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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia

Volume 1: Democracia,
Participação e Políticas
Públicas para o campo

Clovis Roberto Zimmermann


Diego Matheus Oliveira de Menezes
Danilo Uzêda da Cruz
Nilson Weisheimer
(organizadores)

Salvador
2022
Copyright © 2022 – Danilo Uzêda da Cruz

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios
empregados, sem a expressa autorização.

Capa e arte final


Lucas Kalil

Produção Editorial
Pinaúna Editora

Revisâo
Os organizadores

Direitos desta edição reservados à Danilo Uzêda da Cruz.

A Pinaúna Editora não necessariamente compartilha das mesmas opiniões


expressas pelo autor e seus colaboradores neste livro. A responsabilidade sobre
ideias e opiniões presentes no conteúdo deste livro é estritamente do autor.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

D383 Democracia, Participação e Políticas Públicas parao Campo [recurso


eletrônico] / organizado por Nilson Weisheimer...[et al.]. - Salvador :
Pinaúna Editora, 2022.
278 p. : PDF. – (Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia;
v.1)

Inclui índice e bibliografia.


ISBN: 978-65-86319-51-4 (Ebook)

1. Políticas públicas. 2 Campo. 3. Agricultura familiar. 4. Agricultura.


5. Democracia. 6. Organização. 7. Participação social. 8. Bahia. I.
Weisheimer, Nilson. II. Cruz, Danilo Uzêda da. III. Matheus Oliveira de
Menezes, Diego. IV. Zimmermann, Clovis Roberto. V. Título. VI. Série.

CDD 361
2022-2500 CDU 364

Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949

Índice para catálogo sistemático:


1.Políticas públicas 361
2. Políticas públicas 364
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia

Volume 1 Democratização, participação e políticas públicas para


o campo
Organizadores: Clovis Roberto Zimmermann, Danilo Uzêda da Cruz,
Diego Matheus Oliveira de Menezes e Nilson Weisheimer
No primeiro volume da coleção os temas democracia, participação
social e políticas públicas se articulam nos artigos apresentados.
Essa perspectiva teórico-metodológica possibilita colocar em evi-
dencia e diálogo campos de conhecimento ora distantes, mas que
se intercruzam em suas análises, permitindo uma ampla leitura da
realidade social e polítca no mundo rural. Imersos em um contexto
político controverso, do ressurgimento do pensamento conservador
e do amplo processo de desdemocratização e regressão política que
o mundo vive, os textos reunidos aqui podem ser uteis para as pes-
quisadoras e pesquisadores nas diferentes áreas do conhecimento.
Do mesmo modo a avaliação das políticas públicas para o mundo
rural reaparece como um importante espaço de pesquisa e análise.
As diversas pesquisas e análises desse primeiro volume buscam as-
sim apresentar um novo cenário político no campo, mas também
dialogar com arenas tradicionais de participação política, como sin-
dicatos, associações, partidos políticos, etc. Essa dinâmica participa-
cionista fazem parte da longue durée da história dos movimentos
sociais do campo, como também já conta com uma sedimentada li-
teratura sobre o tema no Brasil e na Bahia.

Volume 2 Educação, ATER e Cooperativismos: processos, contextos


sociais e aprendizagem
Organizadores: Lilian Freitas Fernandes Uzêda, Márcio Caetano de Aze-
vedo Lopes, Tatiana Ribeiro Velloso, Lúcia Marisy Souza Ribeiro e Dani-
lo Uzêda da Cruz
O segundo volume reunirá pesquisas que tratem de Educação do
campo, suas tecnologias e metodologías, a ATER e as formas de Coo-
perativismos. As diversas iniciativas e experiências de organizações
da sociedade civil, como também de poderes públicos passam a
ser pesquisadas e sistematizadas a partir dos centros de pesquisa e
aparecem nos programas de pós-graduação consolidando uma im-
portante literatura já disponível. A diversas matrizes teórico-meto-
dológicas e vivencias aparecerão nesse volume a partir das pesqui-
sas em curso ou finalizadas, que permitirá ainda que experiências
de organizações da sociedade civil e poderes públicos sejam publi-
cados, demonstrando a interdisciplinaridade e amplitude do tema.
O volume reunirá assim campos de pesquisa que reconectam edu-
cação, ATER e as múltiplas expressões cooperativistas na perspecti-
va do rural baiano.

Volume 3 Convivência com o Semiárido: experiências, vivências e


transformações
Organizadores: Danilo Uzêda da Cruz, Gilmar dos Santos Andrade, Jor-
ge Luiz Nery de Santana e Tiago Pereira da Costa
O terceiro volume reuniu pesquisas e experiencias em torno do se-
miárido e sua diversidade, os problemas e o relacionamento com
questões históricas, observando a convivência com o semiárido,
agroecologia e bem viver. Ao reunir esses estudos e pesquisas o vo-
lume pretende oferecer ao grande público e ao público especializa-
do alternativas para o existir e o viver no semiárido, oportunizan-
do uma ampla reflexão sobre práticas e políticas nesse lugar social,
ambiental, cultural, econômico e político de grandes contingentes
populacionais.

Volume 4 Terra, territórios e territorialidades


Organizadores: Carla Craice da Silva, Renata Alvarez Rossi, Danilo Uzê-
da da Cruz e Rafael Buti
O quarto volume da Coleção busca refletir as pesquisas sobre o vas-
to tema da Terra, suas implicações nos assentamentos humanos e
as populações camponesas, os territórios e territorialidades. As pes-
quisas que compõem esse volume refletem em alguna medida as di-
námicas mais longevas da questão rual, sobretudo as que envolvem
o pertencimento, identidade e a posse da terra, há décadas como
um problema e dilema social não resolvido por sociedades e go-
vernos gerando e ampliando conflitos e desigualdades duradouras
que repercutem no extenso tecido social. Os artigos aquí reunidos
demonstram o estado da arte das pesquisas em curso sobre a temáti-
ca e ainda possibilita refletir sobre alternativas de políticas públicas
para a melhoria das populações desses espaços, e oferecer possibili-
dades metodológicas para novos horizontes de pesquisa.

Volume 5 Tensões e dilemas do Rural Baiano contemporâneo: gê-


nero, geração e comunidades tradicionais.
Organizadoras: Lidia Cardel, Maria de Lourdes Novaes Schefler, Ubira-
nela Capinan e Danilo Uzêda da Cruz
O quinto volume traz artigos que abordam temas de pesquisa no
campo das relações sociais de gênero, juventude, populações de co-
munidades tradicionais, povos originários e quilombolas. Esse am-
plo tema encontra-se em um momento de pesquisa oportuno, dado
a persistência e permanência de desigualdades duradouras, ou por-
que a pesquisa acadêmica vem ampliando seu olhar para as popu-
lações do campo. Ao contrário do que uma certa tradição histórica de
pesquisa anotou ao longo do século passado, as contradições sociais
não são menores para as populações rurais e a modernidade-mun-
do não representou a superação de dilemas sociais, senão pelo con-
trário. As pesquisas tem apontado que fenômenos interseccionais
atuam sobre essas populações, fragilizam políticas e fragmentam a
experiência social de mulheres, negros, povos originários, jovens e
população idosa. Do mesmo modo, as transformações recentes para
comunidades de fundo e fecho de pasto, ribeirinhas, quilombolas
e assentados tem aumentado o interesse de pesquisa dos centros
universitários.

Volume 6 O desenvolvimento rural e o enfrentamento às


desigualdades.
Organizadores: Danilo Uzêda da Cruz, Andreia Andrade dos Santos,
Egla Ray Passos Costa, Ivan Leite Fontes
As desigualdades persistem como um dilema social longevo. É nu-
trido por contradições históricas não resolvidas que fazem persistir
problemas societais para as populações dos diversos espaços sociais.
As populações rurais sentem em igual medida, ou em determinados
contextos ainda mais, essas contradições. O sexto e último volume
dessa coleção apresenta pesquisas que contribuem de forma inédi-
ta com a compreensão dessas dimensões e dilemas do rural face as
desigualdades. Nele estão abordados trabalhos em torno da supe-
ração dos desafios e dilemas da desigualdade da agricultura fami-
liar e populações do campo na Bahia, o desenvolvimento rural como
um problema político e social e as experiências de políticas públicas
para a superação desses entraves históricos. Por se tratar do último
volume da coleção, também trará um capítulo especial de balanço
dos demais volumes, no qual se abrirá um diálogo em busca de alter-
nativcas para o rural baiano.
Índice

Apresentação Geral da Coleção ...................................................................................... 13


Danilo Uzêda da Cruz (Coordenador Geral da Coleção)

Nota da Editora ..................................................................................................................... 19


Carolina Dantas (Pinaúna Editora)

Apresentação ao Volume 1 ............................................................................................... 21


Clovis Roberto Zimmermann, Diego Matheus Oliveira de Menezes, Danilo Uzêda da
Cruz e Nilson Weisheimer (organizadores)

Prefácio ....................................................................................................................................29
Leonardo Avritzer e Priscila Delgado de Carvalho

Referências ...................................................................................................................... 33

A desmercantilização nas políticas sociais .............................................................. 35


Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva

Introdução ....................................................................................................................... 35

O processo de mercantilização no capitalismo ............................................. 40

Os conservadores e a pré-mercantilização das relações sociais .............. 41

Os liberais e a defesa da mercantilização...........................................................44

Os socialistas e a luta pela desmercantilização das relações sociais ....47

Desmercantilização das relações sociais no mundo real ............................50

Acesso a benefícios sociais e principais determinantes da desmercantilização


52

A divisão de responsabilidades entre Estado, mercado e família ............56

Considerações finais....................................................................................................58

Referências ..................................................................................................................... 61

COVID-19 e políticas públicas para o rural baiano: notas de emergência e enfrenta-


mento à crise .........................................................................................................................65
Tatiana Corsini Schwartz, Aditi Doria Vaz Almeida, Fernanda Barretto e Danilo
Uzêda da Cruz

Introdução .......................................................................................................................65

Debates em torno da estratégia de desenvolvimento rural sustentável.67


Estratégias Políticas contra o COVID ...................................................................73

Perspectivas para agricultura familiar e campesinato ................................75

Referências ......................................................................................................................76

Políticas públicas para o Desenvolvimento Rural Sustentável: aquisição de gêne-


ros alimentícios na modalidade compras institucionais da agricultura familiar
......................................................................................................................................................85
Ludgero Rêgo Barros Neto e Armando Lírio de Souza

Introdução .......................................................................................................................85

Metodologia ................................................................................................................... 90

Discussões ...................................................................................................................... 90

Resultados........................................................................................................................96

Considerações finais....................................................................................................97

Referencias ......................................................................................................................99

Democracia e acesso à terra: condições de trabalho e produção nos estabelecimen-


tos agropecuários em assentamentos da Bahia .................................................... 101
Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de
Azevedo

Introdução ..................................................................................................................... 101

A luta democrática pelo direito à terra .............................................................102

Trabalho e produção nos estabelecimentos agropecuários de assentamentos


.............................................................................................................................................107

Considerações finais..................................................................................................126

Referências ....................................................................................................................128

A dupla morte: uma avaliação da política indigenista no Governo Bolsonaro


.....................................................................................................................................................129
Rafael Xucuru-Kariri

Introdução .....................................................................................................................129

As Cartas dos Povos Indígenas ao Brasil ............................................................131

Formas de exclusão .................................................................................................... 137

Avaliando intenções ..................................................................................................146

Referências ...................................................................................................................148
Autonomia política: voz e visibilidade das mulheres do empreendimento Nossa
Polpa ........................................................................................................................................ 153
Gisleide do Carmo Oliveira Carneiro

Introdução ..................................................................................................................... 153

Referências: ..................................................................................................................168

O MROSC entre dilemas e alternativas: dos entraves no arranjo institucional à


incertezas sociais ............................................................................................................... 171
Alane Amorim Barbosa Dias e Danilo Uzêda da Cruz

Introdução ..................................................................................................................... 171

Falando de democracia... .........................................................................................174

O breve percurso do MROSC na Bahia .............................................................. 181

Organizações da Sociedade civil rurais e a experiência democrática.. 185

Porque essa experiência democrática é incompleta? ..................................186

Entre incertezas e perspectivas: qual o lugar do MROSC na agenda política das


organizações da sociedade civil? ..........................................................................188

Referências ................................................................................................................... 191

Associativismo estudantil: a atuação dos 10 anos da Realiza Jr. no Território do


Sisal ..........................................................................................................................................199
Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas
Vencimento

Introdução .....................................................................................................................199

Associativismo ............................................................................................................200

Metodologia ................................................................................................................. 205

Conhecendo o movimento Empresa Júnior ...................................................206

Considerações finais ................................................................................................. 213

Referências ...................................................................................................................214

Orçamento participativo nas cidades brasileiras: a experiencia de Vitória da Con-


quista no direito à cidade ...............................................................................................217
Renato Luz Silva

Introdução .....................................................................................................................217

Direito à cidade ...........................................................................................................219


A experiência do op no Brasil e na Bahia ........................................................ 225

Referências ...................................................................................................................235

O tecido associativo e a transformação política: o caso do Território do Sisal no


estado da Bahia-Brasil ..................................................................................................... 247
Edinusia Moreira Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva

Introdução .................................................................................................................... 247

O Território do Sisal: breve histórico do cultivo da agave sisalana na Bahia e


caracterização da cadeia produtiva. .................................................................. 249

A ampliação da desigualdade: concentração de capital e poder político255

O associativismo no Território do Sisal e a luta contra as desigualdades econô-


micas e políticas ......................................................................................................... 258

Considerações Finais ............................................................................................... 264

Referências ................................................................................................................... 266

Sobre as autoras e autores ............................................................................................ 269


Volume 1: Democracia, particpação e políticas sociais para o campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Apresentação Geral da Coleção

Danilo Uzêda da Cruz (Coordenador Geral da Coleção)

É com muita honra, alegria e compromisso que ora apresentamos


a Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia, sob selo editorial
da Editora Pinaúna, para a comunidade acadêmica e comunidade
em geral. Os seis volumes que compõem a coleção trazem contri-
buições fundamentais para a compreensão e discussão dos temas
mais relevantes para as populações do campo, seus dilemas, proble-
mas e alternativas sociais desenvolvidas a partir de experiências e
trajetórias culturais, políticas e econômicas.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia, partiu de uma
lacuna existente na pesquisa acadêmica em torno do rural baiano e
sua multidimensionalidade, ensejando ampliar os espaços de divul-
gação das pesquisas em andamento ou concluídas por pesquisado-
ras e pesquisadores em diversos momentos da carreira acadêmica.
A pouca visibilidade das pesquisas sobre o mundo rural tem obriga-
do pesquisadores a buscar referências em realidades e experiências

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

distantes, via de regra, no eixo sul-sudeste, e mais recentemente em contex-


tos de outros países latino-americanos.
A coletânea tem o propósito central de oferecer às pesquisadoras e
pesquisadores presentes e futuros, estudantes, poderes públicos, gestores
e comunidade em geral uma ampla visão da pesquisa sobre o rural con-
temporâneo na Bahia, possibilitando o reconhecimento do mundo rural e
sua diversidade, como também um maior conhecimento de métodos e téc-
nicas de pesquisa para compreender/entender esse espaço. Essa múltipla
abordagem e interseccionalidades do fenômeno possibilita que políticas
públicas sejam empreendidas com mais assertividade, como também que
a sociedade se reconheça como sujeito de processos econômicos, sociais,
políticos e ambientais, proporcionando um ambiente pedagógico interes-
sante para a geração presente e futura.
Apesar da existência de programas de pós-graduação, graduação e cam-
pos específicos que analisam o mundo rural baiano, com pesquisas de re-
ferência e centros de excelência científica com enfoque no rural, os estudos
nesse campo são marcados por uma dispersão. A Coleção tenta renovar a
força teórica e metodológica para compreender o campo, o rural, a rura-
lidade e as formas de organização das populações que vivem “do”, “no” e
“para” o campo.
Nesse sentido discutir o mundo rural da Bahia, a partir de uma dinâ-
mica e estratégia de desenvolvimento rural sustentável com pesquisas em
desenvolvimento sobre o tema e trabalhos relevantes que tem contribuí-
do para o desenvolvimento rural e temas afins, é um diagnóstico de que
algo mudou no campo, ou que havia obstáculos políticos, culturais, sociais,
econômicos, simbólicos e ideológicos para que nossa compreensão sobre
esse universo se alargasse e possibilitasse enxergar a diversidade e multi-
plicidade, bem como particularidades do campo, sem que partíssemos de
uma premissa do urbano e da cidade.
A realização dessa coleção, abrigou pesquisadoras e pesquisadores in-
teressadxs no tema do mundo rural baiano. Isso implica em dizer que não
há uma só orientação teórica e metodológica. São várias as experiencias
acadêmicas reunidas no pensamento crítico nas ciências, como também
foram preservados os estilos de escrita e o enfoque de cada um, cada uma.
Há, outrossim, uma premissa que orienta essa coleção. Os estudos aqui
apresentados tem conteúdo científico, portanto acadêmico, e como con-
sequência não estão entre os artigos selecionados aqueles cuja fragilidade

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

teórica ou indução ideológica levam para o lugar obscuro do negacionismo


ou do conservadorismo acadêmico, que apenas é uma face política que des-
acredita e desfavorece o conhecimento e sua amplitude.
Isso não quer dizer que falarão apenas coisas bonitas sobre o rural. An-
tes pelo contrário. Encontramos ao ler os artigos reunidos um rural com
muitos problemas e sob forte ataque da violência, degradação ambiental e
do retorno da pobreza e da miséria. Um lugar que viu crescer e perpetuar
desigualdades duradouras e profundas, diminuindo e ceifando gerações
após gerações de vida digna. É, portanto, uma Coleção comprometida com
o campo e suas populações que criticamente querem analisar e informar
sobre o rural em dinâmica plural.
Esta produção ora oferecida à sociedade, às instituições de ensino, pes-
quisa, fomento, às associações de produtores, às Comunidades, Organi-
zações da sociedade civil, Associações Populares e etc., em algum momen-
to poderá servir de instrumento metodológico para o desenvolvimento
econômico, social e cultural das mesmas populações do campo que foram
sujeitos das pesquisas e ainda para o desenvolvimento de pesquisas ulte-
riores ou formulações de políticas.
A disseminação destes resultados será encaminhada à população, prin-
cipalmente aquela que trabalha ou pesquisa diretamente com o mundo ru-
ral, na promoção do desenvolvimento rural sustentável. Pretende também
alcançar agricultores, líderes de projetos em comunidade e os aplicadores
das técnicas.
Em números, a coleção reúne 150 pesquisadoras e pesquisadoras dos
diversos centros de conhecimento e universidades de todo o Brasil, mas
também com autorias de sujeitos da sociedade civil organizada em colabo-
ração acadêmica com esses centros científicos.
Distribuídos em seis volumes, em temas que se entrecruzam, os 74 arti-
gos recebidos foram analisados e aprovados por pares, em um processo de
envolvimento e dedicação das/os organizadoras/res de cada volume.
O primeiro volume Democracia, participação e Políticas Públicas para
o campo, é organizado por Clovis Roberto Zimmermann, Danilo Uzêda da
Cruz, Diego Matheus Oliveira de Menezes e Nilson Weisheimer e estão re-
unidos artigos que dialogam com o vasto tema da participação e políticas
sociais pra o campo.
Já o segundo volume Educação, ATER e Cooperativismos: processos,
contextos sociais e aprendizagens, organizado por Lilian Freitas Fernandes

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Uzêda, Márcio Caetano de Azevedo Lopes, Tatiana Ribeiro Velloso, Lúcia


Marisy Souza Ribeiro e Danilo Uzêda da Cruz estão pesquisas e experiên-
cias que tratam da Educação "do", "no" e "para" o campo, tecnologias sociais
e cooperativismos.
As pesquisas e experiencias do terceiro volume organizado por Danilo
Uzêda da Cruz, Gilmar dos Santos Andrade, Jorge Luiz Nery de Santana e
Tiago Pereira da Costa, com o título de Convivência com o Semiárido: expe-
riências, vivências e transformações situam-se nas múltiplas abordagens
que o semiárido pode oferecer e sua diversidade bem como com o relacio-
namento das questões históricas, observando a convivência com o semiári-
do, agroecologia e bem viver.
No quarto volume Terra, territórios e territorialidades é organizado por
Carla Craice da Silva, Renata Alvarez Rossi, Danilo Uzêda da Cruz e Rafael
Buti traz pesquisas envolvendo a questão agrária, assentamentos e suas di-
versidades, territórios e as dimensões da identidade territorial.
Em Tensões e dilemas do Rural Baiano contemporâneo: gênero, geração
e comunidades tradicionais, estão reunidos artigos que tratam de temas de
pesquisa no campo das relações sociais de gênero, juventude, populações
de comunidades tradicionais, povos originários e quilombolas. O volume é
organizado por Lidia Cardel, Maria de Lourdes Novaes Schefler, Ubiranela
Capinan e Danilo Uzêda da Cruz
O sexto e último volume O desenvolvimento rural e o enfrentamento
às desigualdades, organizado por Danilo Uzêda da Cruz, Andreia Andrade
dos Santos, Egla Ray Passos Costa, Ivan Leite Fontes estão abordados tra-
balhos em torno da superação dos desafios e dilemas das desigualdades,
da agricultura familiar e populações do campo na Bahia, como também
indicações para pensar a renovação das políticas públicas.
Agradecemos a Pinaúna Editora por aceitar e empreender conjunta-
mente o projeto dessa coleção, mesmo em um momento tão adverso para
toda a sociedade. Em nome de todos as organizadoras e organizadores nos-
so agradecimento. Grato também as autoras e autores que enviaram seus
artigos, as organizadoras e organizadores que atuaram com muita dedi-
cação para que o projeto fosse finalizado.
É uma coleção escrita, organizada e finalizada durante um dos mais
graves momentos mundiais da história, a Pandemia do COVID 19. IO Braisl
pea ausência de políticas de contenção, negacionismos e desmobilização

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

empreendida pelo governo federal foi amplamente impactado, com mais


de 670 mil mortes e milhões de infectados.
Isso também nos mantém reflexivos, atentos e esperançosos por dias
melhores e mais justos.
Esperamos que as leituras e leitores gostem do resultado desse esforço
acadêmico, que é também político.
Boa leitura!

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Nota da Editora
Carolina Dantas (Pinaúna Editora)

A Pinaúna Editora tem o enorme prazer de apresentar o resulta-


do editorial de um grande projeto acadêmico.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia reúne pesqui-
sadores de diversos centros acadêmicos de toda a Bahia e de Univer-
sidades do Sul, sudeste e Nordeste, contando com artigos de pesqui-
sadores de outros países da América Latina.
O circuito que une e enlaça os artigos diz respeito aos temas do
rural baiano e brasileiro. Estão reunidos aqui resultados de pesquisa,
individuais e de grupo, de onde partiram estudiosos já consolidados
e outros em seus momentos iniciais de pesquisa e carreira acadêmi-
ca. Aqui reside um dos grande encontros apaixonantes da coleção:
colocar em movimento pesquisas e pesquisdorxs de diversos perfis
e campos científicos em momentos distintos de partida e de chegada
na pesquisa científica.
O projeto cujo liame foi tecido com paciência pedagógica, cuida-
do e um ambiente de afetividade, foi abraçado pela Pinaúna Editora
desde que nos foi apresentado. Percebemos no projeto uma inicia-
tiva pioneira nos estudos do mundo rural na América Latina. Sua
perspectiva interdisciplinar, histórico-crítica e atenta às mudanças e
aos contextos específicos.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia chega ao públi-
co em sua versão digital e gratuita e está disponível nas plataformas
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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

da Pinaúna Editora para baixar e compartilhar livremente. Essa in-


ciativa busca promover e estimular novos estudos, novas abordagens
e o acúmulo teórico-metodológico em torno dos temas da coleção.
Esperamos que a Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia
possa servir para o aprofundamento científico, além do aprimora-
mento de políticas públicas para as populações rurais em suas diver-
sas demandas sociais.
A todas as pessoas uma boa leitura!
Pinaúna Editora.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Apresentação ao Volume 1

Clovis Roberto Zimmermann, Diego Matheus Oliveira de Menezes,


Danilo Uzêda da Cruz e Nilson Weisheimer (organizadores)

No primeiro volume Democracia, participação social e Políticas


Públicas para o campo reunimos artigos que dialogaram com o vasto
tema da participação e políticas sociais para o campo.
As conexões entre a participação política e a democracia é um
tema caro às Ciências Sociais. A longa tradição de estudos sobre a
temática têm indicado o potencial de educação política da partici-
pação (Pateman, 1992), a importância da deliberação pública para
o processo decisório ( Habermas, 1994; Avritzer, 2000), a existência
de instituições participativas (Avritzer, 2008; Cortes, 2011; Almeida,
2014) e a influência de processos participativos na formulação de po-
lítica públicas (Lopez e Pires, 2010; Almeida, Martelli e Coelho, 2021).
Destaca-se que desde a Constituição Federal de 1988 buscou-se
investigar os instrumentos participativos que emergiram no Brasil.
Uma grande contribuição desse campo de estudos é a ideia de que
a participação social, dentro ou fora das instituições, ocorre em um
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21
ClovisRobertoZimmermann,DiegoMatheusOliveiradeMenezes,DaniloUzêdadaCruzeNilsonWeisheimer(organizadores)
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

contexto de heterogeneidade do Estado e da sociedade civil (Dagni-


no, Olvera e Panfichi, 2006). Ademais, ao longo dos anos, o impacto
da participação nas políticas públicas foi analisado, avaliado e moni-
torado, apontando para as diversidades de interação entre formas de
participação e dinâmicas de formulação e implementação de políti-
cas públicas.
Entretanto, apesar do destacado esforço analítico, as conexões
entre participação e políticas públicas rurais apresentam-se como
uma lacuna nos estudos da participação política. Em consequência,
o quadro analítico que orienta nossas conclusões sobre a trajetória
da participação no Brasil está fundamentado principalmente em
dinâmicas urbanas, reforçando, portanto, a urgência de estudos so-
bre a participação em políticas públicas rurais

Os últimos anos foram de grande dificuldade para as populações


do campo. Em parte a regressão na política reverteu um movimento
democrático que pareceu nos anos iniciais da década de 1990 não
ter fim, e caminhar para a melhoria da democracia brasileira. Os
avanços constitucionais, os processos participativos ao longo dos
anos 1990 e a eleição de um nordestino, ex-metalúrgico e dirigente
sindical no início dos anos 2000, embalado pela Maré Rosa, concre-
tizou programas sociais, políticas públicas e a construção de uma
agenda consolidada que teve a superação da fome e da pobreza rural
elementos centrais, sobretudo após a criação ou ampliação de pro-
gramas voltados especificamente para as populações do campo.
Essa corrente democratizante dos recursos públicos, que contou
ainda com a reformulação administrativa e institucional do Estado
brasileiro (a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e
os programas de aquisição de alimentos e alimentação escolar são
parte dessas mudanças), esteve monitorada e animada por amplos
coletivos e espaços participativos, fóruns, audiências públicas, con-
selhos e colegiados que autorizavam ou orientavam políticas públi-
cas “realistas”. Essas políticas, ainda que não tenham significado a
revolução no campo - com contradições históricas e não resolvidas
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Apresentação ao Volume 1
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

de períodos anteriores - representaram um avanço significativo na


resolução desses dilemas e desigualdades profundas e persistentes. A
avalanche anti-democrática que tomou conta da política nacional e
das unidades subnacionais desmontou o amplo espectro democráti-
co e de políticas públicas para essas populações em nome do capital
internacional e da elite econômica nacional.
Completando esse cenário distópico e de retirada do Estado das
políticas públicas para o campo, a crise sanitária provocada pela
pandemia do COVID 19 alastrou o desemprego, a pobreza e a fome
no campo, como no mundo urbano. Populações inteiras e comuni-
dades locais se viram sem alternativas econômicas para sobrevivên-
cia e enfrentamento à crise. Não bastasse a crise sanitária, o governo
Federal, capitaneado pelo próprio presidente Bolsonaro e seus mi-
nistros, passou a atacar de forma direta as populações do campo e
seus territórios. Agricultores familiares, camponeses, quilombolas,
indígenas e ribeirinhos viraram alvo preferencial do governo em sua
ação de desmonte do Estado, da anti-política e da destruição da de-
mocracia e suas instituições.
Os artigos aqui reunidos tratam das questões e dilemas sociais no
amplo e complexo temário da Democracia, participação e políticas
públicas para o campo.
Como as leitoras e leitores poderão observar o tema de democra-
cia e participação sofreu um recuo nas pesquisas atuais ou em des-
envolvimento. Nos eventos e encontros de Ciência política nacionais
e internacionais encontramos menos de 5% dos trabalhos voltados
para esse tema específico quando associados ao mundo rural e suas
populações. Claro está que isso é resultado do contexto desmobili-
zante e desdemocratizante, repercutindo fortemente na produção
científica do campo do conhecimento.
Entretanto, no outro pólo, as pesquisas sobre o mundo rural, ana-
lisando as diversas políticas públicas e programas, tem ganhado ex-
pressão nos cursos de pós-graduação e outros centros de pesquisa
em todo o país.

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ClovisRobertoZimmermann,DiegoMatheusOliveiradeMenezes,DaniloUzêdadaCruzeNilsonWeisheimer(organizadores)
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

O capítulo de abertura do volume A desmercantilização nas po-


líticas sociais, dos pesquisadores Clovis Zimmermann e Marina da
Cruz Silva apresenta um corajoso debate sobre um princípio inova-
dor, denominado de desmercantilização, formulado recentemente
por Esping-Andersen contemporaneamente incorporado ao estudo
das políticas sociais. A principal proposição dos autores consiste em
avaliar o grau de autonomia e independência dos indivíduos em re-
lação ao mercado. A contribuição é singular e inovadora enfatizan-
do a importância dos arranjos institucionais das políticas sociais,
considerando não somente os direitos e garantias, mas sobretudo o
entrelaçamento do Estado com o mercado e a família na provisão de
políticas sociais.
Em Covid-19 e políticas públicas para o rural baiano: notas de
emergência e enfrentamento à crise, o grupo de pesquisadores Ta-
tiana Corsini Schwartz, Aditi Doria Vaz Almeida, Fernanda Barretto
e Danilo Uzêda da Cruz refletem sobre os impactos sociais e econô-
micos da pandemia do da COVID-19 no mundo rural, demarcando a
fragilidade e ineficácia das políticas nacionais para o contencioso do
vírus, e ações de assistência as populações atingidas. A fragilidade
sistêmica no enfrentamento público às consequências desse quadro
atingiram de forma marcante e determinante as populações rurais.
É o que tenta demonstrar esse estudo inicial, identificando aquelas
políticas estaduais que contribuíram para mitigar esse drama social.
Para Ludgero Rêgo Barros Neto e Armando Lírio de Souza, auto-
res de Políticas públicas para o desenvolvimento rural sustentável:
aquisição de gêneros alimentícios na modalidade compras institu-
cionais da agricultura familiar, o Programa de Aquisição de Alimen-
tos necessita de regulação dos processos de comercialização, gestão e
transporte, e processamento para ganhar amplitude e relevo na par-
ticipação da agricultura familiar. Analisam documentos e dados a
partir das aquisições realizadas pelo campus Lapa do IF Baiano, tor-
nando o estudo uma contribuição metodológica importante e séria
no trato das fontes e dados públicos.

26 24
Apresentação ao Volume 1
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Em Democracia e acesso à terra: condições de trabalho e pro-


dução nos estabelecimentos agropecuários em assentamentos da
Bahia, os pesquisadores Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Ro-
berto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo apresentam um
estudo sobre a luta e posse da terra e as condições de produção e tra-
balho nos assentamentos do extremo sul da Bahia. Com uma vasta
documentação e dados o artigo traz como argumento os paradoxos
na produção de alimentos nesses assentamentos, já que apesar dos
indicadores similares ou superiores aos do agronegócio, a pesquisa
identificou que as condições de trabalho e produção são limitadas.
Avaliando a política indigenista do governo Bolsonaro, o pesqui-
sador Rafael Xurucu-Kariri, escuta as populações indígenas para
construir esse texto inquietante e preocupante sobre as condições
materiais das populações indígenas na Bahia. Assim o artigo A dupla
morte: uma avaliação da política indigenista no Governo Bolsonaro
nos oferece duplamente um material teórico-metodológico bem fun-
damentado, como também a possiblidade de escutar por meio das
entrevistas e dados revelados na pesquisa a voz das populações indí-
genas e sua agenda de políticas públicas.
Partindo de um estudo de caso, a pesquisadora Gisleide do Carmo
Oliveira Carneiro, em Autonomia política: voz e visibilidade das mul-
heres do empreendimento nossa polpa analisa uma política pública
em execução e as possibilidades políticas que a autonomia de mulhe-
res empreendedoras da agricultura familiar. Para a autora a gestão
compartilhada e a geração de renda e tecnologia possibilita as mul-
heres trabalhadoras rurais poder decisório e autonomia política na
comunidade repercutindo fortemente nas relações intrafamiliares.
As alterações na transferência de recursos implantadas a partir
do marco regulatório das organizações da sociedade civil (MROSC)
modificou o arranjo institucional e a relação política entre Estado
e sociedade civil. Entretanto o processo de aprendizado de ambas
esferas ainda demandará tempo e ajustes políticos para que a ex-
pressão democrática possa ser sentida de forma mais efetiva. É esse
o argumento presente em O MROSC entre dilemas e alternativas: dos
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25
ClovisRobertoZimmermann,DiegoMatheusOliveiradeMenezes,DaniloUzêdadaCruzeNilsonWeisheimer(organizadores)
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

entraves no arranjo institucional à incertezas sociais, dos pesquisa-


dores Alane Amorim Barbosa Dias e Danilo Uzêda da Cruz.
Apresentando as ações da Realiza Jr. em dez anos de atuação as
pesquisadoras Aline Matos Santos, Adriana Carneiro da Silva e Nívia
Valeria Carneiro Rosas Vencimento, buscam no capítulo Associati-
vismo estudantil: a atuação dos 10 anos da Realiza Jr. no Território do
Sisal demonstrar que essa modalidade de associativismo estudantil,
iniciativa de estudantes universitários que coletivamente buscam
a aplicabilidade dos conhecimentos adquiridos em sala de aula na
conjuntura empresarial da região, pode viabilizar uma extensa rede
de sociabilidade e cooperação. Esse esforço analítico conta com uma
vasta revisão bibliográfica, dados primários e aporte metodológico,
contribuindo indiciariamente para novos estudos em torno do tema.
Em Orçamento participativo nas cidades brasileiras: a experien-
cia de Vitória da Conquista no direito à cidade, o pesquisador Renato
Luz Silva discute a experiencia da cidade baiana no orçamento par-
ticipativo. Ainda que o tema tenha sido ampliamente debatido ao
longo da década de 1990, o artigo renova as potencialidades da parti-
cipação e reflete à luz do direito à cidade, tornando o estudo original
e epistémicamente innovador.
O último artigo do volume, O tecido associativo e a transformação
política: o caso do Território do Sisal no estado da Bahia-Brasil, retor-
na ao tema do asociativismo, analizando as mudanças e permanên-
cias do na região sisaleira baiana. Assim os autores Edinusia Moreira
Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva nos possibilitam pensar em
três dimensões de análise. A primeira diz respeito ao asociativismo
como forma de organização da sociedade. Também nos engajam na
reflexão da política como agente transformador. E por último obser-
vam a política pública e o Estado em ação na dinâmica territorial.
Que nenhum livro, pesquisa ou conhecimento encerra-se em si
mesmo ou está completo, a experiência histórica e as novas abor-
dagens em teoria social tem demonstrado. Nesse mesmo sentido o
volume que apresentamos não é um compêndio com absolutismos
teóricos ou experiencialismos finalísticos. A experiência histórica
28 26
Apresentação ao Volume 1
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

das sociedades e populações demonstram o contrário, sempre há es-


paço para transformações, mudanças e revoluções epistemológicas
e científicas. Há sempre lugar para complementos, contraditórios e
debates científicos.
O que o volume propõe, distante desse essencialismo, é oferecer
leituras e abordagens sobre o rural baiano, a partir do diálogo com
a teoria democrática e as políticas públicas. No contexto da coleção
mundo rural contemporâneo na Bahia, e das ciências sociais e hu-
manas em geral, são pesquisas de fundamental importância para di-
zer sobre as populações desse amplo e diverso espaço.
Esperamos que cada capítulo individualmente e seu conjunto
na forma deste volume possibilite novas pesquisas, novas aborda-
gens, novas leituras sobre o rural e sua multidiversidade política e
de políticas.

Boa leitura!

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Prefácio

Leonardo Avritzer e Priscila Delgado de Carvalho

É muito bem-vindo o esforço que resulta neste livro, atento a dinâ-


micas de crise na democracia brasileira, a práticas de participação
e a políticas públicas, mas também à crise sanitária causada pela
Covid-19. A novidade, aqui, é fazerem isso com um recorte temático
específico: o olhar para o rural e, em especial, para o território da
Bahia.
“Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo”, diz
o verso de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Desde
o rural baiano, é possível observar temas da conjuntura a partir de
um lugar privilegiado, que tem pés firmemente ancorados ali onde
a participação acontece, nos locais em que as políticas públicas são
implementadas (ou deixam de ser realizadas), e onde a democracia
pode ser vista em seu funcionamento cotidiano.
A crise da democracia é um fenômeno global, com expressões em di-
versos países. Nos anos recentes, ela vem sendo caracterizada pelo
surgimento de líderes que, após eleitos pelas vias democráticas,
35
29
Leonardo Avritzer e Priscila Delgado de Carvalho
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

atacam as instituições democráticas por dentro. No lugar de ser


questionada ou destruída por aqueles que discordam do regime
como um todo, e de terminar sob súbitos golpes, as instituições vêm
sendo corroídas por políticos eleitos e seus aliados. Não raro, essas
figuras estão conectadas a ideologias populistas e a ideologias de ex-
trema direita. Para alguns, a degradação interna da democracia que
poderá levar ao fim do regime, ou poderá prolongar-se por certo tem-
po, sem necessariamente levar a um rompimento (Levitsky e Ziblatt,
2018). Para outros, crises são situações intermediárias na qual ele-
mentos da velha ordem não funcionam, mas que não podem se sus-
tentar indefinidamente, e uma teoria sobre a crise requer elementos
capazes de identificar como serão seus desdobramentos (Przeworski,
2019). Sob uma ou outra perspectiva, a crise é composta também pe-
las percepções de cidadãos em cidadãs sobre a democracia vêm se
degradando, abrindo espaço para discursos alternativos ao regime
(Mounk, 2019).
Se, por um lado, essa narrativa global da crise é útil para identificar
elementos comuns, por outro lado, também é fato que há questões
específicas a depender de onde o padrão se assenta. Em democracias
da terceira onda, como são aquelas estabelecidas a partir dos anos
1980 na América do Sul, temos estado atentos tanto a ação de líderes
políticos, como a fatores de degradação dos valores democráticos.
Há, porém, diferenças entre o padrão de corrosão da opinião pública
sobre democracia. Nos EUA, por exemplo, a avaliação de que é im-
portante viver em uma democracia diminui fortemente entre as ge-
rações mais novas, a ponto de que entre aqueles nascidos na década
de 1930 o dado chega à 71%, caindo progressivamente por década de
nascimento e alcançando 29% entre os nascidos em 1980 (Mounk,
2019, p.132). A satisfação com a democracia e a adesão ao regime
mantém patamar mais baixos. Em termos de satisfação, Brasil e Ar-
gentina raramente ultrapassaram a marca 50%. O Uruguai parece
ser a exceção, uma vez que tem conseguido manter uma cultura de-
mocrática desde então.

36 30
Prefácio
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

No Brasil, identificamos processos adicionais de desinstitucionali-


zação de direitos civis e sociais, e relevantes mudanças na estrutura
de equilíbrio de poderes que passam, em grande medida, pela politi-
zação de instituições judiciais e pelo ataque do bolsonarismo às ins-
tituições democráticas. (Avritzer, 2020).
Interessa-nos, para os propósitos deste livro, especialmente o pri-
meiro conjunto, dada a relevância de se entender como a crise na
democracia afeta o padrão de construção de políticas sociais no país.
Em síntese, houve um momento de forte expansão da proteção social
desde o início da Nova República, mas, na última década, em um ce-
nário de crescente crise econômica e de instabilidade política, esse
padrão se reverteu. A inclusão das décadas anteriores não foi capaz
de conter elementos de aumento da desigualdade, nem de evitar o
crescimento de questionamentos aos direitos sociais. Se é fato que a
tendência ao questionamento aos direitos e políticas sociais ocorreu
em diversos países da região, é particular do contexto brasileiro a
força com que ele alcançou em termos de questionamento aos direi-
tos civis e os sociais.
Um outro elemento importante para a crise atual, e que também é
tocado pelo livro, é o da inédita contenciosidade em torno da par-
ticipação social no país. Assim como no caso das políticas sociais,
houve um ciclo de expansão e institucionalização da participação
no país, porém, ele foi interrompido a partir de 2014 com os questio-
namentos – na imprensa e no parlamento – ao decreto que buscava
criar o sistema nacional de participação. Desde então, o que se viu foi
uma reversão do padrão de crescimento. O questionamento à parti-
cipação ganhou fôlego com a tentativa de encerrar dezenas de con-
selhos de direitos em 2019, porém esse esforço encontrou resistência
no poder Judiciário.
Dada essa conjunção de fatores, observar como as políticas públicas
e processos participativos do padrão anterior – de expansão – foram
afetadas, abandonadas, reconfiguradas, ou ainda assumidas por no-
vos atores, é de forte relevância. Além desse trabalho, os artigos do
livro tocam também em temas recentes como os efeitos da pandemia
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31
Leonardo Avritzer e Priscila Delgado de Carvalho
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

da Covid-19 sobre o rural baiano, contribuindo para o entendimento


da maneira como esses fenômenos ecoaram em diferentes áreas de
políticas públicas, esferas de governo e lugares. O leitor tem a sua
frente um conjunto muito rico e bastante diversificado de artigos que
o ajudará a entender melhor as variações da participação no Brasil.

Leonardo Avritzer, É Membro do Comitê Científico do Instituto de


Estudos Avançados Transdisciplinares, Leonardo Avritizer é gradua-
do em Ciências Sociais pela UFMG (1983), mestre em Ciência Política
também pela UFMG (1987), e doutor em Sociologia Política na New
School for Social Research (1993). Concluiu pós-doutorado pelo Mas-
sachusetts Institute of Technology (1998-1999) e (2003). Atualmente é
professor titular da Departamento de Ciência Política da UFMA

Priscila Delgado de Carvalho É atualmente pesquisadora em es-


tágio pós-doutoral no INCT Democracia e Democratização da Co-
municação. Doutora em Ciência Política na Universidade Federal
de Minas Gerais e mestre pela Universidade de Brasília. Graduação
em Comunicação Social pela Universidade de São Paulo. Pesquisa
transnacionalização de movimentos sociais e sindicatos rurais. Os
temas têm interface com democracia e democratização, teoria po-
litica, América Latina, gênero e feminismo, além de metodologias
qualitativas.

38 32
Prefácio
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Referências

Levitsky, Steven; Daniel Ziblatt (2018), Como as Democracias Morrem.


São Paulo, Zahar

Mounk, Yascha (2019), O povo contra a democracia: por que nossa liber-
dade corre perigo e como salvá-la. Editora Companhia das Letras, 2019.

Przeworski, Adam (2019), Crises of democracy. Cambridge University


Press.

Avritzer, Leonardo. A crise da democracia como um processo de desde-


mocratização: reflexões sobre os casos latino-americanos. In: Avritzer,
Leonardo; Carvalho, Priscila. Crises da democracia: legitimidade, parti-
cipação e Inclusão. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2020.

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

A desmercantilização nas políticas sociais1

Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva

Introdução

Estudos meta-analíticos, no âmbito da literatura contemporânea,


revelam que um número significativo de pesquisadores das políticas
sociais comunga entre si um pressuposto básico e fundamental, qual

1
Versão modificada de artigo publicado orignalmente em Caderno CRH 22 (56) agos-
to 2009.

41
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Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

seja, nas sociedades modernas não há motivos contundentes para


se questionar a existência e necessidade das políticas sociais públi-
cas. Isso se deve ao fato do provimento de serviços sociais como um
direito de cidadania ter se tornado um dos maiores fenômenos do
século XX. Karl Polanyi chamou esse processo de “a grande transfor-
mação”. Na análise do sociólogo Ferndinad Tönnies esse desenvol-
vimento acarretou a passagem da “comunidade” (Gemeinschaft) à
“sociedade” (Gesellschaft). As mudanças ocasionadas nesse processo
estão diretamente relacionadas à semântica do termo políticas so-
ciais, as quais compreendem a ação do Estado na cobertura de riscos
da vida individual e coletiva (Arretche, 1995) ou políticas que dizem
respeito à ação do Estado na promoção do bem-estar dos cidadãos
(Marshall, 1976).
Várias pesquisas empíricas confirmam, apesar da proliferação da
ideologia do fim do Estado de Bem-Estar2 em esfera nacional e inter-
nacional, que quanto mais desenvolvido, industrializado e maior a
renda de um país, maiores são os investimentos em políticas sociais.
Estudos de Opielka (2004), Ullrich (2005) Schmidt; Ostheim; Sie-
gel; Zohlnhöfer (2007) e Bangura (2007) demonstram que os países
desenvolvidos investem mais de 20% do Produto Interno Bruto em
políticas de proteção social. Por conseguinte, esses países possuem
os maiores índices de proteção econômica (seguro-desemprego), am-
plos programas de transferência de renda, bem como os menores ín-
dices de pobreza. Vale ressaltar que na maioria dos países europeus,
os programas de transferência de renda não exigem dos indivíduos o
cumprimento de contrapartidas ou condicionalidades3 para que pos-
sam permanecer nos programas, como é o caso da América Latina.
Ao contrário, esses países adotam um único critério de permanência,
a saber: a disponibilidade em aceitar um emprego mediado pelo Es-
tado (Fonseca, 2001, p. 145).

2
Demo (2002) e Giddens (1996).
3
O Programa Bolsa Família exige contrapartidas e condicionalidades das famílias
beneficiárias, tais como a freqüência escolar e à saúde.

