimento comercial e a expansão territorial. A conjugação desses fatos
efetivou uma nova ordem social na Grécia que propiciou o desenvolvimento de
várias áreas do conhecimento, como as artes, a literatura e a filosofia.

INTRODUÇÃO GERAL À No que tange a essa última, podemos afirmar que a nova ordem política
foi essencial. Com o fim dos governos aristocráticos e a ascensão da

FILOSOFIA democracia, os cidadãos passaram a ser os responsáveis por definir o destino


da cidade. Essas decisões eram tomadas com base em discussões públicas que
AULA 1
tinham como pressuposto a argumentação, o raciocínio e a reflexão. O que regia
a vida das pessoas não era mais a influência dos deuses ou a explicação dada
pelos mitos, mas a razão.

Importante!
Aristocracia: “literalmente governo dos melhores, é uma das três formas
clássicas de Governo e precisamente aquela em que o poder (krátos = domínio,
comando) está na mão da [...] casta dos nobres” (Bobbio; Matteucci; Pasquino,
1995, p. 57).
Democracia: “identificado como governo do povo, de todos os cidadãos, ou seja,
de todos aqueles que gozam de direitos de cidadania” (Bobbio; Matteucci;
Pasquino, 1995, p. 319).

Segundo Vernant (2002), essa compreensão histórica da origem da


filosofia se justifica por duas características próprias da organização da pólis: o
exercício da política por meio da compreensão de que a fala é um instrumento
Prof. Robson Stigar
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de poder; e a disseminação e publicização de todas as manifestações da vida possibilitavam o exercício do pensamento racional e da argumentação,
cultural: viabilizando o distanciamento da percepção sobrenatural da realidade.
Com base em todos esses elementos, podemos afirmar que a filosofia se
O que implica o sistema da pólis é primeiramente uma extraordinária
preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder originou em um período histórico (século VI) e em um lugar (Grécia) e que isso
[...] a arte da política é essencialmente exercício da linguagem; e o
logos, na origem, toma consciência de si mesmo, de suas regras de foi possível por causa da confluência de vários elementos que caracterizavam a
sua eficácia, através da função política. Uma segunda característica da
pólis é o cunho de pena publicidade dada às manifestações mais
organização social:
importantes da vida social [...] tornando-se elementos de uma cultura
comum, os conhecimentos, os valores, as técnicas mentais são • surgimento da pólis e a prática argumentativa;
levadas à praça pública, sujeitos à crítica e à controvérsia. (Vernant,
2002, p. 34-35) • utilização da escrita como publicização do saber;
• instituição de uma estrutura legal;
Outro elemento destacado por Vernant (2002) é a função da escrita nesse
contexto. Sabemos que no século VI ela era dominada por poucos, mas foi quem • instituição de um sistema comercial monetário;

possibilitou a disseminação de saberes antes relegados apenas a um grupo de • expansão territorial grega.

