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Supremo Tribunal Administrativo

Conclusão: 7 de dezembro de 2020


Ação Administrativa
Processo n.º 0134/20.2BAROB

I. SUMÁRIO

Acórdão do STA de 08-12-2020, no Processo n.º 0134/20.2BAROB. O presente Tribunal valida a


constitucionalidade das normas que regulamentam o Estado de Emergência Nacional, o artigo 3º do
DL 8/2020, de 8 de novembro e a Resolução do Conselho de Ministros nº 96-B/2020. Este Tribunal
considerou improcedentes os pedidos dos réus de intimação de uma revogação substitutiva (do artigo
3º do DL 8/2020, de 8 de novembro) e impugnação da norma da Resolução do Conselho de Ministros
nº 96-B/2020. De igual forma, julgou improcedentes os pedidos referentes à responsabilidade civil
extracontratual do Estado, baseados nas perdas e danos inerentes às regras inscritas nas normas acima
referidas, tendo em conta a constitucionalidade das mesmas.

II. RELATÓRIO
A ASSOCIAÇÃO PÃO E VINHO, pessoa coletiva nº 08384720, com sede na Rua da Vindima nº
8, freguesia de Santo António, concelho de Lisboa, representada judicialmente por Aylén Arancibia,
Bernardo Sá, Isabel Villa De Brito, Tiago Peyroteo, Tomás Alves e Tomás Neves, da FDL &
Associados – Sociedade de Advogados, com Sede na Rua da Justiça, nº 88, 1º Andar, 1200-285
Lisboa, veio apresentar uma petição inicial nos termos do artigo 78.º CPTA, propondo, nos termos
dos artigos 109.º e 37.º/ 1, alínea k do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:
I. Ação Administrativa de Condenação à revogação substitutiva do regulamento;
II. Ação Administrativa de Responsabilidade Civil Extracontratual;

Contra
ESTADO PORTUGUÊS, notificando a PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, com
sede na Rua Prof. Gomes Teixeira, n.º 2, 1350-249 Lisboa;

MARTIM JERÓNIMOS, solteiro, portador de cartão de cidadão N.º 123456321, emitido pela
República Portuguesa, válido até 08-03-2025, com contribuinte fiscal N.º 123696321, residente na
Rua dos Devaneios, N.º 96, 1º Andar esq., 1070-096 Lisboa, veio apresentar uma petição inicial nos

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termos do artigo 78º CPTA, nos termos dos artigos 37º\1\d e 37º\1\k do Código de Processo nos
Tribunais Administrativo:
I. Ação Administrativa de Impugnação de Norma Regulamentar;
II. Ação Administrativa de Responsabilidade Civil Extracontratual;

Contra
ESTADO PORTUGUÊS, pessoa coletiva de Direito Público;

Cabe a este Tribunal analisar e decidir:

II.i DA CAUSA DE PEDIR


Os factos que subjazem à causa de pedir são relativos às restrições impostas pelos normativos que
regulamentam o Estado de Emergência Nacional, o Decreto n.º 8/2020, de 8 de novembro e a
Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-B\2020, de 12 de novembro.

II.ii DA CONTESTAÇÃO
Tendo sido o ESTADO PORTUGUÊS devidamente citado para o efeito. Deduziu contestação nos
termos dos artigos 81º e 83º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos pugnando que
deve ser absolvido da instância, por, em síntese:
1.Ilegitimidade Ativa da Associação “Pão e Vinho” para intentar uma intimação para proteção de
direitos, liberdades e garantias;
2.Ilegitimidade Ativa da Associação “Pão e Vinho” para intentar um pedido indemnizatório pelos
danos decorrentes da norma do artigo 3º, n.º1, do Decreto n.º 8\2020, de 8 de Novembro;
3. Ineptidão da p.i. da Associação “Pão e Vinho” relativamente ao pedido indemnizatório, por falta
do pedido;
4. Ilegitimidade passiva do Estado Português relativamente à intimação para proteção de direitos,
liberdades e garantias;
5. Impropriedade do meio utilizado pela Associação “Pão e Vinho”, no que respeita à intimação para
proteção de direitos, liberdades e garantias;
6. Ilegitimidade Ativa de Martim Jerónimos relativamente ao pedido indemnizatório pelos danos da
norma do artigo 26.º da Resolução de Conselho de Ministros n.º 96-B\2020, de 6 de novembro;
7. Ineptidão da p.i. de Martim Jerónimos relativamente ao pedido indemnizatório, por faltar o pedido;

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8. Ilegitimidade Passiva do Estado Português relativamente ao pedido de impugnação de normas


intentado por Martim Jerónimos;
9. Falta de interesse processual de Martim Jerónimos em intentar a ação de impugnação de normas;

II. iii DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS


i.Da Competência do Tribunal
Nos termos do artigo 212.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP),
pertence ao âmbito de jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de todos os litígios que versem
sobre a matéria jurídica administrativa e fiscal.
Assim sendo, nos termos do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
(de agora em diante, ETAF), compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação
de litígios que tenham por objeto questões relativas à “tutela de direitos fundamentais e outros direitos
e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais” (artigo
4.º, n.º1, alínea a) do ETAF que não tem relevo autónomo), à “fiscalização da legalidade das normas
e demais atos jurídicos emanados por órgãos da Administração Pública (…) ” (artigo 4.º, n.º1, alínea
b) do ETAF) e à “responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público,
incluindo por danos resultantes do exercício das funções política (…) ” (artigo º 4.º, n.º1, alínea f) do
ETAF) - alíneas preenchidas no caso em apreço.
Em razão da matéria, este Tribunal considera-se competente quanto à jurisdição
administrativa, não se encontrando preenchido o âmbito de competência dos tribunais tributários nos
termos do artigo 49.º do ETAF.
Finalmente, em razão da hierarquia, é de aplicar o 24.º, n.º1, alínea a), ponto iii) do ETAF, o qual
confere competência à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
(doravante, STA).

i.ii Da Competência do Supremo Tribunal Administrativo para a analisar a questão da


Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado

O ETAF veio alargar a competência dos tribunais administrativos quanto às ações de


Responsabilidade Extracontratual do Estado, quando uniformizou o âmbito da jurisdição no que se
refere à responsabilidade decorrente da actividade administrativa, passando a atribuir aos tribunais
administrativos as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito
público, sem qualquer prévia distinção entre actos de gestão pública e actos de gestão privada artigo
4.º, nº 1, alínea f) do ETAF. (como alegado pelo A., Pão e Vinho no artigo 64º da Petição Inicial).

Ainda assim, por decorrência do artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, os


tribunais administrativos são competentes em matéria de responsabilidade civil extracontratual do

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Estado. Da letra do artigo resulta, claramente, que a responsabilidade do Estado pode ter origem num
ato ou numa omissão praticada pelos órgãos, funcionários ou agentes do Estado e demais entidades
públicas, no exercício das suas funções. Ademais, depreende-se que qualquer facto ou omissão ilícitos
e culposos que provoquem danos ou prejuízos a particulares impõem ao Estado o dever de indemnizar
o particular, que se viu lesado nos seus direitos, liberdades ou garantias, constitucionalmente
protegidos.

Todas essas atuações da Administração Pública devem ser levadas a cabo no âmbito da
função pública, excluindo, o âmbito de aplicação da Lei 67/2007, as atuações da administração em
que esta se comporta como ente privado. (cfr. com artigo 2.º da Lei 67/2007 onde nos diz que estão
em causa “ações e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas
por disposições ou princípios de direito administrativo”).

Pelo já exposto no relatório deste acórdão, o STA é o Tribunal competente para regular esta
matéria e, desta forma, por via do artigo 16º, por remissão do artigo 18.º/2, e em harmonia com as
disposições do ETAF supramencionadas, concluímos pela competência em razão da matéria deste
Tribunal para decidir sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado.

ii. Personalidade Judiciária


A Associação Pão e Vinho não tem personalidade jurídica, mas é abrangida pela extensão operada
pelo artigo 8.º-A, n.º 3 do CPTA, o qual remete para o artigo 12.º, alínea b) do Código do Processo
Civil (doravante, CPC), sendo-lhe, assim, reconhecida capacidade judiciária.
Por seu turno, Martim Jerónimos é pessoa jurídica singular, à luz do artigo 66.º do Código Civil
(doravante, CC). Desta personalidade jurídica, decorre a sua personalidade judiciária, conforme o
disposto no artigo 8.º-A, n.º2 do CPTA.
No que concerne ao Estado Português, este é uma pessoa coletiva, pelo que o requisito da
personalidade judiciária está também preenchido por via do 8.º-A, n.º2 do CPTA.

iii. Capacidade Judiciária


No que respeita à Associação Pão e Vinho, teria aplicação o disposto no artigo 26.º do CPC, ex vi do
artigo 1.º do CPTA, nos termos do qual, as associações que careçam de personalidade jurídica são
representadas pelas pessoas que ajam como diretores, gerentes ou administradores. Tendo-se

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procedido à notificação referida no artigo 28.º, n.º2 do CPC e não tendo havido lugar à regularização
da situação dentro do prazo1, haveria lugar à exceção dilatória prevista no artigo 89.º, n.º4, alínea c)
do CPTA, o que determinaria a absolvição do demandado da instância.2
Relativamente a Martim Jerónimos, uma vez que este também é titular de capacidade jurídica (pelo
artigo 67.º do CC), não existem dúvidas quanto à sua capacidade judiciária.

iv. Legitimidade
iv. i Legitimidade Ativa da Associação Pão e Vinho

Quanto ao pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias:


A legitimidade ativa para intentar uma ação impugnatória de normas não se confunde com a
legitimidade para o fazer através de uma intimação (como no caso sub judice). No primeiro caso, a
legitimidade é regulada no artigo 73.º do CPTA; no segundo, não havendo norma específica, recorre-
se à previsão geral do artigo 9.º do CPTA.
Quanto à primeira situação, tem legitimidade ativa quem, estando perante uma norma
imediatamente operativa, seja diretamente prejudicado pela vigência de tal norma ou possa vir
previsivelmente a sê-lo em momento próximo, podendo pedir a declaração de ilegalidade da norma
em causa com força obrigatória geral (artigo 73.º, n.º1, alínea a) do CPTA). Caso a aplicação da
norma imediatamente operativa incorra em qualquer dos fundamentos de ilegalidade previstos no
artigo 281.º, n.º1 da CRP, tem ainda legitimidade quem se encontre nessa mesma situação, mas tendo
a declaração de ilegalidade efeitos meramente circunscritos ao seu caso, cf. artigo 73.º, n.º2 do CPTA.
Pode ainda a declaração de ilegalidade ser pedida nos termos do artigo 73.º, n.º1, alínea b) do CPTA.
Neste âmbito, o critério comum para que a parte seja legítima é o de que esta seja diretamente
prejudicada pela vigência da norma ou possa vir previsivelmente a sê-lo.
Paradoxalmente, a A., a propósito desta intimação, invoca o artigo 73.º, n.º2 do CPTA para
fundamentar a sua legitimidade ativa.
Como anteriormente dito, estamos no âmbito da aplicação da regra geral do artigo 9.º do
CPTA. Decorre do n.º1 do referido artigo que, para aferir a legitimidade ativa de uma parte, é

1 Para efeitos de simulação, ficcionamos aqui a referida notificação e a falta de sanação do vício em causa,
conducente à procedência de uma exceção dilatória. Tenha-se, ainda em conta que, em sede de simulação, não
era possível a realização de um despacho pré-saneador.
2 Ressalva-se que, para efeitos de simulação, apesar de ser assinalada no presente acórdão a procedência de

diversas exceções dilatórias, as quais, em circunstâncias normais, levariam à absolvição do demandado da


instância, iremos prosseguir com a análise do caso em todas as suas dimensões, incluindo o juízo sobre o mérito
da causa, por indicação do Professor Assistente.

