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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia

Volume 3: Convivência
com o Semiárido
experiências, vivências e
transformações

Danilo Uzêda da Cruz


Gilmar dos Santos Andrade
Tiago Pereira da Costa
Jorge Luiz Nery de Santana
(organizadores)

Salvador
2022
Copyright © 2022 – Danilo Uzêda da Cruz

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios
empregados, sem a expressa autorização.

Capa e arte final


Lucas Kalil
Foto: IRPAA

Produção Editorial
Pinaúna Editora

Revisâo
Os organizadores

Direitos desta edição reservados à Danilo Uzêda da Cruz.


A Pinaúna Editora não necessariamente compartilha das mesmas opiniões
expressas pelo autor e seus colaboradores neste livro. A responsabilidade sobre
ideias e opiniões presentes no conteúdo deste livro é estritamente do autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

E24 Educação, ATER e Cooperativismos [recurso eletrônico]: processos,


contextos sociais e aprendizagem / organizado por Tatiana Ribeiro
Velloso...[et al.]. - Salvador : Pinaúna Editora, 2022.
386 p. : PDF. – (Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia;
v.2)

Inclui índice e bibliografia.


ISBN: 978-65-86319-52-1 (Ebook)

1. Educação. 2. Campo. 3. Agricultura familiar. 4. Agricultura. 5.


Democracia. 6. Organização. 7. Participação social. 8. Bahia. I. Velloso,
Tatiana Ribeiro. II. Ribeiro, Lúcia Marisy Souza. III. Uzêda, Lilian
Freitas Fernandes. IV. Lopes, Márcio Caetano de Azevedo. V.
Cruz, Danilo Uzêda da. VI. Título. VII. Série.

CDD 370
2022-2501 CDU 37

Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949

Índice para catálogo sistemático:


1.Políticas públicas 361
2. Políticas públicas 364
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia

Volume 1 Democratização, participação e políticas públicas para


o campo
Organizadores: Clovis Roberto Zimmermann, Danilo Uzêda da Cruz,
Diego Matheus Oliveira de Menezes e Nilson Weisheimer
No primeiro volume da coleção os temas democracia, participação
social e políticas públicas se articulam nos artigos apresentados.
Essa perspectiva teórico-metodológica possibilita colocar em evi-
dencia e diálogo campos de conhecimento ora distantes, mas que
se intercruzam em suas análises, permitindo uma ampla leitura da
realidade social e polítca no mundo rural. Imersos em um contexto
político controverso, do ressurgimento do pensamento conservador
e do amplo processo de desdemocratização e regressão política que
o mundo vive, os textos reunidos aqui podem ser uteis para as pes-
quisadoras e pesquisadores nas diferentes áreas do conhecimento.
Do mesmo modo a avaliação das políticas públicas para o mundo
rural reaparece como um importante espaço de pesquisa e análise.
As diversas pesquisas e análises desse primeiro volume buscam as-
sim apresentar um novo cenário político no campo, mas também
dialogar com arenas tradicionais de participação política, como sin-
dicatos, associações, partidos políticos, etc. Essa dinâmica participa-
cionista fazem parte da longue durée da história dos movimentos
sociais do campo, como também já conta com uma sedimentada li-
teratura sobre o tema no Brasil e na Bahia.

Volume 2 Educação, ATER e Cooperativismos: processos, contextos


sociais e aprendizagem
Organizadores: Lilian Freitas Fernandes Uzêda, Márcio Caetano de Aze-
vedo Lopes, Tatiana Ribeiro Velloso, Lúcia Marisy Souza Ribeiro e Dani-
lo Uzêda da Cruz
O segundo volume reunirá pesquisas que tratem de Educação do
campo, suas tecnologias e metodologías, a ATER e as formas de Coo-
perativismos. As diversas iniciativas e experiências de organizações
da sociedade civil, como também de poderes públicos passam a
ser pesquisadas e sistematizadas a partir dos centros de pesquisa e
aparecem nos programas de pós-graduação consolidando uma im-
portante literatura já disponível. A diversas matrizes teórico-meto-
dológicas e vivencias aparecerão nesse volume a partir das pesqui-
sas em curso ou finalizadas, que permitirá ainda que experiências
de organizações da sociedade civil e poderes públicos sejam publi-
cados, demonstrando a interdisciplinaridade e amplitude do tema.
O volume reunirá assim campos de pesquisa que reconectam edu-
cação, ATER e as múltiplas expressões cooperativistas na perspecti-
va do rural baiano.

Volume 3 Convivência com o Semiárido: experiências, vivências e


transformações
Organizadores: Danilo Uzêda da Cruz, Gilmar dos Santos Andrade, Jor-
ge Luiz Nery de Santana e Tiago Pereira da Costa
O terceiro volume reuniu pesquisas e experiencias em torno do se-
miárido e sua diversidade, os problemas e o relacionamento com
questões históricas, observando a convivência com o semiárido,
agroecologia e bem viver. Ao reunir esses estudos e pesquisas o vo-
lume pretende oferecer ao grande público e ao público especializa-
do alternativas para o existir e o viver no semiárido, oportunizan-
do uma ampla reflexão sobre práticas e políticas nesse lugar social,
ambiental, cultural, econômico e político de grandes contingentes
populacionais.

Volume 4 Terra, territórios e territorialidades


Organizadores: Carla Craice da Silva, Renata Alvarez Rossi, Danilo Uzê-
da da Cruz e Rafael Buti
O quarto volume da Coleção busca refletir as pesquisas sobre o vas-
to tema da Terra, suas implicações nos assentamentos humanos e
as populações camponesas, os territórios e territorialidades. As pes-
quisas que compõem esse volume refletem em alguna medida as di-
námicas mais longevas da questão rual, sobretudo as que envolvem
o pertencimento, identidade e a posse da terra, há décadas como
um problema e dilema social não resolvido por sociedades e go-
vernos gerando e ampliando conflitos e desigualdades duradouras
que repercutem no extenso tecido social. Os artigos aquí reunidos
demonstram o estado da arte das pesquisas em curso sobre a temáti-
ca e ainda possibilita refletir sobre alternativas de políticas públicas
para a melhoria das populações desses espaços, e oferecer possibili-
dades metodológicas para novos horizontes de pesquisa.

Volume 5 Tensões e dilemas do Rural Baiano contemporâneo: gê-


nero, geração e comunidades tradicionais.
Organizadoras: Lidia Cardel, Maria de Lourdes Novaes Schefler, Ubira-
nela Capinan e Danilo Uzêda da Cruz
O quinto volume traz artigos que abordam temas de pesquisa no
campo das relações sociais de gênero, juventude, populações de co-
munidades tradicionais, povos originários e quilombolas. Esse am-
plo tema encontra-se em um momento de pesquisa oportuno, dado
a persistência e permanência de desigualdades duradouras, ou por-
que a pesquisa acadêmica vem ampliando seu olhar para as popu-
lações do campo. Ao contrário do que uma certa tradição histórica de
pesquisa anotou ao longo do século passado, as contradições sociais
não são menores para as populações rurais e a modernidade-mun-
do não representou a superação de dilemas sociais, senão pelo con-
trário. As pesquisas tem apontado que fenômenos interseccionais
atuam sobre essas populações, fragilizam políticas e fragmentam a
experiência social de mulheres, negros, povos originários, jovens e
população idosa. Do mesmo modo, as transformações recentes para
comunidades de fundo e fecho de pasto, ribeirinhas, quilombolas
e assentados tem aumentado o interesse de pesquisa dos centros
universitários.

Volume 6 O desenvolvimento rural e o enfrentamento às


desigualdades.
Organizadores: Danilo Uzêda da Cruz, Andreia Andrade dos Santos,
Egla Ray Passos Costa, Ivan Leite Fontes
As desigualdades persistem como um dilema social longevo. É nu-
trido por contradições históricas não resolvidas que fazem persistir
problemas societais para as populações dos diversos espaços sociais.
As populações rurais sentem em igual medida, ou em determinados
contextos ainda mais, essas contradições. O sexto e último volume
dessa coleção apresenta pesquisas que contribuem de forma inédi-
ta com a compreensão dessas dimensões e dilemas do rural face as
desigualdades. Nele estão abordados trabalhos em torno da supe-
ração dos desafios e dilemas da desigualdade da agricultura fami-
liar e populações do campo na Bahia, o desenvolvimento rural como
um problema político e social e as experiências de políticas públicas
para a superação desses entraves históricos. Por se tratar do último
volume da coleção, também trará um capítulo especial de balanço
dos demais volumes, no qual se abrirá um diálogo em busca de alter-
nativcas para o rural baiano.
Índice
Apresentação Geral da Coleção ...................................................................................... 13
Danilo Uzêda da Cruz (Coordenador Geral da Coleção)

Nota da Editora ..................................................................................................................... 19


Carolina Dantas (Pinaúna Editora)

Apresentação ao Volume 3 ............................................................................................... 21


Danilo Uzêda da Cruz, Gilmar dos Santos Andrade, Jorge Luiz Nery de Santana e Tiago
Pereira da Costa (organizadores)

Prefácio. Conviver com o semiárido: caminho pedregoso, bonito e de esperançar


29
Naidison de Quintella Baptista

A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido: reflexões sobre seus pontos


de intersecção e saídas para desigualdade ................................................................37
Mônica Da Silva Carmo e Antônio Domingos Moreira

Introdução ......................................................................................................................37

Aspectos metodológicos ........................................................................................... 40

Os Movimentos Sociais e a Educação Contextualizada no Semiárido...42

Vasto Semiárido ...........................................................................................................45

“No Semiárido Viver, é Aprender a Conviver” ..................................................50

Educação do Campo e Educação Contextualizada: duas ou uma? .......... 51

Considerações Finais................................................................................................... 55

Referências .....................................................................................................................57

Modernização agrícola e música sertaneja...............................................................63


Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara

Introdução .......................................................................................................................63

Uma modernização conservadora ........................................................................64

Música sertaneja: um palco de transformações e tensões .........................74

Eu vou fazer um leilão: música sertaneja e modernização .........................78

Referências .....................................................................................................................88
Por que a agroecologia é um projeto político? Considerações sobre novos paradig-
mas (sobre utopias em tempos de distopias) ............................................................ 91
Danilo Uzêda da Cruz

Introdução ....................................................................................................................... 91

Das comunidades eclesiais de base a agricultura alternativa ...................96

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), breve percurso. ...........103

A formação de um projeto político agroecológico. ..................................... 106

Considerações finais.................................................................................................. 110

Referências .................................................................................................................... 112

Caprinovinocultura no Sertão do São Francisco: condições do abate e saúde públi-


ca ...............................................................................................................................................119
Elijalma Augusto Beserra, Luciana Souza de Oliveira, Lucia Marisy Souza Ribeiro de
Oliveira e Eva Mônica Sarmento da Silva

Introdução ..................................................................................................................... 119

Metodologia .................................................................................................................. 123

Perfil da caprinovinocultura no Sertão do São Francisco ........................ 125

Estrutura de abate na região do Sertão do São Francisco .........................130

Retrato da comercialização .................................................................................... 135

Infraestrutura dos matadouros na região do Sertão do São Francisco137

Desafios da criação no Sertão do São Francisco............................................138

Considerações finais .................................................................................................139

Referências ................................................................................................................... 140

Mudanças climáticas e percepção ambiental de agricultores familiares do municí-


pio de Baixa Grande, Bahia ............................................................................................143
Geusa da Purificação Pereira e Marcelo Leles Romarco de Oliveira

Imtrodução....................................................................................................................143

Metodologia .................................................................................................................145

A Região Semiárida e suas características ......................................................147

Mudanças climáticas e percepção ambiental: definições conceituais 152


A percepção dos agricultores familiares do município de Baixa Grande- BA
referente às mudanças climáticas ...................................................................... 156

Considerações finais ................................................................................................. 163

Referências ....................................................................................................................164

O potencial da casca do licuri na substituição da lenha do bioma caatinga no


processo de combustão e produção de energia térmica .................................... 171
José da Silva Reis, Klayton Santana Porto e Gilmar dos Santos Andrade

Introdução .................................................................................................................... 171

Bioma caatinga e seu potencial energético......................................................174

O uso da casca do licuri no processo de combustão e produção de energia tér-


mica ................................................................................................................................. 180

Considerações Finais ................................................................................................184

Referências ................................................................................................................... 185

Tecnologias sociais de acesso à água para produção de alimentos e dessedentação


animal no município de Retirolândia – Ba .............................................................187
Kamilla Ferreira da Silva Souza

Introdução .....................................................................................................................187

Metodologia ..................................................................................................................188

Município de Retirolândia - Ba e a construção da convivência com o semiárido


189

O Programa Cisternas como promotor da segurança alimentar e nutricional


193

Espacialização dos tipos de tecnologias sociais de água para produção imple-


mentadas no município de Retirolândia .........................................................202

Considerações Finais................................................................................................208

Referências ..................................................................................................................209

Uma casa de farinha como espaço de encontros e relações de trabalho: antiguida-


de x modernidade .............................................................................................................. 213
Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de Souza Silva e José Raimundo
Pereira da Silva

Introdução ..................................................................................................................... 213

Caracterizando o espaço social: a comunidade ............................................. 215


A casa de farinha como espaço de realização de trabalho e interação social
217

Metodologia ..................................................................................................................221

Discussão dos resultados........................................................................................ 223

Breve esboço sobre as casas de farinha da Serra .......................................... 224

O trabalho de plantio e colheita da mandioca .............................................. 226

As casas de farinha como um dos principais pontos de entretimento 227

Considerações finais................................................................................................. 229

Referências ................................................................................................................... 230

Escola família agrícola: metodologia de ensino e práticas pedagogicas.....233


Abel Amado de Lima Oliveira e Jorge Luiz Neri de Santana

Introdução .................................................................................................................... 234

A pedagogia da alternância como metodologia de ensino....................... 239

Escola Família Agrícuola de Valente-BA .......................................................... 242

Plano de estudo e ensino de História ................................................................ 247

Considerações finais ................................................................................................ 249

Referências .................................................................................................................. 250

Sobre as autoras e autores .............................................................................................253


Volume 3: Convivência com o Semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Apresentação Geral da Coleção

Danilo Uzêda da Cruz (Coordenador Geral da Coleção)

É com muita honra, alegria e compromisso que ora apresentamos


a Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia, sob selo editorial
da Editora Pinaúna, para a comunidade acadêmica e comunidade
em geral. Os seis volumes que compõem a coleção trazem contri-
buições fundamentais para a compreensão e discussão dos temas
mais relevantes para as populações do campo, seus dilemas, proble-
mas e alternativas sociais desenvolvidas a partir de experiências e
trajetórias culturais, políticas e econômicas.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia, partiu de uma
lacuna existente na pesquisa acadêmica em torno do rural baiano e
sua multidimensionalidade, ensejando ampliar os espaços de divul-
gação das pesquisas em andamento ou concluídas por pesquisado-
ras e pesquisadores em diversos momentos da carreira acadêmica.
A pouca visibilidade das pesquisas sobre o mundo rural tem obriga-
do pesquisadores a buscar referências em realidades e experiências

13 15
Danilo Uzêda da Cruz (Coordenador Geral da Coleção)
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

distantes, via de regra, no eixo sul-sudeste, e mais recentemente em


contextos de outros países latino-americanos.
A coletânea tem o propósito central de oferecer às pesquisadoras
e pesquisadores presentes e futuros, estudantes, poderes públicos,
gestores e comunidade em geral uma ampla visão da pesquisa sobre
o rural contemporâneo na Bahia, possibilitando o reconhecimento
do mundo rural e sua diversidade, como também um maior conhe-
cimento de métodos e técnicas de pesquisa para compreender/en-
tender esse espaço. Essa múltipla abordagem e interseccionalidades
do fenômeno possibilita que políticas públicas sejam empreendidas
com mais assertividade, como também que a sociedade se reconheça
como sujeito de processos econômicos, sociais, políticos e ambien-
tais, proporcionando um ambiente pedagógico interessante para a
geração presente e futura.
Apesar da existência de programas de pós-graduação, graduação
e campos específicos que analisam o mundo rural baiano, com pes-
quisas de referência e centros de excelência científica com enfoque
no rural, os estudos nesse campo são marcados por uma dispersão. A
Coleção tenta renovar a força teórica e metodológica para compreen-
der o campo, o rural, a ruralidade e as formas de organização das po-
pulações que vivem “do”, “no” e “para” o campo.
Nesse sentido discutir o mundo rural da Bahia, a partir de uma
dinâmica e estratégia de desenvolvimento rural sustentável com
pesquisas em desenvolvimento sobre o tema e trabalhos relevantes
que tem contribuído para o desenvolvimento rural e temas afins, é
um diagnóstico de que algo mudou no campo, ou que havia obstá-
culos políticos, culturais, sociais, econômicos, simbólicos e ideoló-
gicos para que nossa compreensão sobre esse universo se alargasse
e possibilitasse enxergar a diversidade e multiplicidade, bem como
particularidades do campo, sem que partíssemos de uma premissa
do urbano e da cidade.
A realização dessa coleção, abrigou pesquisadoras e pesquisado-
res interessadxs no tema do mundo rural baiano. Isso implica em di-
zer que não há uma só orientação teórica e metodológica. São várias
16 14
Apresentação Geral da Coleção
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

as experiencias acadêmicas reunidas no pensamento crítico nas


ciências, como também foram preservados os estilos de escrita e o
enfoque de cada um, cada uma.
Há, outrossim, uma premissa que orienta essa coleção. Os estu-
dos aqui apresentados tem conteúdo científico, portanto acadêmico,
e como consequência não estão entre os artigos selecionados aque-
les cuja fragilidade teórica ou indução ideológica levam para o lugar
obscuro do negacionismo ou do conservadorismo acadêmico, que
apenas é uma face política que desacredita e desfavorece o conheci-
mento e sua amplitude.
Isso não quer dizer que falarão apenas coisas bonitas sobre o ru-
ral. Antes pelo contrário. Encontramos ao ler os artigos reunidos um
rural com muitos problemas e sob forte ataque da violência, degra-
dação ambiental e do retorno da pobreza e da miséria. Um lugar que
viu crescer e perpetuar desigualdades duradouras e profundas, dimi-
nuindo e ceifando gerações após gerações de vida digna. É, portan-
to, uma Coleção comprometida com o campo e suas populações que
criticamente querem analisar e informar sobre o rural em dinâmica
plural.
Esta produção ora oferecida à sociedade, às instituições de ensi-
no, pesquisa, fomento, às associações de produtores, às Comunida-
des, Organizações da sociedade civil, Associações Populares e etc., em
algum momento poderá servir de instrumento metodológico para
o desenvolvimento econômico, social e cultural das mesmas popu-
lações do campo que foram sujeitos das pesquisas e ainda para o des-
envolvimento de pesquisas ulteriores ou formulações de políticas.
A disseminação destes resultados será encaminhada à população,
principalmente aquela que trabalha ou pesquisa diretamente com o
mundo rural, na promoção do desenvolvimento rural sustentável.
Pretende também alcançar agricultores, líderes de projetos em co-
munidade e os aplicadores das técnicas.
Em números, a coleção reúne 150 pesquisadoras e pesquisado-
ras dos diversos centros de conhecimento e universidades de todo o