sujeitos ou ainda considerados como exotéricos. De outro, a escrita propiciou a Isso significa que a filosofia teve origem em um tempo e em um espaço
organização social em torno de leis que eram acordadas entre os cidadãos, específicos, e que é neles desenvolve sua reflexão.
tornando-as universais e ao mesmo tempo democráticas.
Dessa forma, podemos compreender que os elementos fundantes da vida TEMA 2 – DO MYTOS AO LOGOS
da pólis cooperaram para o surgimento da filosofia: a disseminação dos saberes,
Vimos que a filosofia se originou na Grécia do século VI a.C. em um
a reflexão racional, a participação social e a constituição de um arcabouço legal.
período histórico no qual a organização social se pautava em novos princípios
Como afirma Chauí (1999, p. 21): “Através da filosofia, os gregos instituíram para
relacionados a uma visão racional de mundo. Mas, aqui nos cabe uma pergunta:
o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos
qual era a visão de mundo que antecedeu a da filosofia? A questão é
razão, racionalidade, ciência ética, política, técnica, arte”.
fundamental, pois nos possibilita compreender as primeiras reflexões propostas
Entretanto, no início desta aula afirmamos que o avanço comercial e a
pelos filósofos da época.
expansão territorial também são elementos de transformação social e
Segundo Aranha e Martins (2009, p. 26), a percepção de mundo presente
contribuem para o desenvolvimento da filosofia. No que tange às questões
na Grécia era a mitológica: “modo de consciência que predomina nas sociedades
relacionadas ao comércio, destacamos a mudança relacionada às transações
tribais e nas civilizações da Antiguidade”. Tal consciência não deve ser
financeiras. No período aristocrático, elas eram baseadas na troca de bens, e a
compreendida como algo fantasioso ou ainda como uma visão infantilizada da
autoridade que as regulava era envolta em um misticismo sobrenatural, tendo
realidade, pois seu nível de complexidade é grandioso; ela está pautada nos
em vista sua postura social. Com a ascensão da democracia e com a expansão
mitos. Podemos definir mito como “narrativa lendária, pertencente à tradição
do comércio marítimo, a moeda passou a ser o meio de troca de valores. É
cultural de um povo, que explica através do apelo ao sobrenatural, ao divino e
importante destacar que a moeda em si possui um caráter abstrato, tendo em
ao misterioso, a origem do universo, o funcionamento da natureza e a origem e
vista que seu valor é uma convenção realizada pelos homens.
os valores básicos do próprio povo” (Japiassú; Marcondes, 2006, p. 189).
Por fim, enfatizamos a importância da expansão e consolidação da
Compreendido dessa forma, o mito não pode ser também relacionado
democracia nas diversas colônias gregas. Apesar de esse regime político ser
com a compreensão de que se trata de mentira ou algo que não existe. Ele
vivenciado de diferentes maneiras (pois cada pólis tinha uma organização social
expressa de forma efetiva uma verdade, que provém de uma intuição
e política própria), os princípios de discussão e deliberação pública
compreensiva da realidade, pautada em elementos que ajudam determinado

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povo ou sociedade a significar a vida. Quando afirmamos isso, percebemos que O mito se opõe ao logos como fantasia à razão, como a palavra que
narra à palavra que demonstra. Logos e mito são duas metades da
o mito é uma forma de explicação do mundo que busca dar respostas a aspectos linguagem, duas funções igualmente fundamentais da vida do espírito.
O logos, sendo uma argumentação, pretende convencer. O logos é
da existência por símbolos próprios de cada cultura. verdadeiro, no caso de ser justo e conforme à lógica; é falso quando
dissimula alguma burla secreta. Mas o mito tem por finalidade apenas
Muitos autores realizaram pesquisas sobre o mito nas culturas. Em a si mesmo. Acredita-se ou não nele, conforme a própria vontade,
especial, vamos nos pautar nas reflexões do antropólogo Claude Lévi-Strauss mediante um ato de fé, caso pareça “belo” ou verossímil, ou
simplesmente porque se quer acreditar. O mito, assim, atrai em torno
(1908-2009). Para esse autor, o mito possui a função de explicar a realidade, a si toda a parcela do irracional existente no pensamento humano.

mas também de garantir a perpetuação das tradições e dos valores do grupo Por esse motivo é que o mito e a filosofia são visões de mundo e formas
social. antagônicas. Para Chauí (1999), esse antagonismo pode ser verificado a partir
Sob essa lógica, Lévi-Strauss (2004) pontua que o mito é um dos de três elementos, conforme mostra o Quadro 1.
elementos estruturantes de cada uma das sociedades e que a relação entre os
signos, significados e significantes é que permite entender a mensagem do mito. Quadro 1 − Elementos antagônicos entre mito e filosofia