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necessário verificar se o A. é titular da situação que constitui o objeto do processo, tal como ela é
representada na petição inicial. Ou seja, não interessa ainda saber se o A. é efetivamente titular da
situação objeto do processo, mas sim saber se representou essa situação de modo a poder ser
considerado titular.
Acontece que, no caso em apreço, os direitos, liberdades e garantias alegadamente violados
não seriam da titularidade da associação, mas sim dos empresários e trabalhadores dos setores da
restauração e do turismo. Não havia legitimidade, pela via do artigo 9.º, n.º1 do CPTA.
Por outro lado, atendendo à melhor doutrina, também não poderíamos extrair a legitimidade
ativa da A. do preceito do artigo 9.º, n.º2 do CPTA, tendo em conta o caráter exclusivamente
subjetivista desta ação de intimação, a qual diz respeito a direitos estruturalmente individuais. Não
existe, portanto, legitimidade popular para proceder à propositura desta ação.
A ilegitimidade da parte constitui, à luz do artigo 89.º, n.º4, alínea e) do CPTA, exceção
dilatória, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição do demandado
da instância (cfr. artigo 89.º, n.º2 do CPTA).

Quanto ao pedido de Indemnização relativo à Ação de Responsabilidade Civil Extracontratual


Mais uma vez, não resulta da p.i. que a A. seja parte na relação material controvertida, na medida em
que não figura como lesada na mesma. Os lesados seriam, verdadeiramente, os empresários e
trabalhadores dos setores da restauração e do turismo. Assim, não haveria legitimidade para intentar
esta ação pela via do artigo 9.º, n.º1 do CPTA.
Exclui-se igualmente a possibilidade de a ação ser intentada pelo artigo 9.º, n.º2 do CPTA, por força
do disposto no artigo 3º, alínea a) da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto, o qual exige, quando esteja em
causa uma associação, que esta tenha personalidade jurídica, o que não sucede neste caso.
A ilegitimidade da parte constitui, à luz do artigo 89.º, n.º4, alínea e) do CPTA, exceção dilatória, a
qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição do demandado da instância
(cfr. artigo 89.º, n.º2 do CPTA).

iv.ii Legitimidade Ativa do Martim Jerónimos

Quanto ao pedido de impugnação da norma:

A legitimidade ativa para intentar este tipo de ação é averiguada nos termos do artigo 73º,
n.º1 e n.º2 do CPTA.
No caso sub judice, o A., fundamenta a sua legitimidade nos termos do artigo 73.º, n.º2,
alegando que é diretamente prejudicado pela vigência da norma e referindo ainda que a norma que

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prende impugnar é inconstitucional, preenchendo-se assim o preceito do artigo 281º, n.º1, alínea a)
da CRP.
Ou seja, o A. parece requerer a declaração de ilegalidade da norma com efeitos circunscritos
ao seu caso, quando faz assentar a sua legitimidade no referido preceito. No entanto, imediatamente
a seguir, parece querer que a declaração de ilegalidade produza efeitos erga omnes ao referir-se
constantemente a si próprio como inserido num grupo específico de entidades diretamente lesadas
pela vigência da norma.
Como anteriormente aflorado, uma vez que a aplicação da norma imediatamente operativa
incorre, segundo o A., no fundamento de ilegalidade previsto no artigo 281.º, n.º1, alínea a) da CRP,
o A. apenas teria legitimidade para pedir a declaração de ilegalidade da norma com efeitos
circunscritos ao seu caso. Assumiremos que esse foi o seu pedido.

Quanto ao pedido de Indemnização relativo à Ação de Responsabilidade Civil Extracontratual


O A., assenta a sua legitimidade ativa para proceder ao pedido em causa no artigo 9º, n.º1 do
CPTA.
O Requerido invoca a respetiva ilegitimidade por falta de clareza do pedido. Ao Tribunal, o
pedido parece claro, desde logo, pelo disposto no artigo 44º da Petição Inicial, ainda que a
fundamentação do mesmo possa não estar tão clara.
A legitimidade ativa averigua-se pela alegação do A. quanto à sua posição na relação material
controvertida (artigo 9º, n.º1 do CPTA) e, nesse aspeto, o pressuposto processual preenche-se.

iv.iii Legitimidade Passiva do Estado quanto aos pedidos da Associação Pão e Vinho

Quanto ao pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias


Ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º1 do CPTA, a ação deverá ser proposta contra a outra
parte na relação material controvertida, sendo que, nos termos do n.º2, por regra, em todas as ações
intentadas contra entidades públicas, a legitimidade passiva é reconhecida à pessoa coletiva e não a
um órgão que dela faça parte.
No entanto, nos termos do artigo 10.º, n.º2 do CPTA, “nos processos intentados contra
entidades públicas a parte demandada é a pessoa coletiva pública, salvo nos processos contra o Estado
ou as Regiões Autónomas que se reportem à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos
ministérios ou secretarias regionais, em que a parte demandada é o ministério ou ministérios, ou a
secretaria ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados (…)”. Ou seja,
quando esteja em causa uma atuação positiva ou a inércia de um órgão pertencente a um Ministério,

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a entidade demandada é o próprio Ministério a que pertence o órgão responsável e não a pessoa
coletiva pública Estado.
Ora, no litígio em apreço, procura-se proceder à revogação substitutiva de uma norma
emanada pelo Conselho de Ministros.
Importa a este respeito referir que (1) o Conselho de Ministros não é um Ministério, nem um
órgão pertencente a qualquer Ministério - é antes um órgão colegial, que pertence à pessoa coletiva
Estado, ao qual não se faz menção na 2ª parte do n.º2 do artigo 10.º do CPTA; e (2) a Presidência do
Conselho de Ministros não é um órgão, mas sim um “departamento central do Governo” (artigo 13º,
nº1 do DL nº169-B/2019, de 3 de dezembro).
No entanto, tem-se entendido que a Presidência do Conselho de Ministros tem natureza
jurídica de Ministério, pelo que poderia existir aqui uma integração desta no conceito de “Ministério”,
para efeitos da aplicação do artigo 10.º, n.º2 do CPTA. Assim sendo, considerar-se-ia o Conselho de
Ministros como órgão da Presidência do Conselho de Ministros.
Neste sentido, tendo a norma sub judice sido emitida pelo Conselho de Ministros, considera-
se esta um ato imputável a um órgão pertencente a um Ministério, no âmbito do artigo 10º, n.º2,
segunda parte do CPTA, o que significa que, nos termos deste preceito, a entidade demandada deve
ser a Presidência do Conselho de Ministros e não o órgão nem a pessoa coletiva pública Estado.
Com este fundamento, tem o Demandado razão ao afirmar a ilegitimidade passiva do Estado
português, quanto ao pedido de intimação.
Não obstante assim decorrer, a verdade é que:
i) existe, por um lado, uma íntima relação intersubjetiva institucional entre a Presidência do Conselho
de Ministros e o Conselho de Ministros e, por outro lado, uma relação embrionária entre estes e a
pessoa coletiva Estado;
ii) é possível aferir da intencionalidade da Primeira Requerente em não incorrer no vício de
ilegitimidade passiva do demandado no pedido que pretendia formular com vista a assegurar a tutela
jurisdicional efetiva dos direitos fundamentais que alega estar lesada;
iii) tendo ainda em conta a urgência em assegurar o efeito útil da decisão, atinente ao meio processual
escolhido, isto não se compaginaria com a notificação da Requerente para correção da respetiva
petição (nos termos do artigo 87º, nº1, alínea a) do CPTA).
Em suma, a especificidade do processo justifica a primazia da decisão material, não se
considerando, por esse motivo, verificada a exceção dilatória com fundamento em ilegitimidade
passiva, quanto a este pedido.

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Tendo em conta o que foi supra mencionado (cf. ponto iv.iii), considera-se que a ação deveria ter sido
intentada contra a Presidência do Conselho de Ministros, atento o disposto no artigo 10.º, n.º2 segunda
parte.
A ilegitimidade da parte constitui, à luz do artigo 89.º, n.º4, alínea e) do CPTA, exceção dilatória, a
qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição do demandado da instância
(cfr. artigo 89.º, n.º2 do CPTA).

iv. iv Legitimidade Passiva do Estado quanto aos pedidos de Martim Jerónimos

Quanto ao pedido de impugnação de norma

Quanto ao pedido impugnatório levado a cabo por Martim Jerónimos, remetemos para a
discussão supra acerca da aplicação do artigo 10.º, n.º2 do CPTA e do enquadramento da Presidência
do Conselho de Ministros no conceito de Ministérios. Deste pedido, não consta, de modo algum, a
necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito, pelo que as considerações de primazia da
materialidade acima expostas não se lhe aplicam. Nestes termos, haveria ilegitimidade passiva da
pessoa coletiva Estado.
A ilegitimidade da parte constitui, à luz do artigo 89.º, n.º4, alínea e) do CPTA, exceção
dilatória, a qual obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição do demandado
da instância (cfr. artigo 89.º, n.º2 do CPTA).