15 17
Brasil, mas também com autorias de sujeitos da sociedade civil organizada
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana
em colaboração acadêmica com esses centros científicos.
Distribuídos em seis volumes, em temas que se entrecruzam, os 74 arti-
gos recebidos foram analisados e aprovados por pares, em um processo de
envolvimento e dedicação das/os organizadoras/res de cada volume.
O primeiro volume Democracia, participação e Políticas Públicas para
o campo, é organizado por Clovis Roberto Zimmermann, Danilo Uzêda da
Cruz, Diego Matheus Oliveira de Menezes e Nilson Weisheimer e estão re-
unidos artigos que dialogam com o vasto tema da participação e políticas
sociais pra o campo.
Já o segundo volume Educação, ATER e Cooperativismos: processos,
contextos sociais e aprendizagens, organizado por Lilian Freitas Fernandes
Uzêda, Márcio Caetano de Azevedo Lopes, Tatiana Ribeiro Velloso, Lúcia
Marisy Souza Ribeiro e Danilo Uzêda da Cruz estão pesquisas e experiên-
cias que tratam da Educação "do", "no" e "para" o campo, tecnologias sociais
e cooperativismos.
As pesquisas e experiencias do terceiro volume organizado por Dani-
lo Uzêda da Cruz, Gilmar dos Santos Andrade, Jorge Luiz Nery de
Santana e Tiago Pereira da Costa, com o título de Convivência com o
Semiárido: experiências, vivências e transformações situam-se nas múl-
tiplas abordagens que o semiárido pode oferecer e sua diversidade bem
como com o relacionamento das questões históricas, observando a convi-
vência com o semiárido, agroecologia e bem viver.
No quarto volume Terra, territórios e territorialidades é organizado
por Carla Craice da Silva, Renata Alvarez Rossi, Danilo Uzêda da Cruz
e Rafael Buti traz pesquisas envolvendo a questão agrária, assentamentos
e suas diversidades, territórios e as dimensões da identidade territorial.
Em Tensões e dilemas do Rural Baiano contemporâneo: gênero, ge-
ração e comunidades tradicionais, estão reunidos artigos que tratam de
temas de pesquisa no campo das relações sociais de gênero, juventude, po-
pulações de comunidades tradicionais, povos originários e quilombolas. O
volume é organizado por Lidia Cardel, Maria de Lourdes Novaes Sche-
fler, Ubiranela Capinan e Danilo Uzêda da Cruz
O sexto e último volume O desenvolvimento rural e o enfrentamen-
to às desigualdades, organizado por Danilo Uzêda da Cruz, Andreia
Andrade dos Santos, Egla Ray Passos Costa, Ivan Leite Fontes estão
abordados trabalhos em torno da superação dos desafios e dilemas das

16
desigualdades, da agricultura familiar e populações do campo na Bahia,
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido
como também indicações para pensar a renovação das políticas públicas.
Agradecemos a Pinaúna Editora por aceitar e empreender conjunta-
mente o projeto dessa coleção, mesmo em um momento tão adverso para
toda a sociedade. Em nome de todos as organizadoras e organizadores nos-
so agradecimento. Grato também as autoras e autores que enviaram seus
artigos, as organizadoras e organizadores que atuaram com muita dedi-
cação para que o projeto fosse finalizado.
É uma coleção escrita, organizada e finalizada durante um dos mais
graves momentos mundiais da história, a Pandemia do COVID 19. IO Braisl
pea ausência de políticas de contenção, negacionismos e desmobilização
empreendida pelo governo federal foi amplamente impactado, com mais
de 670 mil mortes e milhões de infectados.
Isso também nos mantém reflexivos, atentos e esperançosos por dias
melhores e mais justos.
Esperamos que as leituras e leitores gostem do resultado desse esforço
acadêmico, que é também político.
Boa leitura!

17
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

18
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Nota da Editora
Carolina Dantas (Pinaúna Editora)

A Pinaúna Editora tem o enorme prazer de apresentar o resulta-


do editorial de um grande projeto acadêmico.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia reúne pesqui-
sadores de diversos centros acadêmicos de toda a Bahia e de Univer-
sidades do Sul, sudeste e Nordeste, contando com artigos de pesqui-
sadores de outros países da América Latina.
O circuito que une e enlaça os artigos diz respeito aos temas do
rural baiano e brasileiro. Estão reunidos aqui resultados de pesquisa,
individuais e de grupo, de onde partiram estudiosos já consolidados
e outros em seus momentos iniciais de pesquisa e carreira acadêmi-
ca. Aqui reside um dos grande encontros apaixonantes da coleção:
colocar em movimento pesquisas e pesquisdorxs de diversos perfis
e campos científicos em momentos distintos de partida e de chegada
na pesquisa científica.
O projeto cujo liame foi tecido com paciência pedagógica, cuida-
do e um ambiente de afetividade, foi abraçado pela Pinaúna Editora
desde que nos foi apresentado. Percebemos no projeto uma inicia-
tiva pioneira nos estudos do mundo rural na América Latina. Sua
perspectiva interdisciplinar, histórico-crítica e atenta às mudanças e
aos contextos específicos.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia chega ao públi-
co em sua versão digital e gratuita e está disponível nas plataformas
21
19
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

da Pinaúna Editora para baixar e compartilhar livremente. Essa in-


ciativa busca promover e estimular novos estudos, novas abordagens
e o acúmulo teórico-metodológico em torno dos temas da coleção.
Esperamos que a Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia
possa servir para o aprofundamento científico, além do aprimora-
mento de políticas públicas para as populações rurais em suas diver-
sas demandas sociais.
A todas as pessoas uma boa leitura!
Pinaúna Editora.

20
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Apresentação ao Volume 3

Danilo Uzêda da Cruz, Gilmar dos Santos Andrade, Jorge Luiz


Nery de Santana e Tiago Pereira da Costa (organizadores)

A Bahia é o Estado brasileiro com maior quantidade de muni-


cípios inseridos em região Semiárida e também maior população.
Dos 417 municípios baianos, 283 pertencem à região, representando
85,2% de todo o território da Bahia. A população do estado residente
no semiárido, em 2021, era de 7,6 milhões de pessoas. Esse percen-
tual, concentra pouco mais de 4/5 do território do Estado. Contradi-
toriamente o Semiárido baiano apresenta indicadores socioeconô-
micos aquém dos verificados para a média do Estado. Segundo a
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI),
23
21
DaniloUzêdadaCruz,GilmardosSantosAndrade,JorgeLuizNerydeSantanaeTiagoPereiradaCosta(organizadores)
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

em 2019, o PIB do semiárido baiano era o equivalente a R$ 107,7 bil-


hões, o que representava 36,7% do PIB estadual, com PIB per capita
de R$ 14.228,00 era menos da metade do PIB per capita do Estado.
Esses dados iniciais reafirmam a necessidade de estudar e com-
preender a vida e as dinâmicas das populações nesse vasto e dinâ-
mico ecossistema, partindo de uma leitura renovada do semiárido e
suas demandas sociais, ambientais, políticas e econômicas. O volu-
me 3: Convivência com Semiárido: experiências, vivências e transfor-
mações tenta alcançar esse particular e essa lacuna acadêmica e na
agenda de pesquisa, envolvendo com essa finalidade pesquisadoras
e pesquisadores de diversas matrizes teórico-metodológicas, centros
de conhecimento e experiências na vida social. O que dá liga as pes-
quisas aqui expressadas é justamente a busca por compreender e ex-
perimentar as contradições e dilemas do semiárido partindo da con-
vivência e giro radical no modo de vida das populações que aderem a
essa perspectiva ecológica, respeitosa e transformadora.
Como ponto de partida o encontro são as recentes teorias pós-co-
loniais e decoloniais. Questionam os paradigmas clássicos da moder-
nidade e progressivismo vêm, nas últimas décadas, desenvolvendo
uma importante contribuição para a reflexão das sociedades africa-
nas, latinoamericanas e do oriente profundo. Questionam ao mesmo
tempo o modelo de desenvolvimento e suas interseções, passando a
olhar a realidade “a partir de” e não “sobre”. Essa dimensão possibili-
ta tanto enxergar os grupos sociais e suas relações com seus espaços
e territórios habitados, seus conflitos e lutas para reconhecimento e
sobrevivência, como também as alternativas e convivências encon-
tradas por essas populações para resistir e resilir em meio às mais
duras e profundas adversidades. As colonialidades, ou colonialismos
do sistema-mundo-moderno, para utilizar a acertada proposição de
Quijano (2004), reafirmam e empurram as sociedades para a manu-
tenção de opressões, desigualdades e hierarquizações que excluem
do prórpio sistema a maioria das populações globais e locais.
No que se refere ao Semiárido brasileiro e baiano em particular,
as colonialidades se expressam por meio de diferentes fenômenos
24
22
Apresentação ao Volume 3
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

ou contextos, seja no campo discursivo, do coronelismo, das oligar-


quias políticas e econômicas, dos grandes empreendimentos de agro
e hidro negócios, do industrialismo e da indústria da seca, como tam-
bém nos projetos de desenvolvimento, das relações de gênero e des-
igualdades persistentes e profundas. Mas também e principalmente
em processos educativos. A reflexão contemporânea utilizando essa
nova epistemologia, ou epistemologias rivais, oferece um modo de
pensar diferente, que alimenta a expectativa e a visibilidade das po-
pulações que convivem com o semiárido.
Esse volume, o terceiro em nossa coleção, traz pesquisas e re-
flexões sobre esse ambiente convulsivo e criativo do Semiárido em
suas múltiplas dimensões e fazeres. Segue, obviamente inconcluso
e provisório, como todo conhecimento. As pesquisas e experiências
aqui organizadas na forma de livro não tem o papel de concluir o
estudo sobre o tema. Antes pelo contrário. Os leitores e leitoras terão
a oportunidade de observar indícios de pesquisa, propsotas metodo-
lógicas, possibllidades de fontes e interlocutores, sem que tenham os
organizadores a pretensão de esgotar esse universo multidimensio-
nal que habita o semiárido e o saber tornado conhecimento.
São economias familiares, solidárias, educações contextualiza-
das, formais e clássicas, modos de captar e gerar energia, pluriativida-
de, festas e culturas que se encontram em mudança e permanências
para formar esse território que é também de fome, desigualdades,
hierarquizações e dominação.
No primeiro capítulo A educação contextualizada no/do campo/
semiárido: reflexões sobre seus pontos de intersecção e saídas para
desigualdade, é de autoria de Mônica da Silva Carmo e Antônio Do-
mingos Moreira. Como resultado de pesquisa o capítulo discute ex-
periências metodológicas de extensão rural a partir da relação do
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) e a
metodologia Camponês-a-Camponês (CaC). No estudo bem documen-
tado os autores estão preocupados em demonstrar as intersecções e
dilemas da educação contextualizada e do campo, a necessária su-
peração das desigualdades e os entraves sistêmicos para valorizar as
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DaniloUzêdadaCruz,GilmardosSantosAndrade,JorgeLuizNerydeSantanaeTiagoPereiradaCosta(organizadores)
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

identidades, culturas e contextos locais e ainda promover uma outra


forma de educar esta descolonizadora e libertadora. Para os autores
a metodologia da alternância e suas incorporações possibilitam às
populações do semiárido novos aprendizados e emancipação de uma
educação tradicional.
Em um estudo inovador e criativo os pesquisadores Caique Geo-
vane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara, discutem a
Modernização agrícola e música sertaneja, apontando, em perspec-
tiva sócio-histórica, a questão agrária no Brasil e no Nordeste, arti-
culando as dimensões culturais e a música sertaneja nesse cenário.
Demonstram como além dos impactos materiais e nas relações do
trabalho promovidos pela modernização, algumas mudanças não
foram percebidas ou anotadas pela literatura especializada, se cons-
tituindo bem recentemente em objeto de pesquisa. Mudanças no
comportamento e nas formas de sociabilidade e subjetividade dos
indivíduos, as relações familiares e de parentesco, bem como das
expressões artísticas e culturais. O objeto central do estudo é justa-
mente esse, analisar a expressão musical sertaneja, o cancioneiro e
as origens sociais desse gênero musical, sob o holofote das transfor-
mações da modernidade.
No capítulo Por que a agroecologia é um projeto político? Consi-
derações sobre novos paradigmas (sobre utopias em tempos de dis-
topias), o pesquisador Danilo Uzêda da Cruz empreende um esforço
teórico-metodológico para situar o projeto político agroecológico
e sua dimensão transformadora na sociedade, relações, estruturas
materiais e simbólicas e finalmente na transformação dos interes-
ses e vontades coletivas. Ao partir de um questionamento dado no
próprio título do capítulo, o autor demonstra como ao combater o
bloco hegemônico do progressivismo, tecnicismo e indrustrialismo
a proposição agroecológica assume contornos de ruptura epistemo-
lógica passando a enfrentar teórico-metodologicamente, mas tam-
bém no mundo fático a hegemonia neoliberal. A agenda política e
estrutura social estão longe de uma unidade conceitual.

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Apresentação ao Volume 3
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

O capítulo seguinte Caprinovinocultura no Sertão do São Fran-


cisco: condições do abate e saúde pública, dos pesquisadores Elijal-
ma Augusto Beserra, Luciana Souza de Oliveira, Lucia Marisy Sou-
za Ribeiro de Oliveira e Eva Mônica Sarmento da Silva traz à tona a
história da Caprinovinocultura no Brasil e a sua importância para
os produtores familiares no Território do São Francisco, ressaltando
os achados da pesquisa sobre o estado da arte desse segmento no
Estado de Pernambuco, nos municípios Afranio, Dormentes, Lagoa
Grande, Petrolina, Santa Maria da Boa Vista e Orocó. Os principais
resultados demonstram a fragilidade das políticas públicas de saúde
e a urgência de políticas ambientais que regulamentem o controle
de emissões atmosféricas; redução de pragas e vetores de contami-
nação; eliminação das fontes de poluição dos mananciais e, sobretu-
do, a reciclagem da água.
Dando continuidade ao tema-problema do uso da água e as
questões ambientais no semiarido os autores Geusa da Purificação
Pereira e Marcelo Leles Romarco de Oliveira analisam a percepção
das populações rurais sobre esses dilemas globais. Em Mudanças cli-
máticas e percepção ambiental de agricultores familiares do municí-
pio de Baixa Grande, Bahia, os resultados de pesquisa demonstram
que os agricultores, em sua maioria, desconhecem o termo científico
“mudanças climáticas”, mas, apesar disso, identificam uma diversi-
dade de transformações na paisagem, na produção agropecuária e
na dinâmica das chuvas na região ao longo dos anos que impactam
de distintas maneiras seus meios de vida, associando estes aconteci-
mentos às “mudanças ambientais”, e/ou “mudanças no tempo”.
Partindo de um estudo empírico, José da Silva Reis, Klayton San-
tana Porto e Gilmar dos Santos Andrade em O potencial da casca
do licuri na substituição da lenha do bioma caatinga no processo
de combustão e produção de energia térmica analisam o potencial
energético da casca do Licuri em relação às plantas da Caatinga no
processo de combustão e produção de energia térmica. O estudo
amplamente documentado, conclui provisoriamente que é possível
a substituição das partes lenhosas das plantas da Caatinga diante
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DaniloUzêdadaCruz,GilmardosSantosAndrade,JorgeLuizNerydeSantanaeTiagoPereiradaCosta(organizadores)
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

ao processo de combustão, pois as cascas de Licuri apresentaram


características semelhantes ou até melhores para seu uso enquan-
to biomassa energética. Isso porque a literatura e o conhecimento
tradicional tratavam as cascas de Licuri tem sido tratadas como um
problema ambiental dentro das comunidades extrativistas o que
contribuía para a desvalorização do Licuri por conta do não aprovei-
tamento deste potencial.
Partindo de outro caminho a pesquisadora Kamilla Ferreira da
Silva Souza, em Tecnologias sociais de acesso à água para produção
de alimentos e dessedentação animal no município de Retirolândia
– Ba, mapeia em seu artigo bem desenhado metodologicamente as
tecnologias sociais de acesso à água para produção de alimentos e
dessedentação animal no município de Retirolândia – Ba. Dialogan-
do com uma densa bibliografia e percurso metodológico coeso, a au-
tora nos oferece um estudo original e cuidadoso sobre esse tema de
tão longeva historicidade no semiárido.
Para o grupo de pesquisadores Raimunda Pereira da Silva, Alex-
sandro Ferreira de Souza Silva e José Raimundo Pereira da Silva o es-
paço social do trabalho é um lugar de encontro mais amplo do que as
trocas materiais da produção e do processo produtivo. Demonstram
isso no capítulo Uma casa de farinha como espaço de encontros e
relações de trabalho: antiguidade x modernidade. O trabalho ao in-
vestigar como eram as casas de farinhas antigas e quais as mudanças
no processo produtivo encontram achado interessantes de pesquisa,
por meio do relato e memória de pessoas idosas em Serra de Itiúba,
Bahia. Concluem que permanências tecnológicas marcam o modo de
fazer e as trocas simbólicas realizadas durante o processo produtivo
tornam o ambiente de produção um espaço de encontros entre anti-
go e contemporâneo.
Em A escola família agrícola: metodologia de ensino e práticas
pedagogicas os pesquisadores Abel Amado de Lima Oliveira e Jorge
Luiz Nery de Santana discutem a metodologia de ensino, bem como,
as praticas pedagógicas adotadas na Escola Família Agricola de Va-
lente, modalidade de ensino pautada na Pedagogia da Alternancia. O
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Apresentação ao Volume 3
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

último capítulo do volume apresenta como a pedagogia da alternân-


cia pode ser uma ferramenta política, metodológica e, portanto de
aprendizagem, para o conhecimento e leitura do mundo.
Esperamos que o conjunto de pesquisas e experiências metodoló-
gicas de convivência com o semiárido aqui expressadas nesse volu-
me contribuam para novas pesquisas, seja com indícios de pesquisa
ou com questionamentos não resolvidos. Também esperamos que o
livro seja oportuno para que gestores públicos repensem, à luz da Po-
lítica Estadual de Convivência com o Semiárido novas práticas, no-
vos horizontes e mais recursos para as populações semiáridas.