Dessa forma, a compreensão do mito não reside na forma como eles são
MITO FILOSOFIA
pensados, mas como se aplicam na vida dos seres humanos. Narra a realidade como ela era em Busca explicar a realidade, por meio
Um exemplo clássico dessa relação são os mitos que versam sobre a um passado memorial, buscando da reflexão sobre o quê, como e por
trazer elementos que possam pautar quê, considerando o passado,
origem, tanto do mundo quanto de realidades presentes. Na estrutura de crenças
a vida no presente. analisando o presente e projetando o
judaico-cristãs, o mito de um ser soberano, onipotente que cria todas as coisas futuro.
permite a esses grupos religiosos afirmar a existência de um único Deus, que dá Explica a origem das coisas por meio Explica a origem da realidade por
a todos os homens um conjunto moral a partir do qual devem reger suas vidas. de confluência de forças meio da natureza, seus elementos e
sobrenaturais antagônicas ou suas manifestações.
De outro, mitos indígenas brasileiros explicam as características dos elementos convergentes.
da natureza por meio de narrativas que mesclam a relação do ser humano com Utiliza narrativas nas quais se Desenvolve a argumentação de
as divindades. Um exemplo é a lenda do pirarucu, peixe da região amazônica, encontram elementos contraditórios forma lógica e racional, estruturando
ou incompreensíveis, um discurso coerente e cognoscível
conhecido pelo tamanho, força e voracidade que é comparado ao guerreiro da
fundamentando-se na crença sobre o por todos os seres humanos.
tribo dos uaiás que, por seu comportamento soberbo para com os membros de mistério.
sua tribo e para com os deuses, foi condenado a viver nas profundezas do rio. Fonte: elaborado com base em Chauí, 1999, p. 31.

Sob essa ótica, podemos compreender a importância que o mito e a


Com base nessa compreensão, percebemos que há uma ruptura entre o
consciência mitológica possuem em um grupo social. No contexto da Grécia do
pensamento filosófico e a consciência mitológica, pois como ressaltam Aranha e
século VI a.C., o mito expressava um conjunto de valores, regras e crenças
Martins (2009, p. 41):
próprios do período arcaico, no qual o governo aristocrático encontrava
legitimação para o poder que exercia sobre a sociedade. A filosofia, como filha Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a
filosofia problematiza e, portanto, convida à discussão. No mito a
da pólis e da democracia, se opunha ao mito tanto no que tange à divergência inteligibilidade é dada, na filosofia é procurada. A filosofia rejeita o
sobrenatural, a interferência de agentes divinos na explicação dos
política como à estrutura lógica de formação do conhecimento. Pautando-se no fenômenos. Ainda mais: a filosofia busca a coerência interna, a
definição rigorosa dos conceitos; organiza-se em doutrina e surge,
logos, critica veementemente a crença irrefletida, opondo-se a toda e qualquer portanto, como pensamento abstrato.
discurso que não apresente argumentos racionais. Como afirma Grimal (1982,
Dessa forma, podemos compreender que a filosofia traz à nova ordem
p. 89):
social uma forma diferenciada de compreensão de mundo e produção de