42 36
A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

A questão central, que perpassa a maioria dos estudos sobre po-


líticas sociais atuais, consiste em analisar os efeitos positivos das
políticas sociais no que tange à melhoria das condições materiais,
cobertura de riscos, qualidade de vida e bem-estar da população4. Em
virtude disso, não tem se constituído objeto central do debate teórico
contemporâneo o questionamento em torno da necessidade de exis-
tência ou não das políticas sociais, mas “como” elas devem ser for-
muladas e quais devem ser seus objetivos primordiais. Atentos a esse
aspecto, Gero Lenhartd e Claus Offe (2006)5 criticam os estudos que
se debruçam apenas em medir a eficácia das políticas sociais. Para
esses estudiosos, tal mecanismo de análise representa um equívoco
tecnocrático, haja vista que restringe a análise das políticas sociais
exclusivamente aos métodos considerados mais adequados, mais co-
rretos e mais “eficientes”, deixando-se de lado a dimensão política e
de conflitos, inerentes às políticas sociais. Portanto, segundo esses
autores, não são os resultados numéricos das políticas, os “policy
outputs” que produzem impactos, mas as mudanças nas relações
sociais, especialmente no que tange ao poder de coerção, ameaças
legais e politicamente sancionadas, bem como as oportunidades de
realização de interesses. Esses aspectos sim determinariam o grau
de justiça social das políticas sociais. Destarte, uma pesquisa socio-
lógica na área da política social teria que adotar como objetivo cen-
tral: desvendar os mecanismos e condições concretas de geração de
novas oportunidades, ocasionadas a partir e após a introdução das
políticas sociais.
Seguindo a linha de Marx e Polany, Esping-Andersen (1990) ino-
vou ao formular uma concepção mais ampla e “generosa” em se
analisar as políticas sociais, isto é, concebê-las e estudá-las à luz das
possibilidades de desmercantilização (decommodification)6 das re-

4
Vide recente estudo de Weissheimer (2006) sobre o Programa Bolsa Família.
5
Não se trata de estudar a funcionalidade das políticas sociais, mas sobretudo, os
arranjos institucionais estabelecidos na relação Estado e sociedade.
6
Alguns autores e traduções de Esping-Andersen utilizam o termo desmercadori-
zação. Contudo, como o termo “Dekommodifizierung” vem diretamente de Karl Marx,

43
37
Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

lações sociais. Em outros termos, isto implica analisar as políticas


sociais, tendo como referência o grau de autonomia e independência
que essas políticas conseguem garantir aos indivíduos e/ou famí-
lias de sobreviverem para além das relações do mercado. Conforme
esse autor, uma definição mínima da concepção de desmercantili-
zação deve incorporar a possibilidade de cada cidadão em decidir
e/ou optar livremente por não trabalhar, quando assim considerar
ou julgar necessário , podendo e tendo como sobreviver dignamen-
te para além da participação no mercado (Esping-Andersen, 1990, p.
23). Outrossim, a desmercantilização refere-se ao grau em que indiví-
duos podem manter um nível de vida tolerável, independentemente
da obrigação de participarem no mercado de trabalho. As políticas
sociais devem, portanto, ser concebidas pelos Estados de Bem-Estar,
que regulam a oferta e a demanda de trabalho. Para Merrien (2002),
esses Estados podem ser classificados em fortes, médios ou fracos
quanto à possibilidade de oferecerem legalmente aos indivíduos
oportunidade de saírem mais ou menos fortes em relação ao merca-
do7. Em virtude disso, Draibe e Riesco (2006) qualificam a concepção
de desmercantilização como uma característica inovadora ao direito
social de cidadania.
Esping-Andersen (1990) salienta que a luta pela desmercantili-
zação sempre foi a principal prioridade do movimento dos trabalha-
dores em nível mundial. Quanto mais mercantilizadas as relações,
maior seria a dependência de sobrevivência dos trabalhadores em
relação ao mercado. Isso dificultaria enormemente o processo de
mobilização dos trabalhadores com vistas a ações solidárias8. Ade-

optamos por utilizar o termo desmercantilização, por ser o que mais se aproxima do
sentido da tradução de Marx no Brasil.
7
Ao ter condições de recusar trabalhos degradantes (trabalho escravo, trabalhos mal
pagos), o indivíduo não seria punido por isso, uma vez que tem assegurado um padrão
de sobrevivência, dentre eles: estar livre da fome e possuir uma moradia adequada etc
8
A abordagem de Esping-Andersen difere completamente de muitos paradigmas
das políticas sociais em voga no Brasil, que defendem a tese de que as políticas so-
ciais servem quase que exclusivante aos interesses de acumulação e legitimação dos
capitalistas. Pedro Demo (2002) é um dos defensores da tese de que as políticas so-

44 38
A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

mais, a desmercantilização fortaleceria a organização e luta dos


trabalhadores e enfraqueceria o poder e a autoridade dos patrões,
sobretudo daqueles mais autoritários. Isso explica, em parte, a opo-
sição de muitos empresários em relação à introdução, concepção e
implementação de políticas sociais com um viés desmercantilizador.
Portanto, a desmercantilização pode ser compreendida como
uma pré-condição para que os trabalhadores tenham um nível to-
lerável de bem-estar e segurança social. Sem desmercantilização, os
trabalhadores teriam maiores dificuldades em agir coletivamente.
No quadro atual das políticas sociais brasileiras, a discussão sobre
a desmercantilização é relativamente nova, sendo necessário um
maior aprofundamento acerca dessa forma singular em se conce-
ber e analisar as políticas sociais. Constitui-se, pois, um dos objeti-
vos deste artigo, realizar breves apontamentos sobre a concepção de
desmercantilização nas políticas sociais, tendo como referência os
estudos de Esping-Andersen (1990; 1999; 2002)9.

ciais figurariam como defensoras dos interesses dos capitalistas e causariam apatia
política aos pobres. Para esse autor, as políticas sociais teriam como consequência a
diminuição dos protestos por parte dos pobres, esses se acomodariam às suas péssi-
mas condições de vida, capitulariam, deixando de lutar por uma transformação no
sistema. A conseqüência disso seria o reforço e uma maior legitimação do próprio
sistema capitalista, uma forma de melhor dominar e explorar os trabalhadores. Ao in-
vés de causar conflitos, as políticas sociais, vinculadas a Programas de Transferência
de Renda, causariam a pacificação dos conflitos e a harmonia entre as classes sociais,
mantendo-se com isso a ordem social vigente. Além disso, não nasceria uma cidada-
nia ativa, protagonista, mas cidadãos passivos, subalternos, apolíticos, mergulhados
na pobreza política (Demo, 2002). Diferente dessa análise, Esping-Andersen, concebe
as políticas sociais como uma pré-condição para a emancipação de trabalhadores,
desempregados e outras categorias exploradas pelo capital.
9
Gøsta Esping-Andersen é sociólogo dinamarquês e professor da Universidade Pom-
peu Fabra (Barcelona). O livro de maior importância de Esping-Andersen chama-se
“The three worlds of welfare capitalism“ (“Os três mundos do capitalismo de bem-es-
tar“).

45
39
Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

O processo de mercantilização no capitalismo

Esping-Andersen (1990) afirma que a mercantilização é um fenô-


meno típico da sociedade capitalista. Na idade média, a sociedade
era pouco mercantilizada e a capacidade de sobrevivência de um
indivíduo não era decidida através do contrato de trabalho, mas
através do apoio da família, igreja ou senhor feudal. Isso não signifi-
ca dizer que não havia qualquer forma de mercantilização naquela
época. Contudo, a grande maioria das pessoas não era dependente
única e exclusivamente dos salários, mas possuía diversas formas de
subsistência. Com o advento do capitalismo, as formas pré-mercan-
tilizadas de proteção social foram destruídas e as possibilidades dos
trabalhadores sobreviverem fora das relações de mercado foram co-
locadas em xeque. Essas relações tornaram-se o centro das atenções
dos estudos de Karl Marx, sobretudo a transformação de produto-
res independentes em assalariados sem propriedades. Para Marx, a
mercantilização da força de trabalho implica na obrigatoriedade da
venda da força de trabalho (mercantilização), causando a alienação
(Entfremdung) e a conseqüente liberdade atrás dos muros da prisão.
Vale ressaltar que na concepção de Esping-Andersen (1990), os
trabalhadores não deveriam ser tratados como simples mercadorias,
uma vez que não tem como ser “retirados do mercado”, com o intuito
de aumentar os preços da sua força de trabalho, haja vista que não
conseguem simplesmente se ausentar por muito tempo do merca-
do, sobretudo quando não possuem outras formas de sobrevivência.
Tratados como mercadorias, os trabalhadores estão expostos a po-
deres que vão além de suas próprias forças, como ocorre em caso de
doenças, eventos macroeconômicos10 e ciclos econômicos.
Na opinião de Esping-Andersen (1990), a mercantilização tor-
nou-se uma questão central nas discussões da moderna filosofia e
teoria social, de tal modo que os liberais clássicos do laissez-faire se

10
Crises econômicas, desemprego etc.

46 40
A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

opuseram a qualquer alternativa para além do mercado, uma vez que


qualquer intervenção estatal implicaria em sacrificar o equilíbrio
entre oferta e demanda. Neste sentido, tanto os liberais clássicos, as-
sim como muitos neoliberais contemporâneos defendem a hipótese
de que um mínimo de proteção social não erradicaria a pobreza, ao
contrário, contribuiria para sua perpetuação e institucionalização.
Isso posto, é notório que as correntes teóricas de cunho liberal
e socialista divergem quanto à categoria de análise desmercantili-
zação das políticas sociais. Neste contexto, é mister lembrar que na
história das políticas sociais, os principais conflitos ocorreram entre
o grau de imunidade do mercado, sobretudo na força, nos limites e
na qualidade dos direitos sociais. Todavia, o puro status de merca-
doria dos trabalhadores nunca existiu completamente na realidade.
Variadas formas de proteção pré-capitalistas sempre existiram e
novos mecanismos de proteção social emergiram e hão de emergir.
Para Esping-Andersen, a principal divergência nas concepções de po-
líticas sociais ocorre entre os conservadores, liberais e socialistas. A
gênese e a interpretação da desmercantilização na perspectiva des-
sas correntes teóricas são de grande relevo para se compreender as
estratégias e concepções adotadas nas políticas sociais, conforme
será verificado a seguir.

Os conservadores e a pré-mercantilização das relações sociais

Esping-Andersen (1990) argumenta que não se pode confundir a


sociedade pré-capitalista com a ausência de formas mercantilistas.
A agricultura feudal produzia mais-valia e as cidades medievais es-
tavam fortemente comprometidas na produção e troca de mercado-
rias. A economia senhorial ou absolutista cobrava uma tributação,
a qual, por sua vez, exigia a venda de mercadorias. Além disso, os
produtores pré-capitalistas, camponeses, diaristas e os servos não
dispunham de muita independência e autonomia em relação ao
47
41
Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

desempenho do trabalho, isto é, os indivíduos não podiam fazer mui-


tas reivindicações quanto à subsistência fora do trabalho. Apesar
disso, a forma mercantilizada estava menos presente, haja vista que
a grande maioria das pessoas não estava completamente dependen-
te da renda proveniente do salário para garantir a sobrevivência.
Naquela época, os domicílios permaneciam freqüentemente au-
tossuficientes, assumindo a servidão feudal certo grau de reciproci-
dade e ajuda paternalista. O produtor urbano, geralmente, era sócio
compulsório de alguma corporação de ofício e os mais destituídos de
qualquer ajuda ainda podiam contar com o apoio da igreja. Assim,
diferente da lógica mercantil do capitalismo, a maioria das pessoas
podia contar com a ajuda de organizações comunais e familiares
para manter ou ter garantido a subsistência. Em comparação com
a ajuda aos pobres do laissez-faire, a assistência pré-capitalista era
muito mais generosa e benigna (cf. Esping-Andersen 1990, p. 38).
A característica central da ideologia conservadora está centrada
no pressuposto de que a mercantilização é moralmente degradante,
favorecedora e pulverizadora da corrupção social. Para os conserva-
dores, os indivíduos não devem ser motivados a competir ou lutar,
mas necessitam subordinar o próprio interesse ao poder das autori-
dades e das instituições. As instituições feudais se opõem, portanto,
à mercantilização, uma vez que não consideram o mercado como
central. Além disso, o trabalho assalariado ainda não havia sido ins-
titucionalizado nos termos atuais11.

11
Um exemplo desse tipo de relação é citado por Esping-Andersen (190, p. 38-39) com
base num fato real. Uma empresa típica do ramo têxtil dos Estados Unidos se instala
no Haiti por volta de 1970. Após a montagem da fábrica, foram escolhidos os mel-
hores trabalhadores do país. Depois de alguns meses, a fábrica foi fechada. A prin-
cipal razão era que aquela fábrica americana não conseguiu lidar com os arranjos
de bem-estar feudais do Haiti, que determinam que quando a casa da mãe de um
trabalhador é completamente queimada, o chefe da empresa tem a obrigação de re-
solver isso. Da mesma forma, quando uma criança precisava de atenção médica ou
um irmão se casava, novamente era a obrigação do chefe em ajudar. Obviamente, os
americanos calcularam erroneamente, impondo o salário de mercado como o real sa-
lário, pois onde os trabalhadores são genuinamente mercantilizados, como nos EUA,
o gerente não ocupa a função de protetor e pai. Contudo, Esping-Andersen reconhece

48 42
A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

É válido ressaltar que as corporações de ofício constituem a se-


gunda variante pré-capitalista de arranjos desmercantilizados. Es-
sas emergiram nas cidades entre os artesãos, enquanto um meio de
monopolizar a entrada de membros, preços e produção. As corpo-
rações de ofício e associações fraternais integravam o pagamento e o
recebimento de proteção social, cuidando de sócios inválidos, viúvas
e órfãos. Quando as corporações de ofício foram abolidas, essas fo-
ram, em sua grande maioria, transformadas em sociedades mútuas.
Na Alemanha, as sociedades mútuas e as subsequentes leis de seguro
social do imperador Bismarck estavam dotadas do velho espírito feu-
dal, arraigadas na proposta de membrezia compulsória e no princí-
pio da administração própria.
Sem sombra de dúvidas, proposições conservadoras são referên-
cias básicas para a compreensão das origens históricas da política
social moderna. Em quase todos os países, seja na Suécia, Inglaterra
ou no continente europeu, a tradição conservadora foi que forjou
os primeiros ataques sistemáticos à mercantilização do trabalho.
Primeiro, porque as forças conservadoras temiam que a marcha
avançada do liberalismo, democracia e capitalismo destruísse as ins-
tituições em que estavam fundamentados seus poderes e privilégios.
A mercantilização do trabalho acabaria com os sistemas feudais e
absolutistas de controle sobre os trabalhadores. Segundo, o status
de pré-mercantilização era um modelo presente no emergente lais-
sez-faire e as corporações de ofício foram transformadas em socieda-
des mútuas. Com isso, a empresa capitalista passou a oferecer uma
série de benefícios sociais para além do contrato de trabalho. Nesse
sentido, pode-se observar que as políticas sociais conservadoras ofe-
receram as bases para o chamado moderno Estado de Bem-Estar, ini-
cialmente relacionado às leis de seguro social de membrezia compul-
sória e de administração própria, típicas do modelo Bismarckiano
(Esping-Andersen, 1990, p. 41).

que formas parternalistas não existem somente em sociedades feudais, mas também
em sociedades modernas, como na Alemanha, USA, França, Japão etc.

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Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Os liberais e a defesa da mercantilização

Conforme Esping-Andersen (1990), os defensores do laissez-faire


foram os responsáveis pela “santificação” da mercantilização. Os li-
berais argumentam, em primeiro lugar, que a garantia de um míni-
mo social causaria pobreza e desemprego e não a erradicação da mi-
séria. Essa ideologia encontrou apoio nas recentes teorias acerca do
neoliberalismo. Para os liberais, a proteção social causa corrupção
moral, desperdício, ociosidade e incentivo aos vícios como as bebi-
das alcoólicas.
A hipótese central do liberalismo pressupõe que o mercado é
emancipador, o melhor meio possível para independência e indus-
trialização. Se não houver interferência, o mercado, através do seu
um caráter autorregulador, assegurará empregos a todos aqueles
que tiverem vontade de trabalhar, tornado todos capazes de garan-
tir seu próprio sustento e proteção social. Os problemas sociais não
ocorreriam por falhas no sistema, mas como conseqüência da falta
de motivação e poupança individual.
Segundo Polanyi (2000), o modelo liberal puro de uma “boa so-
ciedade” contém várias debilidades, as quais são óbvias e bastante
conhecidas. Os liberais ortodoxos partem da premissa de que todos
os indivíduos seriam capazes de participar no mercado, uma tese in-
consistente, já que nem todos os idosos e pessoas com deficiências
possuem condições de participar desse processo e dependem, por
conseguinte, da ajuda da família. Por outro lado, a ajuda dispensada
aos familiares pode vir a compelir a própria capacidade da família
em prover o sustento dos seus e conseguir algum trabalho no merca-
do. Poupar para eventualidades futuras também não seria uma saída
viável, especialmente quando os salários são muito baixos. Ademais,
quase nenhum indivíduo pode se salvaguardar contra uma crise
econômica prolongada. Em todos esses casos, os liberais dogmáticos
são forçados a buscar apoio nas instituições pré-capitalistas de as-
sistência social, como é o caso da família, da igreja e comunidade.
50 44
A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Ao proceder desse modo, os liberais se contradizem, porque essas


instituições não participam das regras do livre jogo das relações de
mercado.
Diante do exposto, o liberalismo passa a reconhecer a necessida-
de de um mínimo de intervenção social, uma vez que a população
morreria sem a existência de serviços de saneamento público. Por
isso, segundo Esping-Andersen (1990), as forças das circunstâncias
levaram o liberalismo a aceitar a inevitabilidade de políticas sociais.
Os britânicos descobriram que um império teria dificuldades em se
manter sem um exército de soldados saudáveis e bem educados. Da
mesma forma, o desempenho de um trabalhador indigente e desti-
tuído de proteção social tende a ser bem inferior ao de um trabal-
hador em condições sociais favoráveis. Isso provavelmente explica a
razão pela qual os países mais ricos investem um alto contingente de
recursos em proteção social, possuindo um dos melhores desempen-
hos na área social e econômica, conforme salienta Manow (2007).
Como vimos acima, o liberalismo foi obrigado, por força das cir-
cunstâncias, a aceitar a intervenção do Estado nas políticas sociais.
A questão central é verificar, então, “como” a política social foi elabo-
rada no contexto do liberalismo e quais as respostas dos liberais ao
dilema da mercantilização. Quanto a esse aspecto, Esping-Andersen
(1990, p. 42-43) indica duas repostas possíveis:

a) Em primeiro lugar, introduziu-se o princípio da “menor elegi-


bilidade”12, elemento característico das antigas “leis dos pobres”, cuja
assistência é prestada via testes de meios, ou seja, comprovação da
pobreza13. Evita-se, com isso, a extensão de direitos sociais incon-

12
O critério de menor elegibilidade pode ser exemplificado no Brasil através do BPC
(Benefício da Prestação Continuada), cujo critério de renda é ¼ do salário mínimo,
isto é, o menor índice de avaliação de salários e rendas do IBGE. Os recentes progra-
mas assistencias introduzidos no governo Lula obedecem aos mesmos princípios libe-
rais, isto é, a menor ou baixa elegibilidade como critério acesso aos benefícios sociais.
13
No contexto Latino-Americano, políticas sociais neoliberais estão sujeitas a com-
provação de indigência (cf. Laurell 1997).

51
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dicionais, pois os Estados podem avaliar as condições socioeconômi-


cas, impedindo que os trabalhadores escolham as políticas de assis-
tência em detrimento do trabalho. Um sistema de proteção social,
orientado pela lógica da comprovação da pobreza, visa assegurar
que os benefícios sociais sejam reservados apenas para os denomi-
nados incapacitados14 de participar do mercado.

b) Em segundo lugar, o liberalismo nunca contestou a caridade


ou a lógica do seguro, de tal modo que a caridade deve basear-se na
lógica do voluntariado e os seguros em arranjos contratuais. Nestes
casos, os direitos e os benefícios sociais têm que refletir a lógica das
contribuições individuais. Para Esping-Andersen (1990), os liberais
concordavam com a existência do sindicalismo, pois esse era perfei-
tamente capaz de estender a ideia do seguro individual através da
barganha coletiva de benefícios sociais. Isso teria contribuído para
fortalecer as políticas sociais orientadas pelo princípio meritocráti-
co, baseado na lógica dos seguros.

Desse modo, pode-se afirmar que o liberalismo tem uma clara


preferência pelo seguro privado, organizado através do mercado. O
seguro social, assim como o seguro individual familiar, paga benefí-
cios aos empregados, valorizando o desempenho através do trabal-
ho e das contribuições. O objetivo da lógica do seguro é fortalecer
o incentivo ao trabalho e a produtividade, ao invés da assistência
não-contributiva. Em suma, a lógica liberal acentua o status mercan-
tilizado da força de trabalho, cuja proteção deve limitar-se basica-
mente às contribuições e ao desempenho individual.

14
No Brasil, Potyara Pereira (1998) analisa a LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social)
sob essa perspectiva.

52 46
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Os socialistas e a luta pela desmercantilização das relações


sociais

Conforme Esping-Andersen (1990), tanto a teoria, como a ideolo-


gia e a estratégia política do socialismo teriam emergido em resposta
ao problema da mercantilização do trabalho. Para os socialistas, a
mercantilização do trabalho constituiu-se em elemento integral do
processo de alienação e de formação de classes sociais. A mercan-
tilização do trabalho é a condição sob a qual os trabalhadores têm
de abandonar o controle sobre seu trabalho em troca de salários. Fi-
gura, ainda, como condição sob a qual a dependência do mercado é
afirmada, além de ser razão fundamental para a realização de con-
trole dos patrões sobre os trabalhadores. Ademais, a mercantilização
seria a causa principal da divisão de classe, representando um gran-
de obstáculo à unidade coletiva dos trabalhadores. Nessa lógica, está
intrínseca a competição entre os trabalhadores, de modo que quanto
maior for a competição, menor tendem a ser os salários. Por isso se-
ria natural o desejo dos trabalhadores em realizar a desmercantili-
zação, que se tornou o princípio guia das políticas sociais no cerne
dos movimentos dos trabalhadores. Para Esping-Andersen (1990),
tanto os trabalhadores, quanto os movimentos operários dependem
da diminuição da dependência da escravização individual, causada
pela mercantilização, oriunda da venda da força de trabalho.
Nas teorias socialistas de Karl Marx e Friedrich Engels, especial-
mente no capítulo final do “Manifesto do Partido Comunista”, esses
autores propagam uma série de melhorias sociais, as quais aumenta-
riam o poder de pressão dos trabalhadores e fortaleceriam a posição
desses perante o mercado. Seguindo a mesma lógica, Karl Kautsky e
Rosa Luxemburg lutaram por melhores salários. Para Esping-Ander-
sen (1990, p. 44), tanto revolucionários, quanto reformistas concor-
dam com a imprescindibilidade em se lutar pelo direito a uma renda
aquém do trabalho assalariado. O que dividiu os reformistas e a ala
revolucionária do socialismo teria sido principalmente a questão
53
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da estratégia para alcançar tal fim, ou seja, a garantia de uma renda


para além do mercado.
É mister frisar que as políticas sociais, defendidas pelos socialis-
tas, pautadas no princípio da desmercantilização, tiveram inicial-
mente um parentesco com a tradição corporativa e conservadora.
Isso ocorreu na época em que os trabalhadores constituíram sindi-
catos restritos e sociedades de apoio mútuo. Uma das maiores debi-
lidades das propostas de políticas sociais desses movimentos eram
os modestos benefícios concedidos e seu limitado alcance, excluindo
os membros mais vulneráveis do proletariado, isto é, justamente os
mais desorganizados, o lumpen proletariado, os quais representa-
vam a maior ameaça à unidade dos trabalhadores. Eram exatamente
esses trabalhadores que precisavam ser fortalecidos, no entanto, as
sociedades de auxílio-mútuo, microssocialistas, tiveram dificuldade
em incorporá-los. Isso ocasionou o debate em torno do apoio dos tra-
balhadores organizados à extensão dos direitos sociais ao lumpen
proletariado no Estado burguês.
Ressalte-se que a extensão de direitos sociais constituiu-se, antes
da Primeira Guerra Mundial, num dos dilemas dos socialistas euro-
peus. Para Heimann (1980)15, a política social sempre teve um caráter
dual: pode muito bem ser um meio para sustentar e legitimar o sis-
tema capitalista, e ao mesmo tempo configurar como um corpo es-
trangeiro, um perigo, podando o poder e hegemonia do capital. Os
revolucionários, por sua vez, acreditam que as raízes da revolução
estariam nas crises e colapsos do capitalismo; os reformistas, por ou-
tro lado, perceberam que a miséria humana, oriunda das crises, ape-
nas debilitaria o projeto socialista. Conseqüentemente, um aumento
gradual da extensão e qualidade de direitos sociais foi visto pelos
socialistas como a pré-condição para a ampliação das lutas e não so-
mente como usufruto de seu sucesso. Na análise de Esping-Andersen
(1990), por causa dessa reordenação estratégica após os anos de 1960,

15
Heimann foi um dos teóricos que realizou um trabalho pioneiro entre os contem-
porâneos de sua época.

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A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

os socialistas teriam abraçado o Estado de Bem-Estar enquanto foco


de um projeto social a longo prazo.
Todavia, conforme salienta Esping-Andersen (1990), os socia-
listas nem sempre tiveram uma concepção política voltada à defe-
sa da desmercantilização, especialmente no período anterior à Se-
gunda Guerra Mundial. Naquele período, defendiam a tese de que
as melhorias sociais deveriam ter como princípio norteador o grau
de carência. Arraigados nessa concepção, os socialistas operavam
nos moldes amplamente liberais, utilizando-se dos testes de meios
(comprovação da pobreza). Ademais, as políticas sociais adotavam
como principais critérios para aferimento de benefícios sociais, as
condições de vida dos pobres (pobreza absoluta), ao invés de utili-
zarem os padrões de vida médios de uma sociedade. Desse modo, os
socialistas viam a proteção social como uma forma de “ajudar” os
indivíduos que fossem de fato pobres e carentes.
Destaque-se que até a Segunda Guerra Mundial, os socialistas
eram fortes defensores do trabalho assalariado e dos trabalhadores
assalariados, especialmente do proletariado industrial. Isso signifi-
cou a defesa exclusiva de determinadas classes sociais. Neste cenário,
o que caracterizava os socialistas da época era a adoção do princípio
da defesa dos direitos sociais básicos, mínimos, cujos benefícios de-
veriam ser modestos e destinados apenas à “classe trabalhadora”.
Contudo, onde os socialistas se mobilizaram na defesa de um público
mais amplo, ou seja, “classe popular”, houve uma ampliação dos di-
reitos universais. Já nos anos de 1950 até 1960, os partidos socialistas
ampliaram o grau de cobertura dos programas sociais, porém com
benefícios em quantidade e qualidade modesta, utilizando, na gran-
de maioria dos casos, rígidos critérios de elegibilidade. A meta dos
socialistas era o combate à pobreza, ao invés de se lutar pela emanci-
pação dos trabalhadores no que concerne à dependência em relação
ao mercado. Após 1970, os socialistas se mobilizaram na defesa da
emancipação dos trabalhadores no que concerne à dependência
em relação ao mercado, havendo uma ampliação dos direitos para
todas as camadas sociais. Neste veio, Esping-Andersen (1990, p. 46)
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argumenta que as políticas sociais de caráter emancipador deveriam


incluir duas questões centrais, elencadas a seguir:
a) A extensão dos direitos além do terreno estreito da carência
absoluta;
b) O aumento dos benefícios sociais, visando alcançar os padrões
de vida e de renda de uma nação.
Em suma, o que qualifica o conteúdo da desmercantilização no
paradigma socialista é a emancipação da dependência exclusiva do
mercado e da família16. A questão central do projeto socialista per-
passa não somente pela simples existência de direitos sociais, mas
ressalta, sobretudo, a qualidade e a arquitetura desses direitos. Ou
seja, os direitos sociais devem prover benefícios para além da supe-
ração da pobreza absoluta, garantindo aos pobres benefícios que
lhes assegurem padrões de vida similares aos da classe média de
uma nação. Ao contrário do modelo conservador, a dependência da
família, moralidade e autoridade não são vistas como um substitu-
to à dependência do mercado. Em contraposição ao liberalismo, o
paradigma socialista objetiva maximizar e institucionalizar os dire-
itos sociais, independentemente da inserção ou não do indivíduo no
mercado de trabalho. Em síntese, os socialistas defendem uma mar-
ginalização do mercado.

Desmercantilização das relações sociais no mundo real

Para compreender o modelo de desmercantilização das políticas


sociais, Esping-Andersen elaborou um conjunto de variáveis, cujas
características vão além da simples análise dos gastos/investimen-
tos sociais, acrescentando-se a essa avaliação as regras, os padrões

16
Essa proposta ficou conhecida como desfamiliarização, que expressa o grau de in-
dependência dos indivíduos em relação à família, ou seja, o grau em que o Estado
oferece aos domicílios e famílias apoio para que nenhum membro da família seja
mais onerado do que o outro nos afazeres domésticos.

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A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

e a qualidade dos programas sociais ofertados. As principais di-


mensões utilizadas pelo referido teórico foram sintetizadas a seguir
(cf. Esping-Andersen, 1990, p. 47):
1. Um conjunto de dimensões ocupa-se com as regras de aces-
so dos indivíduos aos benefícios. De grande relevo são os critérios de
elegibilidade e restrições ou facilidade quanto acesso dos benefícios/
direitos. Um programa garante um grau elevado de desmercantili-
zação, se o acesso ao programa for fácil17 e se o direito a um nível
de vida adequado estiver garantido, independentemente de um in-
divíduo ter trabalhado, ter tido carteira assinada ou ter contribuído
financeiramente para a previdência social. Além disso, é avaliado o
tempo de permanência das pessoas nos programas. Se os direitos so-
ciais tiverem um tempo de permanência muito curto, a capacidade
de desmercantilização dessa política social diminui bastante.
2. Um segundo conjunto de dimensões dedica-se à questão da
substituição da renda (especialmente em relação ao seguro-desem-
prego). Faz-se uma avaliação do nível de benefícios, isto é, se esses são
substancialmente menores do que os salários normais ou do padrão
de vida, considerado adequado e aceitável em determinada socieda-
de. Quanto menor o nível dos benefícios, maiores são as necessida-
des de um retorno imediato ao mercado de trabalho.
3. Em terceiro lugar, o conjunto de benefícios/direitos garan-
tidos faz a diferença. Quase todos os países capitalistas reconhecem
vários direitos sociais de proteção contra riscos sociais básicos: des-
emprego, incapacidade, doença e velhice. Um modelo de proteção al-
tamente avançado existe quando a renda é garantida sem qualquer
condicionalidade.
Note-se que os critérios utilizados para mensurar a desmercan-
tilização no mundo real incorporam a facilidade do acesso aos be-
nefícios sociais. Quanto maiores e mais rígidos forem os critérios de

17
Gorz (2005) argumenta que na fase atual do capitalismo o acesso aos bens materiais
e imateriais tornou-se o principal aspecto em disputa. Ou seja, a principal questão
está relacionada às limitações estabelecidas institucionalmente às capacidades do
poder em limitar sua difusão e de regulamentar o acesso.

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elegibilidade, maiores serão os empecilhos e dificuldades no acesso


aos mecanismos de proteção social. Ademais, a qualidade dos benefí-
cios em relação ao padrão médio de um país faz a diferença. Quanto
mais distantes do padrão nacional, menor será o grau de desmercan-
tilização. Por conseguinte, o grau de desmercantilização de um siste-
ma de proteção será maior quando não existirem critérios de seleção
rígidos e excludentes.

Acesso a benefícios sociais e principais determinantes da


desmercantilização

Os direitos sociais trazem em seu cerne a prerrogativa da incon-


dicionalidade, ou seja, devem ser garantidos pelo simples fato de um
cidadão pertencer a um determinado território. Entretanto, no mun-
do real, os direitos sociais quase nunca são totalmente incondicio-
nais. Para se ter acesso a benefícios, os indivíduos têm que se encon-
trar, pelo menos, em determinadas condições, quais sejam: doença,
velhice, e/ou desemprego. Além da mera presença de um problema,
determinados critérios são exigidos, dependendo dos modelos de
proteção social adotados por um país. Esping-Andersen (1990, p.48)
distingue três sistemas de proteção social, cada qual expressando
um impacto diferente em relação à desmercantilização das relações
sociais, conforme descrito abaixo.
a) Liberal – Um regime, historicamente predominante nos paí-
ses Anglo-Saxões, que concebe os direitos sociais através da compro-
vação da pobreza e da condição da indigência. Esse tipo de sistema
social está ancorado na antiga lei dos pobres, já que a provisão de
benefícios sociais depende da aplicação de testes de meios (compro-
vação da pobreza), os quais apresentam graus variados de rigidez.
Esse sistema não estende plenamente os direitos de cidadania. O
que conta no modelo liberal é caráter restritivo dos testes de meios
e a moderação dos benefícios. Os benefícios são modestos, pois se
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A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

objetiva não causar falta de incentivos ao trabalho, valorizando-se


consequentemente a ética do trabalho. Assim, quanto mais restriti-
vos os testes de comprovação da pobreza, menor o grau de desmer-
cantilização. Os países protótipos desse regime são os Estados Uni-
dos da América, Inglaterra e Austrália.
b) Conservador - Esse sistema de proteção social estende bene-
fícios com base no desempenho do trabalho. Esta variante tem suas
raízes na tradição do seguro social que foi desenvolvida primeira-
mente na Alemanha e, posteriormente, se alastrou pelo continente
europeu. Os direitos sociais são concebidos de forma condicional,
mesclando trabalho-mercado com contribuições financeiras. Nor-
malmente, o acesso a benefícios obedece à lógica do cálculo, ou seja,
a concepção de que o indivíduo tem um benefício pessoal em virtude
de cumprir um contrato. O grau de oportunidades, oferecidas nesse
sistema em relação à desmercantilização, depende, em grande medi-
da, das exigências da base de cálculo. Em outros termos, calcula-se o
tempo em que um indivíduo tem que trabalhar para ter acesso aos
benefícios. Quanto maior o tempo de trabalho para garantir o acesso
a benefícios, menor o grau de desmercantilização. Os países protóti-
pos desse regime são a Alemanha, França e Itália.
c) Social-Democrata ou Socialista - O terceiro sistema de aces-
so a benefícios originou-se do princípio universal de direitos de ci-
dadania, concebido com base no relatório de Beveridge (1942). O as-
pecto inovador nesse tipo de sistema refere-se ao fato do acesso aos
direitos sociais não depender da comprovação da pobreza ou do des-
empenho no trabalho. A elegibilidade resulta apenas do fato de ser
cidadão ou residir num determinado país. Os programas sociais são
construídos pelo princípio de distribuição de benefícios, cujos valos
são unitários e independem de contribuição anterior. Em virtude
disso, esse regime de proteção social possui um grande potencial de
desmercantilização, aliàs o maior grau em relação aos anteriores. O
sistema de proteção social universal é mais forte nos países escandi-
navos, um princípio há muito tempo existente na tradição socialista

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de política social. Os países protótipos desse tipo de regime são a Sué-


cia, Noruega e Dinamarca.
Por conseguinte, é possível notar que o grau de desmercantili-
zação das políticas sociais está intimamente ligado ao modelo de
proteção social em voga. A configuração desses modelos depende
quase que exclusivamente de variáveis políticas, tais como o grau de
organização da classe trabalhadora em sindicados, partidos e movi-
mentos sociais. O quadro a seguir apresenta os resultados dos estu-
dos de Esping-Andersen (1990) quanto ao grau de desmercantilização
no mundo real. No decorrer de sua análise, o autor adota os critérios
de facilidade quanto ao acesso aos benefícios sociais como principal
aspecto para aferir o grau de desmercantilização. A maior rigidez na
acessibilidade das políticas sociais implica, portanto, em maior con-
trole social e em maiores empecilhos na garantia dos direitos sociais.
O quadro I demonstra que os países do regime social-democrata (so-
cialistas) garantem um grau maior de desmercantilização, ou seja,
maior autonomia e liberdade em relação às forças do mercado.

60 54
A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

QUADRO I: RANKING DOS PAÍSES SEGUNDO O GRAU DE


DESMERCANTILIZAÇÃO DAS POLÍTICAS SOCIAIS PAÍS

Fonte: Esping-Andersen, 1990, p. 52

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O quadro I confirma que os países do regime liberal propiciam


menor grau de desmercantilização, ou seja, menos autonomia e li-
berdade em relação às forças do mercado. A característica principal
das políticas sociais liberais é justamente reforçar a dependência dos
indivíduos em relação ao mercado. Por outro lado, os socialistas ob-
jetivam garantir maior independência e autonomia perante aos me-
canismos de mercado. Enfim, os liberais defendem maior provisão
de benefícios e serviços via mercado, enquanto que os socialistas
procuram garantir maior independência e autonomia através da ga-
rantia de benefícios e serviços via Estado, conforme destacaremos a
seguir.

A divisão de responsabilidades entre Estado, mercado e


família

Os três sistemas de proteção social, descritos anteriormente, con-


cebem diferentemente as responsabilidades da proteção social, cujos
pilares condizem com a divisão de responsabilidades entre mercado,
família e Estado. Numa perspectiva liberal de proteção social, o mer-
cado é tido como o principal recurso de provisão, visto que a maioria
dos cidadãos deveria obter uma renda que possibilitasse o sustento
através da venda da força de trabalho. Na concepção conservadora,
o Estado, por sua vez, deve entrar em cena apenas quando a família
e o mercado falham, ou seja, quando os indivíduos não conseguem
via mérito e inserção do mercado de trabalho garantir para si e os
seus um padrão digno de sobrevivência. Segundo Esping-Andersen
(2002), nos países católicos dos Sul da Europa e na América Latina, a
família é o central ente de proteção social, que geralmente entra em
cena em decorrência das falhas do mercado e do Estado.
Os socialistas, por outro lado, são os defensores clássicos das
soluções coletivas, reconhecem que o mercado e a família são ca-
nais insuficientes de proteção social, sendo inclusive os principais
62 56
A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

causadores das desigualdades sociais. Nos casos em que nenhum


desses três pilares conseguem proteger os cidadãos contra os riscos
sociais e econômicos, têm-se casos de déficit e deficiência na esfera
da proteção social. Diante disso, Esping-Andersen (2002) enfatiza a
importância em se conceber e implementar políticas sociais numa
perspectiva universal, sem rígidos critérios de elegibilidade, a fim de
que todos os cidadãos, independente de suas condições, classe social,
tenham um padrão digno de sobrevivência. O quadro II apresenta,
de forma resumida, as principais diferenças entre os três modelos de
políticas sociais.

QUADRO II: PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS PARADIGMAS DE


POLÍTICAS SOCIAIS

Concepções Liberais Conservadores Socialistas

Economia Política Liberalismo, Conservadorismo, Estatismo


Laissez-faire coorporativismo

Objetivos e valores Capacidade Segurança, Desmeranti-


de inserção subsidiaridade, zação, igualdade
no mercado, manutenção do e segurança
liberdade status social contra
riscos

Central na produção Mercado Família Estado


de responsabilidade
social

Protótipos de países EUA Alemanha Suécia

Fonte: Elaboração própria baseada em Esping-Andersen, 1991, p. 38 – 47.

O quadro II ilustra que os liberais defendem a provisão de benefí-


cios e serviços sociais através de mecanismos de mercado, enquanto
que os socialistas procuram garantir maior independência e auto-
nomia através da garantia de benefícios e serviços através da inter-
venção do Estado. Além do papel do Estado, há objetivos e valores

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Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

diferenciados. Enquanto que os liberais têm como propósito garan-


tir a capacidade individual de inserção no mercado, mesmo que isso
implique numa maior desigualdade social; os socialistas defendem
uma maior desmercantilização, igualdade e segurança social contra
riscos. Os conservadores, por outro lado, baseiam-se no princípio
da subsidiaridade, cabendo à família um papel central na proteção
social.

Considerações finais

Este artigo procurou tecer reflexões sobre o conceito da desmer-


cantilização na análise das políticas sociais. A desmercantilização
permite avaliar o grau de autonomia e independência que as políti-
cas sociais concebem aos indivíduos ou famílias em sobreviver para
além das relações do mercado.
É notável que a concepção de desmercantilização difere das teo-
rias vigentes até o momento, por não enfatizar somente a quantida-
de, mas especialmente a qualidade das políticas sociais institucio-
nalizadas, medidas pelo grau em que indivíduos podem manter um
nível de vida tolerável, independentemente da obrigação da partici-
pação no mercado de trabalho. A dimensão da desmercantilização
incorpora a possibilidade dos cidadãos poderem, livremente, optar
por não trabalhar quando assim considerarem necessário, sobretu-
do quando há um alto grau de exploração da força de trabalho.
Ao contrário do propagado pela mídia, senso comum, concepções
liberais e conservadoras, bem como por parte da esquerda ortodoxa
brasileira18, as políticas sociais desmercantilizadoras, na concepção
de Esping-Andersen, fortaleceriam o movimento dos trabalhado-
res e enfraqueceriam o poder dos patrões, sendo inclusive uma

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Comumente defensores da tese de que as políticas sociais tornariam os pobres apá-
ticos, acomodados, preguiçosos e dependentes.

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A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

pré-condição para que os trabalhadores sejam capazes de agir coleti-


vamente. O estudo em tela demonstrou que os liberais e recentemen-
te os neoliberais priorizam veementemente as políticas de caráter
mercantilizado, enquanto que os socialistas defendem as políticas
que conduzem à desmercantilização das relações sociais.
Em relação à divisão das responsabilidades sociais, a análise da
literatura existente revelou que o fortalecimento da capacidade de
atuação do Estado é fundamental para corrigir as limitações, defei-
tos e/ou falhas do mercado e da família na garantia de um padrão
de vida tolerável. Os neoliberais, por seu turno, defendem a valori-
zação do papel do mercado e a diminuição do papel do Estado no
provimento de políticas sociais. O Estado é visto, pelos neoliberais,
como ente responsável pelo surgimento de comportamentos, taxa-
dos de acomodação, falta de vontade ao trabalho, dependência e pre-
guiça. Os neoliberais defendem, portanto, a volta do individualismo
e o fortalecimento da capacidade das pessoas de obterem sucesso in-
dividual no mercado. Esses partem do pressuposto de que os riscos
sociais e desigualdades surgidas no mercado poderiam ser corrigi-
dos, se todos puderem competir em pé de igualdade, o que não ocorre
no mundo real. Por outro lado, os conservadores e católicos sociais
defendem o favorecimento do papel central da família e das comuni-
dades locais no provimento de serviços de proteção social, ainda que
esses não tenham condições, de, por si só, atingir tal fim. Por último,
os socialistas defendem soluções coletivas na provisão de políticas
de proteção social, posto que o mercado e a família seriam canais in-
suficientes de seguridade, figurando como os principais causadores
das desigualdades sociais.
No Brasil, nota-se a predominância de políticas sociais baseadas
em concepções liberais, nas quais os critérios de elegibilidade são de-
finidos e estabelecidos através de rígidos testes de meios, a exemplo
do Benefício de Prestação Continuada e do Bolsa Família. Numa pers-
pectiva social-democrata, esses benefícios deveriam ser bem mais ge-
nerosos, havendo a extinção dos testes de meio, o caráter vexatório
de comprovação da pobreza e as demais condicionalidades.

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Clovis Zimmermann e Marina da Cruz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Ademais, a seleção e o controle das condicionalidades das políti-


cas sociais brasileiras, além de limitar o alcance e qualidade da pro-
teção social, comprometem o número de pessoas que podem acessar
a esses programas. Numa perspectiva universal, deveria haver a ga-
rantia de um padrão de vida razoável, que é comprometido diante
do critério da exigência da permanência na pobreza absoluta para
a continuidade do acesso ao benefício. Diante disso, percebe-se o
baixo grau de desmercantilização dos programas sociais que enfa-
tizam o provimento de políticas seletivas e de baixo alcance quan-
titativo e qualitativo. Uma exceção no Brasil, apesar das restrições
ao acesso, constitui-se o regime de segurado especial da previdência
rural, baseada no princípio universal, cujo alcance é maior e, por sua
vez, garante um grau significativo de desmercantilização. Todavia,
é mister repensar a concepção das políticas sociais brasileiras, to-
mando como referência as contribuições de Esping-Andersen, isto é,
desmercantilizar as relações sociais, oferecer alternativas para além
do mercado, garantindo autonomia, independência. Nas palavras de
Amartya Sen (2000), aumentar as possibilidades de escolha dos indi-
víduos. Para Sen (2000), somente haverá desenvolvimento se houver
a ampliação das possibilidades de escolha, garantidas pelas oportu-
nidades de expansão das potencialidades humanas. Neste quesito,
ao contrário do que indica a mídia e o senso comum brasileiro, tanto
para Esping-Andersen quanto para Amartya Sen, o Estado é o ente
mais apropriado para garantir a independência, liberdade e auto-
nomia dos indivíduos, com vistas a marginalizar o mercado. Assim,
políticas sociais com maior grau de desmercantilização implicam na
garantia de um padrão de vida aceitável, tendo em vista a autonomia
e a liberdade dos cidadãos no que concerne aos ditames e imposições
do mercado.

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A desmercantilização nas políticas sociais
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

COVID-19 e políticas públicas para o rural


baiano:
notas de emergência e enfrentamento à crise

Tatiana Corsini Schwartz, Aditi Doria Vaz Almeida,


Fernanda Barretto e Danilo Uzêda da Cruz

Introdução

Os impactos sociais e econômicos da pandemia da COVID-19


que paralisou o mundo ainda serão sentidos por muitos anos, talvez

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Tatiana Corsini Schwartz, Aditi Doria Vaz Almeida, Fernanda Barretto e Danilo Uzêda da Cruz
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

décadas. As mortes e o adoecimento das populações demonstraram


uma fragilidade sistêmica no enfrentamento público às consequên-
cias desse quadro. No Brasil, e particularmente no nordeste brasilei-
ro, esse quadro caótico agravou o frágil sistema social em desmonte
desde 2016, promovendo um esgarçamento do tecido social, ainda
que amaciado no também incerto e instável auxílio emergencial.
Entretanto algumas ações no âmbito das unidades federativas
subnacionais parecem ter logrado êxito em conter parcialmente o
empobrecimento da população, notadamente a população rural.
Considerando que o sistema público de amortecimento das desigual-
dades no campo foi desmontado e o conjunto de políticas públicas
interrompido para essas populações, as famílias rurais enfrentam
um cenário ainda mais difícil. Nosso artigo busca identificar as polí-
ticas públicas empreendidas no Estado da Bahia voltadas para a po-
pulação rural, ao longo de 2020, cujo foco era o enfrentamento aos
efeitos colaterais da COVID-19 no Estado. A partir de dados disponi-
bilizados pela Secretaria de Desenvolvimento Rural e as ações corre-
latas discutiremos as dinâmicas e prioridades dessas políticas, dados
da execução, opções estratégicas e entregas realizadas no período.
Nos interessa sobretudo as ações desenvolvidas no âmbito do
projeto político estadual cujo enfoque teórico coincide parcialmente
com a temática do desenvolvimento rural sustentável. O desenvolvi-
mento rural sustentável é o pano de fundo e paradigma que guiam
os projetos políticos para o rural desde a 1ª Conferência Estadual
de Assistência Técnica e Extensão Rural – CEATER (SEAGRI, 2012).
Podemos observar provisoriamente, entretanto, que há uma certa
confusão teórico-metodológica nos documentos que assinalam essa
opção de projeto político.
Essa confusão aparentemente está no conceito chave repetido
nas 3 versões das conferências, (SDR, 2018; SDR 2021) anotadas nos
relatórios finais e parciais, documentos orientadores e Política Es-
tadual de Ater (PEATER) como nas políticas públicas que derivaram
dessas conferências.