Desejamos uma excelente leitura!

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Prefácio. Conviver com o semiárido:


caminho pedregoso, bonito e de esperançar

Naidison de Quintella Baptista

Construir, sistematizar e partilhar conhecimentos tem sido es-


tratégia básica ao desenvolvimento democrático e o Bem Viver dos
povos. Quanto maior a produção e partilha de conhecimentos, com
valorização daqueles endógenos de um povo, mais sua população ad-
quire consciência de seus direitos e possibilidades, passa a exigi-los
e se torna capaz de indicar, aos governantes, os rumos do seu camin-
ho. Simultaneamente, aprende a fazer o controle social sobre suas
atuações.
Por esta razão uma das áreas mais afetadas e boicotadas pelos
governos autoritários e exploradores, são aquelas da pesquisa, das
Universidades Públicas e de qualquer ação que se inter-relacione
com o conhecimento e sua produção/transmissão. Cria-se uma so-
ciedade sem informações e capacidade crítica e, assim, dependen-
te e subalterna. Um povo que não se relaciona, diariamente, com o
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Naidison de Quintella Baptista
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

conhecimento e não sente seu próprio conhecimento valorizado,


nunca fará a passagem da subalternidade à liberdade e autonomia.
É nesse contexto que realçamos a importância da inciativa desta
coletânea sobre o Rural Brasileiro e Baiano, de modo especial, sobre
a Convivência com o Semiárido. Ao elogia-la, no entanto, não deixa-
remos de apresentar críticas e sugestões, pois este é o caminho do
crescimento do conhecer.
Conviver com o Semiárido é construir políticas para sepultar a
velha e carcomida estratégia de combate e à seca. Combater a seca
foi e é o aproveitamento, pelas oligarquias políticas e econômicas,
da dura realidade da seca, para tornarem-se mais ricas, para expul-
sar de seu habitat o povo do semiárido, para implantar a morte em
nome da natureza e da falta de chuvas. Essa política de morte está
sendo gradativamente arraigada, mas insiste e resiste. Uma das cha-
ves para a sua erradicação é a geração e difusão de conhecimento
sobre a convivência e seus resultados e intercâmbios sobre práticas
bem-sucedidas.
Saúda-se, consequentemente, a inciativa da publicação deste
tomo sobre a convivência, assumindo seus autores três posturas
estratégicas:
• Publica-se conhecimentos produzidos que, assim não fosse,
estariam fadados aos arquivos e não gerariam nenhuma possibili-
dade de crescimento à população que bancou sua produção; a maior
parte dos trabalhos foi produzida em Universidades Públicas.
• Publica-se conhecimentos sobre o Semiárido, aumentando a
reflexão sobre seu ser, devir e possibilidades. Reforça-se a negação do
combate à seca e afirma-se a convivência.
• Assumem a postura de produtores de conhecimento, ao ex-
porem suas produções e colocarem-nas para o debate e na crítica.
E, não esqueçamos, produzem conhecimento a partir das práticas e
realidades concretas do dia a dia das famílias de agricultores/as.
Olhados por esta perspectiva os artigos do presente volume são
saudados e aplaudidos.

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Prefácio. Conviver com o semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Contudo, é fato que alguns artigos se referem mais a dimensão


temática e técnica e não explicitamente à convivência e aparentam
assumir a perspectiva da neutralidade. Como esta não existe e não há
caminho do meio, avaliamos nós que, dado o fato de que seus auto-
res optaram por colocar seus artigos nesta coletânea, demonstra sua
opção pela convivência e não pelo combate à seca.

Qual, no entanto o caminho da coletânea e suas contribuições ao


Semiárido? Vamos tentar delinear uma estrada, mesmo que não seja
esta a ordem em que se encontram os artigos.
I – Assume-se ser a Convivência com o Semiárido, como a Agro-
ecologia, uma concepção política de mundo, de relacionar-se com a
natureza e com as pessoas. Convivência não se constitui com um con-
junto de técnicas baratas e acessíveis, destinadas aos agricultores/as.
As técnicas e tecnologias visibilizam um modo de relacionar-se com a
vida. Na convivência assume-se os agricultores/as como produtores
e não engolidores de conhecimentos, afirma-se o Semiárido como es-
paço de vida, belezas, valores e possibilidades e seu povo como capaz,
inteligente e senhor de seu destino. Descobre-se não ser a natureza o
algoz do Semiárido e sim as políticas equivocadas, propositalmente,
que a ele foram dirigidas. Erradica-se, assim, a postura de creditar a
Deus e à natureza as mazelas que são fruto das decisões políticas da
sociedade de suas oligarquias. Muitos especialistas em Agroecologia
afirmam abertamente que a maior experiência de agroecologia exis-
tente no Brasil é o processo de Convivência com o Semiárido.
Encontramos muitos elementos de reflexão no artigo: Porque a
Agroecologia é um projeto Político? de Danilo Uzeda da Cruz, assim
como naquele denominado: Tecnologias Sociais de Captação de
Água para dessedentação de animal e produção de alimentos em Re-
tirolândia de Kamilla Ferreira da Silva Souza e, outrossim, elemen-
tos dos artigos que debatem a Educação Contextualizada e a Escola
Família Agrícola.
II – A presente coletânea assume, também, a postura de que a
Convivência com o Semiárido não se realiza sem a produção de
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Naidison de Quintella Baptista
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

conhecimento, embasados no próprio caminhar da convivência e


querendo aprofunda-lo. Ao Semiárido e à Convivência não bastam
os conhecimentos dos laboratórios e por cientistas, os mais renoma-
dos que sejam. Este conhecimento é importante e tem um espaço.
Mas são necessários conhecimentos realizados a partir das práticas
dos/as agricultores/as e com efetiva participação das comunidades.
É pressuposto básico da proposta o princípio de que os agricultores/
as não são recipientes vazios e recebedores de conhecimentos pron-
tos e provenientes de outros espaços, regiões e até mesmo países. São
sujeitos e produtores de conhecimento. Decorre então a necessidade
das Escolas Família Agrícola - EFA e de uma concepção e práticas de
Educação Contextualizada nos sistemas de ensino municipal, esta-
dual e federal. Se na primeira parte das reflexões tratou-se da con-
vivência como concepção de vida e do agir, neste outro bloco, já no
campo da elaboração de políticas, torna-se imperioso realçar a pro-
dução de conhecimento como premissa básica do caminho. Olhando
as possíveis políticas, projeta-se aquela de educação para a convivên-
cia. A educação contextualizada transforma a escola e as crianças
em produtores de conhecimentos, desperta nos estudantes o querer
bem ao lugar onde vivem e o buscar transforma-lo para melhor.
Informações sobre estas questões encontram-se nos artigos: A Edu-
cação Contextualizada no Campo e na Cidade, reflexões para seus
pontos de intersecção e saídas para a desigualdade cujos autores são:
Mônica da Silva Carmo e Antônio Domingos Moreira; fundamental
também no artigo: Escolas Família Agrícola, metodologias de ensino
e práticas pedagógicas, escrito por Abel Amado de Lima Oliveira e
Jorge Nery.
III – Marca indelével da convivência é a pluralidade. Nela não
cabe a monocultura, não cabe a concentração de terras e de águas
e nem aquela de saberes. Em qualquer análise da convivência surge,
assim, um leque múltiplo de ações, caminhos e possibilidades. Estra-
tégico na convivência é a perspectiva do estoque, seja ele de água, de
sementes, de alimentos para os humanos e os animais, para a vida
e para a produção. Se não há rios correntes e suficientes nascentes,
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Prefácio. Conviver com o semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

há de se armazenar. Prioritariamente, a água das chuvas. Para tal


existem centenas de tecnologias, muitas delas criadas pela própria
população, mas desprezadas por serem simples e populares. Velho
preconceito contra o conhecimento popular. Ancorado neste pensa-
mento surge o Programa Cisternas, que objetiva difundir as cister-
nas de consumo e as tecnologias de captação de água para produção.
Descobre-se assim o significado do artigo de Kamilla Ferreira da Sil-
va Souza, intitulado Tecnologias Sociais para Captação de Água para
dessedentação animal e produção de Alimentos em Retirolândia.
Concomitantemente, para fazer a vida florir, há de se pesquisar e uti-
lizar o que a natureza nos oferece, sempre garantindo o bem querer a
ela, e criar meios de produzir, beneficiar e comercializar a produção.
Somos colocados ante esta realidade com os artigos O potencial da
casca do licuri na substituição da lenha do bioma caatinga, no pro-
cesso de combustão e produção de energia térmica de autoria de José
Santana e Gilmar Andrade; por outro lado, há elementos a debater
quando se analisa o abate de caprinos e ovinos no semiárido e cons-
tata-se a premência de dota-lo de processos mais aperfeiçoados, sem
perder a identidade de ser abate adequado a agricultores/as familia-
res no semiárido. Não é algo neutro e sim dirigido. Aspectos desta
questão são levantados no artigo Caprinocultura no Sertão do São
Francisco -Condições de abate e saúde pública, autoria de Elijalma
Augusto Beserra, Luciana Souza de Oliveira, Lucia Marisy Souza
Ribeiro de Oliveira e Eva Mônica Sarmento da Silva.
V – Não há convivência sem gente, sem música, sem cultura, sem
aprofundamento do modo de viver, alegrar-se e celebrar das pessoas
que habitam o Semiárido. Afinal a convivência objetiva o máximo de
bem viver para todas as pessoas e o bem viver não se concretiza sem
a cultura e a festa.
Contemplando o Semiárido, nos deparamos com a riqueza in-
comensurável do jeito de viver do seu povo. Os modos de celebrar,
festejar, comer, trabalhar e até mesmo chorar seus mortos são pecu-
liares. Na maioria das vezes embalados pelos cantares e pela poesia.

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Naidison de Quintella Baptista
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Dois artigos da coletânea nos chamam a atenção para este viés


da convivência. Um deles, intitulado: Casa de farinha como espaço
de encontros e relações de trabalho: antiguidade e modernidade, de
autoria de Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de Souza
Silva e José Raimundo Pereira da Silva, nos chama a atenção para
a beleza, humanidade, fraternidade e valores outros presentes nas
farinhadas, nas casas de farinha, processos hoje, em extinção, mas
com raízes fincadas em outras ocasiões e manifestações da vida. E
o outro, denominado de Modernização Agrícola e Música Sertane-
ja, de autoria de Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da
Silva Câmara, nos faz lembrar como a música, os cantos e mesmo
a produção musical mais comercial acompanham as dimensões da
vida das pessoas, do processo produtivo e mudanças sociais. Este úl-
timo, mesmo não se referindo diretamente ao semiárido e sim à Mú-
sica Sertaneja, nos alerta para a necessidade e urgência de estudar
os cantares, poesias e expressões culturais do semiárido, muitos já
embebidos da perspectiva da convivência com o próprio semiárido.
VI – Conviver com o semiárido não é algo mecânico. Não se rea-
liza automaticamente. Não é dado, mas construído. É resultado de
uma opção política e metodológica de sepultar a política de combate
à seca, mentora dos milhões de mortos que jazem em nosso semiári-
do e substitui-la pela Política de Convivência com o Semiárido, cheia
de possibilidades, oportunidades e vida. Contudo, não se concretiza
a convivência sem atualização das informações, estudos e pesquisas
sobre o semiárido e as manifestações das comunidades. Hoje, com
as mudanças climáticas, mais e mais áreas e populações do semiári-
do se encontram ameaçadas de perder o espaço, as possibilidades de
produzir e viver, pois aumenta o calor, a evaporação da água disponí-
vel, os animais resistem menos, a desertificação vai crescendo. É ne-
cessário estar de ouvidos e corações abertos a este fenômeno, e des-
cobrir, individual e coletivamente, como evita-lo o e combate-lo. O
artigo Mudanças Climáticas e percepção ambiental de agricultores
no município de Baixa Grande- Bahia, de autoria de Geusa da Purifi-
cação Pereira e Marcelo Leles Romarco de Oliveira, nos brinda com
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Prefácio. Conviver com o semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

preciosas informações sobre a percepção já existente nas comunida-


des em relação às mudanças climáticas e possibilidades de processos
educativos para combate-las.
A Coletânea debate todas as questões e possibilidades do Semiári-
do e da convivência? Nunca!!! Nenhum conhecimento produzido
pode se arvorar o título de perfeito. Lacunas existem e muitas, mas
valores também e muitos.
É assim que se faz o caminho.
Concluiríamos este prefácio reafirmando a oportunidade política
e pratica dos estudos apresentados no presente volume. Podem ser
lidos na sequência em que estão colocados no volume, na sequencia
por nós aqui analisada ou servir-se deles, isoladamente para estudar
e aprofundar pontos específicos.
Você Leitor/a pode ainda descobrir outros caminhos para o estu-
do e a leitura. Será muito bom.
De todas as maneiras, reconhecemos o valor e a oportunidade dos
estudos dos autores e da publicação dos mesmos. Aprofundam ques-
tões, cobrem lacunas, abrem perspectivas. Deixam outras lacunas.
O Semiárido e seu povo agradecem e, sentindo-se contemplados,
alimentam-se na construção mais efetiva do conviver.

Naidison de Quintella Baptista


Coordenação da ASA-BA - Articulação Semiárido da Bahia

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

A Educação Contextualizada no/do


campo/semiárido:
reflexões sobre seus pontos de intersecção e saídas
para desigualdade

Mônica Da Silva Carmo e Antônio Domingos Moreira

Introdução

A Educação do Campo no Semiárido vem alcançando relevante des-


taque desde o final dos anos 1990 quando se iniciou a discussão sobre
a Educação Contextualizada. No ano de 1997, ampliou-se a discussão
para além dos grupos de agricultores, entendendo que a partir dali,
era preciso que a Proposta de Convivência alcançasse mais sujeitos
em espaços estratégicos.
Uma parceria entre a Universidade do Estado da Bahia – UNEB;
Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF- e o Instituto
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Mônica Da Silva Carmo e Antônio Domingos Moreira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Regional da Pequena Agropecuária Apropriada IRPAA, com a Prefei-


tura de Curaçá-BA, deu origem à primeira experiência da Convivên-
cia com a Educação escolar. A proposta que ficou conhecida como
– Educação Contextualizada no Semiárido ou Educação para a Con-
vivência – visou difundir os conhecimentos acumulados no trabalho
do IRPAA inserindo-os no currículo escolar.
Partiu-se do entendimento de que a Educação deve organizar-se
tendo como base de reflexão, os fenômenos sociais, culturais, am-
bientais, econômicos e políticos que conformam a vida dos sujei-
tos a quem se destinam os processos educativos. A iniciativa do/no
município de Curaçá transformou-se em referência na região com
o lançamento da Proposta Político-pedagógica - “Educação com pé
no Chão do Sertão” tecida no coletivo de educadores e comunidades,
num período de três anos.
Nessa perspectiva, ao espiar do muro se ver o fim e o início. Depende
do lado espiamos e de ângulo olhamos. Se espiar de dentro do muro,
pode-se vislumbrar o mundo que há lá fora, e se espiar do lado de
fora, pode-se olhar para dentro do muro e ver as imensas possibili-
dades que há lá dentro. E assim é a escola, ou deve ser – espiar para
fora e espiar para dentro. Em outras palavras, a relação escola-co-
munidade, teoria-prática e ação-reflexão devem ser permeadas por
esse processo de olhar para além dos muros da escola, sabendo que
não basta apenas olhar a realidade que o cerca, mas que sejamos ca-
pazes de incorporar as dinâmicas das realidades e modos de vida e
aprendizagem dentro do próprio muro. Que muros não se tornem
fortificações fechadas em si memos ou apenas permissíveis quando
lhe favorecem, para que não seja possível as comunidades apenas
espiarem.
Nesse sentido que nasceu a concepção, modalidade, paradigma de
Educação do Campo ou a Educação Contextualizada para Convivên-
cia com o Semiárido ou a Educação Contextualizada no Campo ou a
Educação do Campo Contextualizada – duas vertentes ou a mesma?
Espiar do muro, de fora para dentro e de dentro para fora, nos permi-
tiu aprender que toda educação deve ser contextualizada (no campo,
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A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

na cidade, na periferia, no litoral, no semiárido), contextualizar é


máxima dos tempos atuais para desalienar e tornar as aprendiza-
gens significativas. Também compreender que a educação do campo,
em seus princípios, já pressupõe garantir a contextualização, o que
conclui que a educação do campo vivenciada no semiárido é uma e
no tropical é outra. Então, de onde vem esses dois paradigmas que
se redundem, confundem e contradiz! Pode-se ter uma educação do
campo que não seja contextualizada?
O objetivo desse escrito não é de responder essas questões, nem de
negar a importância dessas modalidades educacionais, compreen-
dendo que ambas se complementam e traz significâncias uma para
outra e para cada realidade que se adequam melhor. Mas nota-se
cada vez mais o uso da mesclagem dessas ambas vertentes (Educação
Contextualizada no Campo), e o quanto isso parece trazer mais signi-
ficado para os sujeitos, a que interessa.
Ainda utilizando metáfora de “espiar”, cabe a nós refletir que se qui-
sermos verdadeiramente uma educação do campo/contextualizada
é preciso derrubar os muros. Não é possível uma educação emanci-
padora no campo com escolas que tenham projetos arquitetônicos
desconexos da realidade. Não nos basta apenas espiar pelo buraco
de um muro mal construído, superfaturado, sem a participação dos
“donos/as da escola”. Quando você vai construir sua casa, você não
entrega nas mãos dos outros, mas deseja pensar cada espaço o que
será realizado em cada um dele, e assim realizar quando seu lar esti-
ver pronto. E porque entregamos nossos lar-escola a qualquer modo.
Devemos adentrar nelas, e para isso, “o buraco que espio não mim
cabe”.
A relação entre convivência e sustentabilidade ao Semiárido, Silva
(2007, p. 7) aborda que,

...do ponto de vista da dimensão econômica, a convivência é a capa-


cidade de aproveitamento sustentável das potencialidades naturais
e culturais em atividades produtivas apropriadas ao meio ambiente.
Nesse caso, não é o ambiente que tem que ser modificado ou adapta-

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Mônica Da Silva Carmo e Antônio Domingos Moreira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

do às atividades produtivas. Na perspectiva da convivência, ao con-


trário, são as práticas e métodos produtivos que devem ser apropria-
dos aos ambientes.