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conhecimento. Entretanto, como vimos, não é possível afirmar que tenha Tendo em vista esses aspectos, Deleuze e Guattari (1997, p. 14)
extinguido o mito, mas sim que se colocou como oposição a ele. apresentam um conceito apofático da filosofia, ou seja, a definem pelo que ela
não é:
TEMA 3 – A NATUREZA DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO
Ela não é contemplação, nem reflexão, nem comunicação, mesma se
ela pôde acreditar se ora uma, ora outra coisa, em razão da capacidade
Como já vimos nos dois temas anteriores, a filosofia é um saber racional que toda disciplina tem de engendrar suas próprias ilusões, e de se
esconder atrás de uma névoa que ela emite especialmente. Ela não é
que se originou na Grécia do século VI a.C. em oposição ao mito, que constituía
contemplação, pois as contemplações são as coisas elas mesmas
um tipo de narrativa fundamentada na crença. Compreendemos também que a enquanto vistas na criação de seus próprios conceitos. Ela não é
reflexão, porque ninguém precisa de filosofia para refletir sobre o que
filosofia se caracteriza por um tipo de saber racional, lógico e argumentativo. quer que seja [...] E a filosofia não encontra nenhum refúgio último na
comunicação, que não trabalha em potência a não ser de opiniões,
Entretanto, até o momento não foi apresentada uma definição do que é filosofia para criar o consenso e não o conceito.
nem a natureza desse tipo de conhecimento. Mas, podemos questionar: é
Sob essa ótica, percebemos que a definição de filosofia não é algo
possível conceituá-la?
simples, pois mais do que apenas um amor à sabedoria, é um tipo de
A pergunta foi pauta da reflexão de inúmeros pensadores, pois a filosofia
conhecimento que possui escopo e intencionalidade próprios, que não se limita
pode ser entendida tanto como uma área do conhecimento quanto uma atitude
aos objetos de conhecimento que trata ou muito menos às abordagens que
perante a realidade. Neste tema, vamos abordar a primeira compreensão, e a
desenvolve. Nesse ponto, mais uma vez trazemos o questionamento: afinal, o
segunda será pautada posteriormente.
que é filosofia? Como ela pode ser definida?
O termo filosofia é cunhado no século V por Pitágoras, que buscava
Para responder tais perguntas, precisamos recordar que em sua origem
explicar a nova forma de conhecimento que se consolidava. Etimologicamente,
a filosofia foi uma atitude perante uma estrutura social que estava em mudança.
é formado por dois radicais gregos, filos e sophia. O primeiro significa amor,
Por meio de uma reflexão racional e argumentativa, busca compreender a
entendido como afeição, amizade, apreço por determinada realidade; o segundo
realidade sem se conformar com aquilo que era considerado verdade. A partir
tem como significado sabedoria, que não se restringe apenas ao acesso a dado
dessa percepção, Chauí (1999, p. 12) afirma:
conhecimento, mas à capacidade de entender sua constituição, aplicação e
inter-relação. O que é filosofia? Poderia ser: a decisão de não aceitar como óbvias e
evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os
Com base nesse entendimento, é importante esclarecer que a filosofia comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem
antes havê-los investigado e compreendido. Perguntaram, certa vez, a
pode ser confundida com algumas posturas ante o mundo que não estão um filósofo: Para que filosofia? E ele respondeu: para não darmos
nossa aceitação imediata às coisas, sem maiores considerações.
pautadas em uma reflexão racional. Chauí (1999, p. 16) destaca essa questão,
sublinhando que é extremamente contraditório afirmar que a filosofia se constitui: Essa definição não apenas nos ajuda a compreender o que é a filosofia,
mas nos apresenta aspectos que constituem sua natureza. Por natureza
• visão de mundo: esta é formada não apenas por análises racionais da
entendemos a essência de algo “conjunto de propriedades que definem uma
realidade, mas pelo conjunto de experiências, valores e crenças de
coisa” (Japiassú; Marcondes, 1996, p. 198). No que tange à filosofia, podemos
grupos sociais específicos;
afirmar que se trata de uma atitude questionadora diante da realidade. Segundo
• sabedoria de vida: esta é relacionada à vivência de indivíduos que, a partir
Jaspers (2014, p. 140), “as perguntas em filosofia são mais essenciais que as
de uma visão de mundo, dão explicações, nem sempre racionais, sobre
respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta”. Entretanto, isso
aspectos da vida;
não significa que a pergunta é um fim em si mesmo; ela é, sim, o ponto de partida
• explicação da totalidade da realidade: esta envolve elementos irracionais
para compreender de forma mais profunda a realidade.
pautados na crença e na unilateralidade da existência.