Quanto ao pedido de Indemnização relativo à Ação de Responsabilidade Civil Extracontratual


Novamente, haveria ilegitimidade passiva do Estado, por força do artigo 10.º, n.º2 do CPTA,
nos termos explicitados quanto ao pedido de impugnação de norma..

v. FORMA DO PROCESSO
Quando sejam separadamente propostas ações que, por se verificarem os pressupostos de
admissibilidade previstos para a coligação e cumulação de pedidos, possam ser reunidas num único
processo, deve ser ordenada a apensação delas de acordo com o disposto no n.º1 do artigo 28.º do
CPTA - a análise da questão da apensação será densificada infra.
Analisando os requisitos para a cumulação, mormente o disposto no artigo 4.º, n.º 3 do CPTA,
a cumulação é possível mesmo quando a algum dos pedidos cumulados corresponda uma das formas
da ação administrativa urgente, que deve ser, nesse caso, observada com as adaptações que se revelem
necessárias.

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Pelo exposto, a cumulação e respetiva apensação é possível, em concordância com os artigos


4.º, n.º 3 e 28.º do CPTA.
Conforme o plasmado no artigo 28.º, n.º 2, os processos são apensados ao que tiver sido
intentado em primeiro lugar. Assim, após a apensação, o processo segue, naturalmente, a forma de
processo do primeiro processo intentado.
Relativamente ao primeiro processo, por nele constar, entre os pedidos, uma intimação para
proteção de direitos, liberdades e garantias, este teria, necessariamente, de seguir a forma de ação
administrativa urgente, seguindo a tramitação simplificada prevista nos artigos 109.º e seguintes do
CPTA, com as adaptações que resultem dos artigos 135.º e seguintes do mesmo diploma legal.
O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias destina-se a cobrir
situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por
impossibilidade ou insuficiência, a proteção jurídica que os demais meios urgentes conferem.
O juiz pode assim, e dentro dos poderes conferidos pelo artigo 7.º-A do CPTA, dirigir
ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, recusando o que for impertinente
ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotar mecanismos de simplificação e agilização
processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, acautelando o efeito útil da
ação. A tramitação destas ações é, assim, ultra-simplificada.
Quanto à segunda ação, intentada por Martim Jerónimos, apesar de, individualmente, seguir
a forma de ação administrativa comum, com a tramitação dos artigos 78.º e seguintes do CPTA, ao
ser apensada ao processo da Associação Pão e Vinho, seguirá a tramitação deste, conforme o
estabelecido no artigo 28.º, n.º 2 do CPTA.
O processo seguirá, assim, a forma de ação administrativa urgente, com a sua tramitação
regulada pelos artigos 109.º a 111.º do CPTA.

III. Despacho Pré-Saneador


O despacho pré-saneador encontra-se anexado aos documentos que compõem o processo.

IV. Dispensa de audiência prévia


O juiz, de acordo com o disposto no artigo 87º - B, n.º2, pode dispensar a realização de
audiência prévia quando esta se destinar, somente, ao debate de questões de facto e de direito.

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O Tribunal entendeu não ser possível uma conciliação entre as partes em sede de audiência
prévia, hipótese prevista no artigo 87.º - A, n.º1, alínea a) do CPTA, tendo, assim, dispensado a
realização de audiência prévia, na medida em que esta, a existir, iria consubstanciar apenas um debate
de questões de facto e de direito.

V. FUNDAMENTAÇÃO

V.I QUESTÕES PRELIMINARES

Sobre o pedido de apensação alegado pelo demandado:

Alega o demandado que os pedidos formulados pela Associação “Pão e Vinho” e por Martim
Jerónimos, enquanto representante da cadeia de hipermercados “Pingo de Loucura” comungam da
mesma causa de pedir, a saber, as restrições impostas pelos normativos que regulamentam o estado
de excepção, o Decreto n.º 8/2020, de 8 de Novembro e a Resolução de Conselho de Ministros n.º
96-B/2020, de 12 de Novembro. Acrescenta ainda que os pedidos formulados pelos AA. comportam
a análise e discussão das mesmas regras de direito, na medida em que cabe aferir da
constitucionalidade das normas emitidas ao abrigo do estado de excepção vigente. É neste quadro
que o demandado, em nome do princípio da economia processual, e ao abrigo do disposto no artigo
28.º, n.º 3, do CPTA, vem requerer a este Supremo Tribunal Administrativo a apensação destes
processos, por verificar que ambas as acções interpostas estão embrionariamente ligadas.

Dessa forma, cabe o Tribunal analisar a apensação:


Tendo o demandado requerido a apensação do processo (cfr. artigos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º da
Contestação) cabe a este Tribunal averiguar se os requisitos legalmente prescritos estão cumpridos.
De acordo com o artigo 28.º, n.º1 do CPTA, os pedidos podem ser reunidos num único processo
quando estejam verificados os pressupostos de admissibilidade da coligação e cumulação de pedidos.

Primeiramente, quanto aos pressupostos de admissibilidade da coligação, estabelece o artigo


12.º, n.º1, alínea b) do CPTA, que podem coligar-se vários autores contra um demandado quando,
sendo diferente a causa de pedir, a procedência dos pedidos principais dependa da interpretação e
aplicação dos mesmos princípios. De facto, são chamados à colação, pelas partes, os artigos 13.º, 61.º,
e 62.º da CRP, referentes, respetivamente, ao princípio da igualdade, ao direito ao livre exercício da
iniciativa económica privada e ao direito à propriedade privada. Deste modo, conforme o exposto,
podemos concluir que ambos os AA. alegam os mesmos princípios para dar base à sua argumentação.

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Já não será verdade, no entanto, que os pedidos têm as mesmas causas de pedir: ao passo que
num está em causa a emissão do Decreto n.º 8/2020, de 8 de novembro, noutro está em causa a
emissão da Resolução do Conselho de Ministros n.º 96-B/2020, de 12 de novembro.

Do artigo 28.º decorre ainda a necessidade de observar os pressupostos da cumulação de


pedidos (cfr. artigo 4.º/1, alínea b)). Dada a identidade dos requisitos exigíveis à coligação e à
cumulação, transpomos o raciocínio exposto acima, em relação ao primeiro, para o segundo. Por
conseguinte, podemos concluir a possibilidade de apensação nos termos do artigo 28.º/1 do CPTA.

V.II DA MATÉRIA DE FACTO

Sobre a matéria de facto alegada pela Associação Pão e Vinho, este Tribunal considera como
provado:

1. No dia 6 de novembro de 2020, a Assembleia da República autoriza o Presidente da


República a declarar o Estado de Emergência (Decreto do Presidente da República n.º 51-
U/2020), com fundamento na verificação de um agravamento da situação de pandemia, bem
como a aproximação dos períodos festivos.

2. No dia 8 de novembro de 2020, o Governo da República publicou a Resolução do Conselho


de Ministros (8/2020, de 8 de Novembro)3, decretado pelo Presidente da República, que
entrou em vigor no dia seguinte, e destinado a vigorar até dia 23 de novembro de 2020.

3. Do regulamento supramencionado, resulta do artigo 3.º uma cláusula de proibição de


circulação na via pública, que determina o seguinte: «Diariamente, no período compreendido
entre as 23:00 h e as 05:00 h, bem como aos sábados e aos domingos no período
compreendido entre as 13:00 h e as 05:00 h, os cidadãos só podem circular em espaços e vias
públicas, ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas, nas seguintes situações:
(…) d) Deslocações a mercearias e supermercados e outros estabelecimentos de venda de
produtos alimentares e de higiene, para pessoas e animais;»

Mais, se fundamenta esta restrição com o seguinte: «Atendendo à evolução da situação


epidemiológica, o Presidente da República procedeu à declaração do estado de emergência,
com um âmbito muito limitado, de forma proporcional e adequada, tendo efeitos largamente
preventivos. Nos termos em que foi decretado, o estado de emergência veio trazer garantias
reforçadas de segurança jurídica para as medidas adotadas ou a adotar pelas autoridades

3 https://dre.pt/home/-/dre/147968348/details/maximized

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competentes para a prevenção e resposta à pandemia da doença COVID -19, em domínios


como os da liberdade de deslocação, do controlo do estado de saúde das pessoas, da utilização
de meios de prestação de cuidados de saúde do setor privado e social ou cooperativo e da
convocação de recursos humanos para reforço da capacidade de rastreio.» Citação esta que
consta do preâmbulo do decreto.

4. Entre as exceções elencadas no regulamento supra, encontra-se a possibilidade de ir a


mercearias, supermercados e outros estabelecimentos de venda de produtos alimentares e de
higiene, bem como deslocações pedonais de curta duração, para efeitos de fruição de
momentos ao ar livre, desacompanhadas ou na companhia de membros do mesmo agregado
familiar que coabitem.

Sobre a matéria de facto alegada pelo Pingo da Loucura, este Tribunal considera como
provado:

5. A cadeia de hipermercados “Pingo de Loucura” tinha programado a organização uma


“Grande Festa das Compras dos Sábados e Domingos do Confinamento”.

6. Este evento iria incluir uma “happy hour”, que se realizaria entre as 6h30 e às 8h da manhã,
onde iriam ocorrer descontos de 60% em todos os produtos. (cfr. caso prático)

7. A Resolução do Conselho de Ministros veio determinar, em concreto e nomeadamente, que


fora do período entre as 08:00 h e as 13:00 h aos sábados e domingos, ficam suspensas as
atividades em estabelecimentos comerciais a retalho e de prestação de serviços, salvo os que
fiquem excepcionados desta medida, designadamente, farmácias, clínicas e consultórios, ou
estabelecimentos de venda a retalho de produtos alimentares, bem como naturais ou
dietéticos, de saúde e higiene, que disponham de uma área de venda ou prestação de serviços
igual ou inferior a 200 metros quadrados com entrada autónoma e independente a partir da
via pública.