A Proposta de Educação Contextualizada no Semiárido mobilizou


uma ampla discussão sobre a revisão dos processos educativos de-
corridos na região, trazendo para a agenda pública a problemática
em torno da perspectiva curricular universalista que fundamentou
as políticas educacionais. Isto pode ser observado a partir do olhar
de Pinto (2004, p. 91) que,

A Educação para a Convivência objetivou desencadear a discussão


sobre a construção de um currículo escolar que considere as especi-
ficidades e potencialidades da região semiárida, estimulando a for-
mulação de políticas educacionais que impulsionem o conhecimen-
to, a divulgação e a utilização das tecnologias de convivência nessa
região.

O desenvolvimento do Semiárido requer o investimento em políticas


públicas contextualizadas (tendo em vista as características naturais
econômicas e culturais locais), bem como, na capacidade de a popu-
lação compreender e atuar de forma sustentável e propositiva nos
ambientes em que vive. Conforme aponta o Ministério da Integração
Nacional (2005, p.11) “o desenvolvimento do Semiárido ainda perma-
nece fortemente influenciado pelo clima, uma vez que as atividades
econômicas são essencialmente rurais”.

Aspectos metodológicos

Para a realização dessa pesquisa, optamos pela metodologia de cará-


ter qualitativo e utilizamos previamente uma revisão bibliográfica,
onde Gil (2007), afirma que a pesquisa é classificada quanto a sua

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A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

finalidade como exploratória, do ponto de vista da forma de aborda-


gem do problema.
Nesse sentido, Gil (1999, p.128), ainda aborda que “como a técnica de
investigação composta por um número mais ou menos elevado de
questões apresentadas por escrito às pessoas, tendo por objetivo o
conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expec-
tativas, situações vivenciadas etc.”.
Como procedimentos metodológicos, foram coletados dados por
meio de pesquisa bibliográfica e de estudos teórico-práticos realiza-
dos da trajetórias acadêmicas-profissionais, especialmente no perío-
do de mestrado de Carmo (2019), onde problematizamos “A Extensão
Rural para a Convivência com o Semiárido Baiano: aproximações
da experiência do IRPAA e possibilidades com Metodologia Cam-
ponês-a-Camponês (CaC)”. As coletas de dados foram baseadas em
artigos relacionados à Semiárido, a Convivência com o Semiárido,
Educação do Campo e Educação Contextualizada, a fim de subsidiar
os resultados da referida pesquisa.
Nessa vertente, os objetivos dos estudos se pautaram em compreen-
der processos educativos e comunicacionais da Extensão Rural e
Assistência Técnica - ATER protagonizada pelo IRPAA dentro do Se-
miárido Baiano para construir saberes e fazeres na Extensão Rural a
partir da Adequação Sócio Técnica da Metodologia CaC.
Nessa análise a experiência do IRPAA no saber-fazer ATER, identifi-
cando práticas que condizem com uma extensão rural na perspectiva
educadora e contextualizada, com fins de colaborar para promoção
da construção coletiva do conhecimento e de analiticamente olhar
para o vivido e experimentado e propor um desenho de uma propos-
ta Sócio técnica, além de mostrar a história de participação popular
na região por recursos que possibilitam o Bem Viver, caracterizan-
do a ONG e seus atores que se mantêm atuantes, e buscam o diálo-
go institucional no sistema de ATER e, em especial, na organização
social, que mesmo com a carência de recursos, a organização social
vem dando respostas, e estabelecendo um sistema referenciado,

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Mônica Da Silva Carmo e Antônio Domingos Moreira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

a exemplo da Convivência com o Semiárido, que já é reconhecido


como uma política estadual.
Carmo (2019) afirma que a configuração local/regional do conhe-
cimento, a respeito das percepções, afirmações e construções da
Convivência com o Semiárido se configurar um modo/jeito de fazer
Agroecologia nesse contexto. E a respeito da Educação Contextuali-
zada, a autora nota a partir dos estudos sobre a Extensão Rural, a
Convivência com o Semiárido, a Metodologia CaC e a ONG IRPAA,
que todas essas conjecturas consideram a Educação Contextualizada
como processo fundante para que esses paradigmas sejam desenvol-
vidos, considerando a educação em todos níveis educacionais, seja
na área urbana ou rural.
Carmo (2019), pontua que os agricultores/as assistidos/as por esse
projeto afirma tão categoricamente, a importância da educação con-
textualizada para a convivência com o semiárido, porque associam
suas histórias de vidas eclipsadas por sonhos a partir da imateriali-
dade do paradigma de Convivência com o Semiárido, potencializa-
das e capitaneadas a partir do contato com formações realizadas por
ONG’s e movimentos socias para discutir o paradigma em questão.
Deste modo, a educação contextualizada é o resultado do conheci-
mento capilarizado pela Convivência com o Semiárido. Ao concre-
tizar isto, a escola deve-se ultrapassar seus muros e se abrir para o
mundo que efervesce ao seu redor.

Os Movimentos Sociais e a Educação Contextualizada no


Semiárido

Importante destacar que os Movimentos Sociais são característicos


de uma sociedade plural, que se constrói em torno do embate polí-
tico por interesses coletivos e/ou individuais. Assim sendo, a edu-
cação contextualizada no Semiárido junto aos movimentos organi-
zados, tem sido uma característica pertinente e politicamente ativa
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A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

nas últimas décadas. Esses grupos que produzem ação em busca da


representação política de seus anseios atuam de modo a produzir
pressão direta ou indireta no corpo político do Estado. Para isso,
várias formas de ações coletivas são usadas, como a denúncia, as pas-
seatas, em busca de melhorias sociais e políticas públicas, etc.
Sobre essa análise, Arroyo (2008, p. 52-53) traz a seguinte questão so-
bre os movimentos:

Os movimentos sociais lutam pelo público, para tornar público o Es-


tado e suas instituições. Mas com uma concepção radical de público,
como espaço da igualdade e da diferença, como espaço de direitos
coletivos, como espaço do saber, conhecimentos e culturas. Que es-
truturas organizativas e de gestão darão conta deste alargamento da
reconceituação do público, do sistema educacional público, da uni-
versidade pública, das políticas públicas?

Arroyo alerta sobre duas questões: Uma é sobre a distinção do con-


ceito de “público” defendido pelos movimentos sociais e que se opõe
a ideia vigente onde os espaços públicos se constituíram (e se consti-
tuem) sob finalidades políticas cada vez menos “públicas”, reforçan-
do práticas clientelistas, centradas em interesses pouco coletivos.
Apesar do conceito de público vincular-se a pertencimento coletivo,
o Estado tem sido gerido cada vez menos, pelo princípio de garantia
de direitos e de “igualdade para todos e sem distinção”, o que o coloca
em lado oposto aos princípios e fins pelos quais nasceram os movi-
mentos sociais.
Buscando entender tal questão, podemos traçar uma breve reflexão
sobre as interpretações sociais em torno do Estado (focando-se aqui,
sua materialidade através dos órgãos públicos, sobretudo, as admi-
nistrações públicas) e do papel representado pelas ONGs, movimen-
tos e sua atuação.
No geral, as organizações sociais, movimentos, ONGs, sindicatos, são
enxergados como parte do conjunto da estrutura, que se contrapõem
à lógica controladora do Estado. Trazem em torno de si, a ideia de
maior abertura para a participação, de uma construção dialogada
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Mônica Da Silva Carmo e Antônio Domingos Moreira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

com as bases, onde, suas ações sempre são voltadas aos interesses
dos sujeitos sociais e suas necessidades.
A importância da organização desses grupos mobilizados é grande. A
força da ação coletiva só é efetiva quando direcionada. Dessa forma,
o surgimento de líderes que representem diretamente as demandas
do grupo e a organização em nome de exigências ou ideias comuns
são os pilares e a força motriz por traz desses grupos.
Portanto, percebe-se que os movimentos sociais estão diretamente li-
gados à resolução de problemas sociais, principalmente na educação
do campo no Semiárido brasileiro. No entanto, eles não se resumem
apenas à reivindicação de direitos ou à demanda pela representação
de um grupo, pois um movimento pode surgir como agente constru-
tor de uma proposta de reorganização social para mudar um ou ou-
tro aspecto de uma sociedade.
Para as bases do movimento, como ressalta Gohn (1999, p. 52) o que se
implantou na consciência popular foi a busca pelo “direito da gente”,
ou direito a ter direitos.

Na sociedade civil, a participação popular é organizada a partir de


interesses solidários. As divergências internas são “costuradas” no
próprio bojo de seus organismos de forma a não virem a público, em
termos da esfera pública da sociedade como um todo.

Na concepção de Gohn (1999, p.94) o cidadão coletivo presente nos


movimentos sociais reivindica baseado em interesses de coletivida-
de de diversas naturezas. Tais práticas, segundo aponta a autora,

Servem não apenas como indicadores das demandas e necessidades


de mudança, reorientando as políticas e os governos em busca de le-
gitimidade. As práticas reivindicatórias dos movimentos passam por
processos de transformação, na estrutura das máquinas burocráti-
cas estatais e nos próprios movimentos sociais.

Já as estruturas públicas governamentais tanto nos seus processos


internos quanto externos - no que concerne a relação da socieda-
de para com estes espaços, a ideia construída é que se organizam,
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A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

menos no atendimento dos interesses da população e mais nos in-


teresses políticos (partidários) de pequenos grupos, delineando um
tipo de relação com a sociedade, bastante autoritário e desigual.
No geral, as decisões não partem dos anseios concretos da população
e os canais de diálogo são bastante limitados, reforçando um distan-
ciamento crescente entre as políticas públicas e as comunidades.

Vasto Semiárido

A frase “o sertanejo é, antes de tudo, um forte” de Euclides da Cun-


ha (1902), evidencia a resistência do sertanejo no Semiárido e Região
Nordeste deste país, lugar compreendido, ocupado e planejado den-
tro da política administrativa governamental por muitos estereóti-
pos e negações, que só sendo forte para viver, resistir e pelejar no
lugar marcado pela violação de direitos básicos.
As autarquias da época, Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS),
Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS), Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), Companhia de Desen-
volvimento dos Vales do São Francisco (CODEVASF) e os desmandos
do governo erroneamente ou intencionalmente entendiam as políti-
cas públicas de desenvolvimento para o combate à seca, que é fenô-
meno natural. Para Albuquerque Júnior (1994) o discurso de nação
no começo do século XX fez com que houvesse a necessidade de se
buscar símbolos da ideia de nação e a divisão regional era a solução
para viabilizar uma clara distinção entre um Brasil ideal – moderno,
rico, industrial e formado em parte por imigrantes europeus - e um
Brasil atrasado – pobre, rural e formado por uma população mestiça
e negra.
Porém, se for olharmos com cuidado a literatura veremos segundo
Silva (2006), que a primeira delimitação oficial da região que viria a
ser nominada Semiárido ocorreu em 1936, ainda no governo Getú-
lio Vargas com a denominação de Polígono das Secas. Nesse mesmo
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período a importância das contribuições teóricas de Guimarães Du-


que para a construção da noção de convivência com o Semiárido,
enfatizando a necessidade da população apreender a conviver-se ao
meio, negando o paradigma vigente de artificialização do meio. Sem
falar que sua bibliografia transgressora, porque data-se num período
de auge do paradigma dominante do “combate à seca”. Fora do com-
passo, Guimarães Duque em suas obras sistematizadas em três livros
Solo e Água no Polígono das Secas, O Nordeste e as Lavoras Xerófilas
e Perspectivas Nordestinas, enfatizou à adequação da sociedade se-
miárida e suas atividades produtivas às limitações e potencialidade
inerentes ao clima e aos recursos naturais desta região.
Em 1949, na primeira edição do seu livro Solo e Água no Polígono das
Secas, Guimarães Duque apontava para as bases da noção de convi-
vência para além da solução hidráulica e da visão agronômica tradi-
cional; ou seja, pronunciava a produção sustentável no ambiente se-
miárido e uma educação regionalizada (contextualizada), conforme
pode ser visto abaixo:

Já era tempo de as escolas primárias, secundárias e superiores terem


os seus programas calcados no clima da região, na aridez, no açude,
na água subterrânea, nas plantas resistentes à seca, na irrigação, na
conservação dos alimentos e na forragem, nos minérios da região,
na piscicultura dos lagos internos, nas plantas valiosíssimas que dão
safras com umidade escassa, no solo calcinado que produz safras mi-
lagrosas, nos alimentos fortes da rapadura, do feijão, da carne seca,
do caju, da manga, do refresco de pegapinto, da cajuína, do pequi, do
grão do faveleiro, da ameixa do umbuzeiro, etc. (DUQUE, 1973, p. 312)

O conceito da fragmentação do olhar e conhecimento transposto


para o semiárido sempre esteve pautado na natureza como causa e
origem dos problemas, enfatizando as questões de ordem climática,
as limitações hidrológicas e a irregularidade pluviométrica; herdado
talvez do paradigma iluminista do “progresso”, baseado na ciência e
na tecnologia como instrumentos que permitiriam conhecer e con-
trolar os fenômenos naturais.
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A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Quem sabe essa “miopia técnica” não faria parte de um projeto da


modernidade conservadora, que ao tempo que justifica a falta de
água (secas e baixa pluviosidade) no Semiárido como responsável
pelo atraso e mazelas, propõe como alternativa grandes projetos de
irrigação, como o polo Juazeiro-Petrolina. É mesmo, como afirma
Tânia Bacelar Araújo (1997) “ilhas de modernidade num sertão de
pobreza”.
É fato que a modernização agrícola ao longo da sua história e faces
nunca foi direcionada à solução dos problemas sociais, mas a priori-
zação da produção para o mercado externo. Daí, como proposto por
Josué Castro para promover um novo modelo de desenvolvimento
includente é preciso uma revolução cultural, uma educação popu-
lar que liberte as pessoas: “[...] é preciso educá-los para se libertarem
econômica, política e espiritualmente” (CASTRO, 2003, p. 118). Castro
propõe que a cultura dos povos deveria ser valorizada, promovendo
a consciência popular.
Por isso, a literatura de Guimarães Duque se faz tão importante, por-
que chama atenção para os saberes locais:

As soluções alternativas, modestas, como a procura, na tendência de


improvisação do povo, de novas formas de sucesso inculcadas pelo
sentir da natureza em redor em face dos desejos inatos do camponês,
foram esquecidas ou desprezadas pelo técnico, que, preocupado com
a artificialização do meio, julgou-se superior na compreensão e na
experiência ambiental do habitante nativo, olvidando que esse foi
plasmado pelas reações, pelas emoções e pelos sacrifícios de longa
vida”. (DUQUE, 1980, p. 38- grifo nosso).

Mas mesmo com essas importantes obras e reflexões da época não


gerou políticas que contribuísse para melhorar a qualidade de vida
da população do campo. Foi necessário muito luta e “mobilização
ideológica” para chegamos ao ponto de produzir “adesão ativa” por
parte do povo e de suas organizações sociais ao que se considera o
paradigma da Convivência com o Semiárido, antagônico ao paradig-
ma de Combate à Seca. Como traduz Schistek (2013), “não se pode
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

combater ecossistemas, variações climáticas, direção de ventos e


sol. É preciso haver políticas públicas que façam a região produzir
de maneira segura para si e para o mercado, viver sem catástrofe,
exatamente com este clima que temos”.
Naquela e nessa época, o caminho é superar o autoritarismo pedagó-
gico de transmissão de conhecimentos e tecnologias exógenas, ten-
do como estratégia formar agentes multiplicadoras de visões, con-
hecimentos e práticas apropriadas ao Semiárido, explicitando suas
potencialidades sem omitir as fragilidades do ecossistema, mas com
a finalidade da construção de uma cultura da convivência, dos seus
sentidos e significados que estão presentes nas diversas práticas pro-
dutivas apropriadas e nas tecnologias alternativas.
Retomando a fase de evidência dos “polígonos da seca”, compete di-
zer que foi fundamental para mapear as regiões de ocorrência de fre-
quentes secas, como um fenômeno natural e de aceleração antropo-
cisada, apesar de não haver nenhuma medida estratégica para evitar
anunciadas tragédias decorrentes do despreparo concedido do povo
para lhe dar com as subsequentes secas.
Apenas, anos depois, no governo de Juscelino Kubitschek, com gran-
de influência dos ideais de Celso Furtado, foi criada a Superinten-
dência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE, por meio da Lei
no 3.692, de 15 de dezembro de 1959, com objetivos que afirmavam
a promoção e o desenvolvimento da região do semiárido, na pers-
pectiva homogeneizadora, modernizadora e competitiva, através do
incentivo e criação de indústrias para diminuição das desigualdades
verificadas entre as regiões geoeconômicas.
Somente na Constituição Brasileira de 1988, após redemocratização
do país, houve alteração nos critérios para delimitação da região
semiárida e criou-se o Fundo Constitucional de Financiamento do
Nordeste (FNE), em 1989, para atender às demandas emergenciais
das populações atingidas pela seca, instituído pela Lei nº 7.827, de
27/07/1989, sendo esse espaço de ocorrência de secas a partir daí de-
nominado Região Semiárida.