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COVID-19 e políticas públicas para o rural baiano
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

A extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário guarda um


significado institucional e de projeto político que pretendemos late-
ralmente explorar em nossa pesquisa, tentando demonstrar como
o vazio de institucionalidade no aparelho burocrático fragilizou as
oportunidades e execução de programas e ações para conter a po-
breza no campo. O Governo do Estado da Bahia passa a garantir com
recursos próprios e de agentes financiadores as macropolíticas para
o rural e o financiamento da produção, como o Garantia Safra, pro-
jetos estruturantes para a agricultura familiar e ações de custeio da
produção (SDR, 2020).
Entretanto a pandemia derrubou drasticamente o orçamento do
Estado, além de ampliar as dificuldades dos grupos produtivos de
agricultoras e agricultores familiares, com impactos ainda por se-
rem estudados do ponto de vista social e organizativo.
No entorno desses impactos, cuja dimensão ainda não é possível
qualitativa e quantitativamente identificar, é que a estratégia políti-
ca de contenção aos danos econômicos e produtivos decorrentes da
Covid 19, é montada.
Nosso artigo é dividido em três sessões. Na primeira parte, reali-
zaremos um breve debate sobre o conceito de desenvolvimento rural
sustentável, sob o qual se ergue a política pública no Estado da Bahia.
Esse apartado se segue das estratégias do governo para o enfrenta-
mento ao à COVID 19 no campesinato e agricultura familiar no Es-
tado. Por último apontaremos algumas perspectivas para um futuro
próximo, em que quando será preciso enfrentar novamente o cresci-
mento da pobreza e miséria no campo.

Debates em torno da estratégia de desenvolvimento rural


sustentável.

Os debates acadêmicos sobre desenvolvimento rural sustentável


no Brasil se avolumaram nas últimas duas décadas, tornando-se um

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campo hegemônico nas análises para o mundo rural. Os estudos so-


bre territórios, relações entre o global e o local, participação social e
as políticas públicas derivam desses estudos em busca de compreen-
der as dinâmicas para o campo e os interesses dos grupos sociais em
suas demandas públicas (GRISA; SCHNEIDER, 2015; BERDEGUÉ; FA-
VARETO, 2020).
Entretanto o colapso provocado pela pandemia do Coronavírus
(Sars-Covid19) já apresenta números importantes de uma crise de
grandes proporções em diversos sistemas como o de saúde, ambien-
tal, social, cultural e de impactos ainda não medidos nas economias
familiares e nacionais (PREISS et al., 2020a). Podemos dizer que os
diversos projetos políticos de desenvolvimento se encontram sobes-
tados à espera de um cenário mais abrandado que possibilite suas
retomadas. Segundo Mazzucato (2020), a crise de saúde que a pan-
demia provocou desencadeou uma série de outras crises com con-
sequências ainda não conhecidas. No entanto, não somente algumas
populações têm sofrido de forma ainda mais contundente essa crise,
impactando na vida social e na forma de organização política das
suas populações, mas também os projetos de desenvolvimento rural
sustentável passam por algum tipo de constrangimento para esse pe-
ríodo e podem, caso o cenário não mude, impactar na produção de
alimentos. Em certa medida há consenso na literatura de que, apesar
de cedo, já se pode imaginar que essa crise será sentida ainda nos
próximos 10 anos (SALAZAR, 2020).
As dinâmicas mundiais em um contexto de intensas e constan-
tes inter-relações ficaram evidenciadas na forma veloz com que a
Covid-19 alcançou as populações nos diversos continentes. Os seus
efeitos e impactos, como reflexo desse contexto globalizado, também
alcançaram velozmente o mundo desde os primeiros casos diagnosti-
cados em Wuhan, província de Hubei, na China. Para a compreensão
dos impactos desse fenômeno para as populações rurais e para as
políticas públicas de contenção na Bahia, é necessário ter como re-
ferência não apenas a integração dependente, periférica e comple-
mentar da economia brasileira e das economias subnacionais, mas
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COVID-19 e políticas públicas para o rural baiano
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

também o alcance mundial da crise sanitária como experiência so-


cial não vivida nessa escala.
Segundo o Banco Mundial (2020) os impactos da pandemia da Co-
vid-19 vão reduzir em 5,2% o crescimento econômico global em 2020,
e o relatório complementar do PNUD-OPAS aponta que esse cenário
ocorre de forma desigual em cada parte do mundo. Para as econo-
mias avançadas a projeção é de queda de 6,1% para os Estados Uni-
dos da América, 9,1% para a Zona do Euro, e 6,1% para o Japão. Para os
países de economia periférica e dependente, a projeção é de retração
de 6% para a Rússia e crescimento de 1% para a China. Enquanto isso,
na América Latina, o Banco Mundial projeta queda de 7,2%. Com re-
lação ao comércio internacional, a Cepal (2020) estima queda de 17%
no acumulado entre janeiro e maio de 2020, em relação ao mesmo
período de 2019, e projeta para o ano de 2020 queda de 23% nas ex-
portações da América Latina e Caribe, no valor comercializado. Essa
redução reflete a queda das exportações para os Estados Unidos em
22,2%, para a União Europeia, em 14,3%, e para a própria região, em
23,9% (OPAS/PNUD, 2021).
O cenário de recessão, portanto, parece inevitável e, a despeito
das políticas encetadas por seus governos, as populações mais po-
bres estarão mais suscetíveis a dificuldades. Crise que será acom-
panhada na América Latina e Caribe pelo aumento do desemprego,
que poderá atingir 13,5%, já que com a redução na taxa de ocupação,
aumentaria o número de pessoas que procuram emprego de 26 mil-
hões para 41 milhões, acompanhada da deterioração na qualidade do
emprego e da queda na renda.
O quadro, como produto da crise sanitária, é de uma crise mun-
dial em que as populações pobres se ampliarão em maior ou menor
grau, a partir da ação dos governos. O Brasil e a América Latina já
estavam em um processo de desaceleração das suas economias antes
mesmo da pandemia, o que torna o quadro ainda mais grave.
Há certo consenso na literatura de que a retração geral da deman-
da por alimentos é inédita desde a segunda guerra mundial, e deco-
rre da perda do poder de compra dos consumidores, do desemprego

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crescente no país e da suspensão e fechamento de mercados tradi-


cionalmente acessados, com efeitos contundentes nas populações do
campo (FAVARETO; CAVALCANTI FILHO, 2020). E a pandemia ainda
não acabou.
As populações do campo com maior poder aquisitivo e possiblida-
de de acesso a mercados internacionais ou mesmo comercialização
institucional sofreram menos com esses efeitos, ao contrário da po-
pulação rural mais pobre ou com cadeias de abastecimento que exi-
jam maior investimento econômico (FAO, 2020).
Esse setor mais empobrecido da população rural tem suas rendas
reduzidas, o acesso alimentos e a serviços precarizados e políticas
públicas restritivas, em um quadro contencioso, afetando não ape-
nas suas economias como seu modo de vida e existência (SCHMID-
HUBER; QIAO, 2020).
É bastante ilustrativo o que se verificou nos estudos empíricos
realizados por um conjunto de pesquisadores ligados ao Banco In-
teramericano de Desenvolvimento e ao IICA, que demonstram que
os efeitos da pandemia aparecem em três dimensões principais e co-
nectadas: a) dificuldades de manutenção da dinâmica produtiva e co-
mercial; b) impactos nos volumes de produção; c) efeitos nos preços
recebidos e queda na renda dos agricultores familiares nos últimos
meses (IICA, 2020; Salazar et al., 2020; BID, 2020).
Por um lado, as populações rurais, em maior ou menor distan-
ciamento das políticas públicas, foram afetadas pela ausência ou
fragilidade de protocolos de segurança e proteção sanitária. Esses
protocolos permitiriam as famílias rurais o acesso ao trabalho com
maior segurança, como também maior tranquilidade para manter
relações seguras com sua comunidade, o que reduziria dificuldades
de logística, transporte, distribuição e comercialização dos alimen-
tos. As políticas públicas parecem não ter alcançado essa dimensão
(IICA, 2020). Do mesmo modo, o acesso a insumos e financiamento
esteve prejudicado ou foi suspenso (IICA, 2020, BID, 2020).
O aumento geral dos preços, associado a um contexto de isola-
mento social, encareceu o valor dos insumos nos preços recebidos
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COVID-19 e políticas públicas para o rural baiano
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

pelos agricultores familiares e nas rendas obtidas com suas ativida-


des, impactando na produção do presente e no planejamento das sa-
fras futuras. O estudo do BID mostra que 67% dos agricultores fami-
liares consultados afirmaram terem comercializado seus produtos
por preços menores que o esperado e terem pago a mais por insumos
no período da pandemia até então (BID, 2020).
O IICA aponta ainda que na América Latina e Caribe 70% dos
agricultores familiares entrevistados em seu estudo tiveram suas
receitas reduzidas a partir da suspensão das políticas públicas de co-
mercialização ou apoio a produção, notadamente aquelas relaciona-
das ao setor alimentar (IICA, 2020). É importante notar que é a agri-
cultura familiar a responsável pela produção de 70% dos alimentos
comercializados em mercados locais, regionais e estaduais (PNUD,
2019; IBGE, 2020). Outra pesquisa identificou que 70% dos agriculto-
res familiares venderam ativos para fazer reservas de poupança ou
precisou se endividar no mercado financeiro (BID, 2020).
Esse cenário não é diferente daquele apresentado pelo conjunto
da população brasileira. Segundo o a UNICEF (2020) 55% da popu-
lação brasileira observou perda de renda na família nos últimos me-
ses em virtude dos efeitos da pandemia (UNICEF, 2020). Entretanto,
as contradições e distanciamento histórico das populações rurais
de políticas públicas agravam o cenário para essas populações (DEL
GROSSI, 2020).
A agenda de desenvolvimento rural sustentável esteve, portanto,
paralisada pelo governo nacional durante o período da pandemia
(BERDEGUÉ; FAVARETO, 2020; PERAFÁN; SCHNEIDER, 2020). Mes-
mo em anos anteriores, com a redução do Ministério do desenvolvi-
mento agrário em 2016 e sua extinção em 2019, o cenário das políti-
cas para o setor já era crítico (PERAFÁN; SCHNEIDER, 2020).
As políticas públicas para o rural aparecem em quatro di-
mensões: a) necessidade de padrões mais saudáveis e sustentáveis
de produção e consumo alimentares; b) modelos produtivos ecologi-
camente sustentáveis; c) mitigação dos efeitos da mudança climáti-
ca; e d) reconhecimento dos espaços rurais nas dinâmicas atuais de

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Tatiana Corsini Schwartz, Aditi Doria Vaz Almeida, Fernanda Barretto e Danilo Uzêda da Cruz
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desenvolvimento (PERAFÁN; SCHNEIDER, 2020). A abordagem pre-


liminar como tema das políticas no contexto da COVID-19 demons-
tra que as ações, narrativas e orçamentos estiveram desconectados
de uma política de desenvolvimento rural, pendendo para ações mi-
tigatórias em torno do contencioso do vírus.
Na Bahia, o governo Estadual empreendeu uma ação voltada para
uma agenda difusa com redução de projetos produtivos, orçamento
e financiamento da produção, oscilando entre ações mitigatórias e
baixos investimentos na produção (CRUZ, 2020).
Ações de apoio à produção, comercialização e consumo de ali-
mentos foram mantidas em pequena escala, concentrando os es-
forços de políticas públicas em meta-narrativas de superação, vitória
sobre o vírus e enfrentamento ao governo federal (conservador) (BA-
HIA, 2020).
Por outro lado, programas que contaram com financiamento
internacional, com recursos de empréstimo, mas com créditos já
transferidos para o tesouro do Estado, tais como o Bahia Produtiva
e o Pró-Semiárido, mantiveram uma intensa agenda de capacitações
e assistência técnica à distância, com pequenos aportes de novos re-
cursos para o enfrentamento ao contencioso sanitário e aos efeitos
da crise (BAHIA, 2020).

Dessa forma, apesar de haver um debate consolidado em torno


do desenvolvimento rural sustentável, as dinâmicas diante de um
quadro pandêmico têm sido ainda mais restritivas. Permanecem em
aberto as novas definições de um projeto político que viabilize a vida
das populações do campo, observando os efeitos multidimensionais
da crise sanitária em populações rurais (saúde, educação, habitação,
acesso a direitos e serviços) e mantendo o ritmo de investimentos
e do financiamento público para a produção e comercialização da
produção.

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COVID-19 e políticas públicas para o rural baiano
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Estratégias Políticas contra o COVID

Com o agravamento da crise sanitária ao longo de 2020, que al-


cançou as populações rurais e suas dinâmicas sociais, o governo da
Bahia estabeleceu uma estratégia que oscilava entre garantir a mo-
vimentação econômica e, ao mesmo tempo, estabilizar a dissemi-
nação do vírus com contenção de aglomeração de pessoas, uso de
máscaras e restrições ao fluxo de pessoas nas estradas intermunici-
pais. Ainda que não existam pesquisas ou indicadores solidamente
confiáveis sobre o impacto da crise sanitária e de saúde pública sobre
as populações rurais, há uma compreensão geral de que as políticas
públicas e estratégias para o desenvolvimento rural perderam es-
paço nos orçamentos públicos e estrutura institucional desde 2016,
com a finalização das atividades do Ministério do Desenvolvimento
Agrário, e consequentemente, suas políticas de assistência à agricul-
tura familiar e demais populações do campo. A ascensão do governo
Bolsonaro ratificou esse desmonte institucional, concluindo com a
redução de programas que financiavam ou sustentavam ações para
o setor. Restou aos entes subnacionais assumir o papel estratégico de
construção e execução de políticas públicas. O surgimento do Sars-
COVID 19 delineou no Estado da Bahia as políticas para o campo com
uma estratégia de enfrentamento aos resultados sociais provocados
pelo espalhamento do vírus.
Diante de um elevado grau de incerteza social provocado e ali-
mentado pelo governo federal, com agenciamento pessoal do presi-
dente Bolsonaro, foi preciso estabelecer um componente sistêmico
de combate às fake news e um ampliado apelo comunicativo para
que a informação oficial chegasse aos sistemas municipais de saúde
e à população em geral (BAHIA, 2020).
Como medidas sanitárias, o Decreto estadual 19.528, de 16 de
março de 2020 determinou o trabalho remoto para servidores, sus-
pendeu aulas e deslocamento intermunicipal. Nesse mesmo decreto
determinou ainda a Garantia de fornecimento de itens de segurança

73 79
Tatiana Corsini Schwartz, Aditi Doria Vaz Almeida, Fernanda Barretto e Danilo Uzêda da Cruz
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

(álcool em gel 70% e máscaras); Realização de 250 testes RT-PCR, So-


rologia e Teste Rápido dos servidores; Disponibilização de veículo
especial para servidores usuários de transporte coletivo.
Para as populações do campo, entretanto, a estratégia de con-
tenção da circulação do vírus se estabeleceu em torno de duas políti-
cas: ampliar os sistemas de e-commerce e garantir a manutenção dos
serviços de assistência técnica em parceria com as organizações da
sociedade civil por meio do atendimento remoto.
Todo o sistema de vendas e comercialização dos produtos da agri-
cultura familiar e economia solidária passou a operar por meio de re-
des de vendas virtuais e entrega delivery. Mesmo a feira estadual da
agricultura familiar, realizada anualmente, foi feita no formato vir-
tual com transmissão dos eventos por meio de plataforma própria,
assim como a comercialização fora realizada em endereço específico
(www.escoar.com.br). Em dados consolidados pela União das Coope-
rativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária, aproximada-
mente 250 mil pessoas assistiram aos vídeos e/ou participaram dos
eventos e foi comercializado em produtos da agricultura familiar o
quantitativo equivalente a mais de 35 milhões de reais1.
Do mesmo modo ao longo de 2020, o governo manteve o ritmo
de licitações para o setor. Segundo dados do Sistema Online de Lici-
tação – SOL, sistema utilizado para as aquisições de um dos progra-
mas governamentais, foram publicadas 1.615 licitações totalizando
R$ 28,7 milhões em recursos. Desse total já foram finalizadas (pagas)
633 licitações, que representam R$ 13,03 milhões de reais (BAHIA
PRODUTIVA, 2020).
Uma terceira estratégia utilizada pelo governo foi a mobilização
de prefeituras para adesão ao Programa Parceria Bahia Mais Forte,
lançado nos primeiros meses de 2020, com definição metodológica
realizada ao longo de 2020. O programa estabeleceu um pacote de
serviços a serem executados em parceria com os poderes públicos

1
Relatório de execução, 2020. Em 2022 Essa mesma organização criou um espaço
exclusivo para e-commerce o mercaf.com.br.

80 74
COVID-19 e políticas públicas para o rural baiano
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

municipais, notadamente em ações de produção de alimentos e ga-


rantia de infraestrutura de produção (SDR, 2020).
A complexidade e ramificações da estratégia não nos garantem
segurança antecipadamente em observar se os números refletiram
em barrar o avanço da pobreza no campo. Parte dessas ramificações
está justamente na dificuldade de compreensão e aproximação das
dimensões do desenvolvimento, políticas públicas e pobreza rural.

Perspectivas para agricultura familiar e campesinato

Ao que parece, com os dados que se tem até o momento (ONU,


2021), a pobreza se aprofundou em relação aos últimos dez anos
em todo o mundo. Isso significou o retorno de quarenta milhões de
pessoas a condições de pobreza e extrema pobreza (OPAS, 2021), das
quais um percentual de 85% estão entre famílias rurais. No Brasil, o
contencioso ofertado pelos poderes públicos em tempos de Pande-
mia não foi capaz de arrefecer a crise que já se apresentava desde
2016 e que foi agravada por uma gestão catastrófica e negacionista
da crise sanitária.
Diante da crise, o governo baiano apresentou à população rural
a manutenção de políticas de apoio à comercialização e medidas de
isolamento social, com a finalidade de conter o avanço do vírus e o
empobrecimento das populações. Se não está claro ainda o tamanho
do desastre, tão pouco é possível identificar quais os impactos das
políticas encetadas em termos econômicos e sociais.
Entretanto é possível estabelecer um diálogo a partir dos dados
encontrados em registros dos órgãos oficiais de execução da política.
Também não houve pressão social capaz de mobilizar novos recur-
sos ou de apontar outras políticas. Manteve-se o apoio à produção
e comercialização, à infraestrutura e o crédito, além de pequenos
aportes em assistência técnica e extensão rural. A inovação de relevo

75 81
Tatiana Corsini Schwartz, Aditi Doria Vaz Almeida, Fernanda Barretto e Danilo Uzêda da Cruz
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

para o período ficou mesmo com a comunicação e a abertura de no-


vas frentes de e-commerce e espaços virtuais de formação.
A crise de renovação de políticas públicas analisada em diversos
trabalhos, foi ofuscada por um apelo maior: a necessidade de estabe-
lecer um contencioso seguro e eficaz contra a pandemia de COVID
19, sem aprofundamento da crise econômica.
Se por um lado parece ter funcionado o contencioso para alas-
tramento do vírus, o aumento da pobreza no campo demonstra que
o governo não foi capaz de refrear a crise sistêmica. Ainda que as
medidas de apoio à comercialização tenham ampliado horizontes
para o mundo da virtualidade, o contexto exigiu volume de recursos
e diversidade de políticas que não estavam no escopo orçamentário,
sem mobilização dos agentes públicos.
Por último é preciso identificar os lugares e problemas das po-
líticas para o campo, determinando políticas públicas mais abran-
gentes e renovadas que não apenas viabilizem a vida das pessoas no
campo, mas que possibilite a essas populações alternativas sociais de
existência.

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Políticas públicas para o Desenvolvimento


Rural Sustentável:
aquisição de gêneros alimentícios na modalidade
compras institucionais da agricultura familiar

Ludgero Rêgo Barros Neto e Armando Lírio de Souza

Introdução

O mercado institucional de alimentos no Brasil tem alcançado


um volume de recursos expressivo nos últimos anos. Esse fator tem
chamado à atenção de agricultores, associações, cooperativas e de
91
85
Ludgero Rêgo Barros Neto e Armando Lírio de Souza
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

empresas em todo o país. De acordo com dados apresentados pelo


Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário – MDSA entre os
anos 2000 a 2015 o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, Pro-
grama de Aquisição de Alimentos Compra Institucional - PAA CI e o
Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, juntos foram
responsáveis pela comercialização de um montante em torno de R$
1,4 bilhões (MDSA, 2017b).
Esses dados são fruto de uma série de políticas públicas de pro-
moção da agricultura familiar, do combate à fome e a pobreza, da
produção de alimentos saudáveis, entre outras. O marco do PAA
como política pública surge a partir da Lei nº 10.696/03, que o tra-
ta com a finalidade de inclusão econômica e social de agricultores,
com fomento à: “produção com sustentabilidade, ao processamento
e industrialização e à geração de renda por meio do consumo e do
acesso à alimentação, em quantidade, qualidade e regularidade ne-
cessárias, as pessoas em situação de insegurança alimentar e nutri-
cional” (MDSA, 2017a p. 08).
Além disso, o PAA tem como alvo a promoção do acesso à alimen-
tação e o estímulo à agricultura familiar. É por meio da compra de
alimentos produzidos pela agricultura familiar que o Governo brasi-
leiro, promove o abastecimento alimentar através da compra gover-
namental de alimentos, destinadas às pessoas em situação de inse-
gurança alimentar e nutricional e em situações de extrema pobreza.
Esse programa contribui para: a formação de estoques públicos;
fortalecimento dos circuitos locais e regionais e redes de comerciali-
zação; valoriza a biodiversidade e a produção orgânica e agroecológi-
ca de alimentos; incentiva hábitos alimentares saudáveis e estimula
o cooperativismo e o associativismo. (MDSA, 2017a).
Com o passar dos anos, buscou-se o aperfeiçoamento desse
programa para melhor atender as especificidades da agricultura
familiar e as demandas dos mercados e, com isso, surgem seis mo-
dalidades de comercialização direta com a agricultura familiar:
Compra com doação simultânea, compra direta, apoio à formação

92 86
Políticas públicas para o Desenvolvimento Rural Sustentável
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

de estoques, incentivo à produção e ao consumo de leite, aquisição de


sementes e por último a compra institucional. (MDSA, 2017a)
Contudo, a modalidade PAA - Compra Institucional, tornou-se
efetiva a partir do Decreto nº 7.775/12, apresentando-se segundo o
MDSA, (2017a) como uma modalidade de compra que permite aos ór-
gãos federais, estaduais e municipais comprarem alimentos oriun-
dos da agricultura familiar por meio de chamadas públicas, utili-
zando seus próprios recursos financeiros, por meio da dispensa de
procedimento licitatório. Pode abastecer escolas, institutos federais,
universidades, forças armadas, hospitais entre outros, fornecendo
todos os tipos de produtos, desde que atendam a legislação em vigor.
Observa-se ainda a obrigatoriedade na aquisição de gêneros ali-
mentícios pelos órgãos e entidades da administração pública federal
direta, autárquica e fundacional, conforme determina o Decreto nº
8.473/15, que do total de recursos reservados aos programas, no mí-
nimo 30% (trinta por cento) deverão ser destinados à aquisição de
produtos de agricultores familiares e suas organizações, empreende-
dores familiares rurais e demais beneficiários que tenham a Decla-
ração de Aptidão ao Pronaf – DAP e se enquadrem na Lei nº 11.326/06.
A comercialização na modalidade do PAA - Compra Institucional
pode ser feita diretamente pelo agricultor familiar utilizando-se a
DAP, nas seguintes modalidades: Pessoa Física, na qual o agricultor
poderá comercializar até R$ 20.000,00 (vinte mil por ano por unida-
de familiar por órgão comprador); e Pessoa Jurídica, na qual a enti-
dade poderá comercializar até R$6.000.000,00 (seis milhões por ano
por Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) por órgão compra-
dor). (MDSA, 2017b).
Para isso, os órgãos da administração pública ficam responsáveis
pela definição da demanda de alimentos a serem comprados da agri-
cultura familiar e de sua oferta nas localidades ou na região. Além
disso, são responsáveis pela realização de 03 pesquisas de preços.
Na impossibilidade da pesquisa ser realizada, de acordo com Lei nº
12.512/2011, nos produtos de bases sustentáveis, pode ser acrescido
um valor de até 30% em relação ao produto convencional.

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Ludgero Rêgo Barros Neto e Armando Lírio de Souza
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

No processo de construção da chamada Pública, os órgãos da ad-


ministração devem atentar-se às seguintes fases: Elaboração da Cha-
mada Pública, Prazos de publicação dos atos, Cessão e Habilitação
da Proposta, Assinatura do contrato, e por último o cronograma de
execução e pagamento do contrato (MDSA, 2017a). Observa-se que
todos os documentos para a elaboração da chamada pública podem
ser encontrados no site do MDSA, Portal de Compras da Agricultura
Familiar ou no Portal de Compras Governo Federal (comprasnet).
Entende-se como Agricultor Familiar aquele que, de acordo com
a categoria profissional definida pela Lei nº 11.326/06, pratica ativi-
dades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes
requisitos: não possuir, a qualquer título, área maior do que 4 (qua-
tro) módulos fiscais; utilizar predominantemente mão de obra da
própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento
ou empreendimento; apresentar percentual mínimo da renda fami-
liar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou
empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; dirigir
seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (LEI Nº
11.326/2006).
Enquadram-se nesta categoria os silvicultores, aquicultores,
extrativistas, povos indígenas e integrantes de comunidades rema-
nescentes de quilombos rurais e demais povos e comunidades tra-
dicionais. Outras características importantes dessa categoria são a
produção de alimentos para autoconsumo, mão de obra familiar e a
alimentação saudável, (MDSA, 2017a).
O PNAE inicialmente voltado aos trabalhadores, crianças e esco-
lares das regiões pobres do país efetivou-se como programa em 1979,
apresentando-se como estratégia para promover a alimentação sau-
dável. Para Libermann e Bertolini, (2015):

A alimentação escolar começou a adquirir um caráter mais efetiva-


mente relacionado ao contexto do processo ensino-aprendizagem e
assumir a dimensão de prática pedagógica, de ação educativa, visan-

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Políticas públicas para o Desenvolvimento Rural Sustentável
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

do à promoção da saúde e da segurança alimentar e nutricional”. (LI-


BERMANN e BERTOLINI, 2015 p. 3534).

Segundo Barros Neto (2014), o PNAE trata-se de Programa Nacio-


nal de Alimentação Escolar brasileiro que auxilia financeiramente e
de forma suplementar a garantia da alimentação escolar para alunos
da educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação
de jovens e adultos da rede pública de ensino, oferecendo no míni-
mo uma refeição diária aos beneficiários. Além disso, Libermann e
Bertolini (2015), afirmam que o PNAE é a mais longa política pública
do país na área de segurança alimentar e nutricional do Brasil e ao
longo do tempo tornou-se uma política sólida atendendo estudantes
em todo o país e investindo um volume significativo de recursos.
Semelhante ao PAA, sua contribuição é por meio de assistência
financeira suplementar. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é
analisar as experiências das Chamadas Públicas no processo de aqui-
sição de gêneros alimentícios na modalidade compras institucionais
da Agricultura Familiar, do Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Baiano – Campus Bom Jesus da Lapa, durante o período
de 2016 e 2017, em atendimento a legislação vigente, que fornece as
diretrizes ao processo de aquisição de gêneros alimentícios da agri-
cultura familiar pelos órgãos e entidades da administração pública
federal direta. Neste sentido, será utilizado como estratégia metodo-
logia a coleta de dados, a análise documental, e pesquisa qualitativa
através de entrevista e a observação participante.
Em resumo, o artigo está definido basicamente em cinco seções:
Esta introdução ao tema, que trata do Programa de Aquisição de Ali-
mentos, Programa de Aquisição de Alimentos - Compra Institucional
e o Programa Nacional de Alimentação Escolar; na sequência a Me-
todologia; as Discussões e Resultados; e a Conclusão.

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Ludgero Rêgo Barros Neto e Armando Lírio de Souza
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Metodologia

A pesquisa teve por objeto de estudo o Programa de Aquisição de


Alimentos - Compra Institucional do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Baiano – IF Baiano – Campus Bom Jesus da Lapa,
localizado no Território Velho Chico, no estado da Bahia – Brasil, no
período de 2016 e 2017. Teve como público alvo a Comissão Especial
de Compras da Agricultura Familiar, formada por representante de
licitações e contratos, representante nutricionista, representante da
agricultura familiar e representante pedagógico.
Utilizou-se como estratégica metodológica a pesquisa qualita-
tiva, buscando-se compreender fatos e fenômenos, classificados
como sociais e da natureza, levando em consideração o sujeito his-
tórico-social. (SANTOS et. al, 2000, p. 01). Neste sentido, foi realizado
um levantamento bibliográfico com literaturas do tema e análise do-
cumental com registros de chamadas públicas e outros, objetivan-
do compreender e contextualizar as informações coletadas. Em se-
guida foram realizadas entrevistas com todos os representantes da
Comissão Especial de Compras da Agricultura Familiar (CECAAF) do
Campus Lapa, bem como a observação participante nos processos de
compras nos anos 2016 e 2017.

Discussões

Em 2016, foi instituída a Comissão Especial para Compra de


Alimentos da Agricultura Familiar (CECAAF), composta por repre-
sentantes dos setores administrativos, alimentação escolar, insti-
tucional de extensão, estudantil e sociedade civil no âmbito do IF
Baiano – Campus Bom Jesus da Lapa, por meio do setor de Licitação,
com a finalidade de apoiar os procedimentos administrativos nos
processos de compras por meio dos Programas PAA-CI e PNAE, dos
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Políticas públicas para o Desenvolvimento Rural Sustentável
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

empreendimentos econômicos e solidários da região, formados por


Ribeirinhos, Extrativistas, Quilombolas, Indígenas e Agricultores
Familiares. Além disso, a comissão objetivou fortalecer o controle
social participativo de entidades como associações, cooperativas e
organizações não governamentais, bem como, com os agricultores
individualmente.
Em seguida, no segundo semestre daquele ano, foi implantado o
refeitório, objetivando oferecer alimentação aos 160 estudantes dos
Cursos Técnicos Integrados de Agricultura, Agroecologia e Informá-
tica. Para garantir a segurança alimentar dos estudantes, iniciou-se a
demanda por compra de alimentos, sem previsão na base orçamen-
tária para o PAA-CI, prevista a partir de 2017. A Comissão destinou
47% dos recursos do PNAE para a agricultura familiar, a fim de aten-
der a legislação e o fortalecimento de vínculos com a agricultura fa-
miliar local.
Na primeira chamada Pública de 2016, houve participação de
duas associações. No entanto, apenas a Associação das Agricultoras
Familiares da Agrovila 05 do município de Serra do Ramalho/BA foi
habilitada, pois, atendia a todos os requisitos propostos na chama-
da. Observou-se ainda que, apesar de a segunda associação não ser
habilitada, por apresentar documentação desatualizada e incomple-
ta, apresentava experiência adquirida no PAA, já que participara de
outras chamadas públicas promovidas por municípios do território.
Uma das grandes barreiras de acesso da agricultura familiar a esses
programas é a dificuldade que os agricultores têm em manter em dia
a documentação de suas instituições.
Em 2017, já com recursos do PAA CI, o Campus destinou em aten-
dimento ao Decreto n° 8.473/15 aproximadamente R$ 65.033,42 (ses-
senta e cinco mil e trinta e três reais e quarenta e dois centavos) para
o PAA CI, do qual só foi possível a utilização de 50% desse valor devi-
do à baixa participação das associações, cooperativas e agricultores
na chamada pública 01/2017. Observou-se que a baixa adesão nesta
chamada estava vinculada a organização logística no processo de
entrega da propriedade rural à Instituição. Segundo os agricultores

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

eles ainda não estavam preparados para atendimento daquela de-


manda, sendo vencedora a cooperativa COOPESERRA do Município
de Serra do Ramalho/BA.
Observa-se ainda que houve um levantamento prévio das princi-
pais culturas produzidas pelos agricultores locais. No entanto, acre-
dita-se que à época não foi observado as disponibilidade e a perio-
dicidade destes produtos antes da elaboração do edital, já visto que
alguns, desses empreendimentos encontram-se em áreas próximas
de fontes hídricas como rios, logos, lagoas ou poços artesianos. Pois,
a irrigação é um recurso bastante utilizado nesta região.
Quanto ao PNAE, neste mesmo ano, foi destinado um montante
aproximado de R$ 56.632,68 (cinquenta e seis mil e seiscentos e trinta
e dois reais e sessenta e oito centavos), em duas chamadas, na primei-
ra houve apenas uma participante, a Associação de Agricultoras Fa-
miliares Extrativista do São Francisco, representada pelas mulheres
campesinas. Por ser predominantemente produtora de hortaliças le-
gumes e vegetais, esta associação só conseguiu fornecer 14% do valor
previsto, haja visto, que as agricultoras se especializam apenas em
alguns destes produtos. O baixo nível de beneficiamento e processa-
mento de alimentos de origem animal e vegetais (grãos) reduzem a
expressividade em volume de recursos, quando comparados a outros
produtos a exemplo das hortaliças.
Pois, os municípios da região possuem sistemas de vigilância sa-
nitária para processamento de produtos vegetais e sistema de ins-
peção para produtos animais, adequados à realidade dos agriculto-
res e agricultores locais. Também não foram identificadas políticas
públicas de fomento ao processamento artesanal destes produtos
que sejam acessíveis a este público. Estes são gargalos que muitas
vezes impossibilitam o acesso dos agricultores menos capitalizados
às políticas públicas.
Da segunda chamada, foram utilizados aproximadamente 59%
dos recursos disponíveis. Ainda mantendo uma baixa participação,
foram 04 os representantes da agricultura familiar, sendo uma
(01) associação e três (03) agricultores utilizando DAP individuais.
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Políticas públicas para o Desenvolvimento Rural Sustentável
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

No entanto, apesar dos esforços, não foi possível o atendimento do


percentual exigido na legislação vigente, devido ao baixo índice de
participação da Agricultura Familiar Local (Tabela 01). Além disso,
observou-se também que devido à localização e a facilidade de trans-
porte, os participantes vencedores dos processos 2016 e 2017 foram
do município de Serra do Ramalho, município vizinho ao IF Baiano.

Tabela 1. Participação da Agricultura Familiar nas Chamadas Públicas

Fonte: Pesquisa realizada pelos autores em abril de 2018. Organizado pelos


autores.

Apesar do PAA e do PNAE disporem de um volume significativo


de recursos direcionados a agricultura familiar, observou-se que em
2016 não houve recurso para o PAA e no ano seguinte só foi possível
utilizar 50% dos recursos disponíveis, já o PNAE em 2016 foram utili-
zados 20% e em 2017 subiu para 65% dos valores projetados (Gráfico
01). Devido à falta de infraestrutura e as dificuldades de organização
dos agricultores, principalmente no que diz respeito ao transporte,
quantidade e diversificação da produção. Mesmo assim, a CECAAF
e os agricultores acreditam que estão sendo construídos vínculos
fortes e duradouros nas relações institucionais e que a tendência é
que ambos se organizem para atender suas necessidades, vislum-
brando um aumento na quantidade de representações nas próximas
chamadas.
Além da falta de representatividade nas chamadas públicas, o
não atendimento do percentual mínimo exigido e o baixo volume

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

de recursos utilizados. Observa-se uma tendência de crescimento


demanda de gêneros alimentícios no Campus no período de 2016 e
2017 com grande destaque ao PNAE que no período contratou um
montante de R$ 46.563,28 e, juntos os programas PAA e PNAE foram
responsáveis pela contratação de aproximadamente 79.079,99 no
período, representando algo em torno de 46,51% do valor projetado.
(Gráfico 01).

Gráfico 1. Evolução da aquisição de alimentos - IF Baiano Campus Lapa

Fonte: Pesquisa realizada pelos autores em abril de 2018. Organizado pelos


autores.

Ao questionar a Comissão Especial de Compras da Agricultura Fa-


miliar sobre quais as principais dificuldades encontradas no atendi-
mento das chamadas públicas pelos Agricultores Familiares, foram
apresentadas seis causas recorrentes nas chamadas, das quais são:
pouco conhecimento das chamadas públicas (falta de uma leitura
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Políticas públicas para o Desenvolvimento Rural Sustentável
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

minuciosa), documentação desatualizada (a nova diretoria toma pos-


se e não registra a nova documentação), falta de documentos (pres-
tação de contas contábil, declarações e certidões atualizadas), difi-
culdades na precificação dos produtos, falta de padrões e garantias
(selo), transporte e acondicionamento. Quanto às dificuldades da
Comissão, afirmou-se ocorrer as dificuldades listadas no quadro 1. Às
duas primeiras são entendidas como as mais trabalhosas, pois, são
de responsabilidade do órgão gerenciador, a realização de pesqui-
sa de mercado, identificação do valor estimado, disponibilidade de
produtos e consolidação dos dados das pesquisas realizadas. “Igual-
mente, a necessidade de realização periódica de tais pesquisas para
comprovação da vantajosidade da contratação” (STJ, 2017 p.4).

Tabela 2. Principais dificuldades dos agentes envolvidos nas Chamadas


Públicas

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Fonte: Pesquisa realizada pelos autores em abril de 2018. Organizado pelos


autores.

Resultados

Notou-se que os agricultores locais têm grandes dificuldades em


fornecer produtos processados derivados de carnes, leites, temperos
e cereais por falta de regulamentação por parte do poder Público Lo-
cal, a exemplo dos serviços de inspeção Municipal. No entanto, como
a região é polo da fruticultura, percebeu-se uma facilidade no forne-
cimento de frutas regionais, tais como: caju, manga, banana, coco,
goiaba, laranja, tangerina, mamão e seus derivados (polpas, doces,
geleias e compotas), porém, sem nenhuma fiscalização, bem como de
hortaliças, legumes e verduras que são bastante abundantes em ofer-
ta. Observou-se ainda, que o próprio IF Baiano já se produz alguns,
desses produtos, limitando a comercialização vinda dos agricultores.
Ressalta-se a preocupação por parte dos agricultores em melho-
rar a qualidade e o processamento dos alimentos, principalmente
quando se trata de produtos como polpas, doces, geleias e compotas,
afirmando que buscam alternativas para melhorar o atendimento e
a qualidade dos produtos destinados ao PAA - Compra institucional.
Percebeu-se, também, que sua participação no processo “possibilita
o aprendizado e a formalização dos agricultores familiares, tornan-
do-os mais capazes de fornecer a mercados mais exigentes” (SAN-
TOS, 2016 p.9).
Ao questionar a CECAAF sobre as principais dificuldades no pro-
cesso de entrega dos produtos pelos Agricultores Familiares ao IF
Baiano, a comissão informou que pelo fato de terem iniciado a me-
nos de 02 anos, e possuírem um número limitado de fornecedores
que seguem as orientações especificadas na chamada pública (cro-
nograma de entrega), não houve ainda muitos problemas. No entan-
to, salienta-se que quando o volume de produtos e a quantidade de
102 96
Políticas públicas para o Desenvolvimento Rural Sustentável
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

fornecedores forem expressivos, acredita-se que terá muito trabalho


principalmente se não existir uma organização neste processo.
De acordo com as projeções do IF Baiano Campus Bom Jesus da
Lapa, para 2018, a Comissão Especial de Compras da Agricultura Fa-
miliar, juntamente com o setor de Licitações, acredita que o valor
destinado à alimentação pode aumentar em até 300% o valor atual,
tanto no PAA, quanto no PNAE, devido ao aumento do número de
estudantes de ensino médio que chegará a 480 alunos (estabilidade)
e da possibilidade de fornecimento de refeições para estudantes nas
modalidades subsequentes (300), graduação (150), pós-graduação
(150), estagiários (40) e servidores (80), totalizando 1.200 pessoas pos-
sivelmente, sendo que atualmente atende-se apenas 27% do total.
Nota-se uma relação de crescimento da demanda do Campus Bom Je-
sus da Lapa e o programa de alimentação nacional, evidenciada nos,
os próprios dados e estudos do MDSA que afirma haver perspectiva
de crescimento deste mercado de aquisição de alimentos na modali-
dade de Compra Institucional, prevendo atingir entre 2016 e 2019 o
montante aproximado de R$ 2,5 bilhões (MDSA, 2017a).

Considerações finais

A partir da análise desde trabalho, observou-se que a modalidade


de Compras Institucionais tem como objetivos a promoção de renda
no meio rural, por meio da agricultura familiar, contribuindo para
a segurança alimentar e nutricional, ampliação dos canais de co-
mercialização, surgimento de circuitos e feiras locais, promoção da
alimentação saudável para o abastecimento público de atendimento
socioassistencial. Apesar dessa modalidade torna-se de grande im-
portância no cenário nacional observou -se baixa participação dos
agricultores e dos empreendimentos nas chamadas públicas no cam-
pus Lapa, apontando a necessitando de aproximação da CECAAF e
dos agricultores e empreendimentos locais.

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Neste sentido, apesar das facilidades propostas pelo Decreto nº


8.473/15, a dispensa de licitação e o percentual mínimo (30%) para
a aquisição de produtos, as experiências com as chamadas públi-
cas apontam a necessidade evidente em promover uma Assessoria
Técnica voltada principalmente para a comercialização, gestão do-
cumental, transporte e processamento de alimentos, pois, a falta
destes contribuem para o baixo desempenho. Isto torna-se real a
medida em que se observou neste estudo a falta de conhecimento
dos agricultores nos temas: análise e gestão documental (contabili-
dade), processamento, acondicionamento, embalagem, selo, preço e
transporte, tem sido um dos principais desafios para o sucesso na
comercialização institucional, provocando baixa participação nas
chamadas públicas. O que para um curso técnico em Agricultura e
Agroecologia abre um potencial fantástico de projetos de extensão e
de inserção dos alunos no meio real dos agricultores para apoiá-los
na solução dos entraves encontrados.
Neste sentido, apesar das dificuldades, de acordo com a MDSA
(2017a), a perspectiva deste mercado é atingir no período de 2016 a
2019 o montante de R$ 2,5 bilhões, abrindo uma enorme oportuni-
dade de comercialização entre instituições públicas e a agricultura
familiar diante da realidade vivenciada em tempos de crise, apresen-
tando-se como alternativa de renda no meio rural. Além disso, existe
uma grande movimentação do MDSA para o fortalecimento dessa
política a nível nacional, estimulando a formação dos agentes públi-
cos e agricultores familiares por meio dos Simpósios Regionais de
Compras de Alimentos da Agricultura Familiar, realizado em todo
o país, em 2017. Aliado a aproximação e a comunicação entres os ór-
gãos federais, estaduais e municipais e representantes da agricultu-
ra familiar para a efetivação dessa política.

104 98
Políticas públicas para o Desenvolvimento Rural Sustentável
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

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100
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Democracia e acesso à terra:


condições de trabalho e produção nos estabeleci-
mentos agropecuários em assentamentos da Bahia

Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto


Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo

Introdução

O texto a importância da luta democrática pelo direito de acesso


à terra e como as pressões dos grupos sociais organizados têm resul-
tado em políticas fundiárias insuficientes para criar assentamentos
107
101
Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

que reúnam condições apropriadas para a reprodução social dos/


as trabalhadores/as. Esse efeito é consequência da falta de compro-
misso das elites governantes em realizar uma transformação social
profunda no campo bem como do seu interesse em manter uma es-
trutura fundiária concentrada nas mãos dos grupos historicamente
privilegiados.
A pesquisa reuniu os principais indicadores que informam as
condições de trabalho e produção nos estabelecimentos agrope-
cuários em assentamentos. O objetivo foi conhecer a realidade dos
assentados no Estado da Bahia e no Município de Eunápolis, loca-
lizado no extremo sul baiano, a partir de aspectos tais como assis-
tência técnica, financiamento, pessoal ocupado e sua relação com
o produtor, tipos de produção, área e valor da produção, despesas,
receitas e renda. A metodologia utilizou uma abordagem de análise
descritiva e comparativa. As comparações foram feitas entre níveis
territoriais e grupos de produtores rurais. Para tanto foram usadas
as informações da região Nordeste e do Brasil e entre os estabeleci-
mentos de assentados e dos demais tipos de produtores rurais (total).
Os dados são do Censo Agropecuário realizado pelo Instituto Brasi-
leiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2017.

A luta democrática pelo direito à terra

As lutas pelo direito à terra após a redemocratização encontram


forte amparo no indispensável respaldo constitucional, pois a carta
magna incorporou princípios que resguardam a função social da te-
rra, aliado à situação histórica de desigualdade e à demanda social
contemporânea pelo acesso à terra.
Nos sucessivos governos democráticos foram elaborados planos
e metas em relação à reforma agrária, criando estrutura estatal para
cuidar do assunto, sendo que em geral, os resultados sempre foram
aquém do planejado e das demandas sociais. Essa dinâmica repetida
108 102
Democracia e acesso à terra
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

até o início dos anos 2000 funcionou como estímulo ao fortaleci-


mento das lutas dos trabalhadores e seus movimentos em torno da
demanda por terra, que se articulavam na realização de ocupações
de terras e de estruturas estatais, manifestações públicas, marchas
etc. (SILVA, 2005). Numa sociedade de classes, e em especial no caso
do Brasil que apresenta abismos de desigualdade entre elas, os con-
flitos são materializações da expropriação imposta pelas elites do-
minantes. Na seara fundiária, as elites agrárias e o Estado brasileiro
sempre têm se posicionado de forma autoritária e violenta contra as
populações que reivindicam terras.
O Estado age de forma paradoxal, pois ora parece atender a parce-
las dos pleitos dos trabalhadores, ora os reprime para satisfazer aos
interesses das elites pela manutenção dos padrões históricos de con-
centração da terra. Nessa perspectiva “O poder público assume, dian-
te desses conflitos, o papel de conciliador, e procura não se indispor
com nem um dos segmentos.” (ROCHA; CABRAL, 2016, p. 85). Uma
contra estratégia dos agentes estatais tem sido, até os dias atuais, a
criminalização dos movimentos, que com o auxílio da grande mídia
tradicional concentrada acaba por convencer parte da sociedade de
que eles agem na ilegalidade, querendo usurpar o direito da proprie-
dade privada e que não passam de baderneiros.
Outra operação política que os governantes têm realizado é re-
duzir a reforma agrária a programas de distribuição de terras, ação
que não promove uma reorganização estrutural da distribuição fun-
diária no país. Essa realidade pode ser detalhada sob a ótica dos pro-
cessos de implantação dos assentamentos rurais, que nas palavras
de Miralha (2006) significam mais uma política de distribuição de
terras do que propriamente a reforma agrária. Nas disputas políti-
cas, jurídicas e ideológicas que se desencadeiam na atualidade na
área da reforma agrária e da luta pela terra os movimentos sociais
se defrontam com um amplo conjunto de forças contrárias que se
aglutinam em torno do agronegócio, conforme análise de Melo e
Scopinho (2018).