V.III DA MATÉRIA DE DIREITO

Tendo em consideração que a declaração do Estado de Emergência possui a finalidade de


acautelar situações graves para o Estado Português e constitui um recurso constitucional que deve ser
utilizado de forma excepcional, sempre levando em conta princípios basilares do Estado de Direito
Democrático e nunca colocando em causa direitos, liberdades e garantias mínimos dos cidadãos,

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Por referência ao o Decreto n.º 8/2020, de 8 de Novembro e a Resolução de Conselho de


Ministros n.º 96-B/2020, de 12 de Novembro que veio restringir a circulação de pessoas no período
compreendido entre as 23:00h e as 05:00h, bem como aos sábados e aos domingos no período
compreendido entre as 13:00h e as 05:00h, os cidadãos só podem circular em espaços e vias públicas,
ou em espaços e vias privadas equiparadas a vias públicas, em situações específicas como as
deslocações a mercearias e supermercados e outros estabelecimentos de venda de produtos
alimentares e de higiene, para pessoas e animais,

Cabe a este Tribunal analisar a matéria de direito alegada pelas partes a fim de concluirmos
se as medidas tomadas pelo Governo colocam em causa o princípio da igualdade, proporcionalidade
e também se revestem um caráter muito intenso de restrições aos direitos, liberdades e garantias, no
que toca ao artigo 61.º e 62.º da CRP.

QUANTO AOS PEDIDOS DA ASSOCIAÇÃO PÃO E VINHO:

DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO SUBSTITUTIVA EM SEDE DE INTIMAÇÃO DO PEDIDO


DE IMPUGNAÇÃO E A IMPROPRIEDADE DO MEIO PROCESSUAL:

Devemos adiantar, desde logo, os moldes em que esta figura foi criada.

Consoante a jurisprudência reiterada deste próprio Tribunal, Ac. STA 31/10/2020, Proc.
0122/20.1BALSB, ou o Ac. STA 10/09/2020, Proc. 088/20.8BALSB, o artigo 109 do CPTA foi
criado no âmbito: “de dar cumprimento à determinação contida no artigo 20.º, n.º 5, da Constituição”
e para o efeito concebeu um “instrumento que se procurou desenhar com uma grande elasticidade”,
para assegurar em tempo útil, com uma decisão de mérito, os direitos dos lesados que não ficassem
devidamente protegidos com um meio cautelar ou quando o uso desses meios seja desprovido de
sentido”.

Desta forma, podemos concluir que existem fundamentalmente dois pressupostos: 1) que
estejamos diante de um direito, liberdade ou garantia, ou direito análogo e que este necessite de uma
proteção indispensável, a qual será concretizada através de uma decisão do mérito da causa; 2) que
não seja possível ou suficiente recorrer ao decretamento provisório de uma providência cautelar.
Disto, retiramos ainda duas característica fulcrais: a indispensabilidade da decisão e a subsidiariedade
deste meio processual face às providências cautelares.4

4
O professor Mário Aroso de Almeida, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cf. Ac. TCA
Sul Proc. 1753/16.0BELSB, refere mesmo que tal situação funcionará quase como uma válvula de escape do sistema.

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Do exposto, cumpre analisar, primeiramente, se estávamos perante um direito, ou uma liberdade


e garantia.

Ora, o A. alega que está em causa a violação do direito da livre iniciativa da atividade
económica, da igualdade e da proporcionalidade e que, desta forma, estar-se-ia a violar direitos
liberdades e garantias, cf. artigo 56.º. Quanto a isto, é preciso fazer algumas precisões:

Embora o direito à igualdade e à proporcionalidade constituam de facto direitos elencados na Parte I


e Título I da CRP, os quais estão também consagrados como direitos fundamentais; o primeiro, o
direito à iniciativa privada, não está consagrado no Título II da Parte I. Por isto, a doutrina mais
clássica e mais tradicionalista, tende a considerar que não estamos verdadeiramente diante de um
direito fundamental de liberdades e garantias. Logo, para esta, os Direitos Económicos Sociais e
Culturais possuem uma natureza enfraquecida face aos direitos fundamentais e só poderiam ser
considerados como direitos análogos e, desta forma, com alguma natureza enfraquecida.

Certo é que a previsão do artigo 109.º tem como pressuposto ou direitos, ou liberdades e
garantias. No nosso caso, estávamos obviamente diante de uma violação do artigo 61.º, mas enquanto
um direito económico. Sendo possível dizer que o primeiro requisito está cumprido.

No entanto, muito discutível é se estávamos diante de uma proteção indispensável. Isto porque é
necessário ter em consideração que incumbe ao Autor, Pão e Vinho, densificar e concretizar os
direitos que estavam em causa, bem como provar, nos devidos anexos, os graves prejuízos que as
medidas iriam ocasionar e que não poderiam obter o seu efeito útil senão pela intimação para proteção
de direitos, liberdades e garantias. Em outras palavras, era necessário que o A. tivesse demonstrado,
por via de alegação devidamente concretizada e desenvolvida, as razões que impunham uma decisão
célere e que uma simples ação de impugnação ou que o recurso a uma providência cautelar, eram
insuficientes, conforme referido muito bem no AC. Do TCAS Proc. 1753/16.0BELSB.

Ora, isto não ocorreu, tendo em consideração que o A., se limitou a invocar os artigos do direito
análogo em causa e que, passo a citar, “(A necessidade de uma decisão urgente) é imprescindível
para a garantia do direito fundamental da livre iniciativa da atividade económica, da
proporcionalidade e igualdade e não consegue ser salvaguardado pelas medidas cautelares em razão
do seu caráter “precário e provisório””; “Segundo os dados mais recentes, 43% de empresas de
restauração e turismo vão entrar em insolvência no 3º trimestre de 2020. 19% de alojamentos
turísticos irão à falência. 49,000 postos de trabalho na restauração já foram perdidos” (Cfr. 16.º p.i)
.

É importante ressaltar que não foi anexada nenhuma prova de tais dados, muito menos a fonte

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dos mesmos, pelo que temos de considerar estes como não provados. E, quanto à insuficiência do
procedimento cautelar, é dito de forma genérica que é apenas considerado “precário” e “provisório”.
No seguimento do raciocínio desenvolvido supra, não podemos considerar isto admissível.

É sufragada ainda por alguma doutrina, nomeadamente pela professora Carla Amado
5
Gomes , a possibilidade de revogação substitutiva de um regulamento de execução ilegal. Nesta
medida, seria necessário que o Decreto n.º 8/2020 fosse um regulamento de execução, o que não
ocorre. Isto porque, segundo o professor Vieira de Andrade, (Lições de Direito Administrativo, 2018,
pg 146) estes desenvolvem ou aprofundam a disciplina jurídica constante de uma lei. Ainda segundo
o Professor Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 4ª edição, estes
regulamentos complementam a lei, viabilizando a sua aplicação aos casos concretos. Nas palavras do
Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, há uma relação direta e de dependência com uma lei. Ou
seja, é efetivamente indispensável um ato legislativo para que o regulamento de execução o possa
acompanhar, densificar ou pormemorizar e nada disso se verifica no caso, uma vez que houve, tão
somente, a decretação do Estado de Emergência pelo Presidente da República. Não há, portanto,
nenhum ato legislativo em causa. Desta forma, mesmo que fosse admissível a tal revogação
substitutiva, nunca seria este o nosso caso em concreto por faltar o elemento base do ato de execução:
um ato legislativo. Assim sendo, o meio é impróprio.

Note-se que, nos termos do artigo 110.º-A do CPTA, seria possível uma convolação da intimação
numa providência cautelar, por despacho liminar. Mas será que isto era possível no nosso caso?
Consideramos que não, e é por isso que não foi feito em sede de despacho liminar. Isto porque a
pretensão do A. era totalmente inadequada para o meio processual em questão, uma vez que solicitou
uma revogação substitutiva, não era possível convalescer está numa providência cautelar.

Note-se ainda que, como refere o professor Mário Aroso de Almeida6, e alguma jurisprudência
deste Tribunal7, é sim possível realizar uma intimação por impugnação de normas com base na sua
ilegalidade. No entanto, não é isso que o A. faz, dado que apenas refere genericamente que estão
preenchidos os pressupostos do artigo 109.º Do CPTA, e que pretende que o próprio Tribunal declare
que a administração deve revogar parcialmente o artigo 3º e ainda acrescenta como exceção as
atividades económicas dos respectivos associados. Será de considerar tal facto como sendo lesivo da
própria margem de livre apreciação da administração nas suas medidas e, pior ainda, estando a
imiscuir-se nas competências administrativas, desrespeitando o princípio da separação de poderes.

5 Cf. Carla Amado Gomes, Pretexto, Contexto e Texto da Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias in
Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, V, 2003, p. 16.
6 Manual de Processo Administrativo, 4ª edição
7 Ac. STA 31/10/2020, Proc. 0122/20.1BALSB, ou o Ac. STA 10/09/2020, Proc. 088/20.8BALSB

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(Contudo, para efeitos didáticos da simulação, vamos analisar se, caso fosse válida, esta poderia
ser considerada procedente ou não).

Ora é necessário analisar os princípios constitucionais alegados, mas não corretamente


desenvolvidos pelo próprio A.. Nomeadamente os princípios da proporcionalidade e o princípio da
igualdade.

Quanto ao princípio da proporcionalidade:

O A. Alega que:, cf. 59º e 60º “se é verdade que a restrição visa salvaguardar outro interesse
constitucionalmente protegido, também será verdade que essa restrição se deve cingir à medida
necessária para alcançar esse objetivo e a restrição não pode aniquilar o conteúdo essencial do
direito liberdade económica, mesmo que esse direito seja suscetível de limitações. Não se nos afigura
proporcional que os setores da restauração e do turismo, que têm sido gravemente afetados desde o
início da pandemia, tendo de se adaptar a exigências bastante estritas nos seus estabelecimentos,
devam ser desigualmente afetados em relação a outros setores de atividade económica, privada ou
pública, não lhes sendo possível prover ao sustento das suas famílias, de pagar os salários aos
trabalhadores e de se verem impedidos de operar os próprios estabelecimentos. Quando têm a
permissão de os operar, já sofrem mais que quase todos os restantes setores económicos. Não está
cientificamente provado que é nestes locais que existe maior suscetibilidade de ser contagiado com
a doença. Ademais, nem a faculdade de venderem os seus produtos em take-away nesses horários foi
permitida a estes setores de atividade. Simplesmente viram-se vedados – novamente – da
possibilidade de disporem dos seus produtos e livremente desenvolver os seus negócios. O Estado
esvaziou-lhes esse direito sem qualquer justificação e fundamentação válidas. Dezenas de milhares
de pessoas viajam diariamente no metro e comboio, onde, devido ao espaço e capacidade destes
meios de transporte, existirá um risco muito maior de contaminação quando se circula dentro deste.
Esta desigualdade e desproporcionalidade constitui o fundamento do nosso pedido”
Sabe-se que o princípio da proporcionalidade possui três vertentes, nomeadamente: adequação,
necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação é um critério em que ter-se-á de se analisar como a aptidão objetiva ou formal


de um meio para realizar o fim. Aqui não será efetuada qualquer avaliação substancial da bondade
intrínseca ou da oportunidade da medida restritiva. Em outras palavras, a medida será idónea quando
é útil para prossecução do fim, como referido por Jorge Reis Novais e Freitas do Amaral, estamos
diante da necessidade de respeitar o artigo 7º do CPA.