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A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Nesse mesmo período, o pensamento e a construção de uma cultura


baseada na convivência com o Semiárido ganharam corpo com as si-
nergias e os conceitos e princípios da Agroecologia, recém-chegados
ao Brasil. A partir da década de 1980, iniciou-se uma convergência en-
tre iniciativas de diferentes partes do Semiárido que tentavam rom-
per com o paradigma do “combate à seca”. Assim, gradativamente foi
se constituindo uma rede de trocas de experiências e luta política na
perspectiva da Convivência com o Semiárido, envolvendo agriculto-
res/as, associações rurais, movimentos sindicais e sociais do campo,
ONGs, igrejas e setores das universidades e centros de pesquisa.
Em 1999 passa a existir a Articulação Semiárido Brasileiro – ASA,
rede que agrega mais de três mil organizações da sociedade civil (sin-
dicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras, cooperati-
vas, ONG´s, Oscip, etc.) do Semiárido Brasileiro, atuando na defesa,
propagação, proposição, mobilização e na prática, inclusive através
de políticas públicas para a Convivência com o Semiárido. Uma das
estratégias que a ASA utiliza para a mobilização social é a Comuni-
cação Popular, assim como processos de sistematização de experiên-
cias e de intercâmbio entre as famílias agricultoras que promovem
a construção coletiva do conhecimento. Seu surgimento agrega ba-
sicamente dois fatores: a) processo de mobilização e fortalecimento
da sociedade civil no início da década de 1990, como citado anterior-
mente, tendo como marco a ocupação da SUDENE, em 1993, com o
objetivo de pautar a Convivência com o Semiárido em contraposição
à política governamental vigente na época; b) a 3º Conferência das
Partes da Convenção de Combate à Desertificação e à Seca (COP3) da
Organização das Nações Unidas (ONU), realizada no Recife-PE em
1999 (convergiu com a sua criação), nessa, as organizações lançaram
a Declaração do Semiárido Brasileiro.
E em 2002 surge a Rede de Educação no Semiárido Brasileiro – RE-
SAB, como espaço/rede de articulação política regional, congregando
educadores e educadoras e instituições Governamentais e Não-Go-
vernamentais, tem como função primordial consolidar uma pro-
posta político-pedagógica de educação para o Semiárido Brasileiro
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através do diálogo dos diversos sujeitos individuais e coletivos e suas


experiências com a educação para a Convivência com o Semiárido.

“No Semiárido Viver, é Aprender a Conviver”

Como se exclama aqui no Semiárido - “do céu só cai chuva”, o Povo,


diante da inoperância do sistema, e da conjuntura política de nosso
país, além do desequilíbrio entre sociedade e natureza decorrente do
modo de produção capitalista, sabem que precisam concentrar em
abordagens sobre conhecimentos e metodologias contra-hegemô-
nica que pensem o Semiárido a favor de práticas agropecuárias
contextualizadas com cada realidade, dentro dos aspectos sociais,
ambientais, econômicos, culturais, políticos, administrativas, só-
cio-espacias, técnicos e éticos.
Daí que a Convivência com o Semiárido não mais significa ações iso-
ladas e pontuais, no entanto, representa “um paradigma” “modo de
vida” elaborada na perspectiva de conhecimentos pelo Povo e para
o Povo para melhoria das condições de vida no campo e na cidade,
considerando o equilíbrio entre natureza e sociedade (semiárido/
caatinga e homem/mulher), por meio de iniciativas educacionais, so-
ciais, econômicas, culturais, ambientais, tecnológicas, étnico-racial,
geracional e de gênero, desde que sejam contextualizadas e adequa-
das a vida na região, como conjecturado na Bahia por meio da Lei
nº 13.572 de 30 de agosto de 2016, que institui a Política Estadual de
Convivência com o Semiárido e o Sistema Estadual de Convivência
com o Semiárido.
Essa lei simboliza uma referência na desmistificação do problema
da seca e de suas velhas políticas assistencialistas e intencionadas
nas amarras políticas de dependência. Romper com um protótipo de
desenvolvimento emplacado desde o Brasil colonial, em concordân-
cia com Manuel Correia Andrade (1983, p. 7), cuja população rural/

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

campo “se torna objeto, e não sujeito, do desenvolvimento”, deman-


da também romper com “senhores da terra e da água
Ademais, ainda de acordo com as sistematizações de Aquino (2015),
para consolidar a proposta de Convivência com o Semiárido, o Insti-
tuto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA) conside-
ra que quatro ações devem ser instituídas, a saber: a) Redistribuição
e reordenamento das terras, em conformidade com a realidade cli-
mática; b) Produção apropriada às condições climáticas; c) Captação,
armazenamento e gestão adequada das águas; d) Educação contex-
tualizada à realidade local.
Corroborando com um dos idealizadores do IRPAA, Schistek (2013),
esse paradigma – Convivência com o Semiárido, não se desenvolveu
só na atualidade, pois é certo que toda comunidade humana que ha-
bitou este ambiente criou formas de se adaptar ao clima severo e às
condições mais rígidas. Como afirma o, as tecnologias sociais de con-
vivência com o semiárido reproduzem as próprias estratégias adap-
tativas dos animais e das plantas à inconstância de água no ambien-
te semiárido, a partir de uma integração entre os saberes populares
acumulados historicamente e as inovações técnicas geradas pelo
conhecimento científico.
Para Nascimento (2008), o paradigma da convivência com o semiári-
do não pode ser reduzido a seu aspecto socioeconômico, pois se trata
de uma concepção socioespacial e, como tal, traduz uma interação
ser humano-território-natureza.

Educação do Campo e Educação Contextualizada: duas ou


uma?

A educação pública enfrenta diversos desafios que em sua maioria


estão relacionadas a ausência ou precarização das políticas educa-
cionais, que tem a ver certamente com a conformação de projeto
de nação/sociedade. Quando trata-se da educação desenvolvida no
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campo a situação ainda é mais calamitosa, ao tempo em que ainda é


concebida sobre valores e concepções equivocadas da realidade, com
ideologias preconceituosas e estereotipadas que reforça a represen-
tação do campo como espaço de pobreza, miséria, improdutividade,
de pessoas ignorantes e quem não tem interesse para os estudos, es-
pecialmente quando se refere a realidade do semiárido do nordeste
brasileiro. Essa estigmatização produz um imaginário de incapaci-
dade das pessoas delas próprias e na inviabilidade da região, preva-
lecendo a imagem de um lugar inóspito por natureza, ocupado por
seres humanos inferiores.
Sobre essa lógica, o projeto de sociedade brasileiro não garantiu e
não garante o acesso e permanecia dos estudantes nas escolas do
campo, como também a direito de as pessoas viverem, produzirem
nesses espaços, com qualidade. Um Brasil que é eminentemente
agrário trata o urbano como parâmetro e o rural como adaptação,
não pensando a educação e produção a partir da realidade concreta,
percebida como espaço de formação e construção da autonomia.
Por isso, Convivência com o Semiárido nesse contexto é uma acepção
amparada no modo de vida e na valorização do ato político emanci-
patório, na socialização por meio das ações coletivas formadoras e
na Educação Contextualizada como elo que liga ao trabalho familiar,
que é fundamentalmente a agropecuária. A Educação Contextualiza-
da, dentro de um paradigma de convivência, promove um enfoque
sistêmico no planejamento e gestão territorial. Esses processos de
resistências, resiliências e ressignificações dentro da concepção da
Convivência com o Semiárido (campo de capital cultural), recorren-
do aos conceitos de Bourdieu (2007), tem gerado capital social ou ha-
bitus, mediado pela prática simbólica da relação de pertencimento
com o lugar.
Educar e educar-se amparado na relação de pertencimento com o lu-
gar gera um sentimento e dinamização que todos espaços são educa-
tivos, como aponta Brandão (1986, p.7) ninguém escapa da educação
“todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para
ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser
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ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação.”


Deste modo, antes de toda e qualquer pessoa está como estudante
já estiveram em outros espaços educativos, e continuarão, como:
na família, na comunidade, na igreja, nos movimentos, na reforma
agrária, no trabalho do campo e tantos outros. E esses espaços são
permeados por uma visão cultural positiva ou negativa do lugar
onde se constrói a vida. Assim, uma educação que garante um ensi-
no contextualizado desde a primeira etapa de ensino formal, projeta
uma formação ancorada na autonomia da juventude, na emanci-
pação, na participação política e na construção do trabalho baseado
na sustentabilidade econômica, ambiental e social.
Oriundas dos movimentos sociais, a Educação do Campo e a Edu-
cação Contextualizada podem ser compreendidas como um movi-
mento dialético na construção dos direitos dos sujeitos do campo,
que perpassa especialmente pelas políticas públicas e práxis educa-
tiva. Como aborda Martins (2009), a educação contextualizada anda
na direção de fazer com que os processos escolares pisem no chão,
visando a compreensão dos aspectos sociais, políticos, econômicos
e culturais do contexto, superando as visões ingênuas e simplifica-
das da realidade, levando em conta as metodologias, conteúdos, cu-
rrículos, educadores e educadoras, didáticas e estruturas apropria-
das à região. Ressaltando conforme Martins e Reis (2004, p.8), que
o “contexto não deve se fechar como uma ilha’, isolada do mundo,
das coisas e dos demais saberes e conhecimentos acumulados pela
humanidade ao longo da sua trajetória histórica”. Nesse caso, a rea-
lidade não reduz apenas na escola nem à comunidade, as duas não
encerram em si a produção do conhecimento, ao contrário, dão iní-
cio no aprofundamento da renovação dos conhecimentos e saberes
diversos.
Resumidamente uma Educação Contextualizada dialoga com a rea-
lidade, desafios e possibilidades dentro do modus vivendi e operandi
a partir de um ecossistema. E nesse sentido, a discussão estende para
a escola como o espaço privilegiado de mediação, troca de saberes
e experiências e de experimentação. Como lembra Caldart (2009,
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p.107), “essas escolas não move o campo, mas o campo não se move
sem essas escolas”. Logo, a educação não cabe em uma escola, mas a
luta pela escola que trabalha uma educação de qualidade, contextua-
lizada, popular, científica, que seja “no e do campo” tem sido uns dos
seus traços principais.
Por isso, Caldart (2008) coloca que, antes (ou junto) de uma con-
cepção de educação, ela é uma concepção de campo: porque, nesse
caso, como pensamos o campo pensamos a educação; se pensarmos
o campo como latifúndio, não temos como pensar a educação trans-
gressora. Conceber a educação juntamente com uma concepção de
campo significa assumir uma visão de totalidade dos processos so-
ciais; nos movimentos sociais, significa um alargamento das ques-
tões da agenda de lutas. Na dimensão da reflexão pedagógica, signi-
fica discutir a arte de educar e os processos de formação humana a
partir dos parâmetros de um ser humano concreto e historicamente
situado. Que sejam “escolas vivas”, “com pessoas vivas”, catalisando
sonhos dentro de um processo cidadão, democrático, respeitoso, hu-
mano e emancipatório.
Fernandes (2005) se posiciona no mesmo sentido quanto ao campo
pensado como espaço de vida, ou como um tipo de espaço geográfi-
co onde se realizam todas as dimensões da existência humana, não
apenas como setor da economia, que entende o campo simplesmente
como espaço de produção de mercadorias.
Os documentos que menciona, norteia e institui a Educação do Cam-
po, a exemplo da Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Básica
LDB 9.394/96; Plano Nacional de Educação; Diretrizes Operacionais
para Educação Básica do Campo e o Decreto n° 7.352, de 04 de no-
vembro de 2010, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação
do Campo e sobre o Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (PRONERA), definem o mundo rural como espaço específico
e diferenciado; defendem a ampliação da oferta da educação básica
nas escolas do campo, por meio de uma política de educação que res-
peite a identidade camponesa, as diversidades culturais existentes
em todas as regiões do país; considera os sujeitos sociais que formam
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A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

esse espaço e estimulam o desenvolvimento das unidades escolares


como espaços públicos de investigação e articulação de experiências
e estudos direcionados para o desenvolvimento social, economica-
mente justo e ambientalmente sustentável, em articulação com o
mundo do trabalho.
Educação do Campo ou educações? Que escola? Qual contexto? Se-
mear Semiáridos...

Considerações Finais

As velhas oligarquias de antes relevada no agronegócio de hoje, pro-


tegida pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, disputam os
rumos de projetos societários, de desenvolvimento, que enxergam e
exercem na educação os meios e o fim para reproduzir as relações de
subalternidade no campo, com escolas precárias e um ensino alien-
ante. Dessa educação descontextualizada e domesticadora, precisa-
mos reafirmar o oposto - a Educação Contextualizada no Semiárido
como uma perspectiva insurgente, subversiva, descolonizadora, e
por isso mesmo, revolucionária, uma vez que ela emerge da críti-
ca aos fundamentos de uma educação tradicional e conservadora,
arraigada num modelo colonizador eurocêntrico, etnocêntrico e
burguês.
Nesse sentido, a contextualização do currículo é um caminho tanto
para resgatar o que ficou no subterrâneo como desmistificar ideias
equivocadas. Têm o potencial de desvelar esta realidade e transfor-
má-la. Deste modo, contextualização não pode ser tratada e confun-
dida como adequação, como anunciado muitas vezes nos documen-
tos que orientam a educação do campo. Não se trata dessa estratégia
maquiadora da descontextualização do currículo, mas de promo-
ver uma educação, com os pés no chão da realidade e, com auxílio
do conhecimento historicamente sistematizado, e reconhecendo
o Semiárido como lugar por excelência e direito, de construção de
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Mônica Da Silva Carmo e Antônio Domingos Moreira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

conhecimento, de afirmação dos seus aspectos naturais e culturais


como conteúdo a serem escolarizados.
Só assim seremos cada vez mais capazes de enfrentar as desigual-
dades, tanto no campo educacional, como nas relações socioeconô-
micas, pois somente uma educação que tece diariamente a contex-
tualização, apontando as potencialidades, estudando as fraquezas
e suscitando a criatividade, podem enfrentar processos histórico e
atuais de desigualdades e injustiças socias-culturais, especialmen-
te porque a Educação Contextualizada ocorre concomitantemente
com a interdisciplinaridade na interação entre os componentes cu-
rriculares na busca de se encontrar as respostas, o mais completas
possíveis, dentro das condições materiais que se apresentam em
cada situação.
Além disso, cabe mencionar que a luta por essa escola almejada, pro-
põe que ela não seja tratada de maneira isolada, mas como parte e
como instrumento que possibilite um autêntico “projeto de socieda-
de”, onde a educação seja compreendida e concretizada na dimensão
transformadora. Por isso os temas – terra e trabalho, diversidade dos
povos do campo, sustentabilidade, cidadania – são fundamentais
para integrarem o processo de Educação do Campo Contextualizada.
Somente desta forma se constituirão escolas verdadeiramente vin-
culadas à vida e à realidade dos povos do campo.
Nessa perspectiva, considera-se o social o reconhecimento e valori-
zação da localidade, no resgate de práticas e métodos tradicionais de
convivência harmoniosa entre sociedade e natureza) e o técnico (des-
envolvimento de estratégias, técnicas e tecnologias de convivência
com uma condição climática).
Portanto, a semiaridez nos provoca a pensar num projeto coletivo de
vida e sociedade para nos transcendermos dos nossos desertos, e, co-
letivamente conviver para que se evite os desertos geográficos.
Não é novidade que a economia capitalista investe na neutralização
da tradição cultural e das estruturas simbólicas do mundo vivido.
Então, o paradigma da Educação para Convivência com o Semiárido
surge da contradição entre capital e trabalho, supondo que a questão
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A Educação Contextualizada no/do campo/semiárido
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

econômica não deve sobrepor a efetivação da justiça social e ecoló-


gica, porque no modelo de desenvolvimento capitalista há uma sé-
rie de contradições, dentre as quais, as promessas de superprodução
com muita gente passando fome e o desafio socioambiental que
ameaça a sobrevivência da humanidade.
Deste modo, os mecanismos que nos possibilitarão contrapor à lógi-
ca excludente está na desalienação coletiva, afirmando a educação
como autêntica maneira de criar formas capazes de promover a par-
ticipação política e a promoção do equilíbrio entre a sociedade e a
natureza – coletivo e socialmente equânime.
Finalmente, ao encerrarmos nossas reflexões nessas impressões fi-
nais, fica-nos a certeza de que as saídas estão na problematização da
realidade; conscientização social, política e ambiental; na emanci-
pação e autonomia; na solidariedade; e em assumir responsavelmen-
te nossa existência com os outros dentro e fora muros, para que não
possa existir abismos.
Nessa concepção, os esforços da educação contextualizada que con-
temple o semiárido brasileiro, que é vasto, belo e diversos, como colo-
ca Rosa “o sertão é o mundo”, e, o sertão que é em sua maioria o Nor-
deste e o Semiárido Brasileiro é um mundo vivo, ativo e interativo
que pode ser registrado e transformado.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Modernização agrícola e música sertaneja


Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara

Introdução

Historicamente a questão agrária no Brasil tem sido objeto de


diversas disputas, tanto no âmbito político e econômico, quanto no
plano teórico e acadêmico. Esses embates não podem ser interpre-
tados como uma “causa menor” da história brasileira, as discussões
sobre a concentração fundiária, reforma agrária ou um possível
caráter feudal no mundo rural brasileiro, relacionam-se à questões
como: a consolidação e a especificidade do capitalismo no Brasil, a
democratização do acesso a terra e a segurança alimentar nacional.
Algumas proposições da ideologia dominante para solução de parte
desses dilemas indicava a necessidade do desenvolvimento do agro-
negócio, cuja origem remonta à década de 1960 quando se põe em
marcha uma modernização agrícola, conhecida como a Revolução
Verde. Na prática executava-se o Estatuto da terra que previa ao mes-
mo tempo a reforma agrária e um novo processo de colonização do
interior do país.
Além dos impactos diretos provocados pela modernização (como
o êxodo rural, a mudança espacial e as transformações das relações
de trabalho) houve diversos impactos indiretos, dos quais podemos
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Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

destacar: alterações na sociabilidade e na subjetividade dos indi-


víduos, das relações familiares e de parentesco, bem como das ex-
pressões artísticas e culturais. É sobre esse último item que busca-
remos nos deter neste trabalho, mais precisamente, analisaremos a
expressão musical sertaneja, cuja relação com o mundo rural é cons-
tituída tanto através do seu cancioneiro, como a partir da origem so-
cial dos artistas que se dedicam a esse gênero musical.
Discutiremos, portanto, em um primeiro momento, o processo de
modernização ocorrido no Brasil a partir da segunda metade do sé-
culo XX e a sua transição para o agronegócio enquanto modelo agrí-
cola do país. Posteriormente, apresentaremos uma breve história da
música sertaneja para situarmos, assim, algumas canções sertanejas
que serão analisadas em um terceiro tópico, correlacionando suas
mudanças temáticas de teor poético e musical às transformações
ocorridas no meio rural brasileiro.