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Assim, a filosofia se constitui em um conhecimento que apresenta a Descartes buscava encontrar um fundamento inabalável para o conhecimento,
verdade, mas a ciência que busca incessantemente a verdade. Em um de seus como ele afirma:
escritos, Platão explica que mais do que o saber, é a ignorância que move a
Há algum tempo que eu me apercebi de que, desde meus primeiros
reflexão filosófica: “Mais sábio do que esse homem eu sou; bem provável que anos, recebera muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que
aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal assegurados não
nenhum de nós saiba nada de bom, mas ele supõe saber alguma coisa, podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era
necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de
enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Para que sou um nadinha todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo
mais sábio que ele exatamente em não supor que saiba o que não sei” (Platão, novamente desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo firme
e de constante nas ciências. (Descartes, 1999, p. 17)
1972, p. 15).
Entretanto, é importante salientarmos que a dúvida metódica não constitui
Essa passagem pode parecer um tanto contraditória, mas não é. Para
um eterno duvidar ou, ainda, um duvidar despropositado. Ela se refere aos
Merleau-Ponty (1993, p. 11), a filosofia é um saber cuja natureza é constituída
fundamentos do saber, aos princípios sobre os quais o conhecimento está
de um movimento “que levaria incessantemente do saber à ignorância, da
calcado. Como afirma Descartes (1999, p. 17): “visto que a ruína dos alicerces
ignorância ao saber, e um certo repouso entre esse movimento”. Esse
carrega necessariamente consigo todo o resto do edifício, dedicar-me-ei
movimento é inerente à atitude crítica que se fundamenta na dúvida metódica,
inicialmente aos princípios sobre os quais todas as minhas opiniões estavam
ou seja, na suspensão do juízo, na abstenção de conceitos prontos ou valores
apoiadas”. Para tanto, estabelece que a dúvida metódica deveria ser trabalhada
pessoais, que ajudam a explicar a realidade. Se o pensador considera que
a partir do critério de evidência, ou seja, o conceito se apresenta de forma clara
determinada atitude é boa, ele não se detém nessa afirmação, mas questiona:
e distinta, não havendo a possibilidade de contraditório.
o que é bom? Como é bom? Por que é bom? As respostas obtidas é que levam
a uma nova compreensão sobre a atitude em questão. Jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não conhecesse
evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a
Nesse sentido, Chauí (1999, p. 14) afirma que a atitude filosófica possui precipitação e a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não
se apresentasse tão clara e tão distintamente a meu espírito, que eu
características próprias:
não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida. (Descartes, 1996, p.
37)
• Perguntar o que a coisa, ou o valor, ou a ideia é. A Filosofia
pergunta qual é a realidade ou a natureza e qual é a significação Nesse contexto, é importante destacar que apesar de a atitude filosófica
de alguma coisa, não importa qual;
• Perguntar como a coisa, a ideia, ou o valor é. A Filosofia indaga estar calcada na dúvida e no consequente questionamento, não é todo tipo de
qual é a estrutura e quais são as relações que constituem uma
coisa, uma ideia ou um valor; dúvida que é objeto da filosofia. Um exemplo são as dúvidas acerca de fatos
• Perguntar por que a coisa, a ideia, ou o valor, existe e como é. A futuros aos quais não se pode dar uma resposta racional, mas apenas
filosofia pergunta pela origem ou pela causa de uma coisa, de uma
ideia ou um valor. especulativa, tendo vista que a sucessão dos fatos é que determinará a resposta.

Assim, a dúvida, o questionamento no contexto da filosofia não podem ser Dessa forma, a filosofia é uma atitude de crítica ante a realidade, que se

considerados como fúteis, inúteis ou ainda vagos, mas sim como um método expressa por meio do questionamento que passa a ser entendido como um

para que construa uma explicação coerente e fundamentada acerca daquilo que método que busca a verdade. Mas, qual é o objeto ou o campo de estudo da

se estuda. filosofia? Ao contrário de outras áreas do conhecimento, que possuem um objeto


Um dos pensadores que fundamentou sua obra na dúvida metódica foi definido, a filosofia não o tem, pois todas as realidades podem se tornar campo
René Descartes. Esse filósofo viveu no início da modernidade, quando ocorria de investigação filosófica, desde que abordadas de forma clara e distinta.