Ora, aqui não há nenhuma dúvida: a medida é adequada, uma vez que quer evitar a “segunda
vaga” de Covid-19.

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A segunda vertente: o da necessidade. É este que parece ser contestado pelo A, uma vez que
este não identifica qual das vertentes do princípio está em causa.
É preciso, segundo esta subvertente, que dentro do universo das medidas idóneas para a execução
do fim, estejamos diante daquela que lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares.

Nas palavras de Jorge Reis Novais: “impõe que se recorra, para atingir este fim, ao meio
necessário, exigível, ou indisponível, no sentido do meio mais suave ou menos restritivo que precise
de ser utilizado para atingir o fim em vista”.

Terão sido várias as vezes nas quais a jurisprudência deste Tribunal se versou sobre esta questão,
mais especificamente no AC. STA Proc. 28610, “A administração está obrigada, ao atuar
discricionariamente perante aos particulares, a escolher, de entre várias medidas que satisfazem
igualmente o interesse público, a que menos gravosa se mostrar para a esfera jurídica daqueles”.

De tudo o que foi exposto, é necessário, desde logo, perceber que não há normas perfeitas,
devemos olhar para os todos meios igualmente idóneos e satisfatórios de salvaguardar o interesse
público e perceber aquele que lese menos possível os particulares.

Ora, permitindo usar neste Tribunal a fórmula anacrónica de FLEINER, não nos parece que a
administração esteja a utilizar um canhão para atirar em pardais. Isto porque para salvaguarda da
saúde pública e do direito à vida, acesso aos hospitais, é necessário restringir o máximo possível as
circulações inerentes às deslocações aos restaurantes ou pontos turísticos. Com isto, entendemos que
as medidas que o A. propõe não seriam, desde já, as mais idóneas para a salvaguarda de todos os
interesses supra mencionados, mais grave ainda não estariam no mesmo plano de idoneidade.
Como indicado pelo demandado, e provado no anexo II, dados da DGSI confirmam que os
maiores níveis de contágios estão inerentes ao agregado familiar e este, muitas vezes, usufrui do seu
tempo livre na área da restauração. Acontece ainda que, no seu trajeto, estará este agregado a
contribuir para uma maior superlotação dos transportes públicos. Lotação esta reconhecida pelo
próprio A, como perigosa e que acarreta maiores riscos de contágios. Ora, se este entende que os
transportes públicos já estão sobrecarregados com as atividades restritas que já temos, também deve
entender que para atividades ínfimas não devemos onerar mais ainda os transportes.

Por fim, a terceira vertente: a proporcionalidade strictu sensu, ou a vertente do equilíbrio.

Esta consiste na exigência que os benefícios que se espera alcançar com uma medida
administrativa adequada e necessária sejam, à luz de certos parâmetros materiais, maiores do que os
custos que ela por certo acarretará. Aqui também é muito fácil de verificar que é respeitado, uma vez
que o benefício extraído dessa medida é o descongestionamento do SNS e a prevenção de um colapso

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do mesmo. Enquanto que acarreta, por outro lado, a impossibilidade temporal de aos finais de semana,
o setor da restauração exercer o seu direito à iniciativa privada.

Quanto ao princípio da igualdade:

É consagrado na doutrina, cf. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, pg. 240, João
Martins Claro, O princípio da igualdade, há uma máxima de que: “a igualdade impõe que se trate de
modo igual o que é juridicamente igual, e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na
medida da diferença”8. O que se projeta em duas direções: a proibição de discriminação e a obrigação
de diferenciação. Cremos que o A. Acredita que está a ser violada a primeira orientação,

A medida será discriminatória e proibida quando se estabelece uma identidade ou uma


diferenciação de tratamento para a qual, à luz do objetivo que com ela se visa prosseguir, não existe
justificação material suficiente. Parece-nos clara, face ao caso em concreto, a necessidade de
diferenciação entre um supermercado e o setor da restauração. Isto porque a primeira tem como
função, única e exclusivamente, permitir o acesso a bens de primeira necessidade, enquanto que a
restauração, não tem esta como a sua função basilar, mas sim vender refeições e, de forma indireta,
dar azo a momentos de convívio que, nos tempos que vivemos, devem ser evitados, para socorrer a
um bem maior: o direito à vida!

Conclui-se assim que, caso fosse possível a intimação nos termos do artigo 109.º do CPTA, esta
não seria procedente ainda assim.

DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO POR RESPONSABILIDADE CIVIL


EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Regime aplicável

Peticionam os AA. nos seu articulados (cfr. artigos 44.º ss. p.i do Pingo da Loucura e artigo
63 p.i da Associação Pão e Vinho), a condenação do Estado ao pagamento de uma indemnização, por
perdas e danos causados (i) à cadeia de hipermercados em questão, a título de responsabilidade civil
extracontratual do Estado e (ii) à Associação Pão e Vinho pelos prejuízos decorrentes “da ausência
de negócio na área da restauração e do turismo a título de responsabilidade civil extracontratual”.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado vem regulada, em especial, na Lei n.º


67/2007, de 31 de Dezembro. O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado está

8
Nos dez anos da Constituição, Lisboa, 1987, p.29, e Diogo Freitas do Amaral:,Curso de Direito Administrativo, Volume
II, pg 110

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regulado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que visa tutelar as pessoas singulares e coletivas
que tenham sofrido danos em decorrência das ações ou omissões do Estado. A denominada
responsabilidade pode advir de atos decorrentes das funções administrativas, jurisdicionais ou
executivas no âmbito da atuação dos titulares dos respectivos órgãos (cfr. com artigo 1.º da Lei
67/2007 de 31/12).

O artigo 22.º CRP concretiza a normatização da responsabilidade civil extracontratual do


Estado, sendo este objeto de longa e acesa querela doutrinal. Alguns autores pugnam pela sua
consideração como um “direito-garantia”, que atribui aos particulares um direito fundamental ou de
natureza análoga, como será o caso de JORGE MIRANDA, GOMES CANOTILHO e VITAL
MOREIRA e RUI MEDEIROS. Do outro lado da mesa, temos VIEIRA DE ANDRADE e MARIA
LÚCIA AMARAL, sufragando uma tese de natureza objetivista, segundo a qual não há lugar à
atribuição de direitos subjetivos, devendo este preceito ser visto como uma mera garantia
institucional. Seguiremos o entendimento sufragado pelo TCA Norte, no âmbito do Ac. de 29 de
outubro de 2009, no processo 00467/08.9BECBR, tendo deixado claro que este artigo, “por integrar
um direito fundamental por natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pode ser invocado
diretamente pelo lesado”.

Este regime vê previsto o seu âmbito de aplicação no seu artigo 1.º, quando consagra, no seu
n.º1, que “a responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de
direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa
rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial”. Concretiza
o n.º2 que “para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função
administrativa as ações e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou
reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo”.

Em suma, é de entendimento deste Tribunal, que estamos perante uma responsabilidade


extracontratual pela função administrativa do Estado.

Preenchimento dos requisitos da Responsabilidade Civil Extracontratual

Quanto ao preenchimento dos requisitos da Responsabilidade Civil Extracontratual do


Estado, é do entendimento deste Tribunal (Ac.do STA de 15/05 de 2014) que estes devem ser
provados, por aquele que os alega, na medida em que deve considerar-se provado que: há um facto,
ilícito, que o Estado agiu com culpa ou dolo, que há um nexo de causalidade entre o facto e o dano e,
por fim, devemos realmente conseguir individualizar e concretizar o dano em causa.

Vejamos se cada um dos requisitos referidos pelo A. pode ser considerado como provado, na
medida em que, só assim, o Estado pode ser condenado por responsabilidade civil extracontratual e
ser legítimo exigir o ressarcimento pelos danos causados.

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FACTO

Quanto ao facto em causa, a Assembleia da República autorizou o Presidente da República a


declarar o estado de emergência (Decreto do Presidente da República n.º 51-U/2020), com
fundamento na verificação de um agravamento da situação de pandemia, bem como a aproximação
dos períodos festivos. No dia 8 de novembro de 2020, o Governo da República publicou a Resolução
do Conselho de Ministros (8/2020, de 8 de Novembro), decretado pelo Presidente da República, que
entrou em vigor no dia seguinte, e destinado a vigorar até dia 23 de novembro de 2020.

Pela falta de concretização do A. de qual ato legislativo em causa, é do entendimento deste


Tribunal, que pela interpretação da petição inicial da Associação Pão e Vinho, está em causa o facto
da aprovação da Resolução de Conselho de Ministros 8/2020, de 8 de Novembro (que contém a norma
do artigo 3.º, impugnada também para outros efeitos).

Estando em causa a atuação da Resolução do Conselho de Ministros supramencionada,


conclui este Tribunal acerca do facto em causa para efeitos dos requisitos elencados inicialmente.

A questão é somente saber se a aplicação do artigo 22.º da CRP não pode consequentemente
ocasionar sobre o interesse coletivo um prejuízo grave a um interesse determinado e particular, ou
como a letra da lei diz, específico e anormal.

O entendimento maioritário era de que a norma contida no aludido artigo 22.º da CRP era por
si só exequível em si mesma, devendo ser diretamente aplicada pelos tribunais, por consagrar um
direito análogo à direitos liberdade e garantias beneficiando do artigo 18.º CRP o qual tem
aplicabilidade direta.

Com a nova Lei 67/2007, aparentemente, todas as dúvidas cessaram aquando da necessidade
de haver divergência se há ou não responsabilidade pela função legislativa também. O artigo 15° da
citada lei utiliza a epígrafe função político-legislativa, e delimita o âmbito em que a responsabilidade
pela função legislativa ocupa.

ILICITUDE

O artigo 9.º da Lei 67/2007 engloba dois tipos de ilicitude: a ilicitude objetiva e a ilicitude
subjetiva. A primeira, é referente às «acções ou omissões (…) que violem disposições ou princípios
constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos
de cuidado», e a segunda acerca de factos «que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente
protegidos».