Uma modernização conservadora

Alardeado pela mídia como um dos empreendimentos que mais


cresce no Brasil e considerado um setor estratégico da economia
nacional, o agronegócio se desenvolve a custas de inúmeras contra-
dições, seja na esfera ambiental, ou na política, social e econômica.
Embora aparente ser recente, o seu modelo de desenvolvimento
agrícola tem suas primeiras raízes ainda na década de 60 do sécu-
lo passado. Vejamos de forma sucinta sua história a fim de melhor
compreendermos o seu momento atual.
De acordo com Kageyama e Graziano da Silva (1998) o modelo
de agricultura existente no século XIX no Brasil distinguia-se fun-
damentalmente do que será estruturado em meados do século XX.
Naquele século, existia um modelo de agricultura composto por
uma incipiente divisão social do trabalho e base técnica rudimen-
tar, ao qual os referidos autores conceituam como complexo rural.
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Modernização agrícola e música sertaneja
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

A desestruturação dessa forma de organização produtiva teve seu


início a partir de 1850, quando, com o fim do tráfico internacional de
escravizados, os senhores de escravos tiveram de buscar alternativas
para suprir a necessidade de mão-de-obra. O que implicou em uma
redefinição das relações de trabalho no país.
Essas novas relações de classes, oriundas do fim do tráfico inter-
nacional de escravizados, articulava-se com uma lenta emergência
do complexo cafeeiro no lugar do decadente complexo rural. Em
decorrência desse processo socioeconômico, via-se, além do surgi-
mento de um mercado interno e da ampliação da divisão social do
trabalho, uma crescente distinção entre campo e cidade. Além disso,
as demandas financeiras e comerciais oriundas da produção e co-
mercialização do café implicaram no desenvolvimento de atividades
não-agrícolas que adquiriam cada vez mais independência, como é
possível perceber no desenvolvimento da indústria têxtil que passou
a fabricar os sacos de juta que serviam de embalagens para o café
comercializado (GRAZIANO DA SILVA; KAGEYAMA, 1998).
Junto ao complexo cafeeiro, surgem novas relações de trabalho
no campo brasileiro, tais como: o trabalhador assalariado e o colo-
no (KAGEYAMA; GRAZIANO DA SILVA, 1998). Além dos colonos, po-
demos acrescentar outras relações de trabalho já existentes, como
o “parceiro”, o “agregado” ou “arrendatário” que constituiriam uma
camada social intermediária da sociedade brasileira, uma vez que
seus integrantes não eram nem fazendeiros, nem propriamente agri-
cultores sem-terra. Essas posições sociais intermediárias constituem
o que Maria Isaura Pereira de Queiroz compreende como o campesi-
nato brasileiro (QUEIROZ, 1973).
O campesinato, seria marcado, sob essa asserção, pela importân-
cia que assume o trabalho familiar na reprodução da vida dos cam-
poneses, além de uma produção agrícola diversificada e orientada
para o próprio consumo. O estudo de Antonio Candido (1982) acerca
do caipira paulista é exemplar no que diz respeito a essa definição.
Em seu trabalho é possível observar como a cultura caipira, enquan-
to um modo de vida, era, inicialmente, marcada por uma economia
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de tipo fechada na qual os próprios sujeitos produziam os bens ne-


cessários para o sustento da família, desde os alimentos até o ves-
tuário, utensílios e ferramentas de trabalho, que eram resultado, por
sua vez, de uma produção doméstica e familiar.
O trabalho de Antonio Candido representa para Queiroz (1973),
um marco da sociologia pois rompia com a falsa ideia do caipira pau-
lista (ou camponês, em um sentido mais geral) ser um sujeito isolado.
Isso ficaria claro na coletividade nutrida dentro do bairro rural, seja
através da solidariedade vicinal – exemplificada pelo mutirão - ou
das festas da comunidade, em sua maioria de teor religioso.
A vida camponesa observada por Candido (1982), contudo, já
mostrava sinais de esgotamento na medida em que o capitalismo
ampliava sua influência no campo. Algumas características da cul-
tura caipira, como sua autonomia produtiva, perceptível nas suas
anotações elaboradas na década de 1940 no município de Bofete (SP),
não apareceriam mais nas observações posteriores colhidas no mes-
mo município, em 1954. Podia-se perceber, por exemplo, uma cres-
cente dependência dos caipiras de utensílios produzidos e comercia-
lizados em feiras, bem como uma redução quantitativa da prática
do mutirão, além de uma dependência maior da venda dos produtos
agrícolas produzidos no mercado. Noção semelhante é compartilha-
da por Queiroz (1973), que visualiza a degradação da vida dos cam-
poneses ao passo que estes se integram ao que a autora chama de
“sociedade global moderna”, perdendo a condição de autônomos e
tornando-se precários consumidores1.

1
Não abordaremos aqui todas as complexas discussões sobre o uso do termo cam-
ponês na sociologia e na antropologia rural, mas tomamos como ponto de partida
a diferenciação entre o que denominamos camponês no Brasil e o seu conceito clás-
sico cunhado na Europa para descrever o modo de produção feudal, os dois tipos de
camponeses descritos na literatura histórica eram relativos ao produtor com gleba
própria e aos camponeses dependentes do senhor, exercendo suas atividades em te-
rras que lhes eram alheias, ambas encontravam-se subordinados aos feudos e às au-
toridades urbanas, estes últimos através de pesados impostos. No caso daquela ordem
social a relação entre camponeses e senhores de terra constituía-se na principal con-
tradição, que será subsumida com a ascensão da burguesia e o desenvolvimento ca-
pitalista. No caso do Brasil, esse conceito tem uma dimensão descritiva – a produção

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Já a partir de uma análise macrossocial, é possível observar que,


entre as décadas de 1930 e 1950, ocorre uma diversificação dos pro-
dutos e um maior foco dado ao mercado interno. Paralelamente há
um desenvolvimento das redes de transportes e rodovias que faci-
litou a integração nacional e a circulação das mercadorias. No que
se refere a base técnica de produção, as mudanças foram tímidas,
como é possível observar a partir das estatísticas do uso de tratores,
que consistiam em uma quantidade irrisória por parte das unida-
des agrícolas do país. Em um intervalo de 10 anos (1940-1950), por
exemplo, o uso de tratores cresceu apenas, algo em torno de 5 mil
unidades, número ínfimo, especialmente quando comparado com
os dados do intervalo subsequente (1950-1960) quando se adquire no
país mais de 50 mil unidades de tratores (KAGEYAMA; GRAZIANO
DA SILVA, 1998).
É, de fato, no início da década de 1950, durante o segundo man-
dato do governo de Getúlio Vargas (1951-1954), que se manifesta uma
preocupação governamental com o aumento da produtividade da
agricultura. Embora o Brasil não reunisse naquele momento, todas
as condições necessárias para modificar radicalmente a base técnica
da sua produção agrícola, seria, ainda assim, durante a década de
1950 que iria ocorrer os primeiros passos rumo a sua modernização,
tal como a realização da meta para aumento da produção de fertili-
zantes em solo nacional durante o governo de Juscelino Kubitschek
(1956-1961) (KAGEYAMA; GRAZIANO DA SILVA, 1998). Observamos
também que neste período, e de modo mais intenso entre 1954-1964,
ocorrerá um intenso embate entre as forças agrárias de defesa do
latifúndio e da modernização agrícola com os movimentos campo-
neses defensores da reforma agrária e, portanto, de outro processo
de transformação do campo. Estes últimos serão derrotados com o
golpe de 1964, que utilizou dentre outras alegações para a deposição

familiar autônoma – e uma dimensão política. Esta última tem sido mais corrente nos
nossos dias quando a utilizamos para entender movimentos dos sem-terra e outras
categorias no campo como os quilombolas. Essa dimensão política é bem explorada
em Martins, José de Souza – Os camponeses e a política. Ed Vozes. 1980.

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Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

do governo de Goulart (1962-1964) o crescimento dos movimentos


que exigiam a expropriação dos latifúndios improdutivos2.
É um consenso entre os pesquisadores que a segunda metade da
década de 1960 representa uma grande transformação na situação
agrária brasileira3. Elementos como a consolidação de um parque
industrial e créditos agrícolas combinados à fase “milagrosa da eco-
nomia brasileira”, propiciaram um crescimento econômico no país
e no meio rural, no período que ficou conhecido como o período da
modernização conservadora (MARTINE, 1991). Verifica-se que o pro-
fícuo debate sobre as questões agrárias travado no início da década
de 1960 focado em problemas econômicos e sociais do meio rural
brasileiro (como a desigualdade fundiária e a reforma agrária) é so-
lapado a partir do golpe militar em 1964. Ao mesmo tempo em que
ocorre uma revitalização de teses modernizantes como as de Delfim
Netto, especialmente a partir de 1967, quando o economista torna-se
ministro da Fazenda do governo militar de Costa e Silva (DELGADO,
2001).
A modernização posta em curso no meio rural brasileiro teve
como uma das principais plataformas de impulsão o crédito agríco-
la subsidiado pelo Estado, que possibilitou a aquisição de insumos
necessários para a produção agrícola moderna. Esses subsídios, no
entanto, eram distribuídos de forma desigual, uma vez que os pro-
prietários das maiores e melhores terras tinham mais acesso ao cré-
dito estatal, enquanto os pequenos proprietários viam-se desassisti-
dos (MARTINE, 1991). Além disso, o pacote tecnológico da Revolução
Verde tornava-se peça central da modernização agrícola iniciada na
década de 1960, pois permitia, vinculando a agricultura às tecnolo-
gias e insumos modernos, um alto rendimento e produção de cultu-
ras estranhas ao clima e espaço geográfico.

2
Ver tese de Doutorado: Câmara, Antônio da Silva. Idéologie et Réforme Agraire au
Brésil. .1994-1980, Université Paris 7. 1994.
3
Essa perspectiva pode ser encontrada em Graziano da Silva (1982), George Martine
(1991) e Guilherme Delgado (2001).

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Modernização agrícola e música sertaneja
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Não menos importante, é percebermos que essa modernização


provocou o que Kageyama e Graziano da Silva (1998) compreendem
como a chegada da agricultura a um novo patamar, marcado pela
sua industrialização. Nesse novo momento, identificado pelos auto-
res como complexos agroindustriais (CAI), a agricultura se encon-
traria profundamente articulada, por um lado, com a indústria de
insumos (fertilizantes, sementes melhoradas, defensivos) e de ma-
quinários agrícola (tratores, colheitadeiras) e por outro lado, com a
indústria processadora de produtos naturais (PALMEIRA, 1989).
A transformação agrícola, no entanto, apresentou diversos limi-
tes, o que levou diversos teóricos a defini-la como conservadora. Se
o termo modernização é compreendido aqui, a partir da acepção de
Graziano da Silva (1982) enquanto uma transformação da base téc-
nica e dos recursos produtivos, esta é conservadora porque promo-
ve uma transformação que mantém intacta e até mesmo aprofunda
problemas como a concentração fundiária, as desigualdades sociais
no campo e a precariedade dos trabalhadores rurais (PALMEIRA,
1989)4.
Nos períodos posteriores à modernização conservadora, perce-
be-se um aumento da concentração fundiária, uma queda na dis-
tribuição de renda no setor agrário (GRAZIANO DA SILVA, 1982) e
a permanência dos latifúndios e minifúndios (WANDERLEY, 1996).
A oferta de empregos também caiu drasticamente em decorrência
da mecanização e concentração da posse de terra, o que levou a um
intenso processo de êxodo rural, fenômeno observado por Martine
(1991) e Palmeira (1989) .
Como consequência da migração, nota-se uma explosão demo-
gráfica nas cidades, possível de ser observada através dos dados de
1940 e 1980, quando a população urbana passa de 26,35% para 68,86%

4
É importante ressaltar que a análise de Palmeira (1989), parte de uma interpretação
que busca preservar certa independência do fenômeno do êxodo rural no Brasil, com-
preendendo-o como mais antigo que a modernização agrícola. No entanto, o autor
não nega que as transformações ocorridas na década de 1960 tenham impulsionado e
aprofundado o fenômeno migratório do campo para a cidade.

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Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

(SANTOS, 2005)5.Segundo Palmeira (1989), a migração observada no


contexto da modernização diferiu bastante das ocorridas em contex-
tos anteriores, visto que o camponês ao perder sua terra não conse-
guiu ser realocado em uma outra propriedade rural.
A década de 1980, seria marcada ainda, pela crise no crédito agrí-
cola subsidiado (MARTINE, 1991) e por constituir, junto com a déca-
da de 1990, o período de transição da modernização conservadora
para a economia do agronegócio. Nesse entretempo, o Brasil passou
por duas crises cambiais que forçaram os governos federais a pro-
moverem reajustes nas estratégias econômicas do país. Em 1982, isso
se deu através do incentivo à exportação dos produtos agrários que
foi desarticulado a partir da emergência do neoliberalismo, especial-
mente nos governos de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e no
primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), onde
observa-se uma abertura comercial do Brasil e uma “desmontagem
das instituições estatais gestoras do projeto de modernização con-
servadora” (DELGADO, 2012, p.84).
No segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2003),
verifica-se, porém, uma volta à estratégia de 1982, quando há uma
busca pelo aumento da produtividade e exportação agrícola como
meio de superação da crise que o governo enfrentava. Para isso, oco-
rrem investimentos do Estado no âmbito da infraestrutura (propor-
cionando a formação de rodovias para a circulação de mercadorias),
no desenvolvimento de pesquisas (através da Embrapa em sincronia
com as multinacionais do agronegócio), na reativação do crédito ru-
ral, dentre outras esferas. Nesse novo contexto socioeconômico, oco-
rre uma reestruturação da articulação pública e privada na política
agrária, proporcionando uma ampliação da acumulação de capital
nos setores agroindustriais (DELGADO, 2012).
As transformações operadas na década de 1990, se desenvol-
veram nos anos 2000, quando o agronegócio se consolidou como

5
Note-se que de acordo com o último censo demográfico do Brasil em 2010, esse per-
centual sobe para 84, 35% (população urbana) e cai para 15,65% (população rural).

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Modernização agrícola e música sertaneja
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

modelo agrícola cuja finalidade consistia na produção e exportação


de commodities baseada em uma complexa articulação das cadeias
produtivas em escala internacional (CHÃ, 2018).
A articulação das esferas produtivas no âmbito do agronegócio é
bastante ampla, uma vez que se percebe o domínio desse empreen-
dimento desde as pesquisas e produção de insumos até a circulação
das mercadorias e seu financiamento. Este fenômeno é mais eviden-
te nas empresas transnacionais, que pelo maior poder econômico e
político promovem a chamada “integração vertical”6, tal como é feito
por empresas como a Bunge, Cargill e Louis Dreyfus (COY; TÖPFER;
ZIRKL, 2020). Destaca-se, também a emergência de grandes frigorífi-
cos exportadores (JBS, Marfrig, Minerva e BRF), que, ao lado da expor-
tação de grãos, constituem os pilares da produção rural exportadora.
Além disso, constata-se uma grande influência na política institu-
cional, por parte do agronegócio que tem uma das maiores bancadas
na Câmara de Deputados, inserida nas mais diversas frentes parla-
mentares (sejam estas ligadas a assuntos agrícolas, ou não) realizan-
do conchavos e articulações a fim de conseguir apoio às suas pautas
corporativas (BRUNO, 2009).
Ressalta-se também como característica do agronegócio, sua ca-
pacidade de atuação junto à área da cultura e educação, seja atra-
vés da sua articulação junto aos meios de comunicação, tal como
o exemplo dos esforços publicitários da Rede Globo em apresentar
uma imagem positiva do agronegócio7, ou através da promoção de
programas de educação (escolares e/ou universitários) e atividades
culturais a exemplo do Museu Itinerante Monsanto e o Prêmio Sy-
ngenta de Música Instrumental de Viola, que vinculam a marca das
empresas ao nome do evento (CHÃ, 2018).
Com participação de 26,6% em 2020 no PIB nacional, os seto-
res do agronegócio se blindam das críticas e avançam de forma

6
Quando uma mesma empresa consegue colocar sob seu domínio uma ou mais eta-
pas de produção ou circulação necessária a elaboração de determinada mercadoria.
7
Esse esforço é particularmente perceptível na campanha publicitária Agro é tech,
agro é pop, agro é tudo que intercala a programação diária da Rede Globo.