uma mudança do paradigma teocêntrico para o antropocêntrico, em que a busca


por novos pressupostos era essencial. Assim, a partir da dúvida metódica

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TEMA 4 – PARALELOS CONCEITUAIS ENTRE A FILOSOFIA, O MITO E A necessidade de ele seguir as leis divinas para encontrar a plenitude e a
felicidade.
RELIGIÃO
É importante salientar ainda que a religião não possui relação apenas com
Já vimos que a filosofia, surgida no contexto da pólis, se opunha ao o mito, mas também com a filosofia. A partir do século II, no Ocidente, teve início
pensamento mítico, hegemônico naquele período histórico. Compreendemos um processo de afirmação da fé cristã no qual a filosofia passou a ser utilizada
também que o mito se constitui em um tipo de conhecimento expresso por meio como ponto de justificação das verdades do cristianismo. Isso se deve a duas
de narrativas, próprias de diferentes tradições culturais, que buscavam explicar questões: a necessidade de dar um pressuposto teórico racional que afirmasse
o mundo com base em elementos relacionados ao sobrenatural ou ainda àquilo que as verdades cristãs eram supremas; e que a busca do conhecimento é a
que pertence ao mistério. Sob essa ótica, o mito tem como pressuposto a crença, busca de Deus. Como afirma Agostinho (2014, p. 387):
já a filosofia, o pensamento racional. Mas, como podemos pensar a relação
O nome filósofo significaria amor à sabedoria. Pois bem, se a sabedoria
desses dois com a religião? é Deus, por quem foram feitas todas as coisas, como demonstraram a
autoridade divina e a verdade, o verdadeiro filósofo é aquele que ama
Em um primeiro momento nos parece óbvio afirmar que o mito se a Deus. Mas. Como a realidade encerrada em tal nome não constitui
patrimônio de todos quantos o trazem (não amam a verdadeira
relaciona com a religião, pois ambas se pautam na crença. Entretanto, tal relação sabedoria todos quanto se chamam filósofos), torna-se preciso
não pode ser entendida de forma simples, é necessário compreendermos o que escolher, entre aqueles cujas sentenças e escritos pudemos conhecer,
com quem trata dignamente a referida questão.
é a religião. Etimologicamente, o termo religião vem do latim religare e significa
Sob esse ponto de vista, a busca da filosofia cristã foi estabelecer uma
o processo de restauração da relação do fiel com a divindade. Entretanto, não
harmonia entre a fé e a razão, pois “já que o falso constitui o contrário do
se reduz a um relacionamento pessoal, mas sim a “um sistema de orientação
verdadeiro, [...] é impossível que a verdade da fé seja contrária aos princípios
que se expressa por meio de simbologias que estão associadas a rituais, que
que a razão humana conhece em virtude das suas forças naturais” (Aquino,
externalizam crenças em realidades as quais se consideram sagradas” (Ruthes;
1996, p. 143). Dessa forma, percebemos que no contexto da relação entre a
Esperandio, 2017, p. 123).
filosofia e a religião, há um esforço em uni-las visando consensos acerca da
Assim, a religião como sistema de crenças contempla em si elementos
crença.
doutrinários que expressam verdades e valores que regem a visão de mundo e
Assim, filosofia e religião têm suas interseções, como mito e religião
o comportamento das pessoas. De outro, essas verdades são expressas por
possuem uma relação intrínseca.
meio de simbologias que remetem ao que consideram sagrado, se constituindo
objeto de veneração, que ocorre por meio de rituais sagrados que reforçam tais TEMA 5 – PARALELOS CONCEITUAIS ENTRE FILOSOFIA, SENSO COMUM E
elementos e respaldam a vivência dos que professam determinada religião.
CIÊNCIA
Sob essa ótica, podemos compreender que a religião é um sistema
complexo e superior ao mito, entretanto necessita deste para respaldar seu Sabemos que a filosofia é um tipo de conhecimento crítico, argumentativo,
conjunto de crenças. Se formos analisar as diversas religiões, vamos encontrar baseado na dúvida e no questionamento que busca compreender os
em todas mitos fundantes. Um exemplo clássico é a tradição religiosa judaico- fundamentos das realidades que são estudadas. Em sua origem, se opôs ao
cristã, na qual o mito da criação exerce um papel importante na visão de mundo. mito, que era uma compreensão pautada na crença que se desdobrava em
O Deus onipotente que cria o ser humano insufla em suas narinas o sopro da valores e verdades que pautavam a vida das pessoas. Por volta do século XVI,
vida e a partir disso ele possui existência. De outro, se esse ser humano se afasta o mundo passou por uma série de mudanças, e surgiu uma nova forma de
de Deus, perde a vida plena e consequentemente sua existência passa a ser analisar a realidade: a ciência. Esta já era desenvolvida antes desse período,
cheia de sofrimentos. Em outras palavras, o mito da criação explicita a mas seus métodos tinham caráter especulativo, e agora eram refletidos pela