No nosso caso em apreço, o A. menciona a violação das disposições constitucionais presentes


nos artigos 13,º (cfr. artigo 73º da Petição Inicial), 61.º (cfr. artigo 74º da PI), 62.º (cfr. artigo 75º da

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PI) e artigo 9.º da CRP (cfr. artigo 72º da PI).

Por consequência, entendemos que os AA. acusam o Estado por ilicitude subjetiva em que
estão em causa os princípios da igualdade, liberdade (na sua vertente de liberdade de circulação de
pessoas e liberdade económica), iniciativa económica privada e propriedade privada.

É do entendimento deste Tribunal que a possível ilicitude por ato da função administrativa
do Estado deve advir de uma violação, por meio das restrições dos direitos e princípios
supramencionados, por meio da aprovação da Resolução do Conselho de Ministros.

Esta violação irá ocorrer sempre que a administração pública, no âmbito da declaração do
estado de emergência, restringir para além do necessário e adequado (princípios da
proporcionalidade) as liberdades e garantias asseguradas pela constituição, nomeadamente, as
referidas pelo A.: liberdade de circulação, liberdade económica, e igualdade.

Na fundamentação da ilicitude os AA. limitaram-se a expor os artigos da CRP em causa e a


mencionar os princípios que estariam a ser violados, sem justificar, de forma concreta e aplicada ao
caso, como é que esta resolução afetaria esses direitos.

Por decorrência do artigo 64º da PI, parece-nos que o A. fundamenta a ilicitude na “ausência de
negócio na área da restauração e do turismo”.

É do entendimento deste Tribunal, que as restrições impostas à liberdade de circulação e liberdade


econômica aos donos de mercearias abrangem finais de semana pontuais, onde a circulação de
pessoas seria mais elevado (pelo feriado), e que portanto, as restrições mais acentuadas de horário
não veda, em definitivo, a abertura dos estabelecimentos: apenas a restringe das 8h às 13h.

É de salientar que o Estado não impõe nenhum tipo de restrição como esta antes, pois não era de se
considerar proporcional. Com a aproximação dos feriados e do período natalício, o Estado não pode
ser passivo e incongruente com as medidas de segurança que vem tomando até então. Este é,
precisamente, o período em que deve acautelar mais ainda outros direitos, que colidem com a
iniciativa económica e liberdade de circulação, como a saúde pública nacional. Ademais, o Estado
não pode também fechar os olhos ao aumento de casos e contágios decorrentes da reabertura dos
comércios. Justamente para evitar um lockdown geral é que estão a ser tomadas estas medidas,
pontuais e legítimas, dentro do Estado de Emergência.

Nesta senda, é importante salientar que o Estado não fechou o comércio ou a restauração como um
todo: somente o fez, na medida do necessário e adequado, emitindo orientações técnicas para que
estes possam continuar em funcionamento durante o período permitido, cumprindo as regras de
higiene. Além do mais, as restrições em que limitam o funcionamento dos restaurantes, após as 13h,

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por meio do takeaway, são mais uma demonstração da flexibilidade do Estado perante a situação
pandémica atual.

Este Tribunal conclui, assim, que não há razões ou fundamentações válidas expostas pelos
AA. que justifiquem a ilicitude da Resolução do Conselho de Ministros. Considera-se, portanto,
válida, a referida resolução.

Como alega o demandado, aqui, a única solução seria uma responsabilidade por atos lícitos
(responsabilidade pelo sacrifício).

Este regime agora encontra proteção no artigo 16° da Lei 67/2007, na medida em que trata
de situações de ameaça e perigo grave, para bens essenciais da coletividade, que imponham
indispensabilidade e urgência da actuação seja por consequência de ato administrativo (artigo 3.º/2-
CPA), seja por meio de operações materiais (artigo. 177.º/2- CPA). Para PAULO OTERO, são os
mesmos critérios do estado de necessidade. Dessa forma, todos os prejuízos graves ou anormais,
decorrentes de atuações lícitas são abordados no artigo 16°.

Assim, são pressupostos de aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual por


atos lícitos, conforme refere a jurisprudência deste Tribunal: “(i) a prática de um ato lícito; (ii)para
satisfação de um interesse público; (iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal"; (iv)
existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo (acórdãos STA de 21.1.03 no recurso
990/02, de 10.10.02 no 48408, de 16.5.02 no recurso 509/02 e de 25.5.00 no recurso 41420, entre
muitos outros)”.

Cabe então, a este Tribunal, analisar se estamos perante um ato causador de um prejuízo
especial e anormal para um interesse público.

PREJUÍZO ESPECIAL E ANORMAL

Para os efeitos do disposto na Lei 67/2007, de 31 de Dezembro, consideram-se “especiais os danos


ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afetarem a generalidade das pessoas”,
e “anormais os que, ultrapassando os custos próprios da vida em sociedade, mereçam, pela sua
gravidade, a tutela do direito”. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal (Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 19 de Dezembro de 2012) entende-se por prejuízo especial aquele que
não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa
posição específica e o prejuízo anormal, o que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade,
suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade
lícita.

Ora, resulta do exposto que, a meio de uma crise mundial, os comerciantes suportem alguns

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limites à sua iniciativa económica, nomeadamente, algumas restrições de horário de funcionamento


em feriados e em horários mais movimentados, por forma a evitar grandes aglomerações.

Sendo assim, este Tribunal considera que o “Pão e Vinho” sofreu um prejuízo normal e
tolerável.

INTERESSE PÚBLICO

Quanto ao interesse público, este requisito vem justificar que o Estado possa, para concretizar certos
objetivos públicos de interesse geral, intervir nos direitos de cada particular ou grupo de cidadãos,
restringindo os mesmos. Contudo, não o habilita a ficar imune ao dever de indemnizar aqueles que
sofreram as lesões e prejuízos na sua esfera jurídica.

O interesse público é, de facto, o elemento que justifica o sacrifício dos direitos dos particulares.

Este requisito encontra-se preenchido, na medida em que as medidas impostas pela Resolução são
todas tendo em vista o interesse público na vertente da saúde e segurança pública.

NEXO DE CAUSALIDADE

Quanto ao nexo de causalidade, cabe-nos averiguar se é adequado prever que a aprovação da


Resolução do Conselho de Ministros era adequada à produção dos danos e prejuízos alegados pelo
A..

O A. alega que: “neste caso, os danos patrimoniais reconduzir-se-ão a lucros cessantes pela frustração
da utilidade que os AA. iriam adquirir não fosse o ilícito. A estes danos acrescentam-se ainda os danos
não patrimoniais dado a ansiedade e sofrimento pela qual passaram os AA. ao não poderem exercer
o seu trabalho”.

O artigo 32º/5 do CPTA diz-nos que nas ações em que esteja em causa a cessação de situações
causadoras de dano, o valor da causa é o valor dos prejuízos causados.

No entanto, o A. não anexou nenhum dado que comprove esses lucros cessantes. Este Tribunal
deveria estimar quais são os lucros normais durante os fins de semana em que não há restrição e
estimar ainda os prejuízos sofridos nos fins de semana da restrição, para poder chegar a um valor dos
prejuízos.

Ónus da prova da verificação dos pressupostos

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O ónus da prova dos pressupostos da Responsabilidade Civil Extracontratual, a saber, facto


voluntário, ilícito, culposo, danoso, e a verificação de um nexo de causalidade entre o dano e o facto,
recai sobre o A., que deve na sua petição inicial alegar todos os factos que demonstrem a verificação,
cumulativa, destes 5 pressupostos. Como já sufragado por este Tribunal, no Ac. de 15/05/2014, Proc.
01504/13, “É ao lesado que cabe o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade civil, pelo
que a falta de prova de que os agentes do Estado não cumpriram os deveres de vigilância e de cuidado
afasta a ilicitude da sua conduta, e consequentemente a obrigação de indemnizar os danos ocorridos
com a morte de um estudante que, contra as instruções dos professores e funcionários, se afastou do
local onde se encontrava com os demais, e veio a cair num poço de uma mina abandonada.”, no
âmbito de ação relativa a (…).

Ora, não foi esse o caso. O A., na sua petição inicial, limita-se a enumerar estes pressupostos,
definindo os mesmos e não apresentando quaisquer factos que permitam ao Tribunal concluir pela
emergência, ou não, da alegada responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Os AA. deveriam fornecer provas para que fosse possível concretizar esses danos. Não seria
necessário determinar um valor exato, mas pelo menos uma estimativa contabilística.

Ainda assim, poderíamos estar perante um pedido genérico, plasmado no artigo 555.º do
CPC, em que o Tribunal, com os dados que o A. refere, determina e concretiza o valor da causa. Os
pedidos genéricos, normalmente, acontecem quando, no momento de propositura da ação, o A. não
consegue contabilizar os danos de modo definitivo e face às consequências do facto ilícito, pede uma
quantia que não precisa ou porque se quer fazer valer do artigo 569.º do CPC.

No nosso caso, o A. não deixa margens para o Tribunal concretizar os danos e nem
contabilizar danos presumíveis ao valor da causa, somente alega o valor da causa dizendo que: “tendo
em conta que são cumulados dois pedidos, o valor da causa será a soma do valor destes, considerados
separadamente, nos termos do artigo 32º/7 do CPTA.” Ou seja, admite que são considerados
separadamente, mas não os concretiza.

Em suma, este Tribunal só pode concluir pela não existência de um nexo de causalidade, por
indeterminação dos danos sofridos.

Mediante o exposto, concluímos como não preenchidos os pressupostos da responsabilidade


civil extracontratual do Estado por ato lícito.

QUANTO AOS PEDIDOS DE PINGO DA LOUCURA

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DO PEDIDO DE IMPUGNAÇÃO

No que diz respeito às pretensões respeitantes a normas, estão em causa litígios relacionados
com as normas emanadas no exercício da função administrativa. Isto abarca toda e qualquer norma
cuja emissão se processa no exercício de poderes conferidos pelo direito administrativo. Os processos
dirigidos à impugnação de regulamentos encontram-se contemplados no art. 73º do CPTA. O art. 73º
nº2 prevê a possibilidade da declaração de ilegalidade sem força obrigatória geral de normas
regulamentares imediatamente operativas, nos casos abrangidos pela restrição prevista no art. 72º nº2.