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Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

incontestável no território brasileiro. No entanto, assim como a


modernização conservadora da segunda metade do século XX, esse
modelo agrícola comporta inúmeras consequências e contradições,
elencamos algumas delas para discutirmos a seguir.
A primeira delas, refere-se à ampliação da concentração fun-
diária e do desemprego na produção agrícola. Na medida em que o
campo passou por um aprimoramento técnico, o meio agrário divi-
diu-se entre os que detém o conhecimento e capacidade de investi-
mento e os que não têm, a estes restou o arrendamento ou venda da
terra, o que ampliou a concentração de terra, verificado pelo censo
agropecuário de 2017. Por outro lado, a simplificação do processo
produtivo mediante o uso de insumos e maquinários modernos im-
plicou na redução da força de trabalho necessária à produção dos
bens agrícolas. Como consequência disso, ocorreu uma ampliação
da divisão social do trabalho, no lugar dos trabalhadores rurais de
outrora, passou-se a necessitar, cada vez mais, de trabalhadores com
funções especializadas (agrônomos, tratoristas etc.) (BUHLER; GUI-
BERT; REQUIER-DESJARDINS, 2016).
A concentração fundiária e o desemprego levaram a intensos pro-
cessos migratórios na medida em que essas regiões não conseguiram
realocar o trabalhador em outras atividades. Em consequência disso,
ocorreu um empobrecimento dos emigrantes rurais uma vez que sua
inserção na cidade se deu, na maioria das vezes, de forma precária e
periférica (SANTOS, 2005).
Outro elemento a ser considerado é a mudança da paisagem geo-
gráfica e social promovida pelo agronegócio. Trabalhos recentes (GA-
BRIG, 2016) (CASTILLO R. et al., 2016) apresentam como a inserção
do agronegócio em determinada região provoca a formação de cida-
des que passam a regularizar as atividades rurais exercendo funções
de comando. Portanto, além da modernização do campo, ocorre um
processo de formação e urbanização de municípios que passam a
concentrar as atividades essenciais e tecnologicamente aguçadas,
necessárias à produção agrícola moderna. No estado da Bahia, o

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Modernização agrícola e música sertaneja
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

município de Luís Eduardo Magalhães foi criado especificamente


para exercer esta função. (SANTOS, 2007)8.
Esse processo de modernização do campo e a formação de novas
cidades implica em transformações radicais na forma do indivíduo
perceber a si próprio e o mundo à sua volta. Do mesmo modo que
nos leva a necessidade de reconceituar as definições da relação entre
campo e cidade no Brasil cujas fronteiras apresentam-se mais fluí-
das e de difícil identificação. Evidentemente, essa é uma discussão
que não há como ser abordada aqui em toda sua complexidade, em
virtude disso, nos limitaremos a esboçar duas visões que podem pos-
sibilitar um ponto de partida para a reflexão.
A primeira delas, é a perspectiva de Milton Santos (2005) que se
dirige no sentido de considerar obsoleta a divisão do Brasil em rural
e urbano. O argumento do geógrafo parte da constatação do avanço
ocorrido nas últimas décadas em relação ao processo de tecnificação
do campo e urbanização nacional, o que faria emergir cada vez mais
a distinção entre um Brasil urbano e um Brasil agrícola. Já autores
como Eduardo Mandarola Júnior e Zuleika Alves Arruda (2005) de-
fendem que essa definição não pode ser dada apenas com base na
constatação da modernização no espaço rural. Desse modo, a com-
preensão desse fenômeno deve levar em conta não apenas as trans-
formações agrícolas ou o modo de vida dos sujeitos, mas também a
forma com a qual o espaço é estruturado e como os indivíduos se
relacionam com ele.
Em vista das discussões travadas acima, buscaremos nesse se-
gundo tópico analisar como a música sertaneja expressou e expressa
as recentes mudanças ocorridas no país mediante os processos de
modernização conservadora e constituição do agronegócio enquan-
to modelo agrícola predominante.

8
Em tese de doutorado Clovis Caribé estuda a expansão capitalista no Oeste baiano
com a produção da soja, o munícipio de Luís Eduardo Magalhaes surgirá da pressão
dos grandes produtores rurais, na sua maioria migrantes da região sul do país, sobre
o governo do Estado para autonomizar o distrito do munícipio de Barreiras.

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Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara
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Música sertaneja: um palco de transformações e tensões

Embora a música sertaneja tenha-se consolidado nacionalmente


apenas em 1990, podemos remontar sua origem ao início do século
XX. O primeiro evento expressivo, ocorre em 1929 quando a partir da
iniciativa do ativista cultural Cornélio Pires, foi prensado cinco mil
exemplares de discos através da Chantecler contendo anedotas cai-
piras e exemplos musicais da cultura interiorana paulista (CALDAS,
1987). Esse empreendimento representou o ponto de partida para o
desenvolvimento do gênero caipira e sertanejo, como é possível ob-
servar nas movimentações subsequentes da RCA Victor (concorrente
da Chantecler no Brasil) que no mesmo ano, mobilizou artistas caipi-
ras para lançar discos do mais novo gênero que adentrava o mercado
fonográfico brasileiro.
O surgimento dessa nova musicalidade enquanto mercadoria
coincidiu com o avanço do rádio como plataforma privilegiada de
circulação de músicas. Isto porque, na década de 1930, com a alte-
ração legislativa que permitia a publicidade de produtos comerciais
através das emissoras de rádio, estas ganharam um fôlego financeiro
que permitiu a elaboração de contratos de exclusividade com diver-
sos artistas (CABRAL, 1996). Nesse período, vemos o surgimento de
artistas como Raul Torres9 e duplas como Alvarenga & Ranchinho
10
que se consolidam na década de 1930 como artistas caipiras e/ou
sertanejos.
As emissoras de rádio e a produção fonográfica não se tor-
naram plataformas antagônicas, ao contrário exerciam papéis

9
Cantor e compositor de música caipira, nascido em São Paulo em 1906 e morto em
1970. Dedica-se a música caipira a partir de 1920, fez duplas com outros cantores re-
conhecidos como Serrinha (entre 1942-1945) e Florêncio (a partir de 1945) (FREIRE,
1996).
10
Dupla caipira formada por Murilo Alvarenga (1912 – 1978) nascido em Minas Gerais
e por Ranchinho. Este último foi substituído duas vezes, de modo que, na história da
dupla houve 3 ranchinhos no total, sendo Homero de Souza Cruz, o último a adotar o
nome artístico (CALDAS, 1987).

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Modernização agrícola e música sertaneja
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complementares na exposição do trabalho musical. Isto é perceptí-


vel por exemplo, quando Serrinha & Caboclinho11 ganham uma com-
petição em A hora da peneira, programa da Rádio Excelsior de São
Paulo cujo prêmio era um contrato de um ano nessa mesma rádio
e a gravação de um disco na RCA Victor (FREIRE, 1996). É também
na plataforma radiofônica, no alvorecer da década de 1940 que o pú-
blico toma conhecimento de Tonico & Tinoco12 que viriam se con-
solidar, principalmente a partir da interpretação da canção Chico
mineiro, como uma das principais duplas caipiras/sertanejas da his-
tória (CALDAS, 1987).
Neste momento, cabe ressaltarmos que os termos caipira e serta-
nejo eram assumidos sem maiores conflitos entre os artistas, cenário
que será alterado a partir da década de 1950 quando duplas como
Palmeira & Biá13 passam a produzir canções com uma crescente in-
fluência latino-americana, como o Bolero (ALONSO, 2015). O termo
“música sertaneja” passa a designar as duplas das novas gerações
que promoviam alterações estéticas com influências estrangeiras,
enquanto “música caipira” circunscrevia as duplas que se mantin-
ham fiéis aos temas rurais e da natureza tendo a viola como instru-
mento central de sua musicalidade.
Essa dualidade entre uma música sertaneja e caipira se apro-
funda mais ainda a partir da década de 1970 com o surgimento de
duplas como Leo Canhoto & Robertinho14 e Milionário & José Rico15

11
Dupla caipira formada por Antenor Serra (Serrinha) (1917), cantor, violeiro e com-
positor nascido em Botucatu (SP) e por Luiz Marino Rebelo, nascido em Mauá (SP)
(FREIRE, 1996).
12
A dupla composta pelos irmãos João Salvador Perez (1921-2012) em Botucatu, São
Paulo e por José Salvador Perez (1920- 2012), celebrada como a dupla caipira que obte-
ve mais sucesso com suas composições, como recordistas de venda de disco (CALDAS,
1987).
13
Dupla sertaneja formada por Diogo Mulero em Agudos (SP) e Sebastião Alves Cun-
ha (no município de Coromandel (SP) (ALONSO, 2015).
14
Dupla formada por Leonildo Sachi (Leo Canhoto) , nascido em Anhumas (SP) e José
Simão Alves (Robertinho) nascido em Agua Limpa (GO) (CALDAS,1987)
15
Dupla composta por Romeu Januário de matos (1940), nascido em Monte Santo
(MG) e por José Alves dos Santos nascido em São José do Belmonte (PE) (ALONSO,

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

que construíram uma obra artística complexa composta por diver-


sas influências nacionais e internacionais, tanto no âmbito musical
quanto no iconográfico. As obras dessas duplas provocaram diversas
críticas de artistas, como Inezita Barroso16 que afirmava que essas
mudanças implicavam em uma descaracterização da música caipira
(ALONSO, 2015).
As críticas não inibiram as novas duplas que viriam a surgir na
década de 1980, como Chitãozinho & Xororó17 e Leandro & Leonar-
do18 que traziam a influência do rock e do country, construindo nas
suas canções, muitas vezes, um cenário urbano em lugar do rural.
Seria, aliás, essa a década que o termo “sertanejo” viria adquirir
uma identidade consolidada ao designar “um tipo de música, uma
identidade musical facilmente associada a determinados artistas e
público” (ALONSO, 2015, p. 199). Já os anos 1990, marcariam uma con-
tinuidade da década anterior através do sucesso e consolidação na-
cional alcançada por duplas sertanejas como Chitãozinho & Xororó.
Porém, mais do que isso, seria a década de surgimento de outras du-
plas importantes para a história do gênero, como Zezé Di Camargo
& Luciano19 que alcançaram em 1991 um estrondoso sucesso com É o
amor. O “sertanejo romântico”, tal como viria a ser conhecida a mú-
sica produzida nessas duas décadas (ROCHA, 2019), teve como marca
um aprofundamento dos temas amorosos, uma estética abertamen-
te influenciada pela música country e do rock, uma predominância

2015).
16
Inezita Barroso era o nome artístico de Ignez Madalena Aranha de Lima (1925-2015)
nascida em São Paulo. Inezita tornou-se um ícone da música caipira tradicional, ten-
do apresentado durante muitos trinta e cinco anos o programa Viola, minha viola na
TV Cultura em São Paulo com transmissão em rede para todo o Brasil. (ALONSO, 2015)
17
Dupla formada pelos irmãos José Lima Sobrinho (1954) e Durval de Lima (1957) am-
bos nascidos em Astorga-Paraná. Essa dupla é recordista em venda de discos no Brasil
e já obteve reconhecimento internacional ganhando o grammy latino. (ROCHA, 2019)
18
Dupla formada pelos irmãos Luís José Costa (1961-1988) e Emerval Eterno Costa
(1963), a dupla alcançou extraordinário sucesso com venda de mais de 17 milhões de
discos. (ROCHA, 2019)
19
Dupla formada pelos irmãos Mirosmar José de Camargo (1963) e Welson José de Ca-
margo (1973), nascidos em Pirenópolis – Goiás. (ALONSO, 2015)

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da guitarra elétrica, além de uma forte reelaboração iconográfica,


remetendo muitas vezes à figura do cowboy. Observa-se significati-
vo deslocamento da origem dos cantores e compositores, antes com
predomínio de São Paulo, neste último período vários estados do
centro-oeste terão nomes expressivos na música sertaneja. Como já
aludido, ocorre alteração no conteúdo, no ritmo e várias influências
internacionais são absorvidas nessa música que se autodenomina
sertaneja. A relação de proximidade entre os novos grupos sociais
que se formam com a modernização agrícola do país e os novos artis-
tas intensificam-se, cada vez mais.
As críticas dirigidas à música sertaneja deste período vinham das
mais diversas esferas, fosse de artistas roqueiros como Lulu Santos
ou de críticos musicais consolidados como Tarik de Souza. O con-
teúdo delas, no entanto, eram muitas vezes díspares, afirmando em
certos momentos a música sertaneja como produto da indústria cul-
tural, trilha sonora do governo Collor, ou, simplesmente, como músi-
ca brega e de mal gosto20.
O que nos interessa neste momento não é rever de forma exaus-
tiva os argumentos dos artistas e intelectuais envolvidos nessa dis-
cussão. Mas compreender como o aludido debate, reflete um período
de amplas mudanças estéticas que começam a ser processadas no
interior desse gênero musical que são acompanhadas por transfor-
mações sociais ocorridas entre as décadas de 1950 e 1990 discutidas
no tópico anterior. Visto isso, compreendemos que a forma como as
mudanças sociais e estéticas, repercutem no debate artístico (espe-
cialmente entre os anos de 1950 e 1980) acontece através do desenvol-
vimento da dualidade entre a música caipira e sertaneja21.
Segundo nossa visão, a música caipira e sertaneja, fazem parte
de uma mesma história cujas fases correspondem a momentos espe-
cíficos da sociedade brasileira. O que não significa, evidentemente,

20
Esse debate, incluindo as críticas de Tarik de Souza e Lulu Santos, pode ser encon-
trado na obra de Gustavo Alonso (2015), especialmente nos capítulos 7,8 e 9.
21
Essa discussão pode ser acessada a partir dos trabalhos de Caldas, 1987; Alonso,
2015; e Rocha, 2019.

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Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara
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que essas canções se encontrem presas ao contexto em que foram


compostas e interpretadas, uma vez que há na produção artística,
uma autonomia relativa do artista que torna possível a transcendên-
cia, ainda que parcialmente, do espaço e do tempo (COSTA, 2018). Por
outro lado, tal procedimento também é encontrado nas fases mais
recentes desse gênero musical, ainda que de forma residual, pois os
artistas remetem-se às poéticas de fases22.

Eu vou fazer um leilão: música sertaneja e modernização

Observamos a imagem de um pequeno e humilde rancho escon-


dido dentre as matas, onde se pode ouvir o canto dos pássaros e a
correnteza do rio. Essa descrição é acompanhada por uma viola de-
dilhada por um caipira solitário iluminado apenas pela lua e por um
candeeiro. Decerto, esta é uma situação familiar. Inúmeras canções
do cancioneiro caipira e sertanejo debruçaram-se sobre a represen-
tação de um mundo rural bucólico, semelhante ao da paisagem des-
crita acima. Dentre elas podemos destacar não apenas a já clássica
canção Chitãozinho e Xororó23, interpretada por Serrinha & Cabo-
clinho ou Rancho Vazio e Tristeza do Jeca interpretadas por Tonico &
Tinoco, como também canções mais recentes como em Rastro da lua
cheia de Almir Sater e Renato Teixeira24.
Essas canções, todavia, tornaram-se exceções nas últimas déca-
das, quando se percebe mudanças sensíveis na temática sertaneja,
principalmente a partir das duplas que surgiram no final da década

22
Podemos ver essa postura a partir de duplas como Chitãozinho & Xororó e Zezé Di
Camargo & Luciano, a primeira ao regravar clássicos do cancioneiro caipira como
No Rancho fundo de Ary Barroso e Lamartine Babo e Cabocla Tereza de Raul Torres e
João Pacífico e a segunda por gravações como Tristeza do Jeca de Angelino de Oliveira.
23
A dupla que se formará posteriormente inspirou-se nessa canção.
24
Almir Sater e Renato Teixeira são dois artistas oriundos, respectivamente de Campo
Grande (MS) e Santos (SP) que elaboraram uma obra que buscam retomar as temáti-
cas e instrumentos da música caipira.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

de 1960 e início de 1970 que passaram a representar nas suas canções


temas urbanos e amorosos (CALDAS, 1987).
Tomando como ponto de partida a hipótese de que a música po-
pular (no nosso caso, a música sertaneja) pode expressar os proces-
sos de modernização ocorridos na sociedade através da sua repre-
sentação artística (NAPOLITANO, 2005), buscaremos, nas páginas
seguintes, delinear, ainda que de forma sucinta, algumas mudanças
que ocorreram no âmbito da música sertaneja à luz de mudanças so-
ciais e econômicas ocorridas a partir da modernização conservadora
e da emergência do agronegócio. Trataremos de canções de duplas
sertanejas produzidas nas décadas de 1980 e 1990 e 2000, período no
qual é possível observar, de modo mais preciso a interação media-
tizada entre a modernização agrícola e as representações musicais
sertanejas.
O já discutido êxodo-rural, decorrente de problemas como a con-
centração fundiária e a queda da oferta de trabalho no campo no pe-
ríodo da modernização conservadora (PALMEIRA, 1989), (MARTINE,
1991), (WANDERLEY, 1996) implicou, do ponto de vista estrutural, na
aceleração do crescimento demográfico urbano e no aumento da
pobreza (SANTOS, 2005). Já a partir de uma perspectiva do modo de
vida e da subjetividade dos sujeitos sociais, é possível investigar o
quanto o processo migratório impôs o reajustamento dos indivíduos
a novos espaços sociais.
É possível observar parte dos efeitos migratórios nas canções da
música sertaneja nas décadas de 1980 e 1990, como é o caso do su-
cesso No dia em que eu saí de casa (1992) interpretada por Zezé Di
Camargo & Luciano no qual o tema da migração está claramente es-
tabelecido. Nessa canção, podemos observar um eu-lírico narrando
sua separação do núcleo familiar ao migrar da pequena cidade para
um lugar ainda “indefinido”, é interessante notar como o processo da
ida e da separação com a interlocutora é dada como necessária e até
mesmo irremediável: “Eu bem queria continuar ali / Mas o destino
quis me contrariar”. O “adeus”, presente em diversas canções do can-
cioneiro sertanejo como Não aprendi dizer adeus (1991) de Leandro &
81
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Leonardo é a característica incontornável que emerge da separação,