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filosofia e posteriormente assumiram outro status quo, ou seja, um método de questioná-los. Segundo Aranha e Martins (2009), as características de cada um
conhecimento próprio. ratificam essa compreensão, conforme é possível verificar no Quadro 2.
No século XVIII, com o pensador francês Auguste Comte e de sua teoria
Quadro 2 − Características do senso comum e da ciência
positivista, a ciência passou a ser considerada um tipo de conhecimento superior
aos demais, inclusive à filosofia. Ele afirmava que a experimentação possibilitava SENSO COMUM CIÊNCIA
a compreensão da realidade por si mesma, sendo, portanto, um conhecimento É um conhecimento subjetivo, pois É um conhecimento objetivo, pois se
neutro. Nesse momento, houve uma separação entre a filosofia e a ciência (a se pauta em opiniões individuais e de pauta em conclusões gerais
grupos, que variam conforme os baseadas na observação.
primeira, tida como um saber teórico e reflexivo, e a segunda, um saber prático contextos.
e exato), contudo não se constituiu em uma oposição. A filosofia passou a ter a É de caráter fragmentário, pois não É de caráter unificador, pois
ciência como objeto de estudo, e a ciência, com suas novas descobertas, considera as relações existentes apresenta as inter-relações entre os
entre os diferentes conhecimentos. diferentes conhecimentos.
auxiliou a filosofia a ampliar a reflexão sobre a realidade.
É um conhecimento ambíguo, pois é É um conhecimento rigoroso, pois
Mas, como podemos definir a ciência? O termo vem do latim scientia e expresso de forma não clara, muitas baseia suas afirmações em
significa conhecimento. Durante a história, a palavra teve várias acepções, e, vezes contraditória. linguagem clara e precisa,
demonstrando todas as variantes
segundo Japiassú e Marcondes (2006, p. 44), na modernidade a ciência
sobre determinada realidade.
Fonte: elaborado com base em Aranha e Martins, 2009, p. 334.
é a modalidade de saber constituída por um conjunto de aquisições
intelectuais que tem por finalidade propor uma explicação racional e
objetiva da realidade. Mais precisamente ainda: é a forma de O que garante que a ciência seja um conhecimento objetivo, unificador e
conhecimento que não somente pretende apropriar-se do real para
explicá-lo de modo racional e objetivo, mas procura estabelecer entre rigoroso é o método por ela utilizado. Durante a história, este foi sendo
os fenômenos observados relações universais necessárias, o que
autoriza a previsão de resultados (efeitos) cujas causas podem ser desenvolvido e aperfeiçoado, e embora seja múltiplo, possui uma estrutura
detectadas mediante procedimentos de controle experimental.
lógica que permite descrever suas principais fases: delimitação de um problema;
Ao ser compreendida dessa forma, é necessário salientar que a ciência, formulação de hipóteses; teses experimentais de cada uma dessas hipóteses; e
principalmente a moderna, não surgiu em oposição à filosofia, já que nesta conclusão, com a elaboração de uma teoria.
encontrou os fundamentos para se constituir metodologicamente. Mas há um Baseados nessa diferenciação, salientamos que não se deve ter o senso
tipo de saber que ciência veio contraditar: o senso comum. Este pode ser comum como um tipo de conhecimento inferior ou desprezível. Ele tem uma
definido de duas formas: um saber comum a todos os sujeitos de determinada importância fundamental para o desenvolvimento da ciência: suas proposições
sociedade e/ou época; ou ainda um saber que foi transmitido de geração a foram e ainda são causa de investigação científica e de descobertas importantes
geração sem uma investigação acerca de seu conteúdo. para a humanidade. Um exemplo clássico é a superação do modelo geocêntrico
Um exemplo muito comum no cotidiano é a afirmação de que se uma (no qual a Terra era o centro do universo) para o heliocêntrico (no qual o Sol
pessoa abre a porta de um forno enquanto algo é assado, este murcha. Tal saber passou a ser o centro): a explicação simples e contraditória do primeiro foi mote
constitui senso comum por não ser questionado ou, ainda, por não se buscar de pesquisa e se desdobrou, desde o século XV, em inúmeras leis e teorias
uma explicação a respeito dele. A ciência busca validar tal afirmação científicas. Essa relação entre a ciência e o senso comum deve ser estabelecida
apresentando as evidências pelas quais pode ser considerada ou não uma entre a ciência e a filosofia, e entre a filosofia e o senso comum.
verdade.
Nesse ponto, encontramos a diferença entre a ciência e o senso comum:
ambos afirmam algo sobre a realidade, mas a primeira se fundamenta na
investigação de evidências, e a segunda, na aceitação de saberes sem
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NA PRÁTICA REFERÊNCIAS