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Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Nos governos FHC a “expansão esteve fortemente atrelada à luta


dos trabalhadores sem-terra que se organizaram na década de 1990
e passaram a exigir ações concretas por parte das autoridades gover-
namentais.” (MATTEI, 2012, p. 315). Nos governos Lula, que represen-
tou percentualmente o maior número de assentamentos e famílias
assentadas na história do país, também é resultado da “pressão exer-
cida pelas forças democráticas e populares engajadas na luta pela
terra” (MATTEI, 2012, p. 316), especialmente o Movimento dos Tra-
balhadores Rurais Sem Terra (MST). Este autor compartilha da visão
de que essas ações do poder público têm constituído políticas fun-
diárias, porém não se traduziram efetivamente em reforma agrária.
Um efeito importante decorrente da implantação de assentamen-
tos rurais é a reorientação do sistema de produção agropecuária lo-
cal, pois a monocultura ou a improdutividade antes existente cede
lugar para a diversidade da produção familiar de pequena escala.
De um modo geral, o resultado é que os assentamentos representam
um fator de desenvolvimento local, considerando desde as melho-
rias nas condições de vida das famílias, o consumo, a infraestrutura,
os serviços e a comercialização que no conjunto podem gerar uma
dinamização das economias municipais (TEÓFILO; GARCIA, 2002).
Assim, há uma contribuição democrática no sentido de que possi-
bilitam a permanência das famílias no campo, evitando inchar as
cidades e sobrecarregar as estruturas e os serviços públicos já insufi-
cientes das cidades.
Uma concepção desenvolvida ainda durante os governos mili-
tares e aprofundada após a redemocratização é a de que a posse da
terra passou a ser tratada também como um direito humano. Tal
abordagem teve uma participação decisiva de setores da Igreja Cató-
lica, tais como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), as Comunidades
eclesiais de Base (CEBs) e a Teologia da Libertação enquanto perspec-
tiva teológica elaborada no contexto da América Latina que mani-
festava as preocupações cristãs com as populações pobres. Assim, a
atuação desses segmentos “passaram a se dedicar ao problema da
terra, atuando na articulação de movimentos de defesa dos direitos
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Democracia e acesso à terra
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dos indígenas, dos atingidos por barragens, dos trabalhadores ru-


rais, dos migrantes, exigindo “justiça no campo.” (REIS, 2012, p. 95).
Reis argumenta que existiram dois aspectos que atuaram comple-
mentarmente na construção e no fortalecimento da visão do acesso
à terra como um direito humano: 1 – uma ideia entre esses grupos,
comunidades e movimentos sociais de uso coletivo da terra, questio-
nando o valor absoluto da propriedade privada hegemonizada nas
sociedades capitalistas e; 2 – a inserção dos movimentos sociais em
redes internacionais de direitos humanos, espaços nos quais foram
possíveis trocas de experiências, compartilhamento de informações
sobre os diferentes contextos políticos, jurídicos e econômicos.
Os conflitos em torno da luta pela terra se manifestaram também
no campo discursivo, em que a visão da “terra de negócio” assumida
e propagada pelo Estado e pelo agronegócio passou a ser confron-
tada e questionada pela ideia da “terra de trabalho”, cujo slogan foi
criado pelos segmentos da Igreja Católica envolvidos com o tema no
início da década de 1980. (NORDER, 2013). A concepção da terra de
negócio tem o marco legal inicial em 1850 e se aprofunda até a hege-
monização do agronegócio nestas primeiras décadas do século XXI.
O acesso à terra a partir do ingresso no assentamento assegura
dois passos importantes para a melhoria da qualidade de vida das
famílias: o espaço para a construção habitacional e a disponibilida-
de de alimentos para o autoconsumo. Geralmente esses aspectos não
são considerados na composição da renda das famílias. Entretanto,
isso está distante de ser suficiente para sair da condição de pobreza
(BERGAMASCO, 1997), pois sem a renda agropecuária, não é possível
efetivamente superar as vulnerabilidades materiais. E aí é preciso
considerar uma enorme quantidade de obstáculos que tornam a vida
nos assentamentos desafiadora, às vezes por longos anos. De todo
modo, esses aspectos também são reflexos de processos e avanços
democráticos, tais como o acesso a moradia e alimentos, aos serviços
públicos e ao trabalho que podem surgir a partir da instalação no
assentamento.

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Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Os aspectos analisados mostram que as lutas pela terra e pela re-


forma agrária têm auxiliado a consolidação da democracia brasilei-
ra. Mas o acesso à democracia por essas populações sem-terra tem
um custo muito mais elevado em relação aos grupos sociais privi-
legiados, os quais já são beneficiados desde o início e de forma mais
ampla pelos mecanismos democráticos e por outros elementos (au-
toritários) da estrutura social que atuam pela manutenção das po-
sições de privilégio.
Considerando o padrão histórico de atuação das elites no sentido
de bloquear essa agenda política, o acesso à terra, ainda que dificil-
mente se realize uma reforma agrária em seu significado mais pro-
fundo, continuará a depender da organização, ação e capacidade de
pressão dos movimentos sociais sobre o Estado e seus governantes.
Segundo Gaulejac (2006), no imaginário social, aqueles que acessam
os benefícios e as políticas direcionadas ao combate à pobreza são
marcados por um estigma e uma pressão que sempre coloca a neces-
sidade dos sujeitos sob suspeita (MELO; SOPINHO, 2018).
Gaulejac (2006) esclarece que a violência é produzida pela subor-
dinação dos sujeitos às exigências para o acesso às políticas, muitas
das quais não podem ser cumpridas por falta de condição objetiva.
A burocracia que se desenrola nesses processos distancia o benefi-
ciário da instituição e impõe para o sujeito a necessidade de provar
que é merecedor do benefício mesmo que este seja seu direito, o que
converte direito de cidadania em assistência (MELO; SCOPINHO,
2018).
Afinal, o poder simbólico das forças hegemônicas, sobretudo do
agronegócio, não só impõe que essas políticas sejam realizadas de
modo a resolver a questão agrária em seu favor, sem debate ou qual-
quer alteração da questão fundiária, como também disputa no ima-
ginário social o modelo idealizado da agricultura que é legitimada
e reconhecida pelas forças dominantes no país (MELO; SCOPINHO,
2018).

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Democracia e acesso à terra
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Trabalho e produção nos estabelecimentos agropecuários de


assentamentos

Passamos a apresentar e analisar algumas variáveis seleciona-


das que foram mensuradas pelo Censo Agropecuário de 2017 sobre
os estabelecimentos agropecuários em assentamentos, com ênfase
na Bahia e no município de Eunápolis. De um modo geral, as infor-
mações coletadas buscam mostrar as características das unidades de
produção, e não diretamente as condições de vida das pessoas/famí-
lias, ainda que algumas variáveis se refiram ao produtor, por exem-
plo. O censo identifica uma categoria de produtor que é chamada de
“Concessionários ou aguardando a titulação definitiva”, os quais se
referem a produtores e familiares de pessoas beneficiários da polí-
tica fundiária. Portanto, os dados permitem desenvolver um olhar
sobre a realidade das populações assentadas.
De acordo com o censo, em 2017 o Brasil possuía 5.073.324 estabe-
lecimentos agropecuários, dos quais 258.309 eram de assentados, o
equivalente a 5,09% do total. A área total era de 351.289.816 hectares,
sendo que os assentados detinham 5.916.659 hectares, o que significa
uma participação de 1,68%. A região Nordeste possuía 45,78% do nú-
mero de estabelecimentos agropecuários do Brasil e 20,18% da área.
Na Bahia, é o local onde os assentados têm a menor participação no
número de estabelecimentos e na área. Na realidade de Eunápolis, os
assentados têm uma expressiva participação no número de estabe-
lecimentos, mas, por outro lado, a área utilizada por esse segmento
é muito inferior e desproporcional ao percentual dos demais gru-
pos e em relação à participação desse segmento nos demais níveis
territoriais.
Um fator importante é que na realidade rural brasileira a assis-
tência técnica constitui um dos principais desafios para o desen-
volvimento das atividades produtivas de pequenos agricultores, as-
sentados, agricultores familiares etc. Para os trabalhadores desses
grupos somente uma política pública abrangente e eficiente é capaz
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Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

de dotá-los de capacidades para melhor aproveitamento das terras,


aumentar a produtividade e torná-los mais integrados ao mercado.
No caso dos assentados, em geral ingressam nos lotes em situação
muito precária e desprovidos de condições econômicas para contra-
tação desses serviços. Além disso, nem o Instituto Nacional de Co-
lonização e Reforma Agrária (INCRA) e nem as agências estaduais
tem demonstrado capacidade de disponibilizar a assistência técnica
necessária conforme demanda desse público. Essa realidade pode
ser confirmada a partir dos dados do Gráfico 01, em que são mos-
trados os quantitativos de acesso a assistência técnica por parte dos
assentados e de outros dois grupos por extratos de áreas maiores (de
100 a 500 hectares e acima de 500 hectares) que traduzem a situação
de produtores mais ou altamente capitalizados. Os assentados são
os que menos recebem assistência técnica, destacando-se a Bahia
com 87,51% que não acessam o serviço. Por outro lado, o grupo de
produtores com área acima de 500 hectares é o que apresenta maior
percentual de uso de assistência técnica, atingindo 77,78% em Euná-
polis. Portanto, os dados mostram uma relação entre o tamanho da
terra e a capacidade efetivamente de ter assistência técnica.

Gráfico 01 - Acesso a assistência técnica por grupos

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

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Democracia e acesso à terra
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Uma discussão recorrente na literatura diz respeito à geração de


trabalho e ao pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários.
No geral, os estudos e as estatísticas mostram que a agricultura fami-
liar e os pequenos produtores criam, proporcionalmente, mais pos-
tos de trabalho do que as grandes propriedades, cujas atividades são
mais desenvolvidas por insumos tecnológicos, enquanto entre os pri-
meiros grupos o trabalho humano é fator essencial na produção. E
nesses grupos é comum a presença predominante de trabalhadores
com vínculos familiares entre si, o que, inclusive, é um dos critérios
utilizados para a definição legal da agricultura familiar. Os dados da
Tabela 01 mostram os números totais de pessoas ocupadas nos esta-
belecimentos, as unidades e as pessoas com laços de parentesco com
o produtor, juntamente com a divisão por sexo. No Brasil eram mais
de 15 milhões de pessoas ocupadas em 2017, sendo 71,01% de homens
e quase 30% de mulheres. Os estabelecimentos de produtores assen-
tados ocupavam 730.336 trabalhadores, dos quais 65,43% eram ho-
mens e 34,57% eram mulheres. Esse número representa 4,8% do total
de pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários do Brasil.
Em Eunápolis essa participação é bastante superior, o equivalente a
15,8%. Em todos os níveis territoriais a presença de trabalhadoras é
maior nos estabelecimentos de assentamentos do que no total. Com-
parando-se os percentuais de mulheres trabalhadoras com os per-
centuais de mulheres dirigentes dos estabelecimentos verifica-se que
as ocorrências para essa segunda variável são menores. Tal realidade
reflete a desigualdade de gênero no campo, especificamente em pos-
tos de liderança na produção agropecuária.
O número de unidades que ocupam trabalhadores com laços de
parentesco com o produtor é sempre superior entre os assentados
em relação ao total. Em Eunápolis essa relação é de quase três vezes
mais, sendo 11,3% no total e 33,86% nos estabelecimentos em assen-
tamentos. Por fim, quando se observa o número de pessoas ocupadas
com laços de parentesco com o produtor, também são encontrados
percentuais superiores entre os assentados, conforme cada nível te-
rritorial: Brasil – 87,6%; Nordeste – 78,85%; Bahia – 86,19%; Eunápolis
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– 73,78%. No município a diferença é muito elevada, pois no total dos


estabelecimentos somente 24,73% das pessoas ocupadas têm laço de
parentesco como produtor.

Tabela 01 - Pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários: total e


com laços de parentesco com o produtor

Fonte: Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

O número de pessoas ocupadas sem laço de parentesco com o


produtor no total dos estabelecimentos do Brasil soma 4.003.593 de
trabalhadores/as, sendo que 88,08% são homens e apenas 11,92% são
mulheres (Tabela 02). Entre as pessoas ocupadas com relação de pa-
rentesco com o produtor a participação das mulheres é maior, che-
gando a ser o dobro entre o total dos estabelecimentos e o triplo entre
os assentados nos diferentes níveis territoriais. Isso demonstra que
as trabalhadoras rurais encontram mais espaço naqueles estabeleci-
mentos em que os produtores têm laços de parentesco com elas. Por
outro lado, é mais difícil a contratação de mulheres nos estabeleci-
mentos cujos produtores não têm algum vínculo de parentesco. Nos
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Democracia e acesso à terra
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estabelecimentos de assentados de Eunápolis somente 0,86% das tra-


balhadoras não possuem parentesco com o produtor.
O tipo de vínculo de trabalho com o estabelecimento também é
importante, pois a situação comum é que na agricultura familiar,
e no grupo aqui analisado que são os assentados, o uso de mão de
obra contratada é feito somente em caráter temporário (por exemplo
no período da colheita). Os dados abaixo mostram exatamente essa
predominância entre os estabelecimentos de assentamentos, que em
Eunápolis ocupam 96,86% de trabalhadores temporários. Por outro
lado, somente neste município e no Brasil é que para o total dos esta-
belecimentos os trabalhadores permanentes superam o número de
temporários. Em Eunápolis destaca-se ainda a ocorrência de 42,69%
de trabalhadores ocupados no total dos estabelecimentos na con-
dição de parceiros. Trata-se de relação muito precária, que teve ori-
gem com a chegada dos imigrantes europeus em São Paulo e depois
disseminadas por diversas regiões e estados do país.

Tabela 02 - Pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários sem laço


de parentesco com o produtor

Fonte: Elaborado a partir dos dados do Censo Agropecurio 2017 (IBGE)

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As próximas tabelas e gráficos apresentarão dados sobre as ativi-


dades desenvolvidas nos estabelecimentos agropecuários: plantios,
áreas utilizadas e movimentação financeira – financiamento, renda
e despesas.
No Gráfico 02 podem ser observadas os tipos de atividades des-
envolvidas nos estabelecimentos de assentamentos. Entre os quatro
locais comparados a participação relativa de cada atividade é muito
diferente, não sendo encontrado um padrão geral. Essas diferenças
podem ter muitos fatores explicativos: as condições da terra e do cli-
ma, área, dinâmica do mercado e aspectos culturais nas diferentes
regiões do país. Em nível nacional e na Bahia predomina a pecuária
e criação de outros animais. Porém, enquanto no Brasil as lavouras
temporárias têm uma participação expressiva em segundo lugar e
uma participação pequena das lavouras permanentes, na Bahia se-
gue a mesma sequência de participação, mas com expressão maior
das lavouras permanentes e em segunda posição, mas não tão ex-
pressiva quanto no nível nacional, estão as lavouras temporárias. Na
região Nordeste e em Eunápolis a atividade que tem a maior parti-
cipação relativa são as lavouras temporárias. Contudo, no municí-
pio, essa atividade ultrapassa 70%. Na macrorregião há uma grande
participação secundária da pecuária e em terceira posição aparecem
as lavouras permanentes com pouca expressão. No nível municipal
esses dois grupos de atividades são encontrados em percentuais bai-
xos e próximos entre si de participação relativa. Horticultura e flori-
cultura e produção de florestas nativas aparecem com poucos esta-
belecimentos praticantes e participação relativa parecida no Brasil,
na região Nordeste e na Bahia.
Além do número de estabelecimentos que pratica cada tipo de ati-
vidade, é importante analisar a área destinada para cada uma delas
(Tabela 03). A pecuária e criação de outros animais é a atividade que
ocupa maior área, com percentuais mais elevados de destinação a
essa atividade no total dos estabelecimentos e entre os de assenta-
mentos, porém nesses últimos em menores proporções. Em segunda
posição aparecem as lavouras temporárias
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Gráfico 02 - Atividade nos estabelecimentos agropecuários dos assentados


(número de estabelecimentos)

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

De um modo geral em estabelecimentos de assentados são desti-


nados percentuais mais elevados de áreas para lavouras temporárias
em relação ao total de estabelecimentos, chegando a 57,2% nos es-
tabelecimentos do primeiro grupo no município de Eunápolis. As
lavouras permanentes aparecem em terceira posição em área ocu-
pada, porém com percentuais bastante abaixo das duas primeiras
atividades, variando de 4,02% no Brasil a 14,83% em Eunápolis para
o total dos estabelecimentos e apresentando variações de zero neste
município a 14,11% na Bahia entre os assentados. Nos estabelecimen-
tos dos assentados observa-se que a quantidade deles que desenvol-
ve as atividades mencionadas não é acompanhada por percentuais
semelhantes em área para as mesmas atividades. Por exemplo, a
pecuária é a atividade que ocupa a maior área em todos os locais,
excetuando Eunápolis. Mas a pecuária só é praticada em número
maior de estabelecimentos em nível de Brasil e na Bahia. Enquanto

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na região Nordeste e em Eunápolis há um número maior de estabele-


cimentos que cultivam lavouras temporárias.

Tabela 03 - Área dos estabelecimentos agropecuários por classe de


atividade

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

Um aspecto fundamental para o desenvolvimento das atividades


agropecuárias é o acesso a recursos financeiros via financiamento. A
literatura existente é suficientemente completa sobre essa discussão,
tornando evidente com dados e argumentos as dificuldades de pe-
quenos agricultores e unidades familiares para acessarem crédito no
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Democracia e acesso à terra
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Brasil. Os grandes proprietários acabam por utilizar a maior parte


dos recursos disponibilizados, não por competição direta, mas pelas
prioridades políticas dos tomadores de decisões. Ainda que desde
a década de 1990 tenham sido criadas linhas específicas de crédito
para a agricultura familiar, quando os recursos disponibilizados são
comparados aos valores destinados ao agronegócio, a participação
do primeiro segmento é muito inferior.
O Gráfico 03 mostra os dados referentes aos estabelecimentos
que acessaram crédito em 2017. Observa-se que há um decrescimen-
to do nível nacional até o municipal. Em todos os níveis territoriais
os percentuais de estabelecimentos dos assentados que acessaram
financiamento são menores do que o total de estabelecimentos, sen-
do que em Eunápolis a participação relativa de cada grupo é pratica-
mente igual. E a maior diferença se dá na escala nacional.

Gráfico 03 - Estabelecimentos que acessaram financiamento

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

Em relação às fontes de financiamento (Tabela 04), a principal


delas ainda são as instituições bancárias, cujos percentuais de parti-
cipação na contratação de crédito pelos produtores variam de 84,15%
no Brasil a 92,68% em Eunápolis. As outras instituições financeiras
apresentam participações pequenas. É importante registrar que no
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total dos estabelecimentos são utilizadas outras fontes de financia-


mento tais como cooperativas de crédito, governo, comerciantes,
fornecedores, empresa integradora e organizações não governamen-
tais. Entretanto, essas formas não foram encontradas/utilizadas en-
tre os assentados de Eunápolis, por isso não foram mencionadas nos
demais níveis territoriais.

Tabela 04 - Origem do financiamento

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

Na tabela 05 pode-se visualizar a participação percentual dos


estabelecimentos de cada grupo (assentados e demais grupos) em
relação ao total que obteve alguma forma de crédito, com a distri-
buição por instituição de origem. Deve ser destacado o fato de que a
participação do número de estabelecimentos dos assentados que ob-
teve financiamento é inferior à participação desse segmento no total
de estabelecimentos existentes em cada nível territorial analisado.
Essa diferença reflete o problema da desigualdade na distribuição/
alocação dos recursos e os obstáculos enfrentados por trabalhadores
assentados (e os agricultores familiares de um modo geral) para aces-
sarem financiamento. Na distribuição entre as fontes provedoras de
crédito, a instituição a que mais os estabelecimentos recorrem são os
bancos. Em Eunápolis o atendimento numérico aos estabelecimentos
pelos bancos é bastante próximo entre os dois grupos, sendo 43,68%
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Democracia e acesso à terra
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para os assentados e 50,57% para o conjunto dos demais produto-


res. De um modo geral, nos diferentes níveis territoriais, os demais
produtores acessam um leque maior de diferentes fontes de finan-
ciamento do que os assentados, ainda que elas tenham participação
pequena. O que sinaliza para uma outra expressão da desigualdade
nas condições e oportunidades de obtenção de financiamento.

Tabela 05 - Estabelecimentos que obtiveram financiamento e origem:


participação em relação ao total geral

Fontes de financiamento / grupos Brasi, Nordeste, Bahia, Eunápolis

No caso dos agricultores familiares e de assentamentos, outro in-


dicador a ser analisado e que tem muita importância, ou até mesmo
é essencial, para a sobrevivência e a reprodução do estabelecimen-
to na sua finalidade produtiva e consequentemente para a família
é a receita e/ou renda gerada. Os dados da Tabela 06 mostram as
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unidades e os valores relativos ao total dos estabelecimentos agro-


pecuários que geraram algum tipo de renda ou receita. Interessante
registrar que os percentuais são próximos entre os dois grupos, fi-
cando em torno de 95%. Em todos os níveis territoriais o percentual
de estabelecimentos de assentamentos que tiveram receita ou renda
foi superior às outras categorias de estabelecimentos. Além disso,
eles também são numericamente superiores na renda gerada a par-
tir da produção do próprio estabelecimento, na produção vegetal e
em agroindústria. Também ultrapassam em percentuais entre os es-
tabelecimentos que tem outras receitas não originárias da produção,
tais como aposentadorias ou pensões e programas governamentais.
As receitas originadas fora do estabelecimento têm mais ocorrência
entre as outras categorias de estabelecimentos.
Em Eunápolis os estabelecimentos de assentados que geraram
renda a partir das atividades agropecuárias têm predomínio das la-
vouras temporárias (72%), conforme mostra o Gráfico 04. Com par-
ticipações bastante inferiores aparecem os estabelecimentos que au-
feriram renda da pecuária (14%) e das lavouras permanentes (12%).
Esse predomínio de lavouras temporárias entre assentados está as-
sociado a dois fatores: são cultivos de ciclo rápido, cuja escolha consi-
dera o potencial de gerar renda em períodos mais curtos em relação
às culturas permanentes e; em geral, esses cultivos requerem menos
trato/manejo quando comparados com as lavouras permanentes e,
portanto, envolvem despesas menores.

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Democracia e acesso à terra
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Tabela 06 - Estabelecimentos que obtiveram renda ou receita por tipo de


renda

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

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Gráfico 04 - Distribuição dos estabelecimentos de assentados com receita


por tipo de atividade em Eunápolis

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

Realizamos um exercício de comparação entre a participação na


área sob domínio, uso e/ou propriedade, no valor da produção, no
número de estabelecimentos e na produtividade (valor por unidade
de plantio) referentes a cada grupo (Tabela 07). No nível nacional
e na Bahia a participação dos assentados na produção é inferior à
participação em área. Já no Nordeste e em Eunápolis essa relação
é inversa, ou seja, os assentados têm participação relativa maior
no valor da produção em relação ao percentual de terra do grupo.
O valor da produção por hectare segue o mesmo desempenho dos
níveis territoriais: os assentados produzem valor maior por hectare
na região Nordeste e em Eunápolis e os demais grupos apresentam
melhor resultado financeiro por hectare na Bahia e no Brasil. Esse in-
dicador merece um destaque porque em grande medida é o principal
objetivo do produtor e representa um enorme desafio para grande
parte dos agricultores familiares, em especial para assentados que
acessam a terra em condições muito limitadas para desenvolverem
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Democracia e acesso à terra
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as atividades produtivas. É claro que para explicar esse desempen-


ho é necessário avaliar outras variáveis além da quantidade de terra,
tais como a qualidade das terras, o nível tecnológico do produtor, o
tipo de atividade produtiva, entre outras.

Tabela 07 - Relação entre número de estabelecimentos, área e valor da


produção

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

A seguir (Tabela 08) são apresentados dados referentes ao valor


da receita alcançada pelos estabelecimentos em reais (R$) e a partici-
pação de cada tipo de atividade na formação da receita. Desse modo,
percebe-se que para o total dos estabelecimentos agropecuários a
participação da produção feita no estabelecimento varia de 63,95%
na região Nordeste a 94,46% em Eunápolis. Já entre os assentados a
menor participação da produção do estabelecimento também é na
região Nordeste (42,74%) e a maior ocorre em Eunápolis (66,75%). Em
todos os níveis territoriais observa-se que a participação do valor da
produção agropecuária no valor total da receita do estabelecimento
é menor entre os assentados em relação ao total de estabelecimentos.
Isso ocorre também para a produção vegetal e animal. Já os assenta-
dos geram maior participação na renda auferida da agroindústria,
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Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

exceto no nível nacional, e nos rendimentos originados fora do esta-


belecimento. Essa última situação pode estar relacionada ao fato de
ser comum esses agricultores buscarem trabalhos rurais e/ou outras
atividades fora da própria área para complementar a renda.

Tabela 08 - Valor e distribuição da receita dos estabelecimentos


agropecuários

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

Por fim, trazemos as informações das despesas realizadas pelos


produtores nas atividades agropecuárias (Tabela 09), o que permite
compreender os custos envolvidos na produção e a relação com as
receitas. Os assentados gastam menos do que o total de produtores/
estabelecimentos em todos os níveis territoriais analisados nos se-
guintes itens: contratação de serviços, sementes e mudas e agrotóxi-
cos. Isso pode sinalizar para um perfil de comportamento em relação
a fatores tais como a aplicação e a distribuição dos recursos dispo-
níveis, bem como as restrições financeiras e as escolhas sobre o uso
de agrotóxicos. Pelo fato de os agricultores assentados geralmente

128 122
Democracia e acesso à terra
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

serem descapitalizados a contratação de serviços externos é uma si-


tuação menos regular. Um aspecto cultural que pode explicar o uso
de despesas menores com sementes e mudas é o fato de ser comum
entre agricultores familiares ou camponeses utilizar as sementes
e mudas que são tiradas da própria produção e reservadas de uma
safra para o próximo plantio. Os gastos com combustíveis e lubrifi-
cantes e energia elétrica consomem mais recursos entre os assenta-
dos. Para ambos os grupos se constata que, em média, a despesa com
maior participação relativa são os salários. Nos estabelecimentos de
assentados aparecem como segunda e terceira maiores despesas os
gastos com sal, ração e outros suplementos e adubos e corretivos,
respectivamente. No total dos estabelecimentos a posição dos gastos
com essas duas despesas aparecem em ordem inversa.
No Gráfico 05 são mostrados os valores da razão entre receitas e
despesas. A situação comum é que em todos os níveis territoriais essa
relação é maior entre os assentados, ou seja, esse grupo apresenta
um desempenho superior, indicando que mesmo diante das limi-
tações de recursos os agricultores assentados apresentam, na média,
maior eficiência entre os gastos que são necessários e possíveis e as
receitas geradas no estabelecimento. Além disso, observamos que
as diferenças entre os assentados e o total dos estabelecimentos é
bastante expressiva, especialmente em Eunápolis. Somente os esta-
belecimentos de assentados apresentam o desempenho das receitas
superior em uma ou duas vezes o valor das despesas. Já no total dos
estabelecimentos, em nenhum nível territorial as receitas alcançam
ao menos uma vez a mais o valor das despesas.

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Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Tabela 09 - Distribuição das despesas dos estabelecimentos agropecuários

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

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Democracia e acesso à terra
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Gráfico 05 - Razão entre o valor das receitas e o valor das despesas dos
estabelecimentos agropecuários

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).


A ilustração abaixo (Gráfico 06) mostra os percentuais dos resul-
tados financeiros após a retirada das despesas sobre as receitas, ou
seja, o que representaria o resultado líquido. A participação desse re-
sultado é calculada sobre a receita total. Complementando as infor-
mações anteriores, observa-se que os assentados apresentam resul-
tados positivos superiores em relação ao total dos estabelecimentos
em cada nível territorial. Desse modo, entre os estabelecimentos de
assentados na região Nordeste, na Bahia e em Eunápolis mais de 70%
das receitas representam o resultado líquido.

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Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Gráfico 06 – Percentual do resultado final (receitas menos as despesas)


sobre o valor da receita total

Fonte: Elaborado a partir de dados do Censo Agropecuário de 2017 (IBGE).

Considerações finais

De um modo geral os dados e observações apresentados indicam


alguns paradoxos desafiadores em relação às populações assentadas.
Se por um lado, apesar das condições limitadas para o desenvolvi-
mento das atividades agropecuárias os estabelecimentos dos produ-
tores assentados mostram desempenho e indicadores similares ou
superiores à média geral e ao agronegócio, por outro em variáveis
sobre as condições de vida nota-se uma desigualdade aviltante, baixo
acesso a serviços básicos e a necessidade de serem apoiados por po-
líticas sociais, especialmente de transferência direta de renda. Isso
132 126
Democracia e acesso à terra
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

aponta para um campo fecundo e necessário de estudos multi e in-


terdisciplinares e de refinamento das políticas públicas para atender
as demandas desses grupos.
Quando os dados de participação relativa dos estabelecimentos
de assentados no número de estabelecimentos total evidenciam que
não são acompanhados por percentual equivalente em área depara-
mos com o fato de que as políticas de distribuição de terra agem pela
manutenção da histórica desigualdade fundiária. Além disso, indica
ainda que as terras distribuídas muitas vezes são insuficientes para
a reprodução social das famílias em níveis satisfatórios de qualidade
de vida. O que obriga os/as trabalhadores/as a buscarem outras ativi-
dades e/ou fontes de renda fora da própria terra. Isso coaduna com o
fato de que ao observamos a variável renda obtida fora do estabeleci-
mento, a participação percentual do total das unidades produtivas é
maior, porém o percentual do valor da renda é maior nos estabeleci-
mentos de assentados.
O pessoal ocupado e a predominância de vínculos de parentes-
co nas unidades produtivas de assentados reforçam a característi-
ca da agricultura familiar na realidade geral do Brasil. Mesmo com
enorme desvantagem no acesso às condições de trabalho e produção
adequadas em relação a assistência técnica, ao crédito e ao uso de
insumos os agricultores assentados alcançam eficiência produtiva
próxima ao conjunto dos demais estabelecimentos. Além disso, os
percentuais de estabelecimentos que obtiveram renda da produção
da unidade produtiva são maiores entre os de assentamentos. Em re-
lação aos tipos de atividades constatou-se maior diversificação tam-
bém nos estabelecimentos dos assentados, o que se explica pelo per-
fil da pequena agricultura brasileira. Enquanto que a tendência em
grandes propriedades é a especialização produtiva por meio da prá-
tica do monocultivo buscando ganho de escala e de competitividade.

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Cláudia Mirella Pereira Ramos, Clóvis Roberto Zimmermann e Aldemir Inácio de Azevedo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Referências

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MELO, Thainara Granero de; SCOPINHO, Rosemeire Aparecida. Políticas


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REIS, Rossana Rocha. O direito à terra como um direito humano: a luta


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– Núcleo de Estudos Urbanos Regionais e Agrários/ NURBA – Vol. 2 N. 1
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Land Issues Latin America Region, Brasília, Abril/2002, 37p.

134 128
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

A dupla morte:
uma avaliação da política indigenista no Governo
Bolsonaro

Rafael Xucuru-Kariri

Introdução

No dia 12 de fevereiro de 2021, Isac Tembé foi assassinado por


policiais militares em sua aldeia. Dois dias após a morte, seu povo
escreveu uma carta pública, exigindo justiça e afirmando a tenta-
tiva de duplo assassinato: “mataram seu corpo e tentam matar sua
135
129
Rafael Xucuru-Kariri
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

memória” (TEMBÉ-TENETEHARA, 2021), pois a narrativa oficial cul-


pava a vítima pelo ocorrido. Circularam notícias sobre seu envolvi-
mento em atividades criminosas, o que foi negado pela comunidade
indígena, que tinha em Isac uma jovem liderança da educação. Essa é
uma história individual no cotidiano de violência brasileira - princi-
palmente no mundo rural, cuja visibilidade é menor em comparação
com o que ocorre nas cidades -, mas também uma história coletiva
– dos Tembé-Tenetehara e dos outros povos indígenas -, sobre o pro-
cesso de exclusão da comunidade política nacional.
A exclusão, como argumentaremos neste texto, na perspectiva
dos povos indígenas, se dá por meio da morte, física e simbólica. Ape-
sar de histórico, este processo apresenta características particulares
no último governo, do Presidente Jair Messias Bolsonaro, cujo térmi-
no será em 2022. O Brasil dos últimos três anos buscou higienizar
sua população, definindo quem tem o direito à vida digna, e recontar
sua própria história - por meio de uma guerra de narrativas sobre o
passado e o presente da nação.
Ao longo do século XX, a humanidade experimentou diferentes
regimes políticos baseados na exclusão sistemática de determinados
indivíduos ou grupos nos processos de tomada de decisão. Mesmo
as democracias, sistemas mais inclusivos, criaram barreiras econô-
micas, culturais, linguísticas e sociais para a participação. Apesar
das transformações em vários desses aspectos, no novo século, ne-
gros, pobres, mulheres, gays e lésbicas, castas e povos indígenas são
atores e atrizes ainda não completamente aceitos nas comunidades
políticas nacionais. Diante da realidade da América Latina - região
que não pode ser analisada sem considerarmos os povos originários
-, nos interessa compreender a situação dos povos indígenas.
Essas populações têm manifestado desejos, anseios, preocu-
pações e sonhos de futuro, por meio de cartas trocadas entre si, mas
também enviadas para diferentes autoridades públicas, governos e
organizações estrangeiras, imprensa e para a população brasileira.
Reunidas pelo projeto As Cartas dos Povos Indígenas ao Brasil - pri-
meiro arquivo digital sobre a temática -, encontramos mais de 800
136 130
A dupla morte
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

correspondências de autoria das primeiras nações, abordando a sua


relação com o Estado. Destacam-se as petições sobre direitos, envol-
vendo avaliações, elaborações e reflexões no campo das políticas
públicas indigenistas. As epístolas falam da vida nas aldeias, das de-
mandas de cada povo e do (não) atendimento dessas.
Este texto tem como objetivo apresentar as perspectivas indíge-
nas sobre a política indigenista no atual governo, argumentando que
o cerne das ações estatais está na promoção da dupla morte – física e
da memória. Com base na análise de conteúdo das cartas indígenas,
utilizando como critérios a autoria, os destinatários, os assuntos e o
período de escrita, examinaremos como as populações originárias
avaliam a política indigenista contemporânea, refletindo sobre as
formas com as quais ocorrem a exclusão da vida comunitária de um
país. A argumentação, espero, contribui para o entendimento, que
deve ser contínuo, dos modos de criar e manter uma comunidade
política nacional, a mais abrangente possível, como critério de saúde
democrática.
O texto está dividido em três partes. No primeiro momento, fa-
remos uma apresentação geral das cartas, relacionando os critérios
utilizados na análise. Na segunda parte, abordamos as petições sobre
a política indigenista, identificando as perspectivas sobre exclusão,
por meio da morte, nas ações de governo e nas da sociedade. Por fim,
tecemos algumas considerações sobre a política indigenista. O desa-
fio para os países da América Latina, de incluir os grupos autóctones,
permanece, principalmente com a eleição recente de governos que
consideram o extermínio dos povos indígenas como ação de Estado,
à revelia do senso de dignidade humana e da relação mínima de con-
vivência entre indígenas e não indígenas construída no período mais
recente de democratização da região.

As Cartas dos Povos Indígenas ao Brasil

131 137
Rafael Xucuru-Kariri
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Minha primeira experiência com cartas se deu como escritor.


Aos vinte anos participava de diferentes organizações e movimen-
tos indígenas, locais, regionais e nacionais. Sou da geração de líde-
res que profissionalizou a atuação política, iniciando um processo
de burocratização dos movimentos. Passamos a nos organizar em
associações formais, com captação de recursos financeiros e huma-
nos, apoiar a formação dos profissionais especializados, como advo-
gados, cientistas sociais, economistas, dentre outros, para atuar nas
diferentes organizações, órgãos de governo e da sociedade civil. Pas-
samos a ocupar espaços de poder, como a universidade e os cargos
públicos – nomeados, concursados ou eleitos.
Estou situando essas características nos anos 2000 e 2010, perío-
do no qual aumentamos expressivamente o acesso à parte do mundo
dos não indígenas com a qual não tínhamos tanto contato. Digo par-
te, porque, de certa forma, o mundo do “branco” sempre foi o nosso
mundo também, desejássemos ou não. No entanto, a comunidade
política nacional, formada pelo debate público, os espaços de criação
cultural, da produção econômica, enfim, dos espaços no qual pode-
mos efetivamente nos sentir parte de uma coletividade política, ser-
mos aceitos e nos sentirmos respeitados pelos “outros”, dificilmente
tinha o rosto indígena.
Entre 1970 e 2000, líderes como Ailton Krenak, Raoni Metuktire,
Marcos Terena e Maninha Xucuru-Kariri criaram as primeiras orga-
nizações políticas indígenas para atuar no mundo dos “brancos”. A
liderança individual não perdeu importância, como vemos em Sô-
nia Guajajara e Txai Suruí, mas foi acrescida pelos coletivos, como
os de estudantes universitários, escritores e artistas, políticos eleitos,
dentre outros. Apesar de não podermos individualizar mais as con-
quistas, ainda estamos longe de generalizá-las para todos os povos
indígenas. A reverência que alguns conquistaram em determinadas
instâncias institucionais está distante da falta de respeito e digni-
dade da maior parte das relações entre indígenas e não indígenas.
Torço para que eu seja parte de uma geração do meio, para que meu

138 132
A dupla morte
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

filho Apoena não se sinta tão solitário como o pai ao ocupar espaços
de poder com poucos companheiros e companheiras.
Minha geração passou a usar a escrita como um grande recurso
de poder. Toda reunião, momento ou encontro era registrado para
memória e gerava documentos para apresentarmos e cobrarmos
nossas demandas aos destinatários dessa comunidade política ima-
ginada, real e impositiva sobre nossas vidas. O desenho na pele de
papel, como nos diz Davi Kopenawa (KOPENAWA; ALBERT, 2015),
tornou-se um ethos dos nossos movimentos. Um costume funda-
mental sobre o qual me atenho aqui, não com o objetivo de uma sis-
tematização completa - pois, apesar de ter participado da escrita de
mais de 100 cartas, minha experiência não necessariamente reflete
as muitas outras -, mas como uma amostra etnográfica do campo da
escrita epistolar indígena.
No começo de uma manifestação política indígena há sempre um
estar junto, um encontro, reunião, momento de reflexão, congresso.
São muitos os nomes, dada a multifacetada forma de nos organizar-
mos. Há encontros temáticos (educação, religião, cultura, mulheres e
gênero, pajés, líderes), em diferentes níveis (poucos indivíduos, cole-
tivos, aldeia, aldeias, organizações locais, regionais, nacional e inter-
nacional) e em diferentes estruturas de participação (conselhos, go-
vernos, associações, assembleias). Nesses momentos, nos reunimos
para conversar, debater e tomar decisões sobre os rumos de nossas
organizações e sobre as demandas que apresentamos.
Dividimo-nos em grupos, quando o encontro reúne muitas pes-
soas, ou debatemos juntos, mas sempre finalizamos com a assem-
bleia de todos, na qual avaliamos a política pública (ou as políticas
públicas). A assembleia (seja de muitos seja de poucos) é sempre a
autora da documentação, mas um grupo menor fica com a respon-
sabilidade da composição da carta. Esses editores devem ter conhe-
cimentos formais sobre escrita e tradução da língua indígena para o
português, além da linguagem do Estado, apresentando algum con-
hecimento sobre legislação, administração e filosofia não indígena.

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Rafael Xucuru-Kariri
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

O resultado é um documento apresentado para a assembleia, que


passa a discutir cada detalhe do que está escrito. Um terço do encon-
tro, ou mais, é o mínimo que sempre deixamos só para este momen-
to, pois a escrita torna-se completamente coletiva, resultando num
documento aprovado por unanimidade e assinado por todos. Algu-
mas questões pontuais podem ser decididas pelo critério da maioria,
mas o documento só pode ser aprovado por unanimidade, para que
a assinatura se transforme no ato que espelha, mesmo que de forma
fosca, as ideias coletivas, expressas oralmente, nas ideias uniformi-
zadas no papel. Assim, lideranças, indivíduos, organizações e coleti-
vos assinam os documentos confiando que a carta expresse parte da
discussão feita verbalmente1.
O tipo ideal de carta, o que mais encontramos, é formado por
um texto introdutório curto, utilizado como chamada nos veículos
no qual iremos difundir a epístola, resumindo o escrito. Algo como
“Governo federal, nós voltamos”, que fala da ocupação das obras que
construíram a Usina Hidrelétrica de Belo Monte (MUNDURUKU,
2013). Datamos o documento, o destinamos às autoridades, insti-
tuições ou pessoas que dialoguem com a demanda apresentada e
escrevemos um preâmbulo, identificando a reunião ou encontro, o
local, data de realização, questões discutidas e encaminhamentos.
O teor da carta depende muito dos participantes da assembleia. Por
exemplo, quando formada por líderes mais jovens e escolarizados, o
documento é mais formal, resumido e objetivo. Quando conta com a
presença de lideranças mais velhas, sábios e pajés, a narrativa é mais
criativa e poética.

1
Claro que há uma série de articulações, reuniões paralelas e outros dispositivos para
decidirmos sobre o destino das opiniões divergentes. Raramente há consenso comple-
to, mas os povos indígenas desenvolveram muitos mecanismos internos às suas orga-
nizações e coletivos para dirimir os dissensos e aprovar documentos compostos pela
assinatura de toda a assembleia, incluindo, inclusive, aqueles cujos valores foram de-
rrotados no debate coletivo. Por se tratar de uma questão pouco abordada em textos
acadêmicos, e exigir uma densidade descritiva maior, não abordarei aqui a temática
da disputa de valores interna aos movimentos indígenas.

140 134
A dupla morte
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

No entanto, esse modelo é um tipo ideal, baseado em experiências


pessoais de movimento pelo Brasil. No momento no qual a profes-
sora Suzane Lima Costa me convidou para participar do Projeto As
Cartas dos Povos Indígenas ao Brasil, percebemos o qual diversa e
abrangente era a produção de epístolas. Passei a incorporar a escri-
ta, recepção e a análise das cartas dos povos indígenas do Brasil nas
minhas reflexões.
Um dos projetos mais originais sobre a escrita indígena atual-
mente está vinculado ao Instituto de Letras da Universidade Federal
da Bahia, coordenado pela professora Suzane Lima Costa. Reunindo
uma documentação de arquivos públicos e privados, mas principal-
mente de fontes online, cuja disseminação foi não só autorizada, mas
expressamente solicitada pelos autores e autoras, o Projeto criou o
primeiro arquivo de correspondências indígenas do Brasil, com cer-
ca de 900 cartas escritas entre 1975 e 20222. O arquivo do Projeto
conta com 12 critérios de caracterização das cartas, mas promove-
mos apenas 04 deles no site do arquivo: data (ano no qual a carta foi
escrita), autoria, destinatário e assunto, a fim de criarmos uma plata-
forma mais amigável aos não especialistas em cartas ou em questões
dos povos indígenas3.
Apesar da manifestação (auto)biográfica ter amplo uso nos mo-
dos de expressão dos povos indígenas (COSTA, 2020), ainda há pouco
material etnográfico que biografe ou estude com exclusividade as
(auto)biografias produzidas por e sobre povos indígenas. Geralmen-
te utilizadas como material fonte ou secundário na etnologia ame-
ríndia brasileira, falta às disciplinas sociais abordarem como obje-
to de estudo esse tema (SAEZ, 2006). Com exceção dos trabalhos de
Saez (2006, 2007, 2012) e Costa (2021a, 2021b, 2019, 2018, 2016, 2015;

2
Conheça as cartas dos povos indígena ao Brasil em https://cartasindigenasaobrasil.
com.br/
3
O arquivo completo está dividido em local no qual a carta foi escrita (país, cidade,
terra indígena, aldeia), data (dia, mês e ano), assunto, tipo de carta, resumo da carta,
suporte original do documento, código de referência para o arquivo, quantidade de
páginas, pessoas mencionadas na epístola, palavras-chave, destinatário, remetente.

135 141
Rafael Xucuru-Kariri
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

XUCURU-KARIRI & COSTA, 2020, 2019), encontramos pouca biblio-


grafia que trate de forma exclusiva da produção (auto)biográfica
indígena4.
Diante dessa lacuna, resguardamos especial atenção à autoria no
Projeto. Das 866 cartas coletadas até o momento, 102 foram escritas
individualmente, enquanto 791 são assinadas por coletivos, distri-
buídos entre organizações indígenas - locais, regionais e nacionais
-, encontros temáticos – Mulheres, Professores, Estudantes, Lide-
ranças, Acampamento Terra Livre, Juventude, Escritores, LGBTI+,
dentre outros -, e povos indígenas – mais de 260 diferentes assinatu-
ras ou cerca de 90% dos 305 povos do Brasil. Além disso, criamos uma
sessão de perfis, com pequenas biografias dos indivíduos e coletivos
autores e autoras, tentando responder à pergunta sobre quem são os
indígenas que escrevem as cartas.
O arquivo reúne documentos de 1975 a 20225, devido à escolha
metodológica de trabalharmos inicialmente com cartas disponíveis
na internet, cuja difusão foi solicitada pelo autor/a. Cerca de 20 ti-
pos de destinatários foram sistematizados, com destaque para os
Presidentes da República e as cartas públicas, direcionadas ao Brasil.
Apesar da especificidade do receptor, como Presidente Lula ou Mi-
nistro Mendonça, interpretamos, com base no conteúdo das cartas e
na teoria democrática da representação da soberania popular, que o
receptor era o Brasil ou os brasileiros. Os remetentes também usam
termos como “sociedade brasileira”, “viemos a público”, “às autorida-
des públicas”, enfim, ao destinatário Brasil.
O conteúdo das correspondências manifesta uma vontade de diá-
logo com um interlocutor ausente. Seja pela falta de resposta – não
foram encontradas cartas de autoria dos órgãos de governo – seja

4
Não podemos deixar de registrar o excelente site do Projeto “Os Brasis e suas Memó-
rias”, coordenado pelo professor João de Pacheco de Oliveira (Museu Nacional – Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro), que reúne perfis biográficos de indígenas no site
https://osbrasisesuasmemorias.com.br/
5
Como a pesquisa está em curso, não disponibilizamos as correspondências dos pe-
ríodos entre 1630-1680 (antes do Brasil) e 1888-1930 (na nação Brasil).

142 136
A dupla morte
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

pela falta de políticas públicas, o Brasil é retratado como um país


que não reconhece as populações indígenas, que age contra seus
interesses, mas também é formado pelos povos que ignora (quando
não odeia). Essa dimensão da existência indígena, que afirma: ‘sim,
nós estamos aqui’, mesmo diante da falta de resposta, transforma a
carta num dos principais objetos de estudo para compreendermos o
processo de exclusão dos povos indígenas da chamada comunidade
política nacional.
Essa exclusão permeia os assuntos abordados. A tipologia criada
resultou em 20 diferentes assuntos, muitos dos quais tratam direta-
mente de políticas públicas para as aldeias, como educação, saúde,
segurança pública, terras indígenas e segurança alimentar. Dessas
mais de 800 cartas, destacaremos no próximo tópico a forma como
os autores e autoras avaliam tais políticas e, por conseguinte, trans-
parecem perspectivas sobre o processo de exclusão social do qual são
alvo.