Reiteradamente, o A. pede a impugnação da norma regulamentar que identifica como


Resolução do Conselho de Ministros nº 96-B/2020. Acontece que a Resolução do Conselho de
Ministros impugnada não é uma norma, mas um regulamento. Nos termos do nº1 do art. 72º CPTA,
o objeto das ações de impugnação reguladas na secção III consiste nas “normas emanadas ao abrigo
de disposições de direito administrativo”. Assim, e não obstante o art. 72º/1 se referir de forma
expressa a normas, devemos partir necessariamente da distinção entre regulamentos e normas. Apesar
da aparente indistinção conceptual entre “regulamentos” e “normas regulamentares” - que pode
resultar na equivalência semântica dos conceitos -, não podemos cair no erro de misturar, nas palavras
de PEDRO MONIZ LOPES, o ato jurídico, forma de produção de enunciados normativos e veículo
de introdução de unidades de dever ser no ordenamento, com as próprias unidades de dever ser que
regulam condutas ou conferem poderes normativos ou decisórios. O regulamento é um ato jurídico.
A norma, por seu turno, é o conteúdo deste último. Resulta desde logo do próprio CPTA no art. 2.º
nº2 d) a possibilidade de junto dos tribunais administrativos obter a declaração de ilegalidade de
normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo. Serão, por isso, as normas o
objeto do contencioso administrativo regulamentar, sendo que só e apenas no caso de vícios
procedimentais ou formais o objeto poderá ser o regulamento no seu todo. O A., no pedido formulado,
impugna a Resolução do Conselho de Ministros nº96-B/2020, resolução esta que, além de prorrogar
a situação de calamidade e de alterar o elenco de concelhos que constam do anexo à Resolução do
Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 2 de novembro, adita o art. 29º ao regime anexo Resolução
do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, de 2 de novembro. Ora, o referido art. 29º, no seu nº1,
determina que nos concelhos referidos no anexo ii, aos sábados e domingos fora do período
compreendido entre as 08:00h e as 13:00h, são suspensas as atividades em estabelecimentos de
comércio a retalho e de prestação de serviços, com as exceções elencadas nas alíneas a) a j) do nº2
do mesmo artigo. Como supramencionado, não tendo sido referida a norma sobre qual versa a
impugnação, só podemos concluir que todo o conteúdo da Resolução foi impugnado.9 Para formular

9 Cumpre mencionar que foi ponderado por este Tribunal a decisão no sentido da Ineptidão da Petição Inicial
(art. 186º nº2 a) CPC ex vi art. 1º CPTA) dadas as dificuldades de perceção tanto do pedido como da causa de
pedir. De facto, a petição inicial tanto formula o pedido de impugnação das normas regulamentares do Estado
de Emergência (cfr. Ponto 8) como a impugnação da Resolução do Conselho de Ministros nº 96-B/2020 (cfr.
Ponto 41). Além do mais, a causa de pedir, entendida como os factos concretos e as razões de Direito em que

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o seu pedido o A. baseia-se nos artigos 72º nº2 e 73º nº2 do CPTA. Trata-se de um pedido de
declaração de ilegalidade com efeitos restritos ao caso concreto fundamentado em
inconstitucionalidade que reflete o controlo aplicado a normas regulamentares imediatamente
operativas. Apraz-nos, porém, evidenciar que o art. 73º nº2 estabelece determinadas condições de
impugnação: só pode ser invocada por quem seja diretamente prejudicado ou possa vir
presumivelmente a sê-lo, apenas quando os efeitos da norma se produzam imediatamente e sem
dependência de um ato administrativo de aplicação (deve ser, por isso, imediatamente operativa) e
quando o fundamento da ilegalidade esteja previsto no nº1 do art. 281º.

O A. alega (cfr. Ponto 42) que é diretamente prejudicado pela aplicação da norma, sendo o
fundamento da ilegalidade da norma a sua inconstitucionalidade nos termos do art. 281º nº1 a). De
facto, trata-se de uma norma imediatamente operativa visto que se aplica de imediato a todos os
estabelecimentos com mais de 200 metros quadrados, prescindindo de qualquer ato administrativo de
aplicação; e até podemos considerar a possível lesividade do mesmo (apesar de não ter sido feita
prova como prescreve o art. 342º CC ex vi art. 1º CPTA). Acontece, porém, que o Autor não explicita
de forma clara em que medida é a norma inconstitucional, limita-se a arguir a discriminação em
relação a outros estabelecimentos de venda de bens alimentares com área igual ou inferior a 200
metros quadrados. Parece estar subjacente a esta fundamentação a arguição do princípio da igualdade
consagrado no art. 13º CRP como como no art. 6º CPA. Recuperamos quanto a este ponto o
argumento supra referido:“a igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual,
e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na medida da diferença”.

Deste modo, o princípio da igualdade desdobra-se por um lado, na proibição de


discriminação, e por outro, na obrigação de diferenciação. Alega o A. que a norma (entendemos aqui
o art. 29º aditado à Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020 pela Resolução do Conselho
de Ministros nº 96-B/2020) é discriminatória. Uma medida será discriminatória se estabelece uma
identidade ou uma diferenciação de tratamento para a qual, à luz do objetivo que com ela se visa
prosseguir, não existe justificação material bastante. Ademais, a obrigação de diferenciação traduz
plenamente a ideia de que o princípio da igualdade não obriga a uma igualdade absoluta e cega, mas
a um tratamento desigual para situações diferentes. Ora, um estabelecimento comercial com mais de
200 metros quadrados e cuja afluência de pessoas bem como a tendência para ajuntamentos é maior,
diferencia-se claramente de um estabelecimento que disponha de uma área de venda ou prestação de
serviços igual ou inferior a 200 metros quadrados com entrada autónoma e independente a partir da

se baseia a pretensão do A. , é formulada em moldes pouco precisos. Não obstante, e seguindo o entendimento
de Alberto dos Reis “Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se de linguagem
tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a
petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta” consideramos que, pela
razão fundamental do pedido de impugnação da Resolução do Conselho de Ministros nº96-B/2020 ser
suficientemente inteligível, a petição inicial não é considerada inepta.

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via pública, tendencialmente frequentado por um menor número de pessoas. Dada a diferenciação de
tratamento exigida pelas circunstâncias explanadas, bem como o objetivo subjacente de proteção de
saúde pública, entende este Tribunal que não se trata de uma norma discriminatória. Não estando em
causa um fundamento de ilegalidade previsto no nº1 do art. 281.º CRP, o pedido de declaração de
ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto (art. 73.º nº2 CPTA) não poderá deixar de ser
improcedente.

III.iv RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO

Regime aplicável

Remete-se para o que já foi exposto acerca da conclusão do Tribunal para a Associação “Pão e
Vinho”.

Ónus da prova da verificação dos pressupostos

Remete-se para o que já foi exposto acerca da conclusão do Tribunal para a Associação “Pão e
Vinho”.

Preenchimento dos Requisitos da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado

Apesar da matéria de facto dada como provada, esta não se afigura suficiente para que se possam dar
como verificados, cumulativamente, os cinco pressupostos de que depende a emergência da
responsabilidade civil extracontratual alegada pelo A., como fundamentado abaixo.

FACTO
A partir do articulado do A., e como foi já sustentado acima, conseguimos abstrair que o facto
voluntário se materializa com a aprovação da Resolução n.º 96-B, do Conselho de Ministros, de 12
de novembro de 2020. Constitui um facto positivo, determinado pela vontade do seu A..

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ILICITUDE
No tocante ao pressuposto da ilicitude, é alegado que esta decorre da violação de dois
preceitos constitucionais, mencionando a violação do princípio fundamental da igualdade e o direito
fundamental à livre iniciativa económica, dispostos nos artigos 13.º e 61.º da Constituição da
República Portuguesa.

O artigo 9.º da lei em questão engloba duas vertentes de ilicitude: uma objetiva e outra
subjetiva. Por consequência, entendemos que o A. acusa o Estado por ilicitude subjetiva em que estão
em causa os princípios da igualdade, liberdade (na sua vertente de liberdade de circulação de pessoas
e liberdade económica), iniciativa económica privada e propriedade privada.

Quanto à pretensa violação das disposições constitucionais, ocupar-nos-emos agora:

1. Princípio da igualdade:

Tal como bem refere o A., o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa consagra o
princípio da igualdade, segundo o qual “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais
perante a lei”. Posta esta menção (cfr. Artigo 52.º p.i.), não fundamenta o A. em que medida foi este
princípio violado, não havendo qualquer concretização, no caso concreto, da sua violação, e nesse
sentido, nunca seria possível, pela mera referência a estas disposições constitucionais, materializar a
suposta ilegalidade.

Mais ainda, e como bem se vê, olvida-se, de que o princípio da igualdade tem duas principais
decorrências do seu conteúdo: uma obrigação de diferenciação, e uma proibição de não
discriminação, tal como sufragado pelo Tribunal Constitucional (Acs. n.º 232/2003, n.º 96/2005, n.º
99/2010, n.º 255/2012 e n.º 294/2014) e alguma doutrina proeminente, avultando-se nomes como
FREITAS DO AMARAL, REBELO DE SOUSA e SALGADO DE MATOS. O que daqui se retira é
que este princípio não assegura uma igualdade cega, devendo esta atender às concretas especificidade
de cada situação, para que seja corretamente concretizado.

Decorre da primeira vertente mencionada que deve o Estado tratar de forma diferente o que
é juridicamente diferente e na medida da diferença. Estamos em crer que neste caso, se impõe dos
factos à luz desta particular decorrência, devendo ser tratadas de forma diferentes os estabelecimentos
comerciais, dependendo da sua área, uma vez que, quanto maiores as dimensões de um determinado
estabelecimento, mais potencial é a propagação da doença Covid-19 por vários motivos: não só
chamam os estabelecimentos de maiores dimensões um maior número de clientes que os de
dimensões inferiores, como, com uma maior área, se permite uma maior quantidade de clientes a
circular - e com uma maior quantidade de pessoas a circular, mais potenciada fica a propagação da

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Covid-19; mais ainda, é potenciada a formação de filas, ou seja, de aglomerados que, mais uma vez,
potenciam a propagação do vírus. Neste sentido, acompanhamos a ressalva feita no Ac. exarado por
este Tribunal, datado de 31/10/2020, Proc. 1022/20.1BALSB, em que afirma ser sensível à “incerteza
da evidência científica em que a medida se sustenta”. Procede, "não obstante, entende que, dada a
dificuldade que a actual gestão da situação de contágios apresenta, com um crescimento exponencial
e diferenciado de casos no território, com maior incidência dos mesmos em certos concelhos (facto
público e notório), a referida justificação se pode aceitar como critério que afaste a
inconstitucionalidade da medida”, quanto à imposição de medidas restritivas à circulação entre
Concelhos.