Nesta aula, vimos que a filosofia é uma área do conhecimento AGOSTINHO. A cidade de Deus. Petrópolis: Vozes, 2014.
caracterizada pelo exercício da reflexão racional por meio de questionamentos AQUINO, T. Súmula contra os gentios. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
que buscam aprofundar o conhecimento. Em nossa sociedade atual, de que
ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à Filosofia. São
forma ela pode contribuir na formação do sujeito para que ele exerça de modo
Paulo: Moderna, 2009.
autônomo sua cidadania?
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. 7. ed.
FINALIZANDO Brasília: UnB, 1995.

Vimos nesta aula como foi a origem da filosofia, os motivos e CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1999.

características históricas que viabilizaram seu surgimento. Aprendemos também DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34,
que ela se contrapõe a um pensamento próprio da Grécia no século VI a.C., o 1997.
mito, narrativa que visa fundamentar elementos das crenças das sociedades.
DESCARTES, R. Discurso do método. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
Também verificamos que a natureza do pensamento filosófico é racional,
_____. Meditações sobre a filosofia primeira. Campinas: Unicamp, 1999.
reflexiva e questionadora, possibilitando o esclarecimento dos conceitos que
elaboramos sobre a realidade. GRIMAL, P. A mitologia grega. São Paulo: Brasiliense, 1982.
Apontamos ainda que a relação da filosofia e do mito com a religião é JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de
próxima, seja por justificação, seja por fundamentação. Por fim, descobrimos que Janeiro: Zahar, 2006.
a filosofia se diferencia também da ciência, um tipo de conhecimento sistemático
JASPERS, K. Introdução ao pensamento filosófico. São Paulo: Cultrix, 2014.
que analisa a realidade por meio de métodos predefinidos e que se opõe ao
senso comum. LÉVI-STRAUSS, C. O cru e o cozido. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

MERLEAU-PONTY, M. Elogio da filosofia. Lisboa: Guimarães, 1993.

PLATÃO. Defesa de Sócrates. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

RUTHES, V. R. M.; ESPERANDIO, M. R. G. Espiritualidade e produção de


sentido no contexto da saúde. In: OISHI, A. C. E.; CHEMIM, M. R. C. (Org.).
Reflexões bioéticas: a humanização do cuidado em saúde. Curitiba: Prismas,
2017.

VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 2002.

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