Formas de exclusão

No atual governo, foram identificados 146 documentos. Trata-se


do intervalo de tempo no qual os povos indígenas mais escreveram,
perfazendo cerca de 20% do total do arquivo, mesmo sem ainda
termos sistematizado as cartas de 2022. Acreditamos que isso pode
ser explicado por três motivos. Primeiro, apesar do diagnóstico de
exclusão digital nas aldeias, os indígenas passaram a se comunicar
mais por meios digitais, como redes sociais, sites de organizações
indígenas, jornais, rádios e podcasts, dentre outros. Segundo, a pan-
demia da COVID-19, que impede encontros e reuniões mais amplas,
dadas as medidas sanitárias de contenção do vírus SARS-COV-2,
aumentou o uso de plataformas online para manifestação política.
Por fim, como demonstraremos, o período é marcado pela tentativa
de exclusão social, por meio das invasões aos territórios indígenas,
137 143
Rafael Xucuru-Kariri
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

diminuição dos direitos constitucionais e não atuação no controle


da pandemia pelo Governo Federal, aumentando a quantidade de de-
núncias, petições e repúdios.
No ano de 2021 ocorreu um debate público sobre o uso do termo
“genocídio”, para caracterizar as ações da Presidência da República
junto aos povos indígenas. A denúncia partiu do próprio movimento
indígena ao Tribunal Penal Internacional de Haia (GLOBO, 2021) e
encontrou respaldo na Organização das Nações Unidas, que consi-
derou como alarmante a situação dos indígenas brasileiros (NEXO,
2021).
Este texto discute a avaliação das populações indígenas, que acu-
sam o governo de executar um projeto de morte, devido às invasões
dos territórios indígenas, incentivadas pela ação pública, ameaças
aos direitos constitucionais e a inação diante da Pandemia causada
pela Covid-19. Veremos como esses temas aparecem nas cartas, com-
pondo uma ameaça dupla aos povos indígenas, física e simbólica, so-
bre sua existência6.
Desde a campanha eleitoral, em 2018, o então candidato Jair Bol-
sonaro deixou clara suas intenções para com a política indigenista:
“Se eu assumir não terá mais um centímetro para terra indígena”.
Ele posteriormente se corrigiu, e afirmou que quis dizer "nem um
milímetro" (SURVIVAL, 2021). Suas intenções se transformaram
em projeto de governo, qualificado nas correspondências indígenas
como “ações de morte”; “projetos de morte”; “governo da morte”.
Nas denúncias encontradas nas cartas, o governo incentivou a
entrada de servidores e políticos não testados nas comunidades indí-
genas, propagando o vírus causador da COVID-19; não atuou no con-
trole e fiscalização da entrada ilegal em territórios indígenas; não
mobilizou o aparato do SUS para o atendimento emergencial nas al-
deias; promoveu a negação de medidas amplamente defendidas pela

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A atuação do Governo Federal diante da Pandemia causada pelo vírus SARS-COV-2,
potencializada pela (in)ação pública, foi alvo de nossa avaliação em “Cartas Indígenas
ao Presidente Jair Bolsonaro: Modos de Morrer sendo Índio no Brasil” (XUCURU-KA-
RIRI, 2022).

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A dupla morte
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

comunidade científica para mitigar os efeitos da pandemia, como o


uso de máscaras, vacinação e distanciamento social.
As populações indígenas atuaram por meio de diferentes estraté-
gias, autonomamente ou em parceria com a sociedade civil e órgãos
governamentais para encontrar formas de combate à doença, mes-
mo à revelia das diretrizes do Governo Federal. O processo de vaci-
nação contra a doença foi exemplar dessa realidade. Num primeiro
momento, a questão foi judicializada pelas organizações indígenas
contra o Governo.

A luta da APIB junto ao Supremo Tribunal Federal, através da ADPF


709, e a mobilização dos povos indígenas no enfrentamento da pan-
demia garantiram que os povos entrassem no grupo prioritário da
vacinação nesse momento, pois a vulnerabilidade dos povos à Co-
vid-19 é muito maior do que o restante da população, podendo che-
gar a sete vezes em certas faixas etárias (APIB, 2021).

No entanto, uma vez aprovado o plano de emergência nas aldeias,


ocorreu a exclusão dos povos em terras não demarcadas e que vivem
nas cidades: “Ao mesmo tempo em que comemoramos avanços, ma-
nifestamos também nossa profunda indignação ao plano de vaci-
nação apresentado pelo Governo Federal por não incluir a totalidade
dos indígenas que vivem no Brasil como grupo prioritário no crono-
grama de imunização” (APIB, 2021).
A vacinação em terras não demarcadas e no contexto urbano,
mesmo com o risco maior de contaminação, óbito e sequelas da
doença em povos indígenas, ocorreu sem seguir a priorização para
populações originais. Além disso, desde o início da vacinação na-
cional, encontra-se resistências ao processo dentro das aldeias, in-
centivadas, mais uma vez, por autoridades públicas, que divulgam
notícias falsas sobre os possíveis efeitos colaterais da vacina. A APIB
denunciou que:

Além desta decisão mortífera do governo, a APIB repudia veemen-


temente a propagação junto às comunidades indígenas de incontá-

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

veis notícias e informações mentirosas que estão induzindo muitos


parentes a rejeitarem a vacina contra Covid-19. Muitas das mentiras
e desinformações vem sendo geradas por Bolsonaro e o primeiro es-
calão do Governo Federal. Argumentos falsos de que indígenas estão
no grupo prioritários para serem exterminados como “cobaias” da
vacina ou que a vacina provoca câncer e altera o DNA das pessoas
são algumas das informações mentirosas que estão sendo veiculadas
em muitas comunidades (APIB, 2021)

As negativas do Governo Federal em atender a população indíge-


na, somada às ações de propagar a invasão dos territórios e a dimi-
nuição dos direitos indígenas no âmbito dos três Poderes da Repú-
blica, geraram o epíteto de Governo da Morte, e a reação dos povos
indígenas, como nas cartas da Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil, que denominaram suas correspondências como “manifestos
pela vida” (APIB, 2021).
A mineração ilegal e a falta de recursos para a recuperação de
áreas indígenas impactadas por inundações, caracterizam o Gover-
no Federal como uma ameaça à existência dos povos indígenas. As
visitas do Presidente aos territórios foram duramente criticadas e re-
pudiadas por diferentes populações, dada a sua política indigenista:

manifestamos nosso repúdio à visita do presidente Jair Bolsonaro à


Terra Indígena Yanomami no Alto Rio Negro planejada para aman-
hã, 27 de maio de 2021, no nosso município de São Gabriel da Ca-
choeira/AM e à sua pauta anti-indígena e anti meio ambiente de
abertura das terras indígenas à exploração mineral e outras ativida-
des econômicas predatórias e destrutivas (BANIWA, 2021)

Reiteramos nossa posição legitima em repudiar visita do presi-


dente senhor Jair Messias Bolsonaro no nosso território Yanomami
(YANOMAMI, 2021b).
Os autores e autoras das cartas consideram que a atividade mine-
radora, tão defendida na nova política indigenista, gera grande im-
pacto para a biodiversidade de seus territórios, invade locais sagra-
dos e cria perdas irrecuperáveis para as populações locais: “Estamos
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

enfrentando sérios problemas de saúde hoje, [...] onde já não pode-


mos tomar banho [na água do rio], ficamos com quedas de cabelos,
tanto de crianças e adultos, por conta dos fortes químicos jogado nos
rios, além da grande mortalidade de peixes e outros animais (YANO-
MAMI, 2021a).
Considera-se que a atividade ilegal da mineração é incentivada
pelo próprio Poder Executivo: “os povos indígenas que já estão so-
frendo com invasões de garimpeiros, que se sentem empoderados
com o discurso e a postura do governo federal, a exemplo do que está
acontecendo com o povo Yanomami em Roraima e Mundurucu no
Pará” (BANIWA, 2021). Uma das consequências desse incentivo tem
sido o aumento do impacto da Pandemia nos territórios indígenas,
como denuncia o povo Guajajara: “Apenas pedimos que os órgãos
responsáveis retirassem de vez os madeireiros e demais invasores
de nosso território, pois com eles a Covid-19 iria entrar sem nenhum
protocolo sanitário” (TERRA INDÍGENA ARARIBOIA, 2021).
Às atividades de invasão, somam-se os impactos destrutivos das
grandes inundações, vividas entre 2021 e 2022, principalmente nos
territórios dos estados da Bahia e em Minas Gerais. Mais uma vez,
essas populações viram-se desamparadas pela política indigenista,
retomando suas denúncias por meio das cartas, como neste repúdio
da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil: “A Apib espera que to-
dos nossos parentes possam ser amparados nesse momento pela so-
lidariedade da sociedade e que o Poder Público assuma sua responsa-
bilidade de amparo social e das medidas de proteção e acolhimento
emergenciais necessárias” (APIB, 2021b).
A falta de suporte estatal gerou maior solidariedade interétnica,
com várias cartas de apoio aos que foram impactados pelas enchen-
tes. Nas narrativas, encontramos como justificativa, além do paren-
tesco étnico entre os diferentes povos indígenas do país, um desti-
no comum, envolvendo também os não indígenas. Nas cartas, fica
evidente a visão das populações originárias: pandemias, invasão dos
territórios e grandes mudanças climáticas são consequências direta

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da ação humana e dos modelos de desenvolvimento econômico per-


petrados nos últimos anos.

Não é novidade que as ações cada vez mais destrutivas dos homens
ocasionam a destruição do meio ambiente e das reservas naturais,
desencadeando, entre outros eventos catastróficos, chuvas torren-
ciais que afligem comunidades e trazem dor, sofrimento e angústia
aos povos atingidos. É preciso que o Poder Público deixe de ser omis-
so e atue na construção de uma política conjunta de defesa, preser-
vação e manutenção do meio ambiente (APIB, 2021b)

Diante dessa nova realidade, os povos conclamam seus irmãos e


irmãs, indígenas e não indígenas, a refletirem sobre o impacto que
todos sofremos, sobre a mudança de paradigma de desenvolvimento
e, principalmente, o suporte às populações que têm atuado na miti-
gação dos efeitos das mudanças climáticas:

Sempre que um povo é atingido por impactos naturais, notadamente


em virtude da crise climática provocada por ações predatórias e des-
trutivas, todos nós também somos afetados. É necessária uma agen-
da política urgente de mitigação das mudanças climáticas e de apoio
aos Povos Indígenas, que são os principais guardiões das florestas
e do meio ambiente. Entendemos que estas chuvas são sinais dire-
tos da revolta da Mãe Terra, que atingem toda a humanidade (APIB,
2021b)

A solicitação de união corrobora com a ideia de um destino úni-


co para a humanidade, independente das divergências valorativas.
O que está em jogo é a vida, em sua totalidade, e não o abandono de
um ou outro grupo, como destaca o Conselho Indígena de Roraima
ao conclamar a sociedade para defender o nosso meio ambiente: “De-
fender a ‘Mãe terra’ não é uma questão ideológica de esquerda ou da
direita, mas sim proteger a vida de toda população, por isso é uma
responsabilidade de todos: indígenas, urbana, ribeirinhos, pescado-
res etc.” (CIR, 2021).

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A última fronteira da ameaça à existência indígena pelo atual


governo está na defesa da tese do Marco Temporal, que incentiva a
morte física – ao impedir a demarcação de terras indígenas – e a da
memória – ao não reconhecer o esbulho das terras indígenas na his-
tória do país. Trata-se de um julgamento no Supremo Tribunal Fede-
ral, o qual, para além da questão judicial, marca a própria definição
do que é o Brasil, uma vez que definirá a participação dos povos indí-
genas no passado e no presente do país e, por conseguinte, a história
da própria comunidade política nacional.
Na tese jurídica do Marco Temporal, considera-se que as popu-
lações originárias têm direito somente às terras nas quais estavam
no dia 05 de outubro de 1988, quando a atual Constituição entrou
em vigor. Com a justificativa de pacificar as disputas e conflitos fun-
diários, considera-se definir os direitos aos territórios indígenas com
base num critério arbitrário, contrário à própria Constituição, uma
vez que essa trata dos “direitos originários sobre as terras que [os ín-
dios] tradicionalmente ocupam”.
A manobra jurídica está na interpretação do verbo ocupar. Como
o texto constitucional fala em “ocupam”, segundo os defensores do
Marco Temporal, a Carta Magna indicaria que a ocupação só pode
ser avaliada pela legislação vigente, não garantindo direito anterior
à Constituição de 1988 (UOL, 2020). No entanto, interpretar o artigo
231 da Constituição, sem levar em consideração os termos “direito
originário” e “ocupação tradicional”, como garantidores dos territó-
rios indígenas, mesmo que não ocupados na data da promulgação da
Carta Maior, é ficcionalizar de forma perversa a história brasileira,
eliminando o passado e presente de roubo, esbulho e invasão de te-
rras indígenas, como apontam os Terena:

Ocorre que anteriormente à promulgação da Lei Maior, nós, povos


indígenas, sequer éramos tratados como seres humanos plenos pe-
rante o Estado Brasileiro. A bem da verdade, toda a legislação ante-
rior estava voltada à assimilação dos povos indígenas por meio de
violentos processos de “aculturação”, isto é, da imposição da perda

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da cultura, da língua nativa e da identidade para sermos incorpora-


dos como subalternos, inferiores e trabalhadores braçais na socieda-
de nacional. Até então, esta era a única forma de sermos incorpora-
dos à tão falada “comunhão nacional”.[...]

Portanto, impor a tese do marco temporal a nós, povos indígenas,


nada mais é do que simplesmente querer legalizar o ilegal ou ilícito,
quer dizer, legalizar a titulação fraudulenta das propriedades esta-
belecidas em terras das quais comunidades inteiras foram expulsas
de maneira violenta, de onde foram vítimas de remoção forçada ou
esbulho. Tal imposição está diretamente ligada à ideia de genocídio
ou etnocídio porque a terra é o suporte físico para o usufruto e a exis-
tência física e cultural dos povos indígenas, segundo seus usos costu-
mes e tradições, conforme estabelece a própria Carta Magna em seu
artigo 231 (TERENA, 2021)

De forma também muito didática, os líderes indígenas expõem as


contradições da tese do Marco Temporal para o Supremo Tribunal
Federal:

O Ministro Relator, Edson Fachin, apresentou voto no sentido de que


a Constituição não limitou no tempo o direito territorial indígena,
nem que se poderia onerar os povos indígenas a comprovarem dis-
puta pela posse na data de 05 de outubro de 1988, garantindo que o
esbulho é inadmissível e que os crimes cometidos para nos expulsar
das nossas terras não podem ser anistiados, legalizados pela tese do
marco temporal, além de garantir a obrigação da União em demar-
car e fazer proteger.

[...]

Por fim, o Ministro Nunes Marques entende que é necessário “anistiar


oficialmente esbulhos ancestrais”. Ou seja, toda violência ocorrida
até 1988, período recente da nossa história, estaria de ora em diante
legalizada. E veja que as violências são de castigo físico e psicológico,

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assassinatos, prisões sem motivação, trabalho escravo, crimes de ge-


nocídio, dinamite e estricnina jogadas de avião nas comunidades in-
dígenas, tudo isso sob o jugo do regime tutelar e de exceção, como se
constara do Relatório Figueiredo e o Relatório da Comissão Nacional
da Verdade – CNV, e até casos de crucificação de indígenas. Ao fazer
isso, na prática o voto do Eminente Ministro Nunes Marques premia
o amplo espectro de crimes praticados contra os povos para esbulhar
nossas terras e, assim, incentiva que os mesmos crimes sejam repeti-
dos contra nós e nossas terras (LIDERANÇAS INDÍGENAS, 2021)

Essas lideranças denunciam que não se trata somente de uma


interpretação jurídica, mas de uma interpretação do Brasil. Conti-
nuaremos a ser o país que esconde de sua historiografia passada e
presente as desigualdades, violências e falta de valor da vida huma-
na - que nos levaram até aqui -, ou construiremos uma nação que não
permita a anistia oficial ao esbulho de terras e vidas?
Os povos indígenas seguem a perspectiva garantista na doutrina
jurídica, apoiando-se na Constituição vigente não só para defender
seus direitos, mas para realizar justiça étnica e ambiental. Por isso a
interpretação corrente, nas cartas, de que o Governo Bolsonaro prati-
ca deliberadamente o genocídio contra as populações originárias ao
negar o direito fundamental à vida: “Para nós, vale dizer, a terra nun-
ca foi e não é mera propriedade privada. Ela é como o ventre de uma
mãe e o colo de um pai, e sendo nosso parente e membro de nossas
famílias e comunidades, a terra é um ser vivo e nós, povo Terena, não
podemos viver e ser o que somos longe dela” (TERENA, 2021).
Defender a dignidade da vida por meio da defesa do Estado de
Direito é uma constante no enfrentamento dos povos indígenas con-
tra o governo atual: “Seguiremos unidos aos demais Povos do Brasil
contra as injustiças, pela demarcação de todas as terras, defenden-
do-as e combatendo a tese do marco temporal e as demais manobras
políticas e jurídicas criadas para nos roubar a terra e inviabilizar a
Constituição Federal de 1988” (XOKLENG, 2021).
Como consequência dessa política de extermínio, de morte, a Ar-
ticulação dos Povos Indígenas do Brasil relata:
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Neste contexto atual, os povos indígenas sofrem com várias deman-


das sociais, como: a falta de demarcação de suas terras, alto índice
de invasões por parte de madeireiros e garimpeiros ilegais, as quei-
madas criminosas, alto índice de suicídio, desassistência à saúde e à
educação específica, processo de criminalização e encarceramento
de indígenas, mortalidade infantil, e assassinato sistêmico de lide-
ranças indígenas. Todo esse contexto social está intimamente ligado
ao conflito territorial, resultado de processo de perda de terra que se
deu de maneira diferente em relação a cada povo.

Diante desse diagnóstico, poderiam os povos indígenas realizar


uma avaliação outra que não a da pulsão de morte como conteúdo
definidor da política indigenista atual?

Avaliando intenções

O que é uma política pública? A reposta pode ser encontrada em


diferentes áreas do saber acadêmico – além do campo exclusivo dos
governament studies¬. Em bases ontológicas, trata-se de uma in-
tenção. O Estado, quando age por meio de ações públicas, pretende
(ou não) intervir numa determinada situação social, modificando o
comportamento dos indivíduos. Por exemplo, a política de expansão
de creches (ação do governo) pode ser executada a fim de aumentar
(intervir sobre) a inserção dos pais no mercado de trabalho (situação
social), diminuindo o tempo dedicado aos cuidados com os filhos
(comportamentos individuais). No princípio desse processo, mesmo
quando já ocorre a ação, como a elaboração de um plano governa-
mental, só temos um desejo, uma fabulação de como a realidade po-
derá ser após agirmos. Nada garante o resultado, nem mesmo o meio
como faremos para alcançá-lo. O ser que age – burocratas, políticos,
cidadãos, organizações da sociedade civil – não pode ser separado
daquele que intenciona, fabula.

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Outra característica intrigante de uma política é a legitimidade


que conferimos ao ser que age. O Estado, ou mesmo sua personalida-
de mais concreta – o governo –, é fruto de uma imaginação coletiva.
Nós gostamos de acreditar que a modernidade criou uma ruptura de
qualidade sobre as organizações humanas anteriores, quando vejo
mais uma distinção de forma. A concepção de que as instituições mo-
dernas são baseadas em formas racionais de ver o mundo, isto é, com
maximização da relação entre meios e fins – escolher as ferramentas
mais eficientes para os resultados pretendidos – não diferencia em
termos qualitativos esses novos arranjos de formatos conhecidos an-
teriormente, ou mesmo hoje em dia, que não se enquadram na defi-
nição de moderno, ocidental ou racional.
Assim como as instituições dos sumérios, incas, vassalos e suse-
ranos, a organização estatal é baseada numa ficção, ou seja, numa
narrativa coletiva imaginada. Isso não retira a concretude do Estado,
posto que agimos e sofremos ação mediante essa crença, mas desta-
ca o caráter fictício das instituições modernas. A ideia de personali-
dade jurídica exemplifica bem esse caráter: A pessoa física, de carne
e osso, diferencia-se da pessoa jurídica, uma organização abstrata,
uma entidade, mas que age. O que garante o respeito à ação de uma
entidade como o estado da Bahia se não a ficção, a história coletiva
que comungamos sobre a legitimidade das leis, da democracia e dos
direitos. Parafraseando Franco Montoro, ninguém mora na União,
no Estado ou no Município, mas todos estamos aqui discutindo
como vidas são mudadas por ações federais, estaduais e municipais.
Mas o que interessa aos índios discutir as ações de Brasília, capi-
tais e municípios afastados das aldeias? Interessa, porque essas en-
tidades são hábeis participantes do jogo de poder sobre quem pode
ser cidadão e quem será beneficiado com a divisão da riqueza ma-
terial, simbólica e espiritual da sociedade. Advogados, legisladores,
burocratas, agroempresários e políticos são xamãs muito poderosos,
capazes de ameaçar a existência indígena (ou ao menos tentar).
Pensada a política pública como uma intenção executada pela
imaginação coletiva, a política indigenista nos últimos anos é
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avaliada pelos povos indígenas como uma ameaça que nos ronda e
faz suas vítimas, como o jovem Isac Tembé, assassinado em sua te-
rra. Pensar as ações de governo como ficção é também interpretá-las
como passíveis de modificação, mediante a ação e imaginação. Por
isso os povos indígenas continuam defendendo a vida contra a po-
lítica de morte do Governo Federal, com muita confiança, como os
próprios Tembé-Tenetehara o fazem:

Sua esposa [de Isac] está grávida e em breve dará à luz a mais uma
criança Tembé, garantia da continuidade deste povo originário

[...]

Que a memória viva de Isac Tembé fortaleça nossa caminha-


da. Que o espírito dos nossos ancestrais guie o povo Tembé-Te-
netehara em sua luta em favor da vida (TEMBÉ-TENETEHA-
RA, 2021)

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______. Carta dos Yanomami para o Presidente Jair Messias Bolsonaro,


em 15 de maio de 2021b. Disponível em: ˂https://cartasindigenasaobrasil.
com.br/cartas/dos-yanomami-para-o-presidente-jair-messias-bolsona-
ro/˂. Acesso em: 02 fev. 2022.

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Autonomia política:
voz e visibilidade das mulheres do empreendimento
Nossa Polpa

Gisleide do Carmo Oliveira Carneiro

Introdução

Na História das sociedades humanas, o papel reservado à mulher


tem sido o de subalternidade. As antigas civilizações que serviram de
suporte para a moderna cultura do ocidente possuíam concepções
político-sociais eminentemente machistas. Na Grécia, a participação
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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

política da mulher era nula, sua função precípua era a de adminis-


tração subalterna do lar, encontrando-se em posição de reconhecida
inferioridade frente à autoridade doméstica masculina. Gregos e ro-
manos não concebiam a ideia de integração feminina nas questões
ligadas ao universo do exercício da cidadania. O conceito de demo-
cracia participativa era por sua própria natureza excludente porque
adotava o pressuposto de que cidadania exigia o cultivo de qualida-
des prévias que – de acordo com a visão de realidade por eles adota-
da – se encontravam permanente ausentes do universo feminino e
de outros empreendimentos marginalizados a exemplo das pessoas
escravizadas (ARIÉS, 2004).
Nas sociedades antigas, as mulheres não possuíam visibilidade
social nas dimensões econômica e política, por serem vistas como
ontologicamente incapazes do exercício da ação política, e tampouco
possuíam predominância no que se refere à condução dos negócios
empresariais. Para Arendt (2004), o lócus doméstico da Grécia antiga
era o império de uma violência despoticamente exercida pela autori-
dade paterna que possuía poderes de vida e morte sobre as mulheres,
dependentes e escravos. Inexistia discussão livre ou planejamento
coletivo de ações de grave importância. A mulher não possuía poder
opinativo, sendo uma voz silenciada e com função claramente de-
finida no ordenamento doméstico: a de procriação e dedicação aos
cuidados aos rebentos (ARENDT, 2004).
Nas narrativas mitológicas gregas, tão presentes no imaginário
das sociedades modernas, a mulher ocupa papel de relevo, agindo
com um protagonismo quase épico: ora a vemos seduzindo deuses,
ora servindo como símbolo de força e de virtudes tão elevadas que
despertam a admiração dos homens. Uma tradição mítica chega
a representar uma mulher como causa última de uma guerra san-
grenta que se estendeu por dez longos anos de massacre: a guerra de
Tróia, cantada por poetas e festejada por mitógrafos antigos (CASSI-
RER,2003). Contudo, no reino da realidade cotidiana, esse protago-
nismo nunca esteve presente ou dele fez parte efetiva. A imagem de
força feminina, que nos foi legada pelas narrativas mitológicas ou
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

literárias, esconde a real função ocupada pelos tipos femininos no


contexto social da antiguidade: um universo de brutalidade e de im-
posição da força por meio do cultivo de valores machistas. A ágora,
espaço público no qual aconteciam as reuniões públicas das cidades
gregas, era zona de trânsito, exclusivamente, masculino, de homens
livres. O conceito de democracia era restritivo aos que possuíssem
autonomia financeira e que fossem de sexo masculino (ARENDT,
2004).
Na literatura antiga, encontram-se, com certa facilidade, modelos
femininos que se ombreiam com conhecidos tipos masculinos idea-
lizados e tidos como exemplares modelos de virtude, nas obras que
refletem um discurso sistemático sobre a realidade, o quadro mos-
tra-se bem diferente. Nos diálogos de Platão encontram-se escassas
referências a mulheres; uma das poucas que podem ser assinaladas –
a da esposa de Sócrates – constrói uma representação feminina mui-
to pouco edificante: uma figura dotada de nulos atrativos estéticos e
dotada de um temperamento explosivo que não raro se manifestava
sob forma de impropérios contra seu marido. Plutarco, refletindo o
que parece ter sido uma mentalidade corrente nos seus anos de exis-
tência, dizia que uma mulher virtuosa é aquela da qual se fala pouco
ou nada. Ou seja, quanto menos se falar de uma mulher, melhor para
sua reputação social (ARIÉS; DUBY, 2004).
Dessa forma, fica evidenciado o papel que a sociedade da antigui-
dade clássica considerava como sendo o mais digno de ser exercido
por uma mulher: o de adorno doméstico ou de figura de incentivo e
cobertura das ações masculinas, únicas tidas como verdadeiramente
dignas de real reconhecimento. A história das mulheres nas socie-
dades fechadas, da antiguidade, foi uma história de prolongados si-
lenciamentos. De velado ou aberto amordaçamento que se traduzia
numa postura de subalternização e exclusão das figuras femininas
dos espaços de tomada de decisão. Excluídas de processos decisórios
de interesse das comunidades das quais elas eram parte integrante,
propositadamente apagadas enquanto sujeitos de suas próprias na-
rrativas de vida, cabia a elas meras funções assessorias de apoio e
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cobertura dos feitos machistas daqueles que possuíam direito à ple-


na cidadania (ARENDT, 2004).
Diz Michel Foucault (2013) que a história da humanidade tem
sido marcada pela disputa pela posse do discurso. A possibilidade
de enunciação discursiva concede poder a seu possuidor. Formular
discursos tanto oral quanto escrito é um instrumento de imposição
da vontade sobre os outros, portanto, um instrumento de poder. Con-
ceder essa capacidade a alguns e impedir de forma temporária ou
definitiva que outros possam exercê-la têm sido uma prática comum
nas sociedades humanas. Essa postura tem se voltado mais direta-
mente para empreendimentos minoritários integrantes do organis-
mo social. O processo de silenciamento historicamente incide sobre
minorias ou sobre os socialmente marginalizados, negando-se a eles
propositadamente qualquer possibilidade de serem protagonistas de
suas respectivas narrativas.

[...] É claro que sabemos, numa sociedade como a nossa, da existência


de procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar tam-
bém, é o interdito. Temos consciência de que não temos o direito de
dizer o que nos apetece, que não podemos falar de tudo em qualquer
circunstância, que quem quer que seja, finalmente, não pode falar do
que quer que seja. [...] (FOUCAULT, 2013, p. 2).

Como observam os historiadores George Duby e Philippe Ariés


(2004), nas representações figurativas das artes plásticas da anti-
guidade, a mulher surge sempre como um falso modelo de virtude
centrado no aniquilamento de suas reais expectativas e aspirações
interiores. Modelos de recato figurativo ou exemplo de atitudes vir-
tuosas modelares a servirem de exemplos edificantes para membros
da comunidade. Nessas representações predominam a centralidade
do olhar masculino incidindo sobre todas as cenas. Às mulheres é
negado o direito de assumir a posse momentânea do discurso e de
construírem uma visão de mundo centrada em seus próprios valores
e idiossincrasias.

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Nessas condições, as vozes femininas são quase sempre inter-


mediadas por outras que delas se valem para expressar suas visões
acerca do tema. Na arte figurativa ou na literatura, o feminino foi re-
presentado pelo olhar masculino que muitas vezes apenas projetou
sobre as mulheres seus anseios ou temores recônditos. Da mulher
fatal, irresistível sedutora à sua imediata negação: a megera destituí-
da de qualquer vestígio de encantamento erótico e dotada de perso-
nalidade intratável. Da mulher enquanto candura angelical, símbolo
da pureza pueril, passou-se com tanta frequência ao polo extremo e
oposto, o da figura que tenta e convida à queda. De anjo a demônio,
sexualizado pela luxúria que corrompe. Essas representações se en-
contram facilmente em obras literárias das mais diversas, notada-
mente naquelas de intenção e alcance mais geral.
A virtude das mulheres ou a mulher virtuosa é um dos temas mais
recorrentes da representação tradicional do feminino, no discurso
literário ou artístico. Imagem quase castradora nas associações indi-
retas que veicula: virtude enquanto um conjunto de posturas mora-
lizantes dentre as quais se incluem a do cultivo de um recatado silên-
cio. O silenciar aqui também deve ser compreendido na sua acepção
política. As mulheres não possuíam direito a pleitear a cidadania
ativa devendo-se contentar com a postura de sombra masculina.
Quanto mais silenciosa e cabisbaixa, maior o seu reconhecimento
social. O exercício da feminilidade como imediata negação da ação
participativa (ARENDT, 2004).
A emancipação política feminina, na cultura ocidental, se deu de
forma lenta e gradual, derivando do acúmulo de conquistas sucessi-
vas. Liberdade e emancipação são dois termos comumente associa-
dos ao pensamento político da democracia liberal. A modernidade
trouxe consigo a crítica demolidora aos valores consagrados pela
tradição da antiguidade clássica. Época de solapamento de valores
e de valorização de outros até então desconsiderados (HABERMAS,
1993).
Diz Max Savelle (1989) que a modernidade é a hora e vez do ho-
mem comum. Os tempos modernos dessacralizam os antigos ideais
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épicos de heroísmo e de iniciativa individual. É um período histórico


que traz consigo a ideia de que minorias podem se tornar sujeitos his-
tóricos, autônomos e capazes de gerir seus respectivos destinos. Da
renascença e da Reforma protestante brotam duas posturas funda-
mentais para a mentalidade moderna: a valorização do indivíduo na
sua plenitude e o questionamento da autoridade eclesiástica. Cada
uma à sua maneira contribuirá para a emergência de uma mentali-
dade questionadora que não aceita passivamente que um conjunto
de crenças previamente formulados seja passivamente aceito.
A mentalidade política grega, centrada na violenta exclusão das
mulheres nas arenas de atuação pública, foi lentamente desfeita
pelas ideologias da modernidade. O feminino ganha espaço diferen-
ciado com a crise de valores decorrente dos questionamentos mo-
dernos, se amplia com a propagação de ideias iluministas e com as
crises da sociedade burguesa do século XIX e ganha contornos que
se aproximam do que conhecemos atualmente com o despontar do
século XX e o direito ao voto universal. A presença das mulheres em
alguns espaços, antes restritos ao universo masculino (públicos, co-
merciais, industriais, religiosos, militares), descontrói mitos cultu-
rais e solidifica a ideia de que o feminino possui tanto valor quanto o
masculino, em termos de direitos (GIDDENS, 2004).
Na comunidade da Barra, no município de Ichu, foi possível
constatar uma leve mudança na organização coletiva do empreen-
dimento, na geração de renda direta e indireta, nos investimentos
na comunidade a partir construção da unidade da produtiva de pol-
pa, nas residências, autoestima das mulheres, conquista de espaços
de fala no próprio lar e na comunidade através reivindicações dire-
cionamentos do empreendimento pelo empreendimento, no que se
refere ao papel desempenhado pelas mulheres no exercício de ati-
vidades que envolvem seus interesses particulares e os interesses
de ordem social e comunitário. A partir da análise dos depoimentos
realizada para o desenvolvimento da pesquisa, constatou-se indícios
de mudanças nas posturas das mulheres integrantes do sistema de

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produção de agricultura familiar cooperativa no que se refere ao


tema de intervenção política.
Os empreendimentos de economia solidária rural ou urbana
frequentemente necessitam de incentivos para incremento de seus
limitados meios de produção: uma estrutura apropriada de financia-
mento, tecnologias adequadas ao exercício de cada ramo de ativida-
de, pesquisa, formação e qualificação de trabalhadores (KRAYCHE-
TE, 2011). Nessas circunstâncias, um incentivo de políticas públicas
mostra-se mais que necessário para a sobrevivência de iniciativas
de cooperativas populares que visam gerar trabalho e renda. Na co-
munidade da Barra, as inciativas das trabalhadoras e trabalhadores
rurais, com apoio de políticas públicas de incentivo à agricultura fa-
miliar e aos sistemas de produção cooperativado, proporcionaram
ganhos de ordem econômica e outros de caráter simbólico, estes
últimos fundamentais para o florescimento de uma consciência de
cidadania.
No atual contexto de expansão daquilo que Santos (2005) denomi-
na com acerto de globalização perversa, as inúmeras formas de pre-
carização do trabalho formal e informal ganharam contornos mais
visíveis e geraram consequências ainda mais nefastas. Os impactos
diretos desse processo também se fazem notar na zona rural. A crise
empobreceu ainda mais os já tão empobrecidos. O crescimento verti-
ginoso da competividade desenfreada comprometeu a possibilidade
de existência autônoma de mercados locais de produção. Um grande
rolo compressor do grande capital destruindo regulamentações de
mercado de trabalho, precarizando e gerando incertezas acerca do
futuro produtivo e da própria manutenção da existência. Dessa for-
ma, uma área rural quando submetida a um processo que compro-
mete identidades locais, empobrece e vitimiza os mais desassistidos
e pode, com o tempo, se transformar numa mera extensão da zona
urbana, o mais distante de todos os subúrbios.
Um enfrentamento a esse modelo de globalização perversa pode
ser um novo processo organizativo do trabalho centrado na ação co-
letiva e na solidariedade entre seus membros. A contraproducente
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ideia de que o mundo deve se tornar uma aldeia global, um grande


mercado destituído de fronteiras, interfere de maneira decisiva na
produção de espaços e na construção de identidades locais. Umas
das formas de fazer frente a essa postura hegemônica se encontra
presente nos relatos das experiências cooperativas das mulheres as-
sociadas ao empreendimento na comunidade da Barra, do municí-
pio de Ichu.
O limitado universo geográfico e simbólico de vivências cotidia-
nas dessas mulheres da comunidade rural em apreço sofreu signi-
ficativas transformações derivadas da experiência de economia
solidária. Os contatos que foram estabelecidos entre as associadas
e representantes de entidades sindicais ou de organização comuni-
tária proporcionaram um ganho de experiências e ampliação das
expectativas que essas mulheres alimentavam com relação a vida
como um todo. Acrescente-se a isso o sentimento de fazer parte de
uma iniciativa de produção cooperada na qual cada integrante pode
se ver como coproprietário do empreendimento.
Os ideais das iniciativas solidárias – autogestão, igualdade, so-
lidariedade e sustentabilidade – tem como perspectiva inverter a
lógica do grande capital e também, por vias indiretas, permitem a
ampliação das possibilidades de experiência nos envolvidos nesse
sistema de produção (LUIZÃO; ANTONELLI, 2012). Trata-se de uma
concepção de organização econômica que se elege como seus funda-
mentos basilares a cooperação mútua entre os envolvidos nas ativi-
dades produtivas. O objetivo final não é a competividade, mas sim a
ação solidária, a autogestão dos meios coletivos de produção – todos
são responsáveis pela gestão – e a solidariedade mútua que substitui
o ideal capitalista de competição de todos contra todos.
No relato de Gecia de Jesus Sampaio Silva há um claro registro
disto:

[...] eu vi que minha vida poderia mudar. A partir dali me integrei


a um empreendimento sabor da terra, não trabalhando atualmen-
te, mas vindo ver como ela fazia. Depois comecei nos projetos da as-

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Autonomia política
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sociação-igreja e daí comecei a me libertar [...]. (ASSOCIADA GECIA,


BARRA, 2017).

Nos sentires, na escuta das mulheres, percebo a participação de-


las em espaços de formação, intercâmbio, atos, reuniões o que fez
com que elas se sentissem libertas, uma vez que toda esta dinâmi-
ca difere de uma rotina doméstica: elas passaram a conhecer outras
pessoas, um mundo que até antão para elas era desconhecido e ver
um horizonte de possibilidades e, mais, que estas possibilidades
fazem parte do universo delas.

[...] O marido achava que não era possível. Terminei meus estudos,
me formei tem três anos e daí então, hoje, estou nos mercados. Saio
pra onde tenho vontade de ir, ele não me impede, tenho a minha
renda através dos empreendimentos, hoje estou na Polpa. Antes por
ele [o marido] não conhecer, por eu também não saber explicar, não
acessar muito bem esses projetos, eu vim desenvolvendo depois, aí
quando eu comecei a explicar a ele, ele viu também que seria melhor
tanto pra mim como pra família, e foi um jeito de eu me expandir.
(ASSOCIADA GECIA, BARRA, 2017).

As associadas do empreendimento da comunidade da Barra


trazem em seus relatos práticas e fazeres coletivos que as fizeram
desenvolver um outro modo de perceber a realidade circundante no
ambiente da comunidade. Isso é notório na fala de Maria Clécia:

Eu sempre gostei de participar né. Antes eu não tinha assim esse


conhecimento, a gente sempre tem, mas é vago né? uma coisa vazia.
Aí eu tive o convite das meninas, me chamaram pra participar, aí
eu não tava trabalhando mesmo, trabalhei só um tempo no TOPA
não sei se foi três anos, dois ou quatro, mas um período trabalhei no
TOPA né, aí eu tava sem fazer nada, só recebia bolsa família, tenho
três filhos, [...] aceitei o convite das meninas. É bom a gente participar
e a gente vê que é. Quando a gente vai pra a realidade mesmo, a gente
vê que é um pouco diferente né? mas a gente que quer aprender, que
ter experiência, aí o conhecimento, né, é bom esse espaço público pra

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gente ter. Já participei da associação, até o ano passado eu ainda era


tesoureira, hoje não sou mais, mas sempre gosto de participar, e o
empoderamento da mulher, né, é o que nos faz. Nunca tive problema
com isso, nunca tive marido pra me impedir fazer aquilo, não, sem-
pre tive meu autoconhecimento autoestima, e o empoderamento da
mulher é...você poder ir aonde você quiser né? Pois é! (ASSOCIADA
MARIA CLÉCIA, BARRA, 2017).

O acesso a um instrumental de produção coletiva talvez tenha


sido o primeiro e decisivo passo rumo a um processo emancipatório.
Nas falas das mulheres envolvidas na Pesquisa-Ação, infere-se que
as mulheres, membros da cooperativa, obtiveram acesso a trabalho
e renda, o que lhes permitiu uma melhora na autoestima e aumento
nos padrões de vida material. Dessa combinação de fatores, foram
geradas outras consequências mais duradouras: as mulheres deixa-
ram de ter como referência laboral, e mesmo social, o trabalho do-
méstico ou a administração subalternizada do lar. Dessa forma, elas
passam a interagir com a realidade como sujeitos de suas práticas
e como responsáveis pela edificação de seus respectivos projetos de
existência. Paralelo a isso, nota-se o lento desabrochar de uma cons-
ciência política atrelada à percepção de que não pode haver espaços
interditados ao acesso feminino. Onde os homens atuam como cida-
dãos no exercício pleno de seus direitos, as mulheres também podem
fazê-lo e com o mesmo grau de competência.
Negando a aceitação passiva de modelos de exclusão que colo-
cam as mulheres na condição de meros receptáculos de noções edu-
cacionais masculinas, as trabalhadoras rurais da comunidade da
Barra, associadas ao empreendimento Nossa Polpa, que integram
a Cooperativa de Serviço, Produção e Comercialização Pe. Leopoldo
Garcia Garcia (CCOPERAGIL), perceberam que a autonomia se con-
quista com o saber e com práticas cotidianas. A intervenção e par-
ticipação direta em questões que envolvem problemas de interesse
da comunidade reclamam um acesso à informação e o desenvolvi-
mento de uma consciência crítica que permita perceber com clareza
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a realidade circundante. Trata-se, assim, de uma “pedagogia da au-


tonomia”, para usar a célebre expressão freireana. O conhecimento
como ferramenta emancipatória e como meio de atuação política
em prol de ganhos coletivos.
O convívio diário entre mulheres integrantes de uma experiência
coletiva, de atividade econômica cooperativa, talvez tenha de algu-
ma forma contribuído para o florescimento de uma consciência so-
cial. As empreendedoras se envolveram com temas da política local e
com questões associadas à sobrevivência de suas iniciativas laborais.
Nota-se na análise dos depoimentos colhidos que as empreendedo-
ras não aceitam passivamente os papéis secundários que outrora lhe
eram designados no organismo social. De figuras passivas e quase
inertes nas suas funções de sombras domésticas, elas extrapolam
os estreitos limites impostos pelas condições culturais reinantes e
reivindicam novas possibilidades de expressão e aspiram espaços
outros de ação e representação, como intervenção em discussões de
debates políticos e sociais referentes aos interesses da comunidade.
Notou-se um progressivo processo de aproximação dessas mul-
heres com os movimentos sociais reivindicatórios. O início de uma
consciência de que nenhuma mudança histórica pode ser alcançada
sem pressão exercida sobre os pontos que se deseja obter mudança.
E essa pressão não se mostra eficiente senão quando exercida por
um conjunto coeso de indivíduos de um dado tempo e de uma dada
organização social. Ganhos reivindicatórios não são dádivas divinas
ou humanas. As modificações em condições materiais de existência
de uma comunidade desassistida podem ser obtidas por via de es-
forços coletivos visando o bem-estar comum. Nos relatos vê-se cla-
ramente referências ao despertar de uma consciência política que
apesar de ainda incipiente pode resultar num movimento de maior
amplitude futura.
Singer (2002) faz notar que a economia solidária é um projeto
viável de organização socioeconômica que se opõe aos princípios da
concorrência selvagem do capitalismo industrial ao oferecer uma
alternativa ao sistema de exclusão da mão de obra não qualificada,
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prática que se tornou tão comum nos últimos tempos. O sistema de


produção cooperada permite aos trabalhadores rurais ou urbanos
gerirem seus negócios de forma autônoma e lutarem pela própria
autonomia econômica e política. É a partir dessa nova realidade do
mundo do trabalho que se deve interpretar as falas das participan-
tes do empreendimento Nossa Polpa, da comunidade da Barra, mu-
nicípio de Ichu. Os discursos que elas proferem afirmam posturas
e apontam novas vias a serem percorridas por elas, enquanto pro-
tagonistas de questões individuais e coletivas de interesse de toda a
comunidade.
É visível, nos depoimentos colhidos, o progressivo desenvolvi-
mento de uma consciência de cidadania quando elas demonstram
a consciência de que a mulher possui direitos e que ela não deve
restringir seus espaços de delineamento social aos cômodos de uma
residência. A praça, a rua, e espaços diferenciados dos domésticos,
são espaços de exercício da cidadania plena, nos quais o poder de
pressão feminino pode e deve ser exercido tendo em mira a conquis-
ta de metas e interesses das mulheres trabalhadoras do campo.
Ratificando o que foi dito, temos a fala de Maria Jucineine de Oli-
veira e a fala de Edivanei de Almeida, respectivamente:

É..Eu antigamente eu achava que era uma mulher...assim, sei lá, que
eu tinha vergonha de sair, relacionar com gente né. Eu era mulher
assim que vivia mais só pra casa, não procurava outros termo de me
envolver com gente sabe? E eu acho que era porque eu tinha vergon-
ha, sabe? de me relacionar, assim... vamos dizer... de eu ir pro curso,
essas coisas eu tinha muita vergonha. [...] peguei ir no curso lá do
sertão no outro lugar que ela (irmã) tinha, ela me levava, a partir
daí foi que eu me envolvi com gente e tudo e comecei a participar
de curso e tudo, e, com isso, peguei a me desenvolver, peguei a sair de
dentro de casa, que eu era uma pessoa muito caseira,[...] eu era uma
mulher que só pensava em casa, em filho, mais de viver mais só den-
tro de casa, não ligava de mim relacionar com gente, não sei se era
vergonha o que era; através disso que eu comecei a sair, participar
de curso e tudo. E...através de...como é que se diz...desses cursos, foi aí

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que eu me desenvolvi muito e eu só tenho a agradecer depois disso,


né é isso? [...] eu imaginava abrir a boca pra conversar, pensava de
falar errado qualquer coisa, aí eu me sentia tão tímida que não tinha
coragem de conversar. Aí, a partir disso, ela (irmã) sempre me pu-
xando, aí foi que eu comecei a sair e me desenvolvi. E hoje faço parte
do empreendimento da Polpa né, através disso, desses cursos, foi que
eu me desenvolvi (ASSOCIADA JUCINEIDE, BARRA, 2017).

Bom, antes minha vida eu sempre fui família... de família pobre,


trabalhei de motor de sisal, trabalhava na roça pra sobreviver junto
com meus pais, [...] eu fui trabalhar de doméstica, trabalhei alguns
anos de doméstica, depois retornei, casei, aí tive filhos. Quando foi
em 2001 surgiu o empreendimento PRONAGER, que eu participei do
empreendimento de beneficiamento do leite e daí por diante eu co-
mecei participando, até antes eu era dependente do meu marido,
que trabalhava e me sustentava do dia de roça e, a partir do PRONA-
GER, eu comecei a participar de outros encontros, comecei a sair de
casa, a aprender a me conhecer mais, ter novos conhecimentos, e
depois que surgiu o empreendimento Nossa Polpa e, a partir daí, teve
os intercâmbios onde a gente participava, onde a gente ia, conhecia
novas pessoas, tinha novos aprendizados. Depois disso comecei a me
libertar porque antes eu nem saía de casa, só ficava sempre dentro
de casa cuidando de filho e da casa. Então, a partir daí, eu comecei
a sair, ter novos conhecimentos e comecei a me empoderar mais da
minha vida e me sentir uma mulher mais poderosa, por quê? porque
eu conheci novas pessoas, ia para os encontros, participava das coi-
sas que antes eu não fazia. (ASSOCIADA EDIVANEI, BARRA, 2017).