Concluímos assim que uma correta aplicação e concretização do princípio da igualdade, do


artigo 13.º CRP, levaria a uma justificação da diferença estabelecida pela Resolução n.º 96-B, entre
estabelecimentos de dimensões superiores a 200m2, e aqueles que não atinjam essa área máxima, por
via da decorrência de obrigação de distinção patente no conteúdo do princípio.

Temos ainda de ter conta que a adoção destas medidas restritivas surge, como bem sabemos,
no seguimento da declaração de estado de emergência, nos termos do artigo 138.º CRP, sendo estas
medidas que têm por teologia uma intenção, por parte do Governo, de controlar a situação
epidemiológica sentida no país. É nesse sentido que se impõem alguns sacrifícios aos negócios, de
modo a que possamos evitar uma situação de confinamento obrigatório e generalizado, como sucedeu
já em março deste ano, por via do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, que previa no seu artigo 5.º
um dever geral de recolhimento domiciliário.

Aplicando a argumentação aos factos de que nos ocupamos ora, concluímos pela legitimidade
constitucional da restrição imposta à abertura de certos estabelecimentos, com base nas suas
dimensões, na medida em que, atendendo ao quadro epidemiológico atual, é imperativa a tomada de
medidas que incitem à diminuição de deslocações por parte dos cidadãos, impedindo igualmente os
aglomerados que se possam formar, por exemplo, à entrada dos mesmos, como ademais, acima
justificamos.

E é devido ao ora exposto que consideramos que está respeitado o conteúdo essencial do
artigo 13.º CRP, respeitante ao princípio da igualdade, que é aplicável às pessoas colectivas, por via
da ressalva feita no artigo 12.º, n.º2 da Lei Fundamental, remissão que deveria ter sido, ademais, feita
pelo A..

Ressalvamos, no entanto, que, na formulação do A., no artigo 52.º da p.i., é apenas


mencionado, parcamente, o escopo do artigo 13.º, e não há uma qualquer alegação da medida em que
o direito é violado, sendo que não haveria qualquer obrigação do Tribunal de se pronunciar quanto a
esta questão.

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2. Direito fundamental à iniciativa económica privada

Já quanto à pretensa violação do artigo 61.º, n.º1 CRP, também teceremos alguns
comentários. É consagrado neste artigo o direito à liberdade de exercício de iniciativa económica
privada. No entanto, parece esquecer-se o A. de que o que se sucede, no seguimento do decretamento
do estado de emergência, e constante da Resolução que ora tratamos, é uma mera restrição do direito
fundamental, e não uma completa supressão do mesmo.

Ora, como prevê o artigo 18.º, n.º2 CRP, “a lei só pode restringir direitos, liberdades e
garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao
necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Um destes casos expressamente previstos, será o de declaração de estado de emergência nos
termos do artigo 138.º CRP, caso em que, para mais, se prevê no artigo 19.º CRP a possibilidade de
supressão de direitos fundamentais.

Neste sentido, tendo sido, fundamentadamente declarado estado de emergência, a


consequência extraída é a de que não só haveria legitimidade para suprimir direitos, como,
naturalmente, decorrência da regra a maiori ad minus, para restringir o seu exercício desde que dentro
do pressuposto da estrita necessidade, como até o estatui o artigo 18.º, n.º2 CRP. Concluímos pela
verificação da estrita necessidade das medidas adotadas, uma vez que assim o exige a salvaguarda do
bem jurídico saúde pública, maxime do direito à vida, consagrado no artigo 24.º CRP, ou à integridade
física, consagrado no artigo seguinte.

Nesse sentido, consideramos que o controlo da situação pandémica vivida no país justifica, e
tem vindo a justificar, as restrições impostas pela Administração, no exercício de Direitos
fundamentais, não insurgindo assim qualquer legitimidade para arguir a ilegalidade de atos que
procedam destas mesmas. No entanto, quanto a esta questão, remetemos para a ressalva feita supra,
com referência ao entendimento sufragado por este Tribunal, datado de 31/10/2020, Proc.
1022/20.1BALSB.

Reiteramos, que se impõem alguns sacrifícios aos negócios, de modo a que se consiga evitar
uma situação de confinamento obrigatório e generalizado, como sucedeu já em março deste ano, por
via do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, que previa no seu artigo 5.º um dever geral de
recolhimento domiciliário.

Novamente, ressalvamos, que, na formulação do A., no artigo 53.º da p.i., é apenas


mencionado, parcamente, o escopo do artigo 61.º, nº1, e não há uma qualquer alegação da medida em

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que o direito é violado, sendo que não haveria qualquer obrigação do Tribunal de se pronunciar quanto
a esta questão.

É no seguimento deste raciocínio que concluímos que não foram, pela Resolução n.º 96-
B/2020 do CM, violados quaisquer preceitos constitucionais, na medida em que não só não se
encontra violado o princípio fundamental da igualdade (13.º CRP), como se encontra justificada a
restrição ao direito fundamental ao livre exercício de iniciativa económica privada. É por esta via que
concluímos pela licitude do dito “facto voluntário”, como pressuposto essencial do surgimento de
obrigação de ressarcimento por danos na esfera do Estado.

Dando-se por não verificado um dos pressupostos essenciais à verificação da


responsabilidade extracontratual do Estado, é possível ao Tribunal concluir pela impossibilidade de
aplicação do instituto, não surgindo, deste modo, na esfera do Estado, uma obrigação de indemnizar
o A.. No entanto, tendo em conta a licitude do facto praticado, poderíamos, porventura, enquadrar a
responsabilização do Estado por factos lícitos, também conhecida como responsabilidade pelo
sacrifício. Quanto a esta questão, remetemos para a análise feita à Associação Pão e Vinho, referente
à responsabilidade civil extracontratual do Estado, negando-se também esta pretensão hipotética.

DANO
Cumpre apenas fazer uma breve referência ao dano, enquanto pressuposto da
responsabilidade civil extracontratual que, como sabemos, é especialmente relevante neste tema, já
que a sua reparação ou reintegração é a primária finalidade deste mesmo instituto, sendo este o
prejuízo ou perda que o “lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais,
espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar” (ANTUNES
VARELA, Das obrigações em geral, vol. I, 10.ª ed., 1980, p.598).

No entanto, e apesar, deste facto, não fundamenta A. a sua ocorrência, nem quantifica os
mesmos, como deveria ter feito, anexando a prova relevante para o efeito. É mencionado no artigo
45.º da p.i. que "o A. sofreu perdas e danos na medida em que procedeu a um abastecimento superior
ao habitual”. No entanto, esta menção não poderá, em caso algum, bastar-se enquanto determinação
dos danos, não havendo qualquer concretização dos mesmos, nem a título de estimativa.

Neste sentido, não seria possível, ainda que se constatasse pela verificação dos restantes
pressupostos, proceder a uma adequada quantificação da indemnização a conferir.

Mais ainda, tem a falta de determinação dos danos impacto na determinação do valor da
causa, nos termos do artigo 32.º, n.º5 CPTA, não sendo esta determinada pelo A., na sua petição
inicial.

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Deste modo, não estando verificados, cumulativamente, todos os pressupostos necessários à


procedência do pedido, não poderá este ser dado como procedente.

DECISÃO

Procedendo os atos impugnados dos vícios que os AA. lhes imputam, a presente ação considera-se:

I. Do pedido de intimação de uma revogação substitutiva do artigo 3.º do Decreto 8/2020


formulado pela Associação Pão e Vinho, este Tribunal julga improcedente;

II. Do pedido de impugnação do regulamento formulado pelo Pingo da Loucura, este Tribunal
julga improcedente;

III. Dos pedidos referentes à responsabilidade extracontratual do Estado, este Tribunal julga
improcedente;

Por conseguinte, o demandado é absolvido do pedido quanto aos pedidos formulados.

Custas da ação pelos recorrentes.

Voto de vencido:

Parte do entendimento que fez vencimento no presente acórdão, relativamente à adequação


do meio processual da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, assenta na ideia,
sufragada por Carla Amado Gomes (Pretexto, Contexto e Texto da Intimação para Proteção de
Direitos, Liberdades e Garantias in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão
Telles, V, 2003, p. 16) de que o objeto do pedido nesta intimação poderá ser um dos seguintes:

- A condenação da Administração na emissão de um ato administrativo ou na cessação de


efeitos deste;

- A condenação da Administração na adoção de uma conduta material, ou na abstenção de


uma determinada conduta material;

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- A condenação da Administração na emissão de um regulamento de execução, ou na


revogação substitutiva de um regulamento de execução ilegal;

A Associação Pão e Vinho específica na p.i. que o seu pedido consiste na revogação
substitutiva do art. 3.º do Decreto n.º 8/2020, de 8 de novembro, pelo que o Tribunal se ocupou de
densificar o conceito de revogação substitutiva de um regulamento de execução ilegal, tendo
concluído que aqui apenas cabem regulamentos que visem dar execução a uma lei, o que, neste caso
não sucedia.

Creio, porém, que esta é uma interpretação restritiva inadmissível do disposto no artigo
109.º, n.º1 do CPTA, o qual nos indica que esta intimação deve ser requerida quando “a célere emissão
de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou
negativa se revele indispensável (…)”. A lei não distingue, portanto, entre as situações em que esta
conduta se reporta à revogação substitutiva de um regulamento de execução de uma lei ou de qualquer
outro instrumento. Onde a lei não distingue, não deverá o intérprete fazê-lo.

Ademais, esta seria uma interpretação oneradora do particular, colocando-lhe entraves


adicionais no acesso a este meio processual, o que não é admissível, sob o ponto de vista do princípio
da legalidade, ao qual este Tribunal se encontra adstrito.

Por estes motivos, tendo votado parcialmente vencido, defenderia a admissibilidade do


recurso a este meio processual, no que respeita a este ponto.

Lisboa, 7 de dezembro de 2020

Ana Laura de Matos Santos


Beatriz Medina Vera-Cruz Pinto
Filipa Martinho Vieira da Costa e Silva
Francisco António Robalo
Giovanna Lacerda
Inês Bento Pedro
Inês Macedo Rodrigues dos Santos
Mariana Lino Ferraz Van Ossenbruggen
Nicole Borges Esposito
Sofia Carrilho Urbano
Sofia Duarte Tavares

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