As mulheres empreendedoras da comunidade da Barra passaram


a entender que uma ação de organização econômica, inicialmente
projetada como forma de combate direto à pobreza, por via da ge-
ração de emprego e renda, transformou-se num instrumento de en-
frentamento de questões políticas e sociais e, com isto, elas passam a
ocupar funções e responsabilidades não mais restritas ao espaço do-
méstico. Assim vejamos: Livânia Maria dos Santos Dias, atualmente,
é diretora Presidente de COOPERAGIL; Gecia de Jesus Sampaio Silva
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é integrante do grupo Nossa Polpa, cooperada da COOPERAGIL, e


está em vários espaços de representação. A COOPERAGIL faz parte
da rede Arco Sertão Central, da União de Cooperativas da Agricul-
tura Familiar e Economia Solidária. Em 2017, Gecia apresentou a
experiência da COOPERAGIL no IX Encontro Estadual das Coopera-
tivas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Figura 18). Ela
também é integrante do Conselho Municipal de Direitos da Mulher;
Tatiana Lima da Silva Ferreira é diretora financeira da COOPERAGIL
e está no espaços público de diálogo com o gestor municipal de Ichu;
Maria Clécia Lima Cruz representa, junto a outras cooperadas, a Coo-
perativa nos Espaços de formação territorial sob gestão das organi-
zações de mulheres e faz parte da rede de mulheres de Ichu, a qual
trata de diversas ações voltadas para mulheres, como exemplo temos
o enfrentamento à violência de Gênero; Aliene de Jesus Araújo, mul-
her que tem sua história de vida registrada na revista do MDA /2009,
ela tem orgulho de dizer que é instrutora, e viaja para dar curso de
capacitação. Este grupo de mulheres transita em diferentes espaços
de representação e compartilha suas experiências (Figura 19).

Figura 1 – Participação e apresentação da COOPERAGIL no Encontro


Estadual das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia
Solidária

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

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Figura 2 – Participação da COOPERAGIL, Grupo Nossa Polpa na Aliança


Produtiva

Fonte: Dados da pesquisa, 2018.

Mance (2000) e Singer (2002), apesar de seus pontos de discor-


dância teórica, os quais se evidenciam em vários momentos de suas
respectivas formulações de pensamento, concordam no que se refe-
re ao papel do Estado no fomento de Empreendimentos Econômicos
Solidários (EES) como vetor de combate à pobreza e como instru-
mento de inclusão. Políticas públicas direcionadas para proposições
concretas de apoio ao sistema de economia solidária podem permitir
respostas produtivas à crise da exclusão social do capitalismo mo-
derno. A construção de espaços de economia solidária pode contri-
buir para a construção de valores que privilegiem o respeito ao ou-
tro, a ajuda mútua, os valores humanos e, disso tudo, pode resultar

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Gisleide do Carmo Oliveira Carneiro
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

– como parece ter ocorrido na comunidade da Barra – um processo


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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

O MROSC entre dilemas e alternativas:


dos entraves no arranjo institucional à incertezas
sociais

Alane Amorim Barbosa Dias e Danilo Uzêda da Cruz

Introdução

Certamente a sociedade mundial não passará incólume desse


quadro pandêmico. O vírus COVID-19, ainda que tenha alcançado
as populações e suas regiões diferentemente, submeteu os projetos
sociais e políticos a uma agenda de segurança sanitária jamais vista
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171
Alane Amorim Barbosa Dias e Danilo Uzêda da Cruz
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

na História das sociedades. O elevado número de mortes, alto índice


de letalidade e contaminação, em um contexto ainda incerto, leva-
rá a repensar paulatinamente as políticas de saúde, mas também os
projetos de desenvolvimento nacionais. Quando em 2010 a socieda-
de civil organizada lutou para que o tratamento público dado pelos
governos fosse específico para as organizações da sociedade civil
(OSCs) daquele dado ao mundo empresarial e privado, não havia no
horizonte nem sequer perspectiva de uma catástrofe desse tamanho.
O artigo que segue busca anotar algumas questões sobre esse per-
curso desde a aprovação do Marco Regulatório das Organizações da
Sociedade Civil (MROSC) em 2014, até os dias atuais, em um balanço
ora panorâmico ora específico, daquilo que já se pode ter de resulta-
dos fáticos na experiência das OSCs do campo na Bahia.
Para tanto precisaremos considerar cenários bastante distintos
entre 2014 e 2021. Primeiro do ponto de vista da democracia nacio-
nal, participação da sociedade civil e os projetos políticos antagôni-
cos de ontem e hoje. Enquanto nacionalmente a democracia brasi-
leira assistia o golpe parlamentar, a instauração de um governo de
exceção e a eleição da extrema-direita sob Bolsonaro, a Bahia reafir-
mava um projeto político de centro-esquerda contando com apoios
das tradicionais oligarquias, mas também reduzindo o espectro
participacionista inaugurado em 20071. O que o golpe parlamentar
de 2016 revelou foi uma agenda neoliberal conservadora que abriu
espaço para um forte retrocesso e degradação política em diversas
dimensões da vida social (AVRITZER; KERCHE E MARONA, 2021). O
governo Temer foi apenas porta de entrada para uma gestão ainda
mais conservadora, anti-democrática, anti-sistêmica e terrivelmente
autoritária e anti-social. Se já se pode saber ao que se propõe o gover-
no Bolsonaro, sobretudo em seu neoliberalismo reacionário, ataques

1
Naquele ano, embalado por um forte cenário nacional e estadual de vitória sobre a
hegemonia do então senador Antônio Carlos Magalhães, o governador Jacques Wag-
ner ampliou fortemente a participação popular em conselhos, fóruns, colegiados e
outras dinâmicas que, em maior ou menor efetividade, possibilitou a participação
política de grupos demandantes e inserção de uma agenda de escutas sociais

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O MROSC entre dilemas e alternativas
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

diários à democracia, aumento da exclusão e empobrecimento da


população, os resultados mais agravante ainda estão por vir, prin-
cipalmente após vencermos o COVID-19. Qualquer análise sobre o
compartilhamento de recursos públicos nesse período deve conside-
rar, portanto, esse contexto, que está no governo federal, mas que
também está presente na sociedade nas diversas formas: violência de
gênero, racismos, autoritarismos e hierarquizações, desigualdades
reafirmadas, etc.
No plano estadual será preciso ainda observar as restrições à par-
ticipação a partir de 2014, e as dificuldades do modelo de compartil-
hamento de recursos públicos quando o MROSC passou finalmente
a definir as regras, notadamente a partir de 2018. Uma fatia dessa
dificuldade está na forma de compreender o compartilhamento de
recursos públicos no sistema político, não necessariamente como
uma ação deliberadamente antidemocrática do governo estadual. O
funcionamento do sistema político até então pressupunha o pedido
político (no mar das vezes ladeado a um representante político do
parlamento municipal, estadual ou federal), como porta de entrada
da agenda pública e demanda dos grupos sociais e atores políticos.
Essa agenda recebia o tratamento que se dá ao pedido político: ana-
lisada a viabilidade técnica, operacional, orçamentária, nível de in-
serção da representação, o beneficiário e grau de urgência da deman-
da, finalmente é observado o potencial de voto daquela comunidade
a ser beneficiada, passando pela composição e/ou análise do partido
político que abriga o mandatário local. Em linhas gerais, esse é o tra-
tamento de um agendamento realizado por essa via.
A inversão proposta pelo MROSC estabeleceu uma nova porta de
acesso aos recursos, com ampla participação e escuta social. Mas,
também, passou a criar obstáculos ao agendamento direto (políti-
ca de balcão) característico do sistema político subnacional – como
também no governo federal, e de passagem, ainda fragilizou os mo-
delos de gestão não democrática das organizações. Aqui está a outra
parte da fatia, já que as relações políticas das organizações sociais

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Alane Amorim Barbosa Dias e Danilo Uzêda da Cruz
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

também tiveram que sofrer mudanças de paradigmas para conse-


guir se submeter aos chamamentos públicos advindos do MROSC.
Como complemento a essas questões, e não de menor relevância,
está a dificuldade dos gestores públicos em dialogar com esse mo-
delo de compartilhamento de recursos. Dificuldades tanto operacio-
nais e técnicas, como de conhecimento, gerando um enorme impas-
se e, certamente, dificultando o acesso das organizações sociais aos
recursos públicos.
Por último, diante dos entraves institucionais e administrativos,
abordaremos as incertezas sociais sobre o MROSC tratado ora como
um sujeito, ora como uma instituição, e quase sempre como um ami-
go inconveniente.

Falando de democracia...

Marcado por um processo de democratização contínuo, o século


XX, assistiu uma contraditória relação de neoimperialismo, descolo-
nização, revoluções socialistas e guerras mundiais. Em seu crepúscu-
lo contou ainda com uma agressiva ofensiva do capital sobre o trabal-
ho, mobilizando para tanto, aparato estatal nas diversas dimensões,
reestruturação produtiva que restringiu direitos dos trabalhadores e
deslocou fortemente parques industriais para países onde a desregu-
lamentação do trabalho era mais forte. Processo ainda inconcluso,
do que Arrighi (2012) chamou de metamorfose do ciclo sistêmico de
acumulação, reproduziu “criativamente” o capital ora a “flexibilizar”
a produção, ora flexibilizando direitos sociais, políticos e civis como
forma de manutenção da hegemonia de classe burguesa (ARRIGHI,
2008). O trabalho coube resistir da forma que pode. Os resultados
práticos dessa disputa refletiram não apenas no mundo material,
cultural e social, mas também no mundo político, na esfera pública,
no Estado e na sociedade civil. Se, por um lado, esse o processo re-
sultou em mais conservadorismo na economia, por outro, obrigou
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O MROSC entre dilemas e alternativas
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

o comitê político dos negócios da classe hegemônica a abrir algum


espaço para negociação. O conflito entre capital X trabalho perma-
neceu ativo durante todo o século e no alvorecer do século XXI. Esse
conflito constituiu-se em ampliação democrática ao longo do século
XX, com a falência de projetos autoritários, irreconciliáveis com a
dinâmica das relações sociais que dinamizaram forças no enfrenta-
mento não somente ao capital – em alguns momentos uma luta se-
cundária –, mas tendo como horizonte a luta imediata pela garantia
da democracia.
Esse rápido panorama não pode esconder as lutas sociais e o pro-
cesso de radicalização do capital frente ao mundo do trabalho. Tam-
bém não pode omitir que “a era dos extremos” como cunhou Hobs-
bawm (1994), dizimou populações em África e Ásia, controlando
recursos e populações, até a última metade daquele século, quando a
narrativa democrática pareceu alcançar quase a totalidade do globo.
Ainda assim, a avalanche do capital sobre o trabalho, conseguiu re-
tomar a força e, sob o discurso democrático, continuou a ditando as
relações internacionais e nacionais (HOBSBAWM, 2007).
Entretanto, as alterações no arranjo estatal em quase todo o mun-
do, possibilitou a inserção de novos grupos por meio do agendamen-
to de políticas públicas setoriais. Essas demandas apesar de ampliar
a base social de sustentação, sem permitindo apenas em alguns se-
tores que a ideia democrática se instalasse de forma substantiva. O
seu “leme”, para utilizar um termo de Poulantzas (1977), permanece a
serviço da acumulação e da concentração de riqueza.
Uma noção de ampla participação social na esfera pública passa
a ser difundida a partir dos anos 1970, deixando de lado as ditadu-
ras financiadas pelo capital internacional na América Latina, que
somente ao longo dos anos 1980 e seguintes passa a “respirar” novos
ares democráticos.
A Constituição de 1988 incitou o fenômeno da participação polí-
tica, que alimentou, por consequência, a extensa bibliografia no pe-
ríodo seguinte. A despeito de essa mesma literatura ter silenciado o
potencial mobilizador dos movimentos sociais na década seguinte,
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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

como aponta Lavalle (2006), e priorizado a dinâmica institucional


da participação, é assaz pertinente perceber que o debate sobre a
participação política no Brasil incorpora-se a um conjunto de trans-
formações advindas dos processos de redemocratização, bem como,
a uma complexificação no tecido social e suas estruturas políticas.
Enquanto a tônica dessa abordagem, priorizou a institucionali-
zação das políticas públicas, a formas de participação foram sendo
experimentadas.
Outro aspecto a ser anotado diz respeito à chamada ampliação
do cânone democrático e sua contradição (BOBBIO, 2006; LAVALLE,
2006). O espaço público de participação da tradição liberal, o sufrá-
gio universal, tem demonstrado um esvaziamento e algum desvane-
cimento não somente por conta do apartamento entre participação
política e participação eleitoral, ou por uma crítica mais profunda
ao modelo de inserção na política. Mas como crítica mais profunda
ao sistema político liberal que não conseguiu cumprir a promessa
liberal de maior equidade e justiça social, combinada a ideia de de-
mocracia (BOBBIO, 2009).
Perceber que o Estado assume, sob a lógica do capital, sua estrutu-
ra e contradições, repercutindo a estrutura política e as instituições
como formas privadas de hegemonia, faz-se importante para conhe-
cer os limites da política participativa e suas contradições imanen-
tes. Contudo, é preciso ainda explicar como ele se reorganiza a fim de
atender ora ao chamado do capital, ora a demandas mais ampliadas
da própria sociedade civil. Ou, dito de outra forma, encontra-se em
aberto ainda que muitos esforços tenham sido realizados, para com-
preender como a ampliação do cânone democrático e reformas ope-
radas no seio do Estado gerencial, garantem a permanência das es-
truturas de dominação de classe e também ampliam a participação
da sociedade civil na esfera da formulação das políticas públicas,
reposicionando o conceito de democracia no paradigma liberal. Em
certo sentido, a democracia liberal tenta naturalizar essa relação,
a fim de naturalizar essa relação social, liofilizando a participação

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O MROSC entre dilemas e alternativas
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

social – movimentos, grupos, organizações e associações sindicais, a


partir da supressão de direitos e de participação econômica.
A eficácia da participação política foi estudada largamente pela
ciência política. Assim como os espaços de participação. Carole Pa-
teman (1992), analisa a eficácia da participação política, e ilumina o
debate do ponto de vista da teoria democrática contemporânea. Afir-
ma a autora que é importante identificar nas formas de participação
política uma crítica ao capital, porque apresenta elementos para a
compreensão da relação entre as estruturas políticas e paradigmas
democráticos com a realidade expressada lutas em curso. Bobbio
(2006) também enfatiza como as relações que os indivíduos estabe-
lecem com as estruturas políticas interagem, colocando à prova os
modelos democráticos ao processo concreto de democratização. O
limite dessas análises é o limite mesmo da democracia liberal: afasta
política e economia, democracia e desigualdades. Abordam como se-
cundário a questão das limitações materiais para uma participação
efetiva dos processos democráticos, sobrepujando a liberdade polí-
tica às desigualdades sociais que concretamente limitam a partici-
pação (MIGUEL, 2016).
A partir da compreensão dos teóricos contemporâneos da teoria
democrática da participação, podemos compreender uma dimensão
do fazer, do método democrático, saindo de uma categoria abstrata
de participação (o povo) para outra mais concreta, ou mais política,
que é a participação do homem e da mulher comuns, inseridos em
seus cotidianos e práticas sociais corriqueiras.
Essa perspectiva, travada por Avritzer (2007), conduz ao estudo
da eficácia da participação política em contextos históricos determi-
nados, sem pressuposições usuais da ciência política moderna, con-
trastando com perfis históricos de Estados e sociedades, sobretudo
nos países sul-americanos, o que sublinha a necessidade de histori-
cizar a participação, compreendendo contextos, perfis e dimensões
socioculturais a partir de olhares locais (CRUZ, 2016).
Nesse sentido, a participação social na gestão das políticas públi-
cas apresenta uma experiência contraditória no sentido esboçado
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Alane Amorim Barbosa Dias e Danilo Uzêda da Cruz
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

por Santos (2003): ao ampliar o espaço participativo da sociedade


no processo de gestão das políticas públicas, o Estado viabiliza a in-
serção de grupos e suas demandas nas políticas públicas e sua exe-
cução; contudo, ao fortalecer essa participação, se fragiliza como
representante dos interesses da classe hegemônica, posto que, uma
vez instaurado o processo participativo e a inserção das demandas
sociais e/ou dos grupos sociais em disputa, o Estado se estabelece
como mediador, mas não controla (salvo sob o uso da força do apa-
rato legal, policial, repressivo, coercitivo) a dimensão criativa das po-
pulações e dos grupos sociais envolvidos na participação.
A essa contradição, imanente ao processo participativo na gestão
das políticas públicas, o Estado responde com mais controle e o es-
tabelecimento de níveis de participação: ao tornar a esfera da par-
ticipação consultiva ou deliberativa, assume intencionalmente uma
definição estratégica na política pública, que passa a ser orientada
a partir do executivo, deslocando o processo decisório para grupos
altamente integrados com o poder público e evitando os desgastes da
negociação mais ampliada com os públicos participativos.
Para Santos (2003), a percepção da novidade aberta aos atores
sociais, a qual amplia os processos de tomada de decisão e de in-
serção dos grupos sociais na gestão da política pública, contrasta
com as vulnerabilidades da participação, principalmente advindas
da ideia de “sobrecarga democrática” com demandas sociais exclu-
sivas. “A vulnerabilidade da participação” nos diz ele, “[...] quer pela
cooptação por grupos sociais super-incluídos, quer pela integração
em contextos institucionais que lhe retiram o seu potencial demo-
crático e de transformação das relações de poder” (SANTOS, 2003,
p. 60). Está explícita, para o mesmo autor, em diversas realidades do
contexto dos países do cone sul e Portugal, a tendência das democra-
cias participativas em cercear a participação através da redução do
controle social, do plebiscito, da consulta ou da institucionalização e
formalização das ações políticas, seja por meio da legalização ou da
marginalização, seja por esvaziamento das demandas no âmbito da
política pública. Essa constatação, ainda que esmaeça o processo da
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O MROSC entre dilemas e alternativas
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

participação, abre possibilidades para pensar as potencialidades da


participação nos processos de elaboração e constituição das políticas
públicas. Desse modo, dentre as diversas formas de participação que
emergiram do Brasil pós-autoritário, o orçamento participativo ad-
quiriu proeminência particular. Nesse caso, há uma herança comum
do processo de democratização que empurrou atores sociais demo-
cráticos para a disputa do termo participação.
O debate sobre participação parece-nos ser um mosaico de prá-
ticas contrahegemônicas que, ao insistir na ampliação do cânone
democrático, contesta e contrapõe a própria concepção de Estado li-
beral, reinventando outras práticas democráticas, cuja participação
não é mera formalidade, e sim o mecanismo formal para sua rein-
venção. Desse modo, caminhamos não somente para a participação
das organizações sociais e da sociedade civil em geral no processo
de elaboração e gestão das políticas públicas, com o alargamento da
concepção própria da democracia, como também a contrapõe, posto
que, a democracia liberal limita-se e é limitada pelo sistema a que ela
deve responder e alimentar politicamente.
Igualmente, o processo de redemocratização brasileiro teve, na
participação política da sociedade, uma intensa reconstrução do es-
paço público, da gestão pública e da ação política dos atores sociais,
recolocando e dando visibilidade a atores políticos que o Estado dita-
torial tentou apagar (SADER, 2009), ampliando o cânone da partici-
pação e criando novas instituições cuja participação não é secunda-
rizada, como os conselhos, fóruns e comitês.
De certo modo, as teses para ampliação da democracia, ou da “de-
mocratização da democracia” sustentadas por Santos (2003) nos in-
teressam aqui e foram leitmotiv para os questionamentos iniciais da
pesquisa desenvolvida. A primeira tese defende que, por meio do for-
talecimento da demodiversidade, é preciso assumir que a democra-
cia existe em formas diversas e, por conta disso, é preciso valorizar
as experiências e inovações nos processos participativos. Ademais,
nos parece que é um aspecto importante em nosso trabalho apon-
tar como esse “momento” ou “instante” em que o Estado possibilita
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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

a participação pode ser questionado em sua natureza ético-moral e


em sua dimensão político-institucional, uma vez que o processo par-
ticipativo se apresenta no limite de sua efetividade. Do mesmo modo
que o capital não consegue controlar a criatividade do trabalho, o
Estado, em seu contrassenso democrático, carrega a contradição da
participação como um caminho não preestabelecido pelo sistema
político.
A segunda tese demonstra que a articulação contrahegemônica
entre o local e o global possibilita um intercâmbio dialético de ideias
e propostas, além de experiências práticas. Essa concepção liberal,
presente em Santos (2005), não consegue, ao assumir uma cons-
trução contrahegemônica, prescindir daquilo que o autor chama de
“atores democráticos tradicionais”, os quais nada mais são do que
aqueles que enfrentam o capital na relação capital-trabalho. Além
disso, o autor demonstra que o isolamento das experiências inova-
doras, ou seja, a necessidade de internacionalização das experimen-
tações locais, não é produto do acaso, e sim do enfrentamento e da
construção de alternativas contrahegemônicas.
Por fim, na última tese, defendemos que o experimentalismo de-
mocrático já encontra resultados positivos de maior qualidade na
democracia. A necessidade ontológica da experimentação democrá-
tica passa por uma construção dos próprios conceitos democráticos,
de uma “nova gramática” que identifique as experiências democráti-
cas e participativas e que sirva às novas experiências como tecnolo-
gias reaplicáveis em outros contextos sociais, ao menos como para-
digma indiciário. Essa perspectiva de Santos (2005) outra vez devolve
a questão à contribuição materialista do Estado e à necessidade de
construir intelectuais orgânicos, numa perspectiva gramsciana, que
viabilizem o projeto democrático participativo formando e educan-
do para o novo projeto (COELHO; NOBRE, 2004; CODATO, 2011). Con-
tudo, o autor desleixa para a pedra de toque do capital, que é a ques-
tão do controle das estruturas materiais que persuadem o Estado e
repercutem na definição das relações sociais, políticas e culturais.

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O MROSC entre dilemas e alternativas
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Essa intensa e complexa reconfiguração da participação política


repercute na formulação de estratégias de gestão do desenvolvimen-
to, não mais colocado como obra de especialistas ou de técnicos do
estamento burocrático estatal.

O breve percurso do MROSC na Bahia

Quando passou a “valer” de fato em 2017 o Decreto Estadual


17.091/16 ou como o Decreto do MROSC, como é chamado, precisou
de ajustes de tempo para que poderes públicos e organizações da so-
ciedade civil pudessem se adaptar ao novo paradigma de parcerias
e repasse de recursos. Mas, ainda no percurso de elaboração, já ha-
via no ambiente público dois sentimentos complementares. O pri-
meiro sobre as mudanças. Se a lei “pegasse” acabaria com o balcão
negocial do executivo e legislativo para o atendimento as demandas
sociais e das organizações políticas, como também dificultaria a per-
petuação das lideranças políticas locais, regionais e estaduais. Esse
sentimento se expressou fortemente na falta de apoio do executivo e
legislativo a uma agenda de conhecimento e na rápida adesão admi-
nistrativa com as transformações necessárias para estabelecer um
ambiente institucional democrático. O segundo sentimento esteve
associado a ideia de que a se a lei “não pegasse” o esforço político
das organizações da sociedade civil estaria novamente dependente
do clientelismo e favorecimento. De todo modo, novamente, preju-
dicando a cultura democrática e aprimoramento das regras de com-
partilhamento de recursos públicos.
Conseguimos observar no percurso três caminhos tomados pela
sociedade civil e governo estadual. O primeiro diz respeito a insti-
tucionalização do Conselho de Fomento e Colaboração (COFOCO),
possibilitando uma instituição participativa com atuação de poderes
públicos e sociedade civil.

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Por decreto, o Conselho é um órgão colegiado de composição pa-


ritária, criado pelo Decreto Estadual Nº 17.091, de 05 de outubro de
2016, em consonância com a Lei 13.019/2014, conhecida como Marco
Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Está vin-
culado à Secretaria de Relações Institucionais (Serin). Foi o primei-
ro conselho para essa finalidade constituído no Brasil, passando a
servir de experiência política para outros Estados e municípios que
utilizaram a trajetória do conselho e instrumentos normativos para
criar suas instâncias colegiadas.
Sua atuação é consultiva e propositiva, tangenciando a delibe-
ração. Seja por meio do apoio e formulação, implementação, acom-
panhamento, monitoramento e avaliação das políticas públicas de
parcerias entre a Administração Pública e as Organizações da Socie-
dade Civil, o CONFOCO gradativamente vem se estruturando para
qualificar a implementação do MROSC.
A formação do CONFOCO representou uma ampliação da arena
decisória, nos limites da participação colegiada. O que implica, qua-
se sempre, o aceno para a pactuação e o consenso entre os pares do
conselho.

Além de atuar no acompanhamento, monitoramento e avaliação de


políticas públicas de parcerias de mútua cooperação, assume papel
estruturante e fundamental na emissão de parecer e proposições
sobre os documentos complementares (instruções normativas, ma-
nuais, e demais instrumentos congêneres) e na disseminação de in-
formações para implementação do novo regime das parcerias. Trata
de novos estatutos em um contexto de um novo paradigma na re-
lação entre Estado e Organizações da Sociedade Civil, que corrobora
com o modelo de gestão participativa (CONFOCO, 2022).

Entretanto essa iniciativa deixava de fora municípios que aguar-


davam recursos para iniciar uma agenda administrativa e de conhe-
cimento para gerir suas próprias parcerias. Também excluía do jogo
político organizações menores, como associações rurais e grupos

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O MROSC entre dilemas e alternativas
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

produtivos locais. Mesmo entre o legislativo municipal o desconheci-


mento da lei marcou o período analisado.
O segundo percurso esteve associado a vinculação originária de
um movimento político (Plataforma MROSC). Uma articulação polí-
tica ao derredor do tema do marco regulatório que em pouco tempo
assumiu feição de movimento social, passando a atuar com bandeira
política própria e agendamentos junto aos poderes públicos.
A Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações
da Sociedade Civil (Plataforma MROSC) se constituiu como uma rede
de articulação de organizações sem fins lucrativos e de interesse pú-
blico, buscando “aprimorar o ambiente social e legal de atuação das
organizações” (PLATAFORMA MROSC, 2022). Essa articulação perco-
rreu desde sua fundação em 2010 o caminho da institucionalização
e regulamentação da Lei, inclusive na perspectiva de atrair fomento
para as organizações, bem como reconhecimento público a partir
do Grupo de Trabalho paritário criado pelo Governo Federal ainda
naquele ano. As ações políticas e espaços participativos de atuação
foram ocupadas por essa articulação que contava com organizações
nacionais como MST, CUT, CONTAG entre outras, participando sob a
bandeira coletiva da rede em audiências públicas, discussões e con-
tribuições para a construção da lei no Congresso Nacional, e poste-
riormente nos Estados e capitais para a sua regulamentação.
A Plataforma MROSC atua com organizações para viabilizar a
capacitação e informação necessárias para o cumprimento da lei na
União, Estados e Municípios, uniformizando a interpretação da Lei
e dos instrumentos de formalização. Na Bahia a Plataforma MROSC
atuou fortemente para o Decreto Estadual 17.091/16 e demais instru-
mentos normativos.

(...) Plataforma MROSC conta com mais de 300 organizações sig-


natárias, cuja rede indireta alcança mais de 50 mil organizações e
busca ampliar e enraizar a sua atuação, trazendo cada vez mais or-
ganizações para o debate sobre o ambiente regulatório e institucio-
nal das organizações da sociedade civil no Brasil, em nível federal,

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

estadual e municipal, promovendo articulação e intercâmbio entre


experiências e práticas existentes. A Plataforma conta hoje com uma
estrutura de governança formada pelo Encontro das Signatárias,
um Comitê Facilitador, uma Secretaria Executiva e uma Secretaria
Operativa. Estas instâncias atuam de forma articulada, potenciali-
zando e apoiando a agenda de fortalecimento das OSCs e combate à
criminalização burocrática, visando a criação de um ambiente mais
favorável ao desenvolvimento dessas organizações (PLATAFORMA
MROSC, 2022).

Essa agenda da Plataforma Mrosc apresentou o terceiro


percurso. Ainda que a institucionalização de uma instância de par-
ticipação e controle social e a própria regulamentação fossem parte
do processo necessário, a desconfiança das organizações menores
e grupos locais demonstrou que a agenda de conhecimento não ca-
minhou em compasso com a agenda de institucionalização ou agen-
da normativa. Na prática essas organizações continuariam de fora
do repasse de recursos públicos.
Isso porque a dificuldade de letramento, elaboração, capacidade
técnica instalada e pouca infraestrutura colocaria entre os primei-
ros as OSCs maiores, com maior disponibilidade de recursos e equi-
pe técnica capaz de ler, interpretar e escrever para os complexos edi-
tais que os poderes públicos lançavam. A necessidade de formação,
prevista na lei, era tomada como uma demanda da própria rede em
torno da Plataforma MROSC.
O interesse crescente na agenda de conhecimento por parte das
organizações – “esse tal do MROSC? Como é mesmo?” – obrigava en-
tão as OSCs a inserir esse agendamento formativo para garantir a
democratização que a Lei preconizava.
Com os poderes públicos a obrigação da formação andou em pas-
sos lentos. Assumida pela Secretaria de Administração do Estado
da Bahia e com apoio de diversos órgãos da administração pública
a busca por ampliar espaços formativos internos e externos para
garantir o conhecimento e execução da nova legislação esbarrou na
descrença de que o sistema político fosse mesmo “aceitar” a lei.
190 184
O MROSC entre dilemas e alternativas
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

De todo modo entre 2010 e 2022 a Plataforma MROSC empreen-


deu uma forte atuação no sentido da democratização da lei, da sua
institucionalização e formação para as suas signatárias. Lutas que se
ladearam a outras dinâmicas, já que a partir de 2015 o cenário políti-
co encaminhou par ao golpe institucional, com posterior eleição em
2018 de um governo conservador que cerceou ainda mais os espaços
e instituições participativas.

Organizações da Sociedade civil rurais e a experiência


democrática

O mundo rural baiano ressente de uma maior pesquisa para com-


preender a política em perspectiva das populações rurais. Em estu-
do ainda em curso buscamos identificar pesquisas e pesquisadores
que tenham como pano de fundo as relações políticas no campo e
horizonte teórico-metodológico a participação social. Como regra as
pesquisas tangenciam, no mar das vezes, para estudos sobre grupos
identitários ou para estruturas administrativas, em alguma medida
para políticas públicas. Ficam de lado a compreensão e explicação
das formas de fazer política, da participação, da mobilização e dis-
cursos e trajetórias políticas das organizações e lideranças rurais.
Note-se por exemplo que as duas principais organizações políticas
dos trabalhadores rurais a Federação dos trabalhadores e trabal-
hadoras na Agricultura do Estado da Bahia (FETAG) e Federação
dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do estado da Bahia (FE-
TRAF-BAHIA/CUT) não tem estudos robustos sobre o tema.
Nossa hipótese provisória é de que os estudiosos baianos se as-
sociam fortemente a uma leitura consolidada nos anos 1950 e 1960
do atraso político do campesinato e produtores rurais, quando não
ao estacionamento analítico de que todas as relações estabelecidas
já estariam resolvidas ao abordar o coronelismo e clientelismo. O
campo acadêmico que tem desenvolvido mais leituras alternativas
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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

sobre o tema é o da sociologia rural e antropologia, particularmente


aqueles estudos associados a povos originários e comunidades tra-
dicionais. No entanto em nenhuma das duas perspectivas aprofun-
da-se com repertório analítico próprio sobre os temas de relevo da
ciência política, como relação estado e sociedade, partidos políticos,
democracia e participação, eleições (sim populações rurais também
votam e elegem representantes!), etc. De modo que tratar sobre or-
ganizações rurais e sua relação com políticas públicas é sempre um
tema que exige dos pesquisadores e pesquisadoras “cadastrar” essa
lacuna.
Assim, há uma ausência intencional em “apagar” a política dos
estudos sobre populações rurais, mesmo em análises contemporâ-
neas que articulam um repertório renovado (decolonialidade,
pós-colonialismo) ou que dialogam com a visão de subalternidade
e pós-democracia. Parece-nos que para a ciência política brasileira,
em geral, a política se realiza no mundo urbano. Nossa preocupação
de pesquisa encontrou nessa limitação um problema, já que as abor-
dagens principais remontam a formas de organização de instâncias
urbanas.

Porque essa experiência democrática é incompleta?

Alguns problemas se apresentam para a experiência democrática


proposta no Marco Regulatório. Por isso, em nossa abordagem, ele
aparece como uma experiência incompleta.
Entre as iniciativas e mudanças de paradigmas no repasse de re-
cursos públicos para Organizações da sociedade civil, o chamamento
público, via edital, é certamente a mudança crucial, já que inviabili-
za o balcão negocial em que o dirigente ou liderança política, ladeada
por um vereador, prefeito, deputado ou outro político, apresentava
sua demanda para o poder público. Em regra agora todos participam

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em condições de igualdade formal2. Esse processo pressupõe apenas


que a OSC participante tenha aderência ao objeto do edital, compro-
vada em documentos institucionais como estatuto, atas, certidões e
outros documentos que atestem a atividade principal da OSC, con-
forme está previsto no código civil.3
Contudo o chamamento público depende exclusivamente da
vontade política do gestor público, ou seja na prática as OSCs perma-
necem sem garantias da regularidade ou mesmo da escuta de suas
demandas concretas.
Outro aspecto diz respeito a formulação dos editais, instrumen-
to de acesso aos certames. A burocracia estatal não é um lugar sem
pessoas, sem gente. Os funcionários e servidores necessitam de ca-
pacitação técnica e sensibilidade para compreender as dinâmicas e
processos das organizações, que o aparelho estatal não oferece.
Nesse aspecto, ainda, observa-se uma falta de compreensão da
aplicabilidade do marco por parte dos gestores e/ou ainda, das OSCs,
evidenciando o distanciamento da práxis na construção desse pro-
cesso que engloba diversos atores. O desdobramento da sociedade
civil, tem sido ainda, nesse aspecto, limitado, ao considerar à parti-
cipação nessa arena de representantes de OSCs, em sua maioria, de
área especificas, com atuação de relevância no cenário político e ato-
res já conhecidos nesse processo. Tais implicativos, não aparentam
considerar, organizações com atuações importantes em determina-
dos territórios e que ainda desconhecem, essa arena de diálogo.

2
Não atoa falamos de igualdade formal, já que as condições históricas de desigualda-
des antecedem essa condição formal descrita em lei e apresentada nos instrumentos
do certame.
3
Há aqui entre as OSCs uma confusão cara aos processos participativos. Não há exi-
gência de que a OSC realize mudanças estatutárias para que possa participar dos cer-
tames. Em geral são mudanças alimentadas por consultores ávidos e necessitados por
suas horas de trabalho, exageram ao estimular que se faça uma movimentação tão
custosa as OSCs. O que se tem é a necessidade de adequação ao código civil de 2005, e
não ao Marco Regulatório.

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Entre incertezas e perspectivas: qual o lugar do MROSC na


agenda política das organizações da sociedade civil?

Dentre todas as discussões realizadas, na esfera da sociedade civil


sob a premissa do MROSC, é sabido que este vem a ser uma forma de
democratizar o acesso das organizações da sociedade aos recursos
disponibilizados pelo Estado. Nesse sentido, as OSCs, podem ou de-
veriam aumentar sua capacidade de atuação e incitar a inserção de
novas pautas a agenda estatal.
Considerando as constantes incertezas vividas pelas OSCs, obser-
vando em primeira tangente o processo de criminalização enfren-
tado por estas, a agenda do MROSC é evidenciada como parâmetro
base, que destaca, a forma como deve ocorrer esse relacionamento,
bem como os ditames previstos em Lei. Consoante, a proposta rela-
cional, incitada pela sociedade civil, analisada e negociada pelo Po-
der Público, expandiu-se a forma como estas, podem contribuir com
a democracia brasileira e efetivar a garantia de seus direitos.
Com base em seu marco legal, a implementação do MROSC, con-
tribui para uma gestão democrática, e, amplia a capacidade de reso-
lução dos problemas sociais, de maneira transversal, transdiscipli-
nar e horizontalizada. Nesse sentido, as lacunas, observadas pelas
OSCs, que em sua maioria, não eram compreendidas e nem aproxi-
madas do poder público, ganham maior possibilidade de resolução.
Afirma-se a ideia de possibilidade, pois, apesar de todo ordenamento
jurídico implantado, a atuação e efetivação do MROSC, este tem vi-
vido à mercê da conjuntura político-partidária, cabendo nesse sen-
tindo considerar, toda discussão já refletida anteriormente sobre os
ditames democráticos.
Porém, com base em sua agenda propositiva e de atuação, o
MROSC, elenca 3 eixos que fundamentam e solidificam à atuação
das OSCs, sendo estes, a contratualização com o poder público (defi-
nição dos instrumentos contratuais), sustentabilidade e certificação
e o conhecimento e gestão das informações (transparência). Ou seja,
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o poder público (desconsiderando bandeira partidária) é obrigado


balizar sua relação com as OSCs, por esta normativa. Na consoli-
dação dessa prerrogativa, o Ministério Público tem contribuído para
consolidação desta legislação.
Nesse sentindo, para a atuação das OSCs, o MROSC cria padrões
que possibilitam o tratamento das OSC de forma igualitária em qual-
quer instância do poder público, desde que essa, atenda aos parâme-
tros previstos no chamamento público. Levando em consideração,
sua abrangência nacional, os Estados e Munícipios, podem aproxi-
mar a ainda, este marco, da realidade local, traçando assim, a apro-
ximação dessas organizações. Essa particularidade, apresentada por
este marco, é um grande diferencial que gestaciona e efetiva a ope-
racionalidade das OSCs, através da sustentabilidade, visto que, exis-
tem especificidades apresentadas regionalmente e localmente, que
impossibilitam a participação em certos editais.
Observando ainda, a generalidade das OSCs, estas visam a pro-
moção do bem-estar social, nesse sentindo, alguns instrumentos e
nuances incitadas pelo MROSC, traz a efetivação desta proposta,
podendo, citar-se: o procedimento de manifestação de interesse so-
cial, onde uma organização pode trazer notoriedade a um problema
outrora identificado, e nunca trabalhado para a resolução deste;
vedação de exigência de contrapartida financeira, possibilitando
assim, que instituições possam participar dos chamamentos, sem o
impeditivo do entrave financeiro; e, a possibilidade de remuneração
para a equipe de trabalho, fator que incentiva a valorização dos par-
ticipantes das OSCs que outrora, realizavam, apenas trabalhos vo-
luntários e precisavam ter jornadas triplas para manter-se ativo no
mercado de trabalho e desenvolver suas atividades nas organizações.
Soma-se ainda, à agenda das OSCs, o reconhecimento de princí-
pios já enraizados nos fundamentos destas ao Marco: participação so-
cial, cooperação, diversidade, desenvolvimento local, transparência,
sustentabilidade, informação, controle social, princípios já incitados
pela CF/88 que efetivam, o modus operandi dessas organizações.

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Pensar a agenda do MROSC e sua interlocução com a agenda das


OSCs, requer, o entrelaçamento deste marco com políticas públicas e
programas sociais que consigam viabilizar o acesso e horizontalizar
as informações, no sentido, de possibilitar o alcance de todos a este,
reforçando o princípio democrático e de igualdade.
Ao refletir sobre o processo de incertezas, destaca-se que as orga-
nizações mais fragilizadas nesse constructo são as pequenas orga-
nizações rurais e que se encontram afastadas das grandes capitais.
Nestes espaços, o diálogo não tem ocorrido e quando acontece tem
sido bem superficial, não preparando as OSCs para solicitarem o
cumprimento desta em seus municípios, bem como fiscalização do
poder.
Ainda assim, algumas intercorrentes têm sido configuradas tam-
bém, na aplicabilidade das agendas, principalmente, no que tange à
prestação de contas.
Outra fragilidade evidenciada, perpassa, os caminhos da capa-
citação. É comum encontrar no poder público, servidores desinfor-
mados e sem capacitação quanto à aplicação do MROSC, solicitando
ainda, documentos não necessários para celebração da parceria e/ou
na prestação de contas, colocando em discussão, a real efetividade
do marco e sua contribuição à sociedade. Cabe ainda destacar, que
durante o período de adaptação do marco, ocorreram diversas capa-
citações sobre a normativa o MROSC e conforme embasa a norma-
tiva jurídica, tais disparidades não deveriam estar ocorrendo, pois,
considerando o período vivenciado, União, Estados e Munícipios já
deveriam estar familiarizados com a Lei, bem como, aplicando-a.
Destarte, surgem alguns questionamentos: em que medida o
MROSC tem contribuído para a consolidação da participação demo-
crática e atuação transparente das OSCs, visto os constantes dilemas
que permeiam o poder público e as organizações, chegando às vezes,
a problematização de que o marco veio mais para dificultar a vidas
OSCs do que melhorar. Nesse caso, considera-se o despreparo do po-
der público

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Para uma real efetivação do marco pelos atores que lhes interes-
sam, é necessária uma mudança de cultura política, postura e com-
portamento civil. Na história política brasileira, corriqueiramente,
vive-se uma conjuntura de ameaças à legitimação da autonomia do
campo, em destaque, a insegurança jurídica relacionada ao Esta-
do, configurando ainda a baixíssima capacidade de gerar recursos
próprios para manutenção e fragilidade dos critérios de financia-
mento das OSCs.
A reflexão do cenário democrático brasileiro através da ótica do
MROSC, evidencia a fragilidade do ambiente político que se vive,
destacando que o marco, pode ser considerado como um tipo ideal
a ser alcançado, nossa utopia republicana, democrática e represen-
tativa de fato!
Quanto ao futuro da efetividade do MROSC, este continua a de-
pender da conjuntura política que esse alicerça. Consoante, a uma
governança ameaçadora que se vive, as conquistas batalhadas por
anos, para consolidar-se, vive em perigo. Para tanto, é necessária
uma interconexão entre as políticas públicas, para uma real efeti-
vação dos direitos sociais.

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198
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Associativismo estudantil:
a atuação dos 10 anos da Realiza Jr. no Território do
Sisal

Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e


Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento

Introdução

Na perspectiva de indissociabilidade do tripé universitário, a ex-


tensão é um instrumento de mudança social da universidade e da
comunidade que ela está inserida. Desse modo, o centro desse estudo
205
199
Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

aborda uma associação estudantil como projeto de extensão, que in-


centiva o protagonismo estudantil oferecendo aos alunos a vivência
em situações semelhantes às que encontrarão na sociedade.
Assim, a Realiza Jr. é uma associação estudantil formada por estu-
dantes do curso de Bacharelado em Administração da Universidade
do Estado da Bahia – UNEB do Departamento de Educação - DEDC,
Campus XI, Serrinha, na Bahia. A referida empresa júnior foi cons-
tituída em 2011 e ao longo de seus 10 anos de atuação busca soluções
e melhorias de gestão para os clientes, unindo o mercado à universi-
dade e o desenvolvimento dos conhecimentos técnicos, bem como a
cultura empreendedora dos (as) membros (as), por meio de serviços
que prezam a qualidade e com preços abaixo do mercado, sendo re-
ferência de consultoria empresarial no território do sisal e o apoio as
atividades acadêmicas, realizadas pelo Departamento de Educação
– DEDC/Campus XI.
Dito isso, este trabalho tem como objetivo analisar as ações reali-
zadas pela Realiza Jr. durante seus 10 anos de atuação, enquanto for-
ma de associativismo estudantil, dentro do território do sisal, através
de abordagem qualitativa, de natureza exploratória realizada atra-
vés de uma análise bibliográfica, documental e estudo de caso, com o
uso da técnica de observação participante.
Para tanto, as seguintes partes a seguir compõem essa escrita:
contextualização do associativismo e do associativismo estudantil,
os procedimentos metodológicos, breve apresentação do movimento
empresa júnior, análise dos 10 anos de atuação da Realiza Jr. e, por
fim, as considerações finais.

Associativismo

As associações estão ligadas ao ser humano e, a evolução da ciên-


cia antropológica evidencia a relevância das associações na mu-
dança histórico-cultural. Assim, o associativismo adveio por meio do
206 200
Associativismo estudantil
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

interesse dos indivíduos em reunir esforços para alcançar os objeti-


vos em comum de maneira mais eficiente e eficaz, com o objetivo de
proporcionar benefícios aos associados (ALVES; TEIXEIRA E PEREI-
RA, 2017).
Deste modo, uma associação é fundada para solucionar proble-
mas correntes. Por seguinte, uma associação deve ser um instrumen-
to que possibilite soluções eficazes, a qual a participação e a demo-
cracia estejam evidentes em todas as ações (VEIGA; RECH, 2001, p.
27).
Conforme Moura (2009) “o associativismo teve origem no espírito
humano de congregação, na vontade do homem de ser solidário e de
poder, ao mesmo tempo, pertencer a uma organização que sirva de
intermediária entre o indivíduo e a sociedade”.

Associar-se tem sentido de unir pessoas na defesa dos seus interes-


ses. O associativismo nasceu da necessidade de os homens somarem
seus esforços para alcançar um propósito em comum. No princípio
este objetivo era a sobrevivência da espécie humana. Posteriormente,
transformou-se na necessidade de enfrentar as mudanças impostas
pelo sistema econômico mundial (COSTA, OLIVEIRA e FIGUEIREDO,
2013, p.5).

Para Cardoso, Carneiro e Rodrigues (2014) “associação é toda


iniciativa composta por pessoas físicas ou jurídicas com propósitos
comuns, tendo em vista a geração de benefícios para os seus asso-
ciados”. Nesta perspectiva, podemos definir o associativismo como
uma organização social que, caracteriza-se por sua natureza, em ge-
ral, voluntariado, pela união de dois ou mais indivíduos que buscam
o atendimento da satisfação das necessidades individuais humanas,
em outros termos, a melhoria da qualidade de vida (SENAR, 2015,
p.124).
Em concordância, Frantz (2002) ressalta que as necessidades,
bem como os desejos e os interesses em comuns em busca do melhor
influenciam os indivíduos a agirem coletivamente, elaborando ações

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Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

para esses interesses em comuns. E é nesta percepção que a prática


associativa ocorre, pois:

[...] a expressão associativismo designa por um lado a prática social


da criação e gestão das associações (organizações providas de auto-
nomia e de órgãos de gestão democrática: assembleia geral, direção,
conselho fiscal) e, por outro lado, a apologia ou defesa dessa prática
de associação, 41 enquanto processo não lucrativo de livre organi-
zação de pessoas (os sócios) para a obtenção de finalidades comuns
(RICCIARDI; LEMOS, 2000, p. 82).

Com base nesta definição, pode-se configurar a associação como


uma organização social de pessoas que tenham objetivos estabeleci-
dos, todavia, não existe uma obrigação em estar associado a alguma
associação, sendo está uma escolha de livre participação.
Uma associação trata-se de uma organização de direito privado,
sem fins econômicos e lucrativos, cujo patrimônio é constituído pela
contribuição dos seus associados, doações ou outras formas de re-
cursos permitidos por lei CC - Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
Onde os indivíduos se reúnem para atender interesses em comuns
de forma democrática.
Maria de Lourdes Souza (1995), para que o associativismo seja via-
bilizado é necessário observar três princípios:
1) a definição apurada e sistemática de interesses comuns;
2) o respeito às limitações e possibilidades de cada um;
3) o aprofundamento e avaliação constante da prática par-
ticipativa, já que associar-se significa estar junto e criar uma nova
realidade e não simplesmente para buscar benefícios de projetos
governamentais.
Estes princípios precisam estão relacionados aos componentes
de uma associação, objetivando solucionar os problemas coletivos.
Meinen (2014) descreve esses princípios como:
1º Princípio: adesão voluntária e livre;
2º Princípio: gestão democrática pelos sócios;
3º Princípio: participação econômica dos sócios;
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Associativismo estudantil
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4º Princípio: autonomia e independência;


5º Princípio: educação, formação e informação;
6º Princípio: cooperação entre associações/cooperativas e
7º Princípio: interesse pela comunidade
Para Prattes (2013), o associativismo é o princípio para que a so-
ciedade tenha crescimento. Baseado em princípios de solidariedade,
liberdade e democracia – visto que a adesão é tão livre quanta a saída
– regido por igualdade entre os membros.
É através do associativismo que a sociedade consegue ter maior
expressão social e lutar por melhorias, podendo cooperar com o
desenvolvimento local a partir de ações que contribuem para o cres-
cimento e desenvolvimento da comunidade. Para que esse objetivo
seja alcançado é importante que associação e associados tenham
conhecimento dos princípios básicos que guiam o associativismo.

Associativismo estudantil

No capítulo anterior, foi apresentada que o associativismo des-


envolve a coletividade, o sentimento de pertencimento, a inclusão,
dentre outras atuais em busca do desenvolvimento do humano e da
sociedade, sendo assim as instituições educacionais formam um pal-
co de desenvoltura à formação do espírito associativo.
Para Rodrigues (2015, p.105),

As associações de alunos, presentes no universo dos espaços educati-


vos e de formação, representam as práticas estudantis desenvolvidas
dentro das instituições de ensino ou fora delas. O associativismo dis-
cente, dotado de peculiaridades e autonomia faz parte de uma cultu-
ra escolar e chama a atenção por sua significância na identidade do
aluno e da educação.

Dentre essas instituições educacionais as que evidenciam no ensi-


no superior baseiam-se em agrupamento de estudantes que buscam
maior participação na universidade através de centros ou diretórios
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Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

acadêmicos, diretório central de estudantes, ligas acadêmicas, atlé-


ticas, base de partidos políticos, organizações identitárias, empresas
juniores, entre outros, o que potencializa uma maior qualidade de
educacional aos estudantes e, portanto, uma melhor formação.

Assim, os estudantes ao ingressarem nos cursos superiores, estavam


submetidos ao que chamamos de associação: reunidos de acordo
com seus interesses e movidos pela causalidade, em direção à sua
formação. O que ocorre, entretanto, que com a proximidade dos es-
tudantes dentro dos cursos e das faculdades, acontecia a criação de
laços pela convivência pelo contato e pela criação de vínculos inter-
pessoais. (CHRISTÓFARO, 2013, p. 4)

Logo, essa convivência é descrita pelo Simmel (2006, p. 64) como


um fenômeno social:

(...) todas essas formas de associação são acompanhadas por um sen-


timento e por uma satisfação de estar justamente socializado, pelo
valor da formação da sociedade enquanto tal. Esse impulso leva essa
forma de existência e que por vezes invoca os conteúdos reais que ca-
rregam consigo a associação em particular. Assim como aquilo que
se pode chamar de impulso artístico retira as formas da totalidade
das coisas que lhe aparecem, configurando-as como específica e co-
rrespondente a esse impulso, o “impulso de sociabilidade”, em sua
pura efetividade, se desvencilha das realidades da vida social e do
mero processo de associação como valor e como felicidade, e consti-
tui assim o que chamamos de “sociabilidade” [Geselligkeit] em senti-
do rigoroso.

Diante desse fenômeno de sociabilidade as empresas juniores se


apresentam como uma associação civil sem fins lucrativos e com fins
educacionais formada por estudantes do ensino superior. De forma
mais técnica, conforme o Conceito Nacional de Empresas Júniores
(2021), define que as empresas juniores são constituídas pela união
de alunos matriculados em cursos de graduação em instituições de
ensino superior, sendo organizados em uma associação civil, cujo
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Associativismo estudantil
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objetivo consiste em realizar projetos e serviços que contribuem


para formar profissionais capacitados e comprometidos através da
promoção de experiência de mercado, fomentando o crescimento
pessoal e profissional do aluno membro.

Metodologia

A metodologia está relacionada às escolhas dos procedimentos


que são utilizados nos estudos para a construção da realidade social
sobre a unidade de análise de pesquisa. De acordo com Gil (2002)
ela pode ser definida como um procedimento racional e sistemáti-
co, cujo objetivo é proporcionar respostas aos problemas que são
propostos. Assim, esse estudo é exibido sobre uma abordagem qua-
litativa, de natureza exploratória realizada através de uma análise
bibliográfica, documental e estudo de caso, com o uso da técnica de
observação participante.
Segundo Godoy (1995) a abordagem qualitativa é utilizada para
analisar os episódios que envolvem os seres humanos e suas relações
sociais nas mais variadas conjunturas. Nesse contexto, a pesquisa
exploratória tem como desígnio permitir maior proximidade com a
problemática, levando ao refinamento de ideias ou a confirmação de
intuições, de modo que possibilite a utilização de variados aspectos
pertinentes ao fato estudado. (GIL, 2002)
Fundamentado nessas análises foi realizado um estudo de caso,
que de acordo com Severino (2007, p. 121), “se concentra no estudo
de um caso particular, considerado representativo de um conjunto
de casos análogos por ele significativamente representativo”, na em-
presa júnior, Realiza Jr, na cidade de Serrinha, na Bahia. Além da ob-
servação participante, método que permite que o investigador relate
seu conhecimento empírico a respeito do que está sendo pesquisado.

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Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

A observação participante é realizada em contato direto, frequente e


prolongada do investigador, com os atores sociais, nos seus contex-
tos culturais, sendo o próprio investigador instrumento de pesquisa.
Requer a necessidade de eliminar deformações subjetivas para que
possa haver a compreensão de factos e de interações entre sujeitos
em observação, no seu contexto. É por isso desejável que o investi-
gador possa ter adquirido treino nas suas habilidades e capacidades
para utilizar a técnica (Correia, 1999, p. 31).

Desse modo, foi feito um levantamento histórico da empresa e


das ações realizadas pela Realiza Jr. durante seus 10 anos, através das
observações sistemáticas sobre o campo de pesquisa para compreen-
der a aplicabilidade das ações (projetos) no território do sisal.
Portanto, conclui-se que as metodologias aplicadas na presente
pesquisa são essenciais para a eficácia da mesma, uma vez que, ao
tempo que faz uma avaliação subjetiva e contextualizada sobre a
unidade de análise, permite as pesquisadoras uma visibilidade am-
pla sobre a Realiza Jr., permitindo o acesso a dados que direcionam
para o alcance do objetivo deste estudo.

Conhecendo o movimento Empresa Júnior

O movimento Empresa Júnior – MEJ é uma associação civil sem


fins lucrativos, que surge da iniciativa de estudantes universitários
(LAUFEUILLE, 1997), de acordo, Matos (1997) somente acadêmicos de
curso de graduação podem fazer parte de uma empresa júnior.
Nesta perspectiva, o primeiro registro de fundação de empresa
júnior que se tem conhecimento, provém do ano de 1967, na França,
quando estudantes universitários da École Supérieure dês Sciences
Economiques et Commerciales de Paris – ESSEC, preocupados com a
defasagem entre a formação acadêmica e a prática profissional, bem
como nas áreas de pesquisa e estudo de mercado tiveram a iniciativa
e fundaram a Júnior ESSEC Conseil (MEJ, 2013).
212 206
Associativismo estudantil
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No Brasil, o MEJ chegou por volta de 1987 através da Câmara de


Comércio e Indústria Franco-Brasileira juntamente com o manual
– Como criar uma empresa júnior – Surgindo assim a primeira em-
presa júnior brasileira através da FGV - Fundação Getúlio Vargas e
da FAAP - Fundação Armando Álvares Penteado (BRASIL JÚNIOR,
2021).
Logo depois, em 1990, foi criada a primeira Federação estadual
do Brasil, a Federação das Empresas Juniores do Estado de São Paulo
– FEJESP, composta por sete empresas juniores existes. Em 2003, foi
criada a Brasil Júnior – Confederação Brasileira de Empresas Junio-
res, com o propósito de representar e dar suporte as empresas junio-
res em todo o Brasil. A execução da Brasil Júnior ocorre por meio
da definição conjunta de planos e diretrizes do Movimento, como o
Conceito Nacional de Empresa Júnior, a qual suas ações são desen-
volvidas por sua diretoria e, em cada estado, por sua federação local.
Nos dias que correm, a Brasil Júnior é formada por 17 federações, re-
presentando 16 estados e o Distrito Federal. (BRASIL JÚNIOR, 2021).
Conforme o Conceito Nacional de Empresa Júnior a finalidade da
empresa júnior é desenvolver profissionalmente os estudantes atra-
vés da vivência empresarial, realizando projetos e serviços na área
de atuação do curso de graduação que a empresa júnior está vincula-
da, bem como realizar projetos e/ou serviços para micro e pequenas
empresas, terceiro setor, ou pessoas físicas, objetivando o desenvol-
vimento da sociedade e fomentar o empreendedorismo de seus asso-
ciados (BRASIL JÚNIOR, 2021).
Neste sentindo, a empresa júnior surge com o objetivo de desen-
volver o espírito empreendedor nos estudantes e da vivência na prá-
tica das teorias aprendidas em sala de aula, sendo uma aliada profis-
sional, oferecendo um grande laboratório prático de conhecimento
técnico e da gestão empresarial.

Os 10 anos de atuação da Empresa Júnior do Curso de Administração


UNEB/Serrinha – A REALIZA Jr.

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Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

A Realiza Jr. é uma associação sem fins lucrativos de direito priva-


do, com a finalidade educacionais e prazo de duração indetermina-
do, formada por estudantes do curso Bacharelado em Administração
da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Departamento de Edu-
cação - DEDC, Campus XI, Serrinha-BA, fundada em 18 de agosto de
2011.
Os 10 anos da Realiza Jr., fora marcado pela busca de soluções e
melhorias de gestão para os clientes, unindo o mercado à universi-
dade e o desenvolvimento dos conhecimentos técnicos, bem como a
cultura empreendedora dos (as) membros (as), por meio de serviços
que prezam a qualidade e com preços abaixo do mercado, sendo re-
ferência de consultoria empresarial no território do sisal e o apoio as
atividades acadêmicas, realizadas pelo Departamento de Educação
– DEDC/Campus XI.
Atualmente, a Realiza Jr. é coordenada por uma professora,
juntamente com uma professora colaboradora, estas auxiliam na
realização de projetos externos, esclarecendo dúvidas e sugerindo
possíveis estudos e instruções, bem como no acompanhamento da
execução do projeto e a validar o fim da proposta, visando a contri-
buir com a qualidade das entregas dos projetos. E com a colaboração
de doze membros (as) determinados (as) e competentes.
Instituída, nos dias que correm por seis diretorias e duas assesso-
ria que tem a função de cuidar da filosofia da empresa júnior, bem
como realizar a administração e o bom andamento da empresa, sen-
do estas à presidência, recursos humanos, comercial, marketing, fi-
nanceiro e projetos.
A Realiza Jr. atua na prestação de serviços nas três grandes áreas
da administração (marketing, financeiro e organizacional), e por ser
uma empresa júnior, seus membros não são remunerados. A gestão
da empresa é participativa, contando com o envolvimento de todos
os membros nos processos decisivos da empresa. Semanalmente,
ocorrem as reuniões, nas quais são tomadas as decisões sobre pautas
indicadas por todos os membros, incluindo as das professoras e que
são registradas em ata.
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Associativismo estudantil
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Origem e história

A empresa júnior do curso de Administração da UNEB/Campus


XI – Realiza Jr. foi criada no ano de 2011 na cidade de Serrinha – BA.
No princípio, a Realiza Jr. começou a prestar serviços para a Uni-
versidade, mas, logo após a sua criação, os alunos envolvidos con-
cluíram o curso de graduação e, consequentemente, a empresa jú-
nior, ficou inativa por três anos.
Em 2014, duas estudantes, sentido a necessidade de colocar a teo-
ria em prática, juntamente com uma professora, souberam da exis-
tência da empresa júnior e buscaram conhecer mais sobre o MEJ –
Movimento de Empresas Júniores, para assim, reativarem a Realiza
Jr. Esse processo de reativação foi nomeado de “ressignificação da
Realiza Jr.”, assim a associação estudantil passou a ser norteado por
um projeto de extensão universitária.
Na perspectiva de indissociabilidade do tripé universitário, a Rea-
liza é centro do projeto de extensão que incentiva o protagonismo es-
tudantil, oferecendo aos alunos a vivência em situações semelhantes
às que encontrarão no futuro, entendendo que a universidade existe
“para que se transforme num horizonte mais amplo de estudo e pro-
dução e socialização de conhecimentos” (SANTOS, 2010, p. 15).
Já em 2016, com a chegada de novos alunos esse processo se tor-
nou mais fácil. Uma breve apresentação da Realiza Jr. e sobre o MEJ
despertou o interesse de dar continuidade e fazer parte de uma em-
presa júnior, que devido à ausência de estudantes poderia ficar ina-
tiva outra vez.
Em 2017 com a entrada dos novos alunos a Realiza Jr. começa a
ganhar forma e estrutura de uma empresa júnior, iniciando pela
constituição da diretoria executiva, que tem como objetivo realizar
a administração e o bom andamento da empresa, sendo está dividi-
da em cinco diretorias (presidência, recursos humanos, financeiro,
marketing, projeto e comercial). Cada diretoria tem entre um ou dois
treinees, com exceção da diretoria de marketing e projetos que pos-
suem uma assessoria.
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Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

A partir desta estrutura a Realiza Jr. adentrar no mercado e com-


petir com outras empresas de consultorias, realizando projetos que,
em sua maioria, voltados a negócios de pequeno e médio porte, para,
além dos serviços prestados para a comunidade acadêmica. Desde
esse momento, os alunos-membros (as) transpuseram por uma frase
de amadurecimento precoce, nas quais são “obrigados” a tomarem
decisões e a desenvolver projetos que desafiam suas habilidades,
com a orientação e acompanhamento das professoras.
Atualmente a Realiza Jr. é composta por membros (as) com espíri-
to empreendedor e vontade de impactar positivamente a sociedade
por meio de soluções inovadoras para a área administrativa.

Ações da Empresa Jr.

Desde sua criação, a Realiza Jr. busca colaborar com a sociedade,


através dos conhecimentos da área de administração adquiridos na
graduação em prol do desenvolvimento da cidadania.
Nesta perspectiva, pautando-se na sua missão de “Fomentar o
desenvolvimento profissional dos membros, através da REALIZAção
de serviços administrativos de excelência para nossos clientes e par-
ceiros”, na sua visão estratégica, “Tornar-se reconhecida em Serrin-
ha e Região” e nos seus valores, “Ética, respeito, comprometimento,
harmonia com o desenvolvimento da empresa, gestão participativa
e democrática, qualidade e transparência nas ações e projetos, inte-
gridade nas reações internas e externas, empatia, zelo e positivida-
de nas relações interpessoais e responsabilidade socioambiental”, a
Realiza Jr. é pioneira em desenvolver ações (projetos) que contribuís-
sem para o seu desenvolvimento e da comunidade externa e interna.
Em 2017, com a ressignificação da empresa a Realiza Jr. inicia a
série de ações solidárias a comunidade externa com a “I Edição da
Campanha: Seu gesto vale um sorriso”, na Associação Beneficente de
Amparo ao Idoso, de Serrinha, onde os membros arrecadaram latas
de leite e fraldas geriátricas a serem doadas aos idosos.
216 210
Associativismo estudantil
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Logo depois aconteceu o encontro com empresas juniores com a


ADM JR., empresa júnior da UEFS – Universidade Estatual de Feira
de Santana, o qual tinha como objetivo os membros (as) da Realiza Jr.
conhecerem mais sobre o MEJ, como funciona uma empresa júnior
e sobre os serviços que poderiam prestar, para além do conato para
futuras parcerias.
Em parceria com a FTS – Fortes Tecnologia em Sistema foi reali-
zado o LAB – Laboratório de Software Empresarial na prestação de
serviços de Fortes Contábil Web, Fortes Financeiro e Fortes Compras
e Estoque.
No ano de 2019, em comemoração aos 8 anos da Realiza Jr. foi
realizado o maior evento feito pela empresa, com a temática de “Mar-
keting Digital: a internet no desenvolvimento profissional e pessoal”,
que contou com a participação de um influenciador digital de Serrin-
ha, um empreendedor, com a mediação da professora colaboradora.
A partir desse evento a empresa ganhar maior visibilidade na cidade
e na região.
Em 2020, ano marco pela pandemia do novo Coronavírus “maior
crise sanitária dos últimos tempos” (Etienne; OPAS, 2020), deixando
uma crise economia em todo o planeta, a Realiza Jr. se reinventa du-
rante esse cenário, utilizando o acesso remoto para realizar projetos
que ajudassem a comunidade interna e externa da universidade.
Iniciando a partir das “Dicas de leitura em tempo de pandemia”,
onde professores e servidores do curso Bacharel em Administração
da UNEB/Campus XI – Serrinha, sugerissem dicas de livros para os
alunos, onde eram divulgados no perfil do Instagram da Realiza Jr.
Em seguida, as Lives intituladas como “Bate-Papo com...”. A cada live
era convidado um especialista para abordar temas que pudessem
ajudar empreendedores da região.
Dando sequência e ênfase aos empreendedores, foi realizada a
“Consultoria Online”, esta por sua vez teve a 1ª e 2ª edição, que al-
cançaram empresas locais, visando orientá-los para minimizar
os danos pandêmicos. Na inscrição cada empresa precisaria en-
tregar 5 kg de alimentos, a serem doados a pessoas em situação de
211 217
Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

vulnerabilidade nos municípios de Serrinha e Conceição do Coité


– BA.
Em parceria com a EJ Consultoria, empresa júnior da UNEB/Cam-
pus XXI – Ipiaú – BA, foi realizado o “Mini Curso Virtual sobre Mar-
keting”, ministrado por três especialistas, contando com alta adesão
de participante. E o “Agosto Solidário”, onde a Realiza Jr. disponi-
bilizou sua rede social para ONGs pudessem divulgar sua história,
atuação e, assim, solicitar auxilio da comunidade, para, além disso,
foi disponibilizado para que pequenos empreendedores pudessem
divulgar seus serviços e/ou produtos.
Para manter os membros e as professoras motivadas, foi feito o
treinamento interno, “Integração Organizacional”, para finalizar o
ano.
Em 2021, ainda com resquício da pandemia da COVID-19, a Rea-
liza Jr. continuou atuando com projetos para ajudar a comunidade
interna e externa da universidade. Produzindo “Roda de conversa
entre mulheres” em parceria com o Movimento Mulheres Pensam
2021, ministrado por uma especialista e por mulheres empreendedo-
ras. Bem com a realização de palestras voltada para a administração.
No mês de junho foi realizado o segundo “Arraia Online” que, em
2021 recebeu o nome de “Arraia Solidário”, com apoio da Departa-
mento de Educação – DEDC XI, cujo objetivo foi arrecadar fundos
para ajudar ONGs da região e para isso foi feita uma rifa, premiando
uma cesta junina e uma caneca, doada.
Em agosto de 2021, a Realiza Jr. completou uma década, e para
esta data especial os membros, juntamente com a professora coor-
denadora do projeto e professora colaboradora celebraram este
marco que é: completar uma década de existência de uma associação
estudantil. Esta comemoração aconteceu de forma remota, durante
três dias, com palestra sobre como gerir sua carreira, bate-papo com
ex-membros da Realiza Jr. e membros de outras EJs, compartilhando
as vivências da empresa júnior e lançamento de mini cursos, media-
dos pelos próprios membros da Realiza Jr.

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Associativismo estudantil
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Cabe destacar que nesses 10 anos de atuação a Realiza Jr. passou


por várias gestões, com vários membros, visto que os estudantes são
temporários nas universidades e boa parte deles acabam saindo da
empresa para o mercado de trabalho, fazendo da participação na em-
presa junior uma forma de degrau evolutivo ao seu profissionalismo.
Nos dias que correm, se torna essencial (senão vital) para os estu-
dantes de graduação de ensino superior vivenciarem todas as infor-
mações que receberam em sala de aula e transformarem em conhe-
cimento prático e durante esses 10 anos de atuação da Realiza Jr. os
alunos-membros conseguiram vivenciar muitas dessas informações.
Faz-se necessário ressaltar que estes foram projetos que marca-
ram a trajetória de uma década e que, sem o apoio das professoras,
bem como da universidade, a Realiza Jr. jamais poderia desenvolver,
e é nesta linha de pensamento, chegar e alcançar tantos objetivos
traçados pelos membros. A Realiza Jr. é na verdade um tripé com
grau de igual importância, aos alunos, professores e universidade,
sem um destes equilíbrio, essa associação estudantil, não existiria.

Considerações finais

As associações englobam sujeitos que buscam juntos construir


ações coletivas para seus próprios desenvolvimentos. Assim, as asso-
ciações de estudantes, que conforme sua proximidade de condição e
similaridade, servem de instrumento à manutenção do conhecimen-
to coletivo e do apoio ao desenvolvimento dos estudantes, e conse-
quentemente das universidades.
Ao observar as relações durante a década de atuação da
Realiza Jr. percebe-se a existência de uma rede de sociabilidade en-
tre os sujeitos que compunham e compõe seu ambiente, levando a
instituição a um patamar de solidez e preservação de sua identidade
coletiva e social.

213 219
Aline Matos Santos , Adriana Carneiro da Silva e Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

É fato que uma associação de qualquer categoria passa por pro-


vocações ao longo de sua história, e em uma associação estudantil,
formada por jovens e com um índice alto de rotatividade entre seus
membros, manter a essência da equipe em foco no desenvolvimento
profissional dos membros e na busca de excelência para nossos clien-
tes e seus parceiros é um grande desafio dos membros que compõe
cada gestão, com a intenção de dar continuidade a essa associações
estudantil tão importante para seus membros, para a UNEB/Campus
XI e para toda sociedade sisaleira.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Orçamento participativo nas cidades


brasileiras:
a experiencia de Vitória da Conquista no direito à
cidade

Renato Luz Silva

Introdução

Participação e democracia não são conceitos com o mesmo sig-


nificado. A democracia é um modelo de governo exercido de acor-
do com as determinações da população. Já a participação, significa
223
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Renato Luz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

a intervenção direta do povo no governo, o que faz parte da própria


essência democrática. Nesse sentido, elaborar políticas públicas que
democratizem o poder de decisão tornou-se um desafio para os for-
muladores no campo do controle social.
Nesse sentido, a participação dos cidadãos na administração pú-
blica e no controle social representa uma fonte de informação sobre
o desempenho da burocracia e sobre a qualidade dos serviços públi-
cos. As experiências que viabilizam a participação na gestão e no con-
trole social são ferramentas estratégicas que tem ganhado notorie-
dade por garantirem maior eficiência e qualidade na implementação
de políticas públicas1. Ao se considerar a eficiência na prestação de
serviços públicos parte-se do conceito de cidadania, associando seu
desenvolvimento a um processo de conquista e expansão dos dire-
itos do cidadão, originário com a afirmação dos direitos civis e que
inclui o usufruto dos serviços associados aos direitos sociais.
O Orçamento Participativo é uma dessas experiências, que por
meio dos fóruns de participação e dos conselhos populares, também
fiscalizam as contas públicas. Ainda que não disponham do papel ju-
rídico de punir as ações fraudulentas, poderão, ao menos, inibi-las.
Na atualidade, o debate sobre democracia direta participativa tem
ganhado força na esfera política mundial. A participação popular
emerge, especialmente, da necessidade de fomentar o protagonis-
mo cidadão nos processos de formulação das políticas públicas lo-
cais, como alternativa à crise de representatividade e do Estado de
bem-estar social. Desponta, ainda, da constante necessidade de rea-
valiar as reais demandas da população, por meio das relações entre
governo e sociedade, na busca de alternativas para o desenvolvimen-
to no plano local2. Observa-se que a participação cidadã não apenas
desenvolve a consciência crítica, mas faz com que os participantes

1
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2
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224 218
Orçamento participativo nas cidades brasileiras
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

dessas experiências conheçam melhor a forma de gerenciamento do


Estado, além de gerir com mais transparência os recursos públicos.

Direito à cidade

É no plano local que se encontram as maiores oportunidades de


escolhas em termos de políticas públicas, bem como onde se apre-
sentam as maiores vantagens para a participação dos atores sociais.
É justamente essa proximidade entre governo e sociedade civil que
facilita a compreensão das necessidades e prioridades locais. Diante
dessa cena, apenas com a integração do planejamento e participação
popular será possível constituir os ajustes necessários para que haja
um equilíbrio entre as expectativas dos cidadãos e a oferta de ser-
viços do poder público.
Ao analisarmos a redemocratização do Estado brasileiro, pode-
mos verificar a existência de três importantes dispositivos legais
que regulam e legitimam a participação popular na gestão pública: a
Constituição Federal de 1988; o Estatuto da Cidade; e a Lei de Respon-
sabilidade Fiscal. Falaremos de forma especial da Constituição, por
entender que, embora esta não seja ousada o suficiente no sentido
de criar a obrigatoriedade da implementação de orçamentos par-
ticipativos nos municípios, a Carta Magna representou um divisor
de águas para a participação popular no poder local, ao instituir os
Conselhos Municipais e por prevê ainda a prestação de contas da ad-
ministração pública.

O marco legal da Constituição de 1988

duação em Administração, Escola de Administração, Universidade Federal da Bahia,


Salvador, 2011.

219 225
Renato Luz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Na realidade da precoce democracia brasileira, a Constituição Fe-


deral de 1988, também conhecida como Constituição cidadã, é um
marco histórico para os estudos de participação e controle social.
Visto que, antes desta, nenhum mecanismo legal reconhecia o povo
brasileiro como verdadeiro soberano, estabelecendo raízes democrá-
ticas na organização política, social, econômica e fundiária, além de
promover a garantia do fortalecimento da cidadania.
No período que antecedeu a Constituição cidadã, verificou-se que
a administração pública brasileira era pautada pelo viés da centrali-
zação decisória e financeira na esfera federal, cabendo aos Estados
e Municípios a execução dessas políticas. Após quase duas décadas
sem qualquer possibilidade de ação coletiva e revitalização da vida
política para além dos partidos políticos, a convivência com o novo
cenário de participação popular contagiou os analistas e a maioria
dos movimentos sociais na década de 1980.
A participação política não eleitoral é uma característica das
sociedades democráticas, nas quais a participação é um sinal mar-
cante de uma sociedade viva, que vê a política como espaço plural.
No nosso país, a discussão sobre a temática toma corpo no momen-
to de declínio do regime militar e se prolonga até o final da década
de 80, quando os arranjos institucionais do embrião democrático
passam a ser instituídos. A liberação do regime democrático com o
afrouxamento das medidas de repressão permitiu a emergência de
novos atores no cenário político, tais como o novo sindicalismo e o
movimento organizado dos bairros, principalmente na periferia das
grandes cidades, além de ações da Igreja católica libertária3 nas Co-
munidades Eclesiais de Base (CEB).

3
As Comunidades Eclesiais de Base (CEB) são comunidades inclusivistas ligadas
principalmente à Igreja Católica que, incentivadas pela Teologia da Libertação, se
espalharam principalmente nos anos 1970 e 80 no Brasil e na América Latina. Con-
sistem em comunidades reunidas geralmente em função da proximidade territorial
e de carências e misérias em comum, compostas principalmente por membros in-
satisfeitos das classes populares e despossuídos, vinculadas a uma igreja ou a uma
comunidade com fortes vínculos, cujo objetivo é a leitura bíblica em articulação com

226 220
Orçamento participativo nas cidades brasileiras
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Para Weffort (1986) , vivia-se, em 1988, um momento de rein-


venção da sociedade civil. Os movimentos sociais deram origem a
experiências participativas marcantes no período como: a Assem-
bleia do Povo em Campinas no ano de 1979; os Conselhos de Saúde
da zona leste de São Paulo, em 1979; o Conselho Popular municipal
de Osasco, em 1980; o Conselho Popular de Vitória em 1986, além de
movimentos nacionais como os organizados em torno das propostas
de reforma sanitária urbana. A partir da década de 70, organizações
como o Banco Mundial e o Banco Internacional para Reconstrução
e Desenvolvimento (BIRD) passaram a financiar projetos que incor-
poravam em certa medida ações de participação. A ideia central para
esses setores era a possibilidade de se estabelecer os mecanismos ex-
ternos de controle sobre a burocracia estatal.
A antropóloga Ruth Cardoso (2008) elaborou na década de 80
um artigo sobre o tema, no qual chama atenção da caracterização
que o personagem do Estado estava ganhando nesse novo cenário
social com conotações exclusivas de um inimigo autoritário, na
mira contra a qual se movia a sociedade civil. Segundo Cardoso, tal
caracterização tinha um viés pobre, destacando que a mudança nos
métodos de trabalhos de alguns setores governamentais ficou esque-
cida, faltando abordar as contradições internas ao próprio Estado.
As manifestações coletivas, na forma de associações organizadas,
tornaram-se instrumento político perfeito para encaminhar deman-
das. Isto é, se constituem enquanto interlocutores importantes para
a comunicação com o Estado na condição de representante de gru-
pos profissionais ou moradores de determinada área geográfica, rua
ou bairro.
A Constituição Brasileira incorporou parte das reivindicações
dos movimentos sociais ao processo de descentralização das políti-
cas públicas e estabeleceu mecanismos de participação dos mais im-
portantes, como a instalação de conselhos gestores com composição

a vida, com a realidade política e social em que vivem e com as misérias cotidianas
com que se deparam na matriz ordinária de suas vidas comunitárias.

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Renato Luz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

mista, sendo metade dos membros representantes do Estado e a


outra metade composta por representantes da sociedade civil, com
poderes consultivos ou deliberativos. A implantação dos conselhos
gestores se iniciou na saúde, a partir da regulamentação da área sa-
nitária e se estendeu em 1990 para as áreas da criança e adolescente,
assistência social, educação, desenvolvimento rural, dentre outros.
Os conselhos de saúde, por exemplo, dispõem de papel estraté-
gico na fiscalização do orçamento destinado ao setor, mas suas pre-
rrogativas não se limitam aí. O Conselho é também o instrumento
responsável pela formulação da política publica um dos pioneiros na
utilização do conceito de sociedade civil no Brasil um dos pioneiros
na utilização do conceito de sociedade civil no Brasil um dos pio-
neiros na utilização do conceito de sociedade civil no Brasil, isto é,
a definição de prioridades e estratégias de ações e de serviços. Por
isso, não devemos desconsiderar o papel importante que prestam os
conselhos ainda que não sejam deliberativos como o OP, visto que
representam a institucionalização de mecanismos de controle social
no setor público.
Para Andrade (1993), o exercício de controle social nas instituições
públicas é o maior desafio enfrentado pelos foros de deliberação. De
modo que, para que haja efetivamente o controle social é necessário
que ocorram transformações significativas no aparato institucional
dos governos, assim como a mudança radical no padrão da relação
sociedade versus Estado.
A Constituição Federativa do Brasil, no seu primeiro artigo, já nos
apresenta a possibilidade de participação direta ao dizer que “todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes elei-
tos ou diretamente, nos termos desta constituição”:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indisso-


lúvel dos estados e Municípios e do distrito federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania

228 222
Orçamento participativo nas cidades brasileiras
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

II – a cidadania

III – a dignidade da pessoa humana

IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

V – o pluralismo político

Parágrafo Único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta consti-
tuição. (BRASIL 2019)

Embora o texto constitucional garanta ao povo exercer direta-


mente seu poder soberano por meio de plebiscito, referendo e inicia-
tiva popular legislativa, a Lei complementar n° 9709, de 18/11/98 que
regulamenta tais instrumentos no âmbito federal, na realidade, in-
viabiliza a sua prática. A legislação retira do povo parte de seu poder
soberano, na medida em que estabelece no seu art. 3º que apenas ao
Legislativo compete convocar as consultas (plebiscitos e referendos),
“mediante decreto legislativo, por proposta de no mínimo 1/3, dos
membros que compõe qualquer das casas do Congresso Nacional”
(Câmara composta por 513 deputados e Senado formado por 81 sena-
dores). Sendo assim, pela regra, cabe à população somente solicitar a
boa vontade de pelo menos 1/3 de seus representantes a devida auto-
rização para exercer o poder soberano. Tal obstáculo, oficializado na
prerrogativa do poder Legislativo, impede o exercício da democracia
de forma direta por meio de iniciativas populares.
Outro obstáculo à soberania é o número elevadíssimo de assina-
turas para encaminhar uma proposta de lei (um por cento do eleito-
rado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados). Segundo
as normas, para cada assinatura, deve-se constar ainda o número do
título de eleitor do cidadão. O ideal seria que os projetos de lei de ini-
ciativa popular tivessem prioridade em sua tramitação no Congres-
so Nacional e que uma vez aprovadas, caso viessem a ser revogadas
223 229
Renato Luz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

ou alteradas por outra lei que não fossem oriundas de iniciativa do


povo, esta última deveria ser submetida a referendo popular.
Pelo mesmo raciocínio, a alienação de bens pertencentes ao pa-
trimônio nacional; a adesão a acordos ou a tratados internacionais;
a concessão de serviços públicos; e a alienação do controle de empre-
sas estatais podem representar uma perda de soberania. Nesse senti-
do, o ideal seria que a população fosse consultada para tais decisões,
uma vez que o povo é o titular da soberania, e consequentemente do
patrimônio público. Tal dedução fundamenta-se no princípio de que
o Estado é delegado do povo e um delegado não pode resolver, pelo
soberano, questões fundamentais, que tenham apelo e consequên-
cias econômicas para toda a população por diversas gerações. A justi-
ficativa para tais consultas decorre do princípio democrático de que
os parlamentares não devem legislar em causa própria ou de inte-
resses que não sejam da população. Por essa razão, manifesta-se a
necessidade da realização de Assembleias Constituintes exclusivas
para reformas de temas complexos que impactam a todos, como as
mudanças no sistema político e tributário, por exemplo.
Passadas décadas da introdução de ferramentas de participação
popular no Brasil, os balanços realizados até aqui, revelam a manu-
tenção de práticas oligárquicas nas estruturas dos governos. A he-
rança da estrutura de dominação que marcou a formação do Estado
Nacional ainda se manifesta através das práticas de caráter tradicio-
nal patrimonialista e clientelista. Algumas avaliações sobre a compo-
sição dos conselhos de saúde, por exemplo, revelam que os gestores,
na tentativa de anular o controle social proposto pela legislação que
os institui, a modificam rompendo com o princípio da paridade em
seu funcionamento. Desse modo, em vez de se estabelecer o controle
das ações governamentais pelos conselhos gestores, realiza-se a von-
tade imperiosa dos governantes sobre a formação e funcionamento
dessas instâncias de participação.
Outro elemento a ser considerado, ainda que haja paridade
nos conselhos, é a relação orgânica, que os governantes detêm po-
liticamente, com representantes de organizações nesses espaços,
230 224
Orçamento participativo nas cidades brasileiras
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

marcados por tendências de cooptação e patrulhamento ideológico.


Nota-se que a legislação é frágil quanto ao estabelecimento de cri-
térios para a composição da sociedade civil nos conselhos e, nesse
caso, a subjetividade e discricionariedade, por meio de decreto, pro-
tegem os gestores nas escolhas de qual organização fará parte.
Faltou ousadia aos deputados constituintes que poderiam ter
contemplado como ferramenta de controle social, além da obrigato-
riedade das audiências públicas da Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) anuais, a adoção do orçamento participativo nos municípios.
As audiências realizadas em seus respectivos municípios nas casas
legislativas, não atraem a participação da população, especialmente,
pelo caráter engessado e pouco didático desses espaços.

A experiência do op no Brasil e na Bahia

Ampliar o debate sobre as possibilidades do Orçamento Partici-


pativo (OP) como ferramenta que democratiza a gestão pública e in-
tervém efetivamente na destinação de recursos públicos municipais
é o eixo que me encarrego de discutir brevemente neste trabalho. A
discussão se viabiliza por meio da análise do ciclo do OP implantado
no município de Vitória da Conquista, interior da Bahia, durante a
gestão do Partido dos Trabalhadores (PT), nos anos de 1997 a 2016. De
acordo com o levantamento bibliográfico, esse foi o maior período
histórico em que se utilizou o Orçamento Participativo entre os mu-
nicípios no Nordeste do Brasil e um dos maiores em todo o território
nacional.
Para Souza (2006, p.251), uma das vantagens de atuação da parti-
cipação popular no Orçamento é a sua função redistributiva, contri-
buindo para ampliar a oferta de serviços públicos e de oportunidades
para a população que reside nas áreas mais carentes dos municípios:

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Renato Luz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Tem a ver com uma satisfação mais completa de necessidades [...],


mas também pode ser analisada, complementarmente, enquanto
contribuição para a redução da segregação residencial, ao fazer di-
minuir as disparidades infraestruturais no interior da cidade (SOU-
ZA, 2006, p.251).

De acordo com Marquetti (2003), o efeito redistributivo pode ser


observado a medida que pleitos de habitação e pavimentação têm
sido selecionados como prioridades das cidades que adotam o OP. Se-
gundo o autor, as despesas com vias urbanas podem estar atendendo
às demandas dos cidadãos de baixa renda conforme estes recursos
públicos foram deslocados para as áreas com população mais vulne-
rável, visto que é nas cidades que a desigualdade social se expressa de
forma mais notória.
Por meio do levantamento bibliográfico realizado nessa pesqui-
sa sobre o OP e outras experiências de controle social, constatamos
que, embora já exista literatura sobre o tema, poucos trabalhos têm
demonstrado preocupação em substanciar empiricamente os efeitos
redistributivos do OP. Quando apontamos a questão do efeito redis-
tributivo, interessa-nos saber se a participação direta da população
nas discussões do orçamento municipal nos bairros direciona ou
não, os recursos e políticas públicas para grupos e áreas mais pobres
do município.
A temática tornou-se de grande relevância pelo interesse que o
OP despertou na comunidade acadêmica e no debate político, espe-
cialmente após a massificação da experiência de Porto Alegre, capi-
tal do Rio Grande do Sul. O número de cidades no país que utilizaram
o OP cresceu de forma contínua. Entre 1989 e 1992 eram 12 cidades;
entre 1993 e 1996, 36 municípios; e no período de 1997 e 2000, 103
(MARQUETTI, 2000). Na Bahia, as primeiras experiências surgem na
década de 90 como aponta a tabela abaixo.

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Orçamento participativo nas cidades brasileiras
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Tabela 1 - Municípios com Orçamento Participativo na Bahia 1989-2004

Fonte: Elaborado pelo autor. a aprtir de Instituto Pólis

Os números de adoção do instrumento aumentaram significati-


vamente após as eleições municipais de 2000, porém é possível ve-
rificar que nas últimas décadas o OP perdeu adesão em todo o país,
mesmo após a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) no plano
nacional nas eleições de 2002 .

Caracterização socioeconômica dos Bairros no OP de Vitória da


Conquista

No processo de organização do OP, um grande acerto da PMVC,


fruto das primeiras negociações entre o governo e as comunidades
227 233
Renato Luz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

locais foi a divisão da cidade em regiões, o que que propiciou uma


maior participação. Nas últimas edições, a cidade foi dividida em
quatro macrorregiões: norte, sul, leste e oeste. Em cada região, eram
realizadas em média sete plenárias. Na zona rural, as plenárias fo-
ram divididas por distritos, agrupando as comunidades mais próxi-
mas. No mapa a seguir é possível visualizar a distribuição das zonas:

Figura 1: Zona Urbana e Rural do Orçamento Participativo

Fonte: PMVC

A partir da análise dos dados socioeconômicos do município


(Censo - 2010), verificou-se que há diferenças expressivas entre as
zonas, em termos de área, população, oferta de serviços públicos,
organização política, renda, escolaridade, condições de habitação,
entre outros. Nas áreas que formam as regiões centrais também há

234 228
Orçamento participativo nas cidades brasileiras
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

diferenças, porém, há uma maior uniformidade, comparadas às de-


mais zonas do município.

Figura 2: Renda mensal média por classe salarial, por bairro - 2010

229 235
Fonte:
Clovis AtlasZimmermann
Roberto Geográfico de Vitória
- Diego Matheusda Conquista
Oliveira (2015)
de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Conforme é possível verificar no mapa do perfil socioeconômico


da zona urbana da cidade por classe salarial, os bairros do Centro,
Recreio e Candeias são as áreas que possuem o maior nível de ren-
da. Por outro lado, a região Sudoeste é a mais pobre da cidade, onde
se localizam os bairros com menor infraestrutura, tais como Jatobá,
Campinhos e São Pedro. Na caracterização socioeconômica da popu-
lação municipal, foi considerada a análise das seguintes variáveis:
distribuição territorial, perfil etário, nível de renda, escolaridade,
condições de saúde, habitação e saneamento. Marquetti (2003), tra-
dicionalmente, adotou esta metodologia, na qual se emprega vários
indicadores de pobreza para realizar a análise do efeito redistribu-
tivo do OP. Cabe ressaltar que os bairros não são homogêneos sob
vários aspectos e que a análise por bairro propicia ao pesquisador o
delineamento do perfil médio de cada um deles.
Na análise dos indicadores foi possível verificar que, mesmo na
zona rural do município, há diferenças significativas entre as re-
giões. Ressalta-se que a carência de serviço ou infraestrutura na re-
gião, bem como a prioridade temática da região face àquelas escolhi-
das pela cidade como um todo, associam-se positivamente com seu
respectivo grau de pobreza (MARQUETTI, 2003).

Figura 3: Perfil Socioeconômico por distrito

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Fonte: Atlas Geográfico de Vitória da Conquista (2015)

No que tange às características socioeconômicas, o município


de Vitória da Conquista se assemelha ao padrão existente em outras
cidades do Brasil. Constatou-se, em sua parte mais central e no su-
deste, uma vasta área ocupada por residências horizontais e verti-
cais, nas quais os indicadores socioeconômicos indicam padrões de
vida associados às camadas média e alta da população. Os demais
bairros, na medida em que se distanciam dessa grande área, demons-
tram, progressivamente, uma leve queda no perfil socioeconômico
da população residente, alcançando os piores índices nos bairros
limítrofes do perímetro urbano, formando extensas manchas de po-
breza no território do município, especialmente nos bairros citados
anteriormente.
Da população residente na cidade com cinco anos ou mais, apenas
17% não são alfabetizados. O valor médio percentual de moradores
alfabetizados em cada bairro é de 77,3 %, contudo, há contrastes no
índice de alfabetização entre os bairros. No Bairro Candeias, o mais
nobre da cidade, quase 100% da população é alfabetizada; já no Air-
ton Senna, pouco mais da metade da população (51%) é alfabetizada.
Quanto à população, também se registraram contrastes. De acor-
do com o Censo Demográfico (IBGE-2010), 274.739 habitantes do
município de Vitória da Conquista moravam em zonas urbanas4. A
cidade de Vitória da Conquista tinha, nesse período, uma população
de 260.260 habitantes e, juntas, as vilas tinham 14.479 habitantes.
Observa-se que em alguns bairros da cidade há uma concentração
maior de domicílios e que em alguns casos, essa concentração se
dá em virtude da pequena área de loteamentos, gerando um maior
número de residências em áreas menores. Importante ressaltar que
embora no imaginário popular muitos loteamentos e vilas, como o
Vila América, sejam considerados bairros, a caracterização do IBGE

4
Consideram-se zonas urbanas as cidades (área da sede municipal) e as vilas (que são
as sedes distritais ou áreas urbanas isoladas).

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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

e o ordenamento dos cadastros da Empresa Brasileira de Correios e


Telégrafos (ECT - CORREIOS) nos apresentam apenas 24 bairros.
Ressalta-se que o processo de verticalização é o principal respon-
sável pelo agrupamento residencial. Nos bairros mais próximos ao
Centro, por exemplo, como o Alto Maron, Brasil, Candeias e Patagô-
nia, há um número de habitantes muito superior ao das demais re-
giões. Nota-se que o Bairro Patagônia é o que concentra o maior nú-
mero de domicílios, seguido pelos bairros Zabelê e Brasil. Registra-se,
para fins do nosso estudo, que de acordo com Marquetti (2003) há
uma tendência estatística das regiões populosas receberem um volu-
me per capita de investimento menor do que as regiões com menor
número de habitantes no processo do OP.
A área do Centro reúne atividades econômicas ligadas ao comér-
cio e ao segmento de serviços. Entre os bairros do Recreio e o Centro,
localiza-se uma das áreas mais valorizadas da cidade, apresentando
um misto de residências e clínicas especializadas na área de saúde.
Nas áreas Norte, Nordeste e Noroeste, limitados pelo Parque da Se-
rra do Periperi, predominam o uso industrial e as áreas de sítios. Em
direção ao centro, há um agrupamento de uso residencial de baixo e
médio padrão, verificados no Cruzeiro e Alto Maron, com algumas
áreas de uso misto, próximas à feira livre. Verificam-se, ainda, resi-
dências de médio padrão na parte oeste do Bairro Cruzeiro (ROCHA,
A. A. e FERRAZ, 2015).

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Orçamento participativo nas cidades brasileiras
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Figura 4 Padrões de Habitação de Vitória da Conquista

Fonte: PMVC 2007

As áreas da zona oeste da cidade apresentam uso residencial com


predomínio horizontal de médio e baixo padrão, correspondendo
principalmente aos bairros mais populosos que representam, sozin-
hos, quase metade da população da zona urbana (Brasil, Ibirapuera,
Zabelê e Patagônia). Nessa área de segregação socioespacial a região
do Zabelê destaca-se por abrigar um dos poucos equipamentos pú-
blicos de notável importância não instalados nas regiões do centro

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Renato Luz Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

da cidade e do Candeias. Trata-se do Instituto Federal de Educação


(IFBA).
No Bairro Brasil, que surgiu às margens da atual BR-116 (então es-
trada de rodagem Rio – Bahia), observa-se um subcentro de comércio
e serviços próximo à feira livre do bairro. O Oeste extremo tem pou-
ca diversidade de usos. Destacam-se as áreas de pouca densidade no
São Pedro e Bateias com habitações de baixo padrão.
Na área Sudoeste, há predominância do perfil socioeconômica
mais vulnerável da zona urbana do município. Há uso residencial
de médios e baixos padrões horizontais. Exibe também significativa
ocorrência de vazios urbanos. Verifica-se incidência de uso misto -
residencial e industrial - com a presença de fábricas de produtos de-
rivados da mandioca (ROCHA e FERRAZ, 2015, p.120).
Os bairros do eixo sul são as áreas que contaram com maior cres-
cimento imobiliário na última década. Apresentam uso residencial
horizontal de médio e baixo padrão. De forma curiosa, contrastam
algumas áreas de uso residencial de médio e alto padrão com condo-
mínios e novos loteamentos do mesmo segmento, próximos de áreas
de perfil mais popular, como é o caso do Vila América. Estão loca-
lizados em bairros desse eixo grandes equipamentos de uso públi-
co, como o Terminal Rodoviário e o Hospital Regional de Vitória da
Conquista; além do primeiro Shopping do município que atrai, desde
2006, diversos empreendimentos para a região.
O eixo sudeste apresenta predominância de ocupação residencial
horizontal e vertical, principalmente de médio e alto padrão. Agrupa
áreas verticalizadas no Bairro Recreio e no Bairro Candeias. A renda
média familiar no Candeias chega a ser sete vezes maior do que a
de algumas áreas do município (Gráficos 9 e 10). Constata-se nessa
região a incidência de equipamentos públicos, como o parque de ex-
posições, escolas, estádio e instituições de ensino superior, como o
campus da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), cursinhos, sede do Serviço
Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e um novo shopping
de alto padrão. A principal avenida do bairro, a Olívia Flores, expõe
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Orçamento participativo nas cidades brasileiras
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

uma ocupação mista de comércio, serviços e residências de médio e


alto padrão (ROCHA e FERRAZ, 2015, p.120). Ironicamente, na mesma
avenida também estão localizados o Centro Municipal de Atenção
Especializada (CEMAE), equipamento de referência de saúde públi-
ca que possui mais de 26 especialidades médicas, com atendimento
diário de pacientes, a maioria carentes; a Justiça do Trabalho; o Tri-
bunal Regional Eleitoral (TRE-BA); o Tribunal Regional do Trabalho
da 5ª Região (TRT5) e o Fórum do Tribunal de Justiça do Estado da
Bahia (TJ-BA).
No eixo leste, a ocupação é residencial, tanto horizontal como
vertical, de médio e alto padrão. Pode-se dizer que essa zona apresen-
ta multiplicidade de usos, não sendo identificada a concentração de
comércio e serviços (ROCH e FERRAZ, 2015, p.120).
Como descrito nesta breve síntese, é visível que a forma como são
distribuídos os equipamentos públicos no município, ainda contri-
bui para os contrastes sociogeográficos no território. Visto que, seria
mais adequado que equipamentos públicos, como os de marcação e
prestação de serviços de saúde, não estivessem localizados em áreas
nobres a serviço da especulação, mas sim nas proximidades dos efe-
tivos usuários, ou seja, os trabalhadores em geral e, em particular, os
de baixa renda (SANTOS, 2014, p.154).

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

O tecido associativo e a transformação


política:
o caso do Território do Sisal no estado da
Bahia-Brasil

Edinusia Moreira Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva

Introdução

No Brasil contemporâneo é bastante relevante o debate sobre a


luta do conjunto de trabalhadores, historicamente excluídos das be-
nesses da modernização capitalista, para diminuir as desigualdades
253
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Edinusia Moreira Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

de renda e garantir a geração de oportunidades da participação am-


pla na política e, principalmente, diminuir as disparidades no acesso
aos cargos de mando no contexto da política e da gestão pública.
Nas últimas duas décadas temos investigado e acompanhado, a
partir de um foco prioritário no associativismo, a luta de trabalhado-
res rurais do Território do Sisal no estado da Bahia (Brasil) para am-
pliar as possibilidades de acesso às riquezas geradas no contexto da
economia sisaleira. É importante ressaltar que o espaço sisaleiro se
diferencia, no contexto do semiárido baiano, justamente em função
da implementação e organização de um espaço produtivo em torno
da produção da planta xerófita Agave Sisalana, cuja fibra permite a
fabricação de fios, cordas, tapetes e carpetes, capaz de gerar renda
para diversos agentes que dela participam, a exemplo de proprie-
tários de terra, donos de indústrias que produzem as cordas de sisal
e trabalhadores da zona rural que fazem a colheita, o primeiro bene-
ficiamento, além de uma grande quantidade de outros empreendi-
mentos, principalmente nas cidades pequenas do território, que se
mantém a partir da renda gerada pelo trabalho realizado com o sisal.
Precisamos destacar que no processo de organização desse es-
paço sisaleiro.ao mesmo tempo em que foram gerados empregos
para uma grande massa de trabalhadores, foi gerado também uma
grande concentração de renda, que gestou uma pequena elite ligada
à cadeia produtiva do sisal, obviamente os proprietários de terra e os
industriais que, articulados ao poder político e a um amplo auxílio do
poder público a partir de projetos e programas de incentivo à lavoura
sisaleira, criaram uma estrutura extremamente desigual, historica-
mente baseado em processos onde o coronelismo, o patrimonialis-
mo e o clientelismo estiveram presentes, embora, nos espaços onde
a modernização capitalista se materializou com a incorporação de
novas tecnologias, tal desigualdade esteve maquiada e associada a
outras estratégias de exploração dos trabalhadores.
A partir da década de 1990 verificamos uma ampliação da ação
mais sistematizada da classe trabalhadora, dos agricultores familia-
res e dos pequenos proprietários de terra que ficaram à margem da
254 248
O tecido associativo e a transformação política
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

riqueza gerada, que ficaram à margem da tomada de decisão e que fi-


caram à margem de acessar os cargos de mando, principalmente nas
prefeituras municipais, de tal forma que verificamos uma ampliação
do associativismo, do cooperativismo, da articulação de entidades
em redes, que foram capazes já de abalar as velhas estruturas oligár-
quicas. Assim, o que as nossas pesquisas vêm evidenciando é que já
há uma influência direta do associativismo nestas relações de poder,
principalmente do poder local, que tem resultado na reestruturação
da relação dos trabalhadores com o poder público, de tal forma que
já é possível demonstrar que o associativismo é sim uma chave para
o enfrentamento das situações de desigualdade econômica, social e
principalmente política. Portanto, neste artigo apresentamos uma
caracterização sintética do Território do Sisal, da cadeia produtiva
que nos permite analisar as relações que se estabeleceram no campo
da política e do uso dos recursos públicos desde a década de 1940 até
movimentos de ruptura no início dos anos 1990 e como tecido asso-
ciativo foi ampliado no Território do Sisal nas últimas décadas.
Articulamos estes elementos, buscando apresentar nossos argu-
mentos de como o tecido associativo tem sido elemento chave na
transformação social e na luta por novos direitos, tanto para os agri-
cultores familiares quanto para os pequenos proprietários de terra
que vivem no universo rural do Território do Sisal.

O Território do Sisal: breve histórico do cultivo da agave


sisalana na Bahia e caracterização da cadeia produtiva.

O agave sisalana é um vegetal xerófito, típico da península de


Yukatan no México e foi trazido para a Bahia no início do século XX
por Horácio Urpia Júnior (PINTO, 1969). No espaço hoje conhecido
como Território do Sisal ocorre o processo produtivo para extração e
beneficiamento da fibra desse vegetal como atividade econômica de

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Edinusia Moreira Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

base; esse processo é desenvolvido inicialmente na zona rural, mas


também possui uma fase de beneficiamento que ocorre nas cidades.
De acordo com documento oficial publicado pela Superintendên-
cia de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), órgão vinculado
a Secretaria do Planejamento do Governo do Estado:

O Território de Identidade Sisal está localizado no Nordeste Baiano,


entre as coordenadas aproximadas de 9°57’ a 11°59’ de latitude sul e
38°31’ a 40°3’ de longitude oeste, ocupando uma área de 20.405 km2
[...]. É composto administrativamente pelos municípios de Araci, Ba-
rrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiú-
ba, Lamarão, Monte Santo, Nordestina, Queimadas, Quijingue, Reti-
rolândia, Santaluz, São Domingos, Serrinha, Teofilândia, Tucano e
Valente. [...] O território faz parte da área de abrangência do Semiári-
do, e todos os municípios estão inseridos na Região Semiárida. [...]
Predomina o clima semiárido, com pluviometria variando entre 400
mm e 500 mm e chuvas de primavera/verão (SEI, 2016. p. 227).

Desses vinte municípios que administrativamente compõe o Te-


rritório 18 são cidades pequenas extremamente articuladas aos seus
entornos rurais imediatos, a exceção são os municípios de Conceição
do Coité e Serrinha, cuja sede é uma cidade média1. Além disso, nesse
referido documento a SEI ainda destaca que: “Conceição do Coité e
Serrinha são os maiores representantes da atividade industrial no
território, tendo a fabricação de calçados e o beneficiamento do sisal
(fibras têxteis) como destaques” (SEI, 2016. p. 229).

A denominação Território do Sisal, em substituição a tradicional


Região Sisaleira, origina-se nas novas propostas de políticas territo-
riais adotadas pelo Estado brasileiro a partir de 2003, com a criação
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CON-

1
Sobre esses aspectos elaboramos um trabalho recente que resultou no livro inti-
tulado A cidade pequena na interface urbano-rural: um olhar sobre o Território do
Sisal, publicado pela editora Consequência (2022), que aborda mais detalhadamente
as cidades do Território e suas amplas imbricações com o espaço rural.

256 250
O tecido associativo e a transformação política
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

DRAF), e no ano seguinte, com a implantação do Programa Nacional


de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais (PNDSTR), no
âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Ainda com relação a caracterização do Território do Sisal, elabo-


ramos uma proposta de periodização2 da história do cultivo de sisal
na Bahia e aqui apresentaremos uma breve síntese, com o objetivo
de situar nosso leitor que eventualmente não conhece o Território
do Sisal.
O primeiro período denominamos de gênese da lavoura sisaleira
e vai do início do século XX até o início da década de 1940. É nessa
época que chega à Bahia os primeiros bulbilhos de sisal e a transfor-
mação do plantio de ornamental (cerca viva) em lavoura comercial
para obtenção de fibra. Em seguida delimitamos o período que deno-
minado de constituição do sistema produtivo do sisal. Este se esten-
de do início da década de 1940 até o final da década de 1950 e marca
a consolidação das lavouras, a instalação de unidades de beneficia-
mento e o amplo incentivo ao plantio de sisal, pelo então governador
da Bahia Landulfo Alves.
Uma vez implantada e consolidada ocorreu um período de ampla
expansão. Esse foi o período que denominamos de apogeu do ouro
verde do sertão. As décadas de 1960 e 1970 se caracterizam pela am-
pliação do sistema montado para exportar sisal. Podemos dizer que
nessas décadas “todos os caminhos”, relacionados à lavoura do sisal,
“levavam ao porto de Salvador”, porta de saída da fibra para o mun-
do. Entre 1960 e 1970 a área plantada se amplia gradativamente, sain-
do de 58.853 hectares, em 1960, para 268.429 hectares em 1970, pico
registrado para área plantada. Já a produção em toneladas tem cres-
cimento constante chegando à marca de 280.000 toneladas em 1970.
No entanto, na década de 1980 a cadeia produtiva do sisal vive um
período de forte crise, a década perdida do sisal, quando verificou-se

2
Para aprofundamento sobre o tema recomendamos o nosso artigo intitulado Sisal
na Bahia – Brasil, publicado na Revista Mercator (ver referencia bibliográfica).

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Edinusia Moreira Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

queima de sisalais, ampla redução da produção e da produtividade e


queda no preço da fibra no mercado internacional. De início, a crise
foi atribuída à concorrência com as fibras sintéticas, depois consta-
tou-se que a ampla idade dos sisalais, a difusão de doenças, a inade-
quada manutenção dos campos, aliadas à fortes quedas nos preços
internacionais, mergulharam o cultivo do sisal numa ampla crise. O
debate sobre a crise, a partir da década de 1990, gerou uma ampla
articulação entre o Estado, as empresas e a sociedade civil organiza-
da para buscar soluções. De posse de um diagnóstico mais preciso,
a partir da década de 1990, período de reestruturação, assistimos a
uma ação conjunta de pequenos produtores de sisal e dos governos
Estadual e Federal no sentido de buscar soluções para os problemas
identificados e desenvolver alternativas. A reestruturação do início
da década de 1990 também foi impulsionada pela organização de pe-
quenos proprietários de terra associado à ação de empresários que
viram novas possibilidades com a ampliação do discurso ambiental.
Nessa reestruturação, teve papel importante a Associação de Des-
envolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira da Bahia
(APAEB - Valente), a qual conseguiu implantar uma indústria de ta-
petes e carpetes no município de Valente e elevar gradativamente o
preço do quilo da fibra. Os dados que coletamos ratificam a década
de 2000 como período de ampliação, tanto da produção quanto da
área plantada, pois em 2010 a Bahia possuía 252.224 hectares plan-
tados e produziu 237.397 toneladas de fibra, números que se aproxi-
mam daqueles obtidos nos anos das décadas de 1960 e 1970.
Atualmente, o cultivo de sisal está sendo ampliado. Assistimos
a uma revalorização dos preços pagas pelo quilo de fibra, uma am-
pliação das plantações e uma valorização do valor pago pelo trabal-
ho nos campos de fibra. Argumentamos que o sisal seguirá ainda
por várias décadas a ser o produto base da economia do Território
do Sisal, uma vez que os sisalais são produtivos por pelo menos 30
anos. Passamos então a uma caracterização sintética dessa cadeia
produtiva.

258 252
O tecido associativo e a transformação política
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

O sisal, é uma planta xerófita perfeitamente adaptada às con-


dições de semiaridez, e produz, a partir da folha da planta, uma fibra
resistente, de múltipla funcionalidade e aplicações variadas, que vão
desde a fabricação artesanal de fios e cordas, passando pela indus-
trialização do fio para obtenção de tapetes e carpetes, até o uso em
componentes mais complexos principalmente com a função de re-
vestimento com fibra vegetal, a exemplo das mantas de sisal. Por essa
característica o plantio de sisal é capaz de desencadear um amplo
processo, tanto rural quanto urbano, que estrutura uma cadeia pro-
dutiva geradora de riquezas.
No que se refere especificamente a organização do processo pro-
dutivo do sisal Santos (2010) propõe subdividir em fase rural e ur-
bana. De acordo com a referida autora o sisal passa pelo primeiro
beneficiamento na zona rural em propriedades que destinam parte
das terras para o plantio de campos de sisal.
O ciclo produtivo se inicia com o plantio dos campos de sisal. Ain-
da hoje esses campos são plantados de forma tradicional, ou seja,
praticamente do mesmo modo que se fazia nas décadas de 1940 e
1950, com plantas enfileiras e espaçamento entre filas. Atualmente,
os produtores incorporaram o hábito de adubar o campo com resí-
duo orgânico oriundo do próprio processo de desfibramento aliado
ao hábito de fazer uma limpeza do campo, retirando plantas em ex-
cesso e/ou atacada por doenças.
Já o processo de desfibramento tem inicio com o corte da folha.
Uma vez cortadas, as folhas das plantas (popularmente conhecidas
como palhas) são desfibradas nas máquinas paraibanas (um conjun-
to articulado de lâminas de corte associado a um motor a diesel) e es-
tendidas ao sol. Em SANTOS, SILVA e ARAUJO (2010), encontramos
uma caracterização desse processo, inclusive associado a uma iden-
tificação dos postos de trabalho e características dos trabalhadores,
a saber:

a) o cortador retira (colhe) as folhas e empilha na lateral do campo;

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Edinusia Moreira Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

b) o botador recolhe os montes de palha de sisal que foram organiza-


dos pelo cortador e coloca em cangalhas com ganchos apropriados
para o transporte das folhas do local de corte até o motor, realizado
por jegue. Ao chegar no motor, o botador de folhas retira as folhas
dos ganchos e deposita na banca do motor;

c) o cevador executa o principal passo do processo de beneficiamen-


to, é o trabalhador responsável por desfibrar o sisal, nas lâminas afia-
das do ‘motor’ ou máquina paraibana; cabe ressaltar que encontra-se
muito exposto à mutilação;

d) o resideiro fornece as folhas ao cevador e retira o resíduo, origina-


do no processo de desfibramento, depositando-o numa pilha a céu
aberto, geralmente localizado a poucos metros do motor. É comum
que alterne de função com o cevador, geralmente combinando-se o
turno (manhã e tarde);

e) a estendedeira transporta a fibra do motor para a área onde é es-


tendida em varais de arame. Pode-se destacar, ainda, que as funções
de botador e estendedeira são exercidas, muitas vezes, por mulheres
e até por crianças, inclusive gerando o clássico problema do trabalho
infantil, que ainda hoje persiste na região, mesmo já com a existên-
cia do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI (SAN-
TOS, SILVA e ARAUJO, 2010, p. 8).

Assim, o que estamos denominando de 1º beneficiamento é a


transformação da palha em fibra, que depois da secagem em varal
(campo de fibra) é transportada para as cidades, onde recebe o 2º
beneficiamento nas batedeiras (unidades industriais que alisam e
selecionam as fibras de sisal). Da batedeira, a fibra sai pronta para
ser vendida como matéria-prima para outras regiões brasileiras e/ou
para o mercado externo.
A exportação ainda é o maior destino da fibra de sisal produzi-
da no semiarido baiano, no entanto, parte da fibra pode também
ser novamente beneficiada nos próprios espaços produtores (3º
260 254
O tecido associativo e a transformação política
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

beneficiamento), resultando na confecção de cordas, fios, mantas,


tapetes, peças de artesanato, entre outros. É importante ressaltar que
a cadeia produtiva do sisal gera também um intenso ciclo de trans-
porte que utiliza o jegue, a carroça de burro, carros menores do tipo
pick-up, caminhões e carretas.
A partir dessas ações da cadeia produtiva, são produzidos espaços
específicos diretamente articulados ao sisal e que se articulam a ou-
tros que dão suporte logístico a produção capitalista mundial. Ou
seja, redes se constituem, lugares se especializam e as relações entre
agentes gestam territórios, onde o poder está concentrado nas mãos
de uma elite que articula o lucro gerado pela cadeia produtiva do si-
sal com o poder político, pois não é incomum que os empresários do
sisal assumam cargos públicos, como os de vereadores, prefeitos e
deputados.

A ampliação da desigualdade: concentração de capital e


poder político

A riqueza acumulada desde a consolidação da cadeia produtiva


do sisal foi fortemente concentrada nas mãos de uma pequena elite
que impulsionou novas ações de ampliação da indústria e dos me-
canismos de exportação de sisal. A Bahia se tornou um dos maiores
exportadores mundiais da fibra, vendendo em dólar para empresas
estrangeiras e mantendo o preço do quilo da fibra a um nível sufi-
ciente para remunerar o proprietário da plantação e o comerciante
de sisal, e o mínimo para garantir a sobrevivência dos trabalhadores
que atuam no seu beneficiamento, os empresários ampliaram forte-
mente a infraestrutura industrial. No entanto, pagava-se ao trabal-
hador assalariado do sisal um preço miserável, uma vez que esse sa-
lário é definido pelo quilo de fibra produzida, o que contribuiu para
a construção do discurso que defendia não ser possível remunerar
adequadamente os milhares de trabalhadores.
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Edinusia Moreira Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

A fase de apogeu do sisal gerou a prosperidade de uma pequena


elite à custa da miséria e gradativa pauperização do trabalhador.
Assim, identificamos a já conhecida contradição entre crescimento
econômico e manutenção de altíssimos índices de desigualdade que
gera a miséria da maioria. Com o sistema produtivo do sisal isso não
foi diferente. Estima-se que entre 700 a 800 mil trabalhadores che-
garam a trabalhar no processo produtivo; para eles e suas famílias, a
prosperidade dos sisalais nunca foi traduzida em benefícios efetivos.
Essas duas “décadas de ouro” do sistema produtivo do sisal gera-
ram uma riqueza concentrada e a constituição de uma elite sisaleira
influente na política, pois os empresários do sisal tornaram-se pre-
feitos nos municípios que já existiam e naqueles que foram sendo
emancipados em função da influência que esses donos de empresas
detinham junto ao governo estadual. Além disso, essa “fusão” – poder
político e econômico – perpetuou esses grupos no poder por várias
décadas. Sobre esse aspecto apresentamos alguns exemplos:
# Família Rios, em Conceição do Coité – liderada pelo político e
empresário do sisal Hamilton Rios de Araujo, que esteve no poder
com o próprio Hamilton Rios como prefeito do município. Esse gru-
po político elegeu vários deputados estaduais a exemplo de Emério
Reseda e Tom Araujo (filho de Hamilton Rios). Na eleição municipal
de 2012, o grupo político da família Rios perdeu a eleição para um
candidato de oposição, um funcionário público filiado ao Partido dos
Trabalhadores (PT). Após 8 anos de gestão do PT o grupo político liga-
do a família Rios ganhou novamente a eleição e está no comando da
prefeitura municipal. A manutenção do poder econômico e político
é evidente, pois a Hamilton Rios Ind. Com. e Exp. Ltda, instalada na
cidade de Conceição do Coité, e apontada como a principal exporta-
dora da fibra de sisal no Brasil.
# Família Carneiro, nos municípios de Valente e São Domingos,
e família Pinheiro, em São Domingos – liderada por Florisvaldo Car-
neiro (Deputado Estadual por dois mandatos). A família Carneiro e
seus aliados possuiram empresas de sisal e comandaram a prefeitu-
ra de Valente. O próprio Florisvaldo Carneiro foi prefeito e trabalhou
262 256
O tecido associativo e a transformação política
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

fortemente, quando deputado estadual, pela emancipação do muni-


cípio de São Domingos, a qual ocorreu em 1989. Nesse mesmo ano, a
família Carneiro perdeu a eleição em São Domingos para a família
Pinheiro, liderada pelo então empresário do setor do sisal Izaque
Pinheiro, que se tornou o primeiro prefeito do município. Essa famí-
lia só perdeu o poder na última eleição de 2020, inclusive contando
com mandatos de Izaque Junior (filho de Izaque Pinheiro). Ambas as
famílias possuem empresas beneficiadoras de sisal; inclusive, a famí-
lia Carneiro possuiu uma fábrica de fios e outra de mantas, ambas
localizadas em São Domingos. Não para a nossa surpresa, a família
Pinheiro perdeu a eleição para Ilário Carneiro (filho de Florisvaldo
Carneiro) e a prefeitura municipal continua a ser comandada por
um grupo político ligado as velhas oligarquias locais.
# Família Martins, no município de Retirolândia – liderada pelos
irmãos Adevaldo Martins e Adelídio Martins (ambos tiveram man-
datos de prefeito). Essa família comandou a prefeitura municipal em
vários mandatos, só perdendo o poder em 2016. Possuem indústrias
de fios e trabalham com sisal há muitas décadas.
Assim, essa elite política e econômica, cujos tentáculos se espal-
haram por todo o espaço sisaleiro da Bahia, construiu um discurso
de pertencimento a Região Sisaleira, o qual foi absorvido pela popu-
lação dos municípios. O discurso de defesa dos interesses “do sisal”
se generalizou como defesa dos interesses de todos, principalmente
em relação ao governo estadual. Esses são exemplos de como o domí-
nio político e econômico criou nos municípios sisaleiros um sistema
desigual e concentrador cujo resultado é a miséria de milhares de
trabalhadores que só foi amenizada com o Programa Bolsa Família.
Diante desse quadro cruel de miséria e desigualdade foram justa-
mente os pequenos proprietários de terra, os agricultores familiares
que se moveram, que se engajaram na luta contra o trabalho infantil,
o analfabetismo, o desemprego, a desassistência do poder público
e principalmente, contra um discurso que justificava a miséria da
maioria da população trabalhadora em função do clima semiárido,

257 263
Edinusia Moreira Carneiro Santos e Onildo Araujo da Silva
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

da seca e/ou dos desígnios de Deus. O caminho escolhido para a luta:


associativismo.

O associativismo no Território do Sisal e a luta contra as


desigualdades econômicas e políticas

A história das associações no Território do Sisal é marcada pela


busca de formas para melhorar a vida dos associados. A maior parte
das associações são produtivas ou comunitárias, que são entidades
focadas na promoção de melhor qualidade de vida, de melhores con-
dições de trabalho e sobrevivência de quem é associado. A tabela 1
ilustra o quanto é amplo o tecido associativo e nos fornece um indí-
cio do quanto é relevante a ação dessas entidades em cada município
do Território do Sisal.

TABELA 1 :NÚMERO DE ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS


REGISTRADAS NOS CARTÓRIOS DOS MUNICÍPIOS DO TERRITÓRIO
DO SISAL. ESTADO DA BAHIA. 2009.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

O tecido associativo e a transformação política

Fonte: Listas dos cartórios de registro de imóveis dos municípios do Território do


Sisal. Elaboração: Equipe GEOMOV/UEFS.

É importante destacar que, para além da quantidade de entida-


des registradas em cartório, também identificamos ampla parti-
cipação dos representantes das associações no contexto das suas
comunidades.
Em relação à participação dos representantes, durante a nossa
investigação, perguntamos aos presidentes das associações se al-
gum integrante da diretoria participava em outras formas coletivas
de organizar a comunidade para tomar decisões sobre questões im-
portantes, sejam elas institucionalizadas ou não. Os dados coletados
indicaram forte participação em conselhos municipais e partidos
políticos.
No que se refere aos conselhos argumentamos que a ideia de par-
ticipar de um conselho, que pode fiscalizar e até mesmo regular a
ação estatal, é relativamente nova no Brasil. Nos pequenos municí-
pios do interior da Bahia, por exemplo, é comum que os conselhos
sejam organizados contando com forte influência dos prefeitos. No
entanto, a presença de representantes de associações já tem influen-
ciado a qualidade da interação da sociedade civil com o poder pú-
blico, principalmente o municipal. Assim, o representante da asso-
ciação acaba revestido de maior força política, pois fala com o aval de
quem representa um coletivo organizado.
Através da análise dos dados apresentados na figura 2 percebe-se
a significativa participação de representantes das associações nos
conselhos municipais. Embora a maior participação seja ainda nos
conselhos que envolvem diretamente a execução das atividades das
associações, como, por exemplo, os Conselho de Desenvolvimento
Municipal (CDM), o Conselho Municipal de Desenvolvimento Ru-
ral (CMDR) e o Fundo Municipal de Apoio Comunitário (FUMAC), já
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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

identificamos uma significativa participação em outros conselhos


que não estão articulados diretamente a ações específicas dessas
mesmas associações, o que ratifica a ampliação da influência das en-
tidades, principalmente nos pequenos municípios.
Além disso, constatamos que em dezessete dos vinte municípios
do Território do Sisal existem representantes de associações que par-
ticipam dos Conselhos Municipais de Saúde. No geral são 41 repre-
sentantes nesses conselhos de saúde, o que o coloca como o terceiro
conselho na lista de participação. Isso expressa uma preocupação
diferenciada com a saúde. O conselho de saúde é o melhor exemplo
da ampliação da participação. Aparecem também, com menor ex-
pressão, mas já de forma significativa, a participação em outros cin-
co conselhos, como demonstrado na figura 2.

Mesmo que consideremos esse processo como ainda inicial, pois


a participação não se generaliza pelos outros conselhos, ele é um in-
dício de que tem se ampliado a preocupação das pessoas com a mel-
horia das condições de vida da comunidade, e isso acaba por fazer
com que esses representantes estejam presentes nos mais variados
espaços onde se discute a organização da ação do poder público mu-
nicipal e dos diversos setores da vida política e social.
Já no que se refere a participação em partidos políticos podemos
argumentar que nos municípios que compõem o Território do Sisal,
território totalmente inserido no semiárido brasileiro, é muito co-
mum que a dinâmica política esteja fortemente articulada à cadeia
produtiva do sisal, o que constituiu uma elite capaz de se perpetuar
no poder público municipal por longos anos. São famílias que cons-
truíram uma oligarquia que usou amplamente processos já clássicos
no Nordeste brasileiro, como o clientelismo político, o assistencia-
lismo e o coronelismo. Sobre esse aspecto, Silva (2012), ao tratar das
relações entre política e economia no Território do Sisal, argumenta
que:

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O tecido associativo e a transformação política
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Em vários municípios, como Valente, São Domingos, Retirolândia e


Conceição do Coité, por exemplo, grupos políticos ligados aos empre-
sários do sisal comandaram as prefeituras por 20 a 30 anos seguidos.
Nesses casos, a elite econômica confunde-se com a elite política, e o
poder público municipal pouco ou nada fez para induzir processos
que resultassem em modernização produtiva ou crescimento econô-
mico (SILVA, 2012: 222-223).

Nesse contexto a participação de presidentes de associações na


política partidária tem se efetivado a partir do enfrentamento com
as elites no poder. Geralmente a associação está “contra” o prefeito e
ocorre uma “personificação”, na figura do presidente da associação,
que é transformada em associação contra “o partido”, e não em repre-
sentante de um coletivo organizado. Além disso, com a ampliação,
a partir do governo do Partido dos Trabalhadores na esfera federal,
dos projetos e programas que exigem a participação das associações
na execução dos mesmos, o “poder” político de cada presidente foi
sendo maximizado.

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O tecido associativo e a transformação política

A relação com a prefeitura depende da posição da associação com


relação ao grupo que está no poder, e aí se define se associação é au-
xiliada ou massacrada (Representante de Associação do Município
de Riachão do Jacuípe citado por: SANTOS, 2010: 108).

Existem conflitos sim, quando a associação tá na mão de pessoas que


não vota no prefeito, não são do grupo, há conflito sim, o prefeito
procura atrasar, travar, ai onde há a influência, na verdade não era
para precisar ter, mas aí é onde há influência do poder público. Se a
associação, o presidente, a comunidade é ligada ao poder público, há
facilidade de receber com mais facilidade o recurso, se é contra vai
haver o retardamento, é se der certo, fica para depois (Representante
de Associação do Município de Pé de Serra citado por: SANTOS, 2010:
113).

Tem banheiro para sair para dois povoados, mas o governo, a CAR só
tem dinheiro para liberar pra um, eu sou do lado, do grupo do pre-
feito e o outro não é, aí o prefeito vai lá e cria influência: ao invés de
levar pro outro leva para mim. Se desse para levar para tudo ele le-
vava para tudo, mas se só dá para um, primeiro eu, segundo eu, para
depois o outro. Aí onde vai a influência. (representante de associação
do Município de Pé de Serra citado por: SANTOS, 2010: 116).

Os dados que coletamos demonstram que em 198 das 616 asso-


ciações investigadas (32,1 %), pelo menos um membro da diretoria
da associação é filiado a algum partido político e os depoimentos aci-
ma demonstram que a relação que se estabelece entre a associação
e o poder público municipal tende a não ser harmônica. Esse dado
é muito relevante se considerarmos o contexto histórico dos muni-
cípios que compõem o Território do Sisal no que se refere a política
partidária, onde o comum é seguir um líder indicado pela família
mais influente do lugar.
Um indicador de que existe uma estreita articulação entre as-
sociações e movimentos partidários tidos como de esquerda está
ilustrado nos dados da figura 3. De acordo com esses dados, em 82
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associações algum integrante da diretoria está filiado ao Partido dos


Trabalhadores, o que perfaz 41,4 % do número de total de filiados.
Se a esses somarmos os que estão filiados em partidos historicamen-
te aliados ao PT, como o PCdoB (catorze integrantes), PV (treze inte-
grantes) e PSB (quatro integrantes), teremos 57% dos integrantes de
diretoria filiados a partidos considerados historicamente “de esquer-
da”. Enquanto isso, filiados ao principal partido da direita carlista
baiana (DEM), identificamos 23 integrantes de diretoria, o que per-
faz 11,6 % do total de filiados.
Quando um integrante de diretoria amplia sua participação par-
tidária sendo candidato a algum mandato ou mesmo apoiando ex-
plicitamente um político do seu partido, não é incomum constatar-
mos o uso da associação como canal de diálogo entre o partido e o
associado.
Como vimos, há um claro predomínio de filiados ao PT. Nesse
caso, o PT e seus aliados passaram a ter nos presidentes de asso-
ciações um canal direto com as comunidades. Nas nossas investi-
gações constatamos uma relação direta entre ser da associação e do
partido ao mesmo tempo, e isso tem influenciado na formação de
novas lideranças locais.
Além disso, o partido também pode ser um campo de luta e de
debate, de formação política e de construção de propostas relevantes
para a vida cotidiana das pessoas.

Considerações Finais

Constatamos que já há uma significativa participação das pessoas


que fazem parte da diretoria de associações em conselhos munici-
pais. Esse é um fato importante para a vida política em cada municí-
pio, justamente por que qualifica melhor cada conselho, diminuindo
a possibilidade do prefeito transformar um conselho numa mera ins-
tância de ratificação das decisões que toma. Além disso, as pessoas
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O tecido associativo e a transformação política
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

que “acumulam” participação tendem a se tornar líderes num con-


texto onde predomina a intensa articulação entre poder econômico
e político, via manutenção das “velhas oligarquias” no exercício do
poder público municipal.
Hoje já podemos constatar que é comum membros de associações
serem reconhecidos como competentes e enveredarem pelo camin-
ho da luta por um mandato de vereador ou mesmo de prefeito. Esse
fato é muito relevante para a consolidação da democracia no Brasil
e para a ampliação do próprio debate democrático sobre a ação do
poder público, não apenas no ano eleitoral, mas também durante o
mandato, pois o prefeito tem agora que necessariamente ouvir os
membros dos conselhos e, em vários casos, obter a aprovação dos
mesmos para várias ações. Num território onde a oligarquia impe-
rou por décadas, o surgimento de novas lideranças, a partir da in-
serção em movimentos sociais, é benéfico para a consolidação da
democracia sim, mesmo considerando as contradições da “nossa”
democracia capitalista.
Enfim, a ampliação da ação dos representantes das associações
em conselhos municipais e partidos políticos é positiva porque
nossas pesquisas constatam que a agenda da grande maioria des-
sas associações é uma agenda progressista, ou seja, as pessoas estão
reunidas para lutar por melhores condições de vida, por mudanças
no país que diminuam as injustiças, pelo desenvolvimento de suas
comunidades, por preocupações ambientais, entre outros.
Além disso, verificamos também que a origem da maioria das
pessoas que estão envolvidas com o associativismo no Território do
Sisal está vinculada não mais a uma tradição familiar como nas vel-
has oligarquias, mas na lida diária na agricultura, na lavoura do sisal
e no cotidiano do trabalho, ou seja, são associações de trabalhado-
res claramente inspiradas por movimentos como as Comunidades
Eclesiásticas de Base da igreja Católica, como o Movimento de Or-
ganização Comunitária (MOC) ou mesmo ligadas aos movimentos
de formação política de partidos como o PT e o PCdoB. Isso explica,
em parte, a evidente vinculação com os partidos ditos “de esquerda”.
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Aqueles que logo depois do início do processo de democratização do


Brasil pós-constituinte de 1988 colocaram nas suas agendas temas
fundamentais como a reforma agrária, a reforma política, a fome e a
cidadania, por exemplo.
Em nossa perspectiva entendemos essa ampliação da partici-
pação dos representantes das associações nos conselhos e partidos
políticos também como um anúncio da ampliação do interesse dos
brasileiros pelos problemas do cotidiano das comunidades. Aliás, ve-
rificamos que em alguns pequenos povoados não se faz nada, mesmo
a prefeitura municipal, sem “ouvir a associação de moradores”. Cla-
ro que esse é ainda um processo que se inicia, mas nos deixa otimis-
tas para defender a ideia de que incentivar o associativismo é mesmo
uma via possível para consolidar a democracia.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Sobre as autoras e autores


Volume 1: Democracia, particpação e políticas sociais para o campo

Aditi Doria Vaz Almeida, graduanda em Ciências Sociais – bachare-


lado em Ciência Política pela UFBA, atualmente cursando o séti-
mo semestre, bolsista de Iniciação Científica pelo PIBIC tra-tando
dos direitos sociais na América Latina e a ameaça neoliberal, é
também integrante do grupo de pesquisa DEPARE – Democracia,
Participação e Representação Política. Tem como áreas de inte-
resse a Teoria do Confronto Político, Políticas Públicas, Desenvol-
vimento e Impacto Social. E-mail para contato: vaz.aditi@gmail.
com

Adriana Carneiro da Silva Mestra em Geografia pela Universidade


Federal da Bahia – UFBA; Espe-cialista em Gestão Pública Munici-
pal pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB; Graduada em
Administração pela Universidade Estadual da Bahia – UEFS. Pro-
fessora substituta da Uni-versidade do Estado da Bahia, Campus
XI. adriana@riachao.com

Alane Amorim Barbosa Dias Graduada em Tecnologia em Gestão de


Cooperativas pela Universida-de Federal do Recôncavo da Bahia
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Volume 1: Democracia, particpação e políticas sociais para o campo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

(UFRB). Pós Graduada em Inovação Social com Ênfase em Econo-


mia Solidária e Agroecologia pelo IFBaiano e Mestranda em Ex-
tensão Rural (UNIVASF).

Aldemir Inácio de Azevedo Possui graduação em Ciências Sociais e


mestrado em Desenvolvimento Social pela Universidade Estadual
de Montes Claros e doutorado em Desenvolvimento Sustentá-vel
pela Universidade de Brasília. Professor do Instituto Federal da
Bahia – Campus Eunápolis. Pesquisa e desenvolve extensão nas
áreas de educação ambiental, populações do campo, espe-cial-
mente de assentamentos, e desenvolvimento territorial.

Aline Matos Santos Graduada em Bacharelado em Administração na


Universidade do Estado da Bahia – UNEB. alinem12.am@hotmail.
com

Armando Lirio de Souza Professor Associado da Faculdade de Ciên-


cias Econômicas, do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, da
Universidade Federal do Pará. Possui graduação em Ciências
Econômicas pela UFPA, Mestre em Planejamento do Desenvolvi-
mento pelo PLA-DES/NAEA/UFPA e Doutor em Desenvolvimento
Rural pelo PGDR/UFRGS. Atualmente, exerce a função de Diretor
Geral do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da UFPA (2018-
2022). Tem experiência em extensão e pesquisa na área de Econo-
mia, com ênfase em História Econômica, atuando principalmen-
te nos seguintes temas: economia solidária, agricultura familiar,
desen-volvimento rural e políticas públicas.

Cláudia Mirella Pereira Ramos Doutoranda e Mestre em Ciências So-


ciais pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Tópicos
278 270
Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Especiais em Filosofia Moderna e Contemporânea e Bacharel em


Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros.
Bacharel em Serviço Social pelas Faculdades Santo Agostinho/
MG. Desenvolve pesquisas relacionadas aos Povos e Comu-nida-
des Tradicionais, Direitos Humanos e Políticas Públicas. Acom-
panha grupos e Movimentos Sociais Rurais na Região do Extremo
Sul da Bahia.

Clovis Roberto Zimmermann Sociólogo com graduação em Socio-


logia e Teologia pela Universida-de de Heidelberg na Alemanha
e doutorado em Sociologia – Universidade de Heidelberg (Ru-
pre-cht-Karls). Atualmente é professor associado de Sociologia
da Universidade Federal da Bahia e membro do Programa de
pós-graduação em Ciências Sociais da mesma universidade.

Danilo Uzêda da Cruz Pós-Doutor em Desigualdades Globais e Jus-


tiça Social (FLACSO/UNB). Dou-tor em Ciências Sociais (UFBA);
Mestre em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS);
Li-cenciado em História (UEFS). Desenvolve pesquisas em Ciência
política e História, com ênfase em políticas públicas, democracia
e participação social. Lecionou como professor substituto no De-
partamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia.
É pesquisador nos Grupos de pesquisa DEPARE e Periféricas am-
bos vinculados à UFBA.

Edinusia Moreira Carneiro Santos Possui Graduação em Geografia


pela Universidade Estadual de Feira de Santana (1997), Especia-
lização em Geografia do Semiárido Brasileiro pela Universidade
Estadual de Feira de Santana (2000), Mestrado em Geografia pela
Universidade Federal da Bahia (2002) e Doutorado em Geogra-
fia pela Universidade Federal de Sergipe (2007). Atual-mente é
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Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Professora Titular da Universidade Estadual de Feira de Santana,


integrou o quadro de professor do Mestrado Profissional em Pla-
nejamento Territorial no período de 2013 a 2020; é professora da
Graduação em Geografia. Atua na docência, na Área de Metodo-
logia Científica e Geografia Econômica. Já atuou na docência da
Área de Metodologia do Ensino da Geografia. No âmbito da pes-
quisa, atua principalmente nos seguintes temas: Região Sisaleira
da Bahia, de-senvolvimento regional, associativismo e movimen-
tos sociais. É autora dos livros Associativis-mo e Desenvolvimen-
to: O Caso da Região Sisaleira da Bahia e Gente ajudando gente: o
tecido associativista do Território do Sisal

Fernanda Barretto de São Pedro; Bacharel em Humanidades com


habilitação em Estudos Jurídi-cos/UFBA; Graduanda em Ciên-
cias Sociais/ UFBA; Voluntária PIBIC e Integrante no Grupo de
Pesquisa Processos de Hegemonia e Contra-Hegemonia; Inte-
grante na Pesquisa "Estratégias Educativas e a (re)produção in-
ternacional do "Herói Sustentável" nos espaços empresariais";
Pós graduanda nas áreas de Gestão Estratégica na Administração
Pública e Gestão de Pessoas; Ser-vidora da UFBA; Email para con-
tato: fernanda.barretto@hotmail.com; Lattes: http://lattes.cnpq.
br/5159093630644232.

Gisleide do Carmo Oliveira Carneiro, possui graduação em Adminis-


tração pela Faculdade de Tec-nologia e Ciências (2007), especialis-
ta em Gestão de Política Públicas em Gênero e Raça pela Univer-
sidade Federal da Bahia (2014) e Inovação Social com ênfase em
Agroecologia e Econo-mia Solidária pelo Instituto Federal Baia-
no – campus Serrinha (2019). Colaboradora do Movi-mento de
Organização Comunitária (MOC), integra ao Conselho Estadual
de Economia Solidá-ria (CEES) da Bahia, Coordenação do Fórum

280 272
Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

Brasileiro de Economia Solidária (FBES) e do Fó-rum Baiano de


Economia Solidária (FBaES).

Ludgero Rego Barros Neto Doutorando em Economia, Desenvolvi-


mento Econômico, Território e Meio Ambiente, UFPA (2018); Mes-
tre em Agricultura Orgânica, UFRRJ (2014); Especialista em Ges-
tão de Pessoas com ênfase em Gestão por Competências no Setor
Público, UFBA (2018); Gra-duado em Administração, UNEB (2011)
e Técnico em Agricultura/Zootecnia, IF BAIANO (EAFAJT) (2003).
Atualmente servidor no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Baiano ? IF Baiano - Campus Bom Jesus da Lapa. Mem-
bro do grupo de Estudo e Pesquisa em Desenvolvimento, Dinâ-
mica do Trabalho e Gestão Territorial na Amazônia Oriental; da
Incubado-ra Tecnológica de Cooperativas Populares e Empreen-
dimentos Econômicos Solidários (ITCPES), do Mercado Insti-
tucional de Alimentos da Universidade Federal do Pará (UFPA)
e Bolsista Cáte-dra do Instituto Escolhas de Economia e Meio
Ambiente. Tem experiência na área de Adminis-tração, Agricul-
tura Base Agroecológica e Economia, com ênfase nos principais
temas: Agricul-tura Familiar, Associativismo e Cooperativismo;
Comercialização; Desenvolvimento Econômi-co, Sustentável e
Territorial; Economia Solidário; Gestão de Pessoas e Políticas Pú-
blicas. Atuan-do principalmente com os seguintes temas: Agricul-
tura Orgânica; Avaliação de Políticas Públi-cas; Comercialização
de Produtos de Base Agroecológica; Desenvolvimento Territorial
Rural Sustentável e Solidário; Gestão de Pessoas no Serviço Públi-
co e Incubação de Empreendimentos Econômico e Solidário.

Nívia Valeria Carneiro Rosas Vencimento Especialista em Direi-


to Processual Civil – UNIDERP-ANHANGUERA; Graduação em
Bacharelado em Direito – UCSAL; e Licenciatura em Ciências

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Volume 1: Democracia, particpação e políticas sociais para o campo
Clovis Roberto Zimmermann - Diego Matheus Oliveira de Menezes - Danilo Uzêda da Cruz - Nilson Weisbeimer

Naturais – UFBA; Professora da Universidade do Estado da Bahia,


Campus XI. valro-sas31@yahoo.com.br

Onildo Araujo da Silva Possui Licenciatura em Geografia pela Uni-


versidade Estadual de Feira de Santana - UEFS (1997), Especiali-
zação em Geografia do Semiárido Brasileiro pela UEFS (2000),
Mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal
de Santa Catarina - UFSC (2002) e Doutorado em Geografia pela
Universidade de Santiago de Compostela - USC (2009). É profes-
sor titular da Universidade Estadual de Feira de Santana, onde
atua na gradu-ação em Geografia, no Mestrado Profissional em
Planejamento Territorial e no Grupo de Pesquisa em Geografia e
Movimentos Sociais (GEOMOV). Os principais temas de interes-
se e pesquisa são: história do pensamento geográfico, recursos
hídricos e ação do Estado, espaço rural e pequenas cidades, mo-
vimentos sociais e territorialidade. Desenvolve projetos de pes-
quisa que focam a inter-relação entre movimentos sociais e ação
do Estado com foco para as pequenas cidades e desenvolvimento
rural, principalmente no Território do Sisal no Estado da Bahia.

Rafael Xucuru-Kariri: Também Carlos Rafael da Silva. Indígena do


povo Xucuru-Kariri, doutoran-do em Ciências Sociais pela Uni-
versidade Federal da Bahia e Analista de Políticas Sociais do
Mi-nistério da Educação .

Renato Luz Silva Nascido em Livramento de Nossa Senhora-Ba, inte-


rior da Bahia. Graduou-se em -se em Comunicação Social/Jorna-
lismo pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB),
em 2012. Pós graduou-se, em nível de especialização em Marke-
ting da Gestão Estratégi-ca (UCAM-2014). Mestre em Ciências
Sociais pela (UFRB) em 2018 e Doutorando em Ciências Sociais
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Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 1 - Democracia, Participação e Políticas Públicas

(UFBA). Tem experiência na área de comunicação pública, con-


trole social, consultoria política e análise eleitoral e divulgação
científica. Atua como servidor público jornalista da equipe da
Assessoria de Comunicação da Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Foi Professor Formador e Conteudista do Curso de Es-
pecialização de Gestão em Saúde Modalidade a Distância (UAB/
CAPES/UFRB).

Tatiana Corsini Schwartz, Graduada no Bacharelado Interdiscipli-


nar em Humanidades com Área de Concentração em Relações
Internacionais, Universidade Federal da Bahia (UFBA, 2017).
Gra-duanda de Licenciatura em Ciências Sociais, Universidade
Federal da Bahia. Pós-Graduanda em Educação Infantil e Alfabeti-
zação, UNINASSAU. Foi Pesquisadora Assistente e Colaboradora
do Grupo de Pesquisa Espetáculos Culturais e Sociedade (ECUS),
CULT/IHAC – UFBA. Diretor: Prof. Dr. Leonardo Vincenzo Boccia;
Dezembro de 2013 - Abril de 2014. Foi Pesquisadora e Colabora-
dora do Observatório da Diversidade Cultural (ODC), Grupo de
Pesquisa do CULT/IHAC – UFBA. Diretor: Prof. Dr. José Márcio Ba-
rros; Outubro de 2015 - Novembro de 2016. Desempenhou função
de Pesquisadora de Iniciação Científica PIBIC/CNPq – UFBA sob
orientação de Ruthy Nadia Laniado com o tema: &quot;Cidades
Globais e o Regionalismo em Crise na América Lati-na&quot;;
Dezembro de 2016 - Agosto de 2017.

Marina da Cruz Silva graduação em Letras Português e Inglês Res-


pectivas Literaturas pela Universidade Federal do Ceará (2001),
graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Cea-
rá (2000) e mestrado em Psicogerontologia - Friedrich-Alexan-
der-Universitat-Erlangen-Nurnberg (2005). Doutora em Ciências
Sociais pela UFBA. Atualmente é professorAdjunto II da Universi-
dade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Serviço Social,
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com ênfase em Políticas Públicas, atuando principalmente nos seguin-


tes temas: envelhecimento, programas de transferência de renda, idoso
e politica de assistência social, pesquisa e serviço social, representações
sociais e estudos culturais acerca da velhice e relações intergeracionais.

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