é por meio dele, que o eu-lírico consegue expressar o rompimento
com o local de onde nasceu, a família com quem foi criado e o amor
pelo qual se apaixonou.
Ao investigarmos o cancioneiro sertanejo, percebemos que o
“adeus” e a “separação” desembocam, muitas vezes, no elemento da
“saudade” normalmente articulado em torno da impossibilidade de
realização dos desejos amorosos. Em Talismã (1990) de Leandro &
Leonardo o eu-lírico dá vazão a esse sentimento implorando que a
amada volte a aparecer na sua vida: “Vai, saudade, diz pra ela / Diz
pra ela aparecer / Vai, saudade, vê se troca / A minha solidão por ela”.
No entanto, a distância cada vez maior da interlocutora é um obstá-
culo para o eu-lírico saudoso: “Sabe, quanto tempo não te vejo / Cada
vez você distante / Mais eu gosto de você”.
Em Coração em pedaços (1992) interpretado por Zezé Di Camargo
& Luciano, vemos mais uma vez a saudade como aspecto central da
canção e um eu-lírico que se sente incompleto, todavia, nesta canção,
a possibilidade de solução do impasse amoroso parece mais possível,
pois, embora exista distância, o indivíduo consegue contorná-la, al-
cançando a interlocutora: “Hoje eu vim te procurar / A saudade era
demais”.
A figura de um indivíduo incompleto elaborada na música serta-
neja romântica aparece, na maioria das vezes, como possível de ser
solucionada a partir da realização do relacionamento amoroso do
eu-lírico para com uma amada. Em Um Sonhador (1998) de Leandro
& Leonardo, essa incompletude é evidente na falta de rumo do sujei-
to: “Eu não sei pra onde vou / Pode até não dar em nada / Minha vida
segue o sol / No horizonte dessa estrada / Eu nem sei mesmo quem
sou / Nessa falta de carinho / Por não ter um grande amor / Aprendi
a ser sozinho”. Essa poesia contém tanto a subjetividade moderna do
indivíduo solitário, aludindo a perda de laços comunitários, quan-
to a uma situação de fluidez espacial e deslocamento, da qual surge
um sujeito desterritorializado, sem um local em que possa repousar,
tampouco um amor que o espere, embora ele o busque intensamente.
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Modernização agrícola e música sertaneja
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Outro elemento importante presente em Um Sonhador e que apa-


rece também em outras canções da época como Cowboys do asfalto
(1990) de Chitãozinho & Xororó e Rumo à Goiânia de Leandro & Leo-
nardo são as estradas enquanto cenário de atuação do eu-lírico. Esta
já tinha sido representada de um ponto de vista negativo em outras
canções sertanejas que discutiam diretamente a questão da moder-
nização como Mágoa de boiadeiro (1968) interpretada por Pedro Ben-
to & Zé da Estrada25 e Poeira da estrada (1997) interpretada por João
Paulo & Daniel26.
Como já observamos durante o primeiro tópico, as rodovias fo-
ram imprescindíveis para a integração de regiões distantes do país, o
que possibilitou uma circulação das mercadorias, incluindo as pro-
venientes da agropecuária. Em Cowboys do asfalto encontramos um
caminhoneiro enquanto eu-lírico da canção, diferindo radicalmente
dos boiadeiros das canções aludidas acima, não apenas em relação
ao seu ofício (que já é indicadora de uma modernização no âmbito
das profissões) como também pela posição tomada pelo sujeito de
Cowboys do asfalto ao festejar sua liberdade estradeira. Já em Rumo
à Goiânia é possível ter uma grande dimensão da importância das
rodovias como meio de integração nacional. Nesta segunda canção,
o eu-lírico sai à noite de Campinas através da Via Anhanguera pas-
sando por diversas cidades com destino à Goiânia.
Há, além disso, uma narrativa da volta para casa, em que o eu-lí-
rico, saudoso, anuncia no refrão a sua chegada: “Ei! Goiânia / Não
deu pra segurar a barra / Então eu voltei / Ei! Goiânia / Avisa aqueles
olhos lindos / Que eu já cheguei”. Observamos aqui como a saudade
do lugar apresenta-se vinculada a falta de um alguém, representada
pelos “olhos lindos” que espera a chegada do eu-lírico. Essa narrativa
da “volta à casa” é presente em outros artistas como Chitãozinho &

25
Dupla sertaneja formada na década de 1950 que ficou famosa após introduzirem na
sua canção gêneros latino-americanos e passarem a se vestir como mariachis mexica-
nos. (ALONSO, 2015)
26
Dupla formada em 1980 com ambos oriundos do estado de São Paulo, em muitas de
suas canções, além do romantismo, foi retomada a temática do boiadeiro.

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Xororó na canção Fogão de Lenha (1987), cuja história é a volta do


migrante para a sua terra.
É possível perceber como a música sertaneja romântica elaborada
entre as décadas de 1980 e 1990 expressa muitas vezes a visão de um
migrante deslocado e em busca do seu lugar no mundo27. O “adeus”
e a “saudade” aparecem em diversas canções, assim como uma cons-
tante impossibilidade de efetivação da relação amorosa ao passo que
parece existir uma incômoda distância que separa o eu-lírico do seu
amor, que tanto pode ser metafórica aludindo aos desentendimentos
e rupturas amorosas, quanto pode referir-se à distancias geográficas.
Evidentemente, esses exemplos constituem apenas uma parcela do
cancioneiro sertanejo romântico, diante da diversidade de perspec-
tivas que podem ser acessadas através da seleção e análise de outras
canções, podendo indicar, inclusive, caminhos contrários aos aqui
discutidos.
É notório que a história da música sertaneja continua sendo es-
crita nessas primeiras décadas do século XXI, alavancando novos su-
cessos e entrando em uma nova fase intitulada de “sertanejo univer-
sitário”, consolidando-se como o gênero brasileiro de maior sucesso
dessas duas primeiras décadas. Assim como as fases precedentes,
os artistas universitários efetuaram mudanças na musicalidade e
temática sertaneja introduzindo a imagem da “balada” e relaciona-
mentos amorosos efêmeros. Surgido entre 2003 e 2004 a partir de
discos como Acústico no bar de João Bosco e Vinícius28 (2003) e o dis-
co de César Menotti & Fabiano29 que tinha como título o nome da

27
Neste momento, cabe ressaltar o quanto a hipótese de a música sertaneja romântica
conter o “fenômeno migratório” como um conceito em potencial para se interpretar o
ethos saudoso e deslocado das suas canções encontra ressonância na vida da maioria
dos artistas que compõem as duplas dessa época. Uma vez que estes foram em sua
maioria migrantes, cujo passado agrário (inclusive em condições como as de meeiro,
tal como era a de Leandro e Leonardo) é marcante nas suas biografias.
28
A dupla João Bosco & Vinicius é considerada uma das pioneiras do sertanejo univer-
sitário, dentre suas temáticas, destaca-se o tema da balada e curtição (ALONSO, 2015).
29
César Menotti & Fabiano é uma dupla sertaneja que veio lançar seu primeiro álbum
em 2004, contendo regravações de clássicos da música sertaneja e a apresentação

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

dupla, o gênero conseguiu consolidação nacional a partir de 2008 e


repercussão mundial em 2012 com a canção Ai se eu te pego interpre-
tada por Michel Teló30.
Do ponto de vista musical, ressaltamos que a guitarra perde sua
centralidade, enquanto a sanfona e o violão tornam-se os instrumen-
tos que passam a atuar no primeiro plano dessa nova musicalida-
de. Em relação a sanfona, sua introdução pode ser compreendida
a partir da importância que ganha o gênero gaúcho “vanerão”31 na
construção da representação do sertanejo universitário. Influência
que foi possibilitada pelo processo migratório de sulistas em di-
reção à fronteira agrícola do Centro-Oeste sobretudo aos estados de
Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, epicentros do Sertanejo
Universitário.
O protagonismo do violão, por sua vez, pode ser explicado a par-
tir do surgimento de bares universitários com música “ao-vivo” em
cidades como Campo Grande (MS). Segundo Rocha (2019), dado o li-
mite técnico e a baixa produção musical desses espaços, os shows de
“voz e violão” passaram a ser a alternativa mais fácil e simples para
as novas duplas sertanejas, o que explica a importância que adquire
o instrumento para o gênero musical.
Essas circunstancias nos fornecem elementos para compreen-
dermos o surgimento dessa nova modalidade de música sertaneja
voltada para um público universitário que fora eternizado no disco
Palavras de amor (2005), quando César Menotti dedica uma canção
aos universitários que assistiam à sua apresentação musical. Esta
informação, é corroborada em entrevista32 da dupla ao Programa
do Porchat da Rede Record em 2016, quando o cantor explica o seu

de canções autorais é considerada uma das primeiras duplas formadas do Sertanejo


Universitário (ALONSO, 2015).
30
Nascido em Medianeira (PR), Michel Teló iniciou sua carreira com no Grupo Tra-
dição, no entanto, sua consolidação se deu principalmente a partir do sucesso mun-
dial alcançado por Ai, se eu te pego. (ROCHA, 2019)
31
Gênero dançante originado no Rio Grande do Sul, que guarda um protagonismo da
sanfona enquanto instrumento solista (ROCHA, 2019).
32
<https://www.youtube.com/watch?v=6SrgU8-KI3o> Acesso em: 29/01/2022

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

sucesso nas festas noturnas realizadas para os universitários em


Belo Horizonte (MG). A constituição desse público jovem, os levava
a alterar os acordes e compassos das canções, muitas delas clássicas
do repertório sertanejo como Telefone mudo33, imprimindo, desse
modo, um caráter mais rápido e dançante à sua interpretação.
Uma das razões para a alcunha de “universitário” às novas duplas
que surgiram nesse período, deve-se, portanto, à composição do pú-
blico que os prestigiava, isso sem contar com o fato de que, parte da
primeira geração que formou este gênero cursaram o ensino supe-
rior como João Bosco e Vinícius ou Maria Cecília e Rodolfo34 (ALON-
SO, 2015). De todo modo, as apresentações em barzinhos, seguidas de
sua gravação “ao-vivo”, tornou-se uma marca dessa nova fase, que
abdicou, quase que completamente, da gravação dos discos em es-
túdio (ROCHA, 2019), como ocorria nas fases precedentes da música
sertaneja.
Em relação às suas temáticas, vejamos algumas que se destacam
no gênero, como a postura do “desapego” que se torna um aspecto
frequente. Isso pode ser percebido em Leilão (2005) interpretado
por César Menotti & Fabiano. Nesta canção há uma centralidade do
violão ao fazer a parte harmônica que divide o protagonismo com a
sanfona responsável pelos contornos melódicos da canção. Em Lei-
lão, o eu-lírico apresenta-se como um sujeito que finda um relaciona-
mento que redundou em tensões. A imagem da “saudade”, agora apa-
rece como uma mera possibilidade que será superada pelo eu-lírico,
em troca da “felicidade” e da “liberdade” a ser alcançada pelo indiví-
duo. O refrão é icônico ao articular esse desapego sob o símbolo do
“leilão”: “Eu vou fazer um leilão / quem dá mais pelo meu coração?”.
O final da música é complementado pela fala da dupla que decreta ao
público: “E vamos mandar embora a saudade, a tristeza agora, por-
que aqui não, aqui é só alegria”.

33
Canção famosa a partir da interpretação do Trio Parada Dura.
34
O casal Maria Cecília e Rodolfo se conheceram nos corredores da universidade e
constituíram a primeira geração do sertanejo universitário.

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Modernização agrícola e música sertaneja
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Essa postura do “desapego” aparece em diversas canções do ser-


tanejo universitário como em Chora me liga (2009) interpretada por
João Bosco & Vinícius em que o eu-lírico lamenta a paixão que a in-
terlocutora nutre por ele: “Não era pra você se apaixonar / Era só pra
gente ficar (...) Você sabia que eu era assim / Paixão de uma noite /
Que logo tem fim / Eu te falei / Meu bem eu te falei”. A postura é cla-
ramente distinta da fase anterior quando o eu-lírico declara que não
haverá mais sofrimento em: “Eu sofri muito por amor / Agora eu vou
curtir a vida”.
A busca por um amor efêmero também está presente em Ai, se
eu te pego (2011) e Fugidinha (2010), de Michel Teló, vale notar que
ambas canções tem a “balada” como o cenário para o desenrolar da
história. Na primeira canção, ao sentir-se atraído pela interlocutora,
o indivíduo lança a proposta: “Nossa, nossa / Assim você me mata
/ Ai, se eu te pego”. Já na segunda, o indivíduo declara a vontade de
travar relacionamentos amorosos com a pessoa: “O jeito é dar uma
fugidinha com você”. A figura da “balada” aparecerá em diversas ou-
tras canções como Balada louca (2012) interpretada por Munhoz &
Mariano35 ou Gatinha assanhada (2012) interpretada por Gusttavo
Lima36. Deste último, destacamos no mesmo tema, o sucesso Balada
boa (2011), em que o eu-lírico declara a interlocutora: “Se você me ol-
har, vou querer te pegar / E depois namorar, curtição”, versos esses
que exploram mais uma vez, o desejo de manter um relacionamento
efêmero por parte do eu-lírico. Tal postura de “desapego” aproxima
as canções sertanejas do cancioneiro urbano mais atual, pois essa
característica também é encontrada em gêneros como o axé músic,
o funk, o pagode etc. Logo, a tênue fronteira entre o urbano e o rural,

35
É uma dupla formada em 2006 na cidade de Campo Grande (MS), alcançou a fama
principalmente a partir do quadro musical Garagem do Faustão do programa Domin-
gão do Faustão e da canção Camaro amarelo. (ALONSO, 2015)
36
Artista nascido em Minas Gerais, iniciou sua carreira com canções com temática
sobre balada e passou nos últimos anos a cantar canções com o tema da sofrência, é
considerado um dos artistas mais bem sucedidos na música sertaneja.

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

nesse momento desaparece para dar lugar a uma forma mais recente
de vivenciar as relações amorosas.
Para além de um mero relacionamento descompromissado, a “ba-
lada” é o cenário em que se realiza a festa e a curtição (termo que apa-
rece em Balada boa e dá nome ao disco de 2009 de João Bosco & Viní-
cius) e expressa na música sertaneja universitária a concentração de
expectativa social presente no país que passava pelo aumento inter-
nacional do preço das commodities que permitiu, naquele momento,
um avanço do poder de compra do cidadão brasileiro. Nesse sentido,
os versos de Balada boa já apresentavam, que a “nossa” curtição será
longa: “Quero curtir com você na madrugada / Dançar, pular até o
sol raiar”
A ampliação do poder aquisitivo de uma parcela da sociedade e
expresso a partir da expectativa de uma festa longa vai aparecer em
algumas canções sob a forma de ascensão social e ostentação. Como
em Camaro amarelo (2012) de Munhoz & Mariano que explora um
eu-lírico que narra a posse da herança paterna, o que permite a mu-
dança de vida deste, ao adquirir um carro de luxo que lhe garante
o sucesso desejado para com as mulheres, ou em Vó, tô estourado
(2013) interpretado por Israel Novaes em que o eu-lírico declara que
enquanto sua avó lhe aconselhava estudar, o avô fazia o inverso. A
curtição aparece, portanto, como um elemento possível de ser con-
quistado uma vez que a situação social do eu-lírico não exige o diplo-
ma superior para se viver uma vida com acesso ao consumo: “Já dizia
meu vô, ao contrário da minha vó / Meu filho faça o que é melhor /
Escute agora o conselho que eu vou lhe dar / Não tem nada no mun-
do melhor do que farrear”37.
Ainda assim, a música sertaneja universitária, marcada por
canções que representam relacionamentos rápidos e despreten-
siosos, nunca abdicou de cantar o amor e o romantismo, como é

37
Nascido na cidade de Breves no Pará, Israel Novaes é um artista que construiu sua
obra mesclando o gênero baiano do arrocha com a música sertaneja, dentre suas te-
máticas, destaca-se a da ostentação.

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possível observar na obra de artistas como Luan Santana38 e Fernan-


do & Sorocaba39. Além disso, a partir da segunda década do século
XXI, esta passou por transformações operadas principalmente a
partir da emergência da fase do feminejo, em que se destaca o so-
frimento amoroso do eu-lírico ao mesmo tempo em que apresenta
um sujeito feminino que passa a gozar de uma liberdade individual
anteriormente resguardada para os homens. O que se percebe é que
as tentativas de enquadrar a música sertaneja, em apenas um tipo
específico de representação tende a visões parciais uma vez que não
consegue compreender suas contradições internas.
Diante das discussões realizadas, podemos perceber como o
processo de modernização agrícola e suas consequências (como
as relações desiguais entre o campo e a cidade e o êxodo rural) in-
fluenciaram nas transformações da música sertaneja ao decorrer
da história. Podemos concluir que o surgimento da fase do sertane-
jo universitário coincide com o boom das commodities e a consoli-
dação do agronegócio após um longo período de crises e estagnação
na economia agrícola do país. O sentimento de deslocamento do in-
divíduo e a “saudade” presente nas canções sertanejas dos anos 1980
e 1990, desaparecem na medida em que nos anos 2000 emerge no
cancioneiro sertanejo um indivíduo em perfeita harmonia consigo
mesmo e premente de sucesso amoroso e social. A música sertaneja,
sob a forma de festa, consumo e curtição, de certa forma, repercute
as ilusões do “surgimento” de um novo país marcado pela promes-
sa de sucesso do agronegócio, democratização das universidades e
ascensão da chamada “nova classe média” durante o governo Lula
(2003-2011) (ALONSO, 2015).

38
Luan Santana é um artista de Campo Grande (MS) que iniciou sua carreira em
2009 como um astro teen sertanejo que alcançou fama com a canção Meteoro, suas
canções são marcadas pelo romantismo. (ALONSO, 2015)
39
Dupla sertaneja formada em 2007 na cidade de Londrina (PR). É considerada uma
das duplas mais bem sucedidas no país. Sua obra é marcada por representações acer-
ca do amor e romantismo. (ROCHA, 2019)

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Caique Geovane Oliveira de Carvalho e Antônio da Silva Câmara
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

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92 90
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Por que a agroecologia é um projeto


político?
Considerações sobre novos paradigmas (sobre uto-
pias em tempos de distopias)

Danilo Uzêda da Cruz

Introdução

O debate político e metodológico em torno da agroecologia teve


início no Brasil nos anos 1980, a partir de organizações sociais, or-
ganizações não governamentais, movimentos sociais e associações.
Apenas nos anos 1990 esse debate chega às Ematers e outras insti-
tuições governamentais de assistência técnica e extensão rural, e
no final da década de 1990 e início dos anos 2000 ganha o debate
acadêmico e partidário, passando então a aparecer em formulações
de políticas públicas, teses acadêmicas, debates partidários, etc. A
93
91
Danilo Uzêda da Cruz
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

1
questão em torno da qual se reuniam os debates nos movimentos so-
ciais era a prática ou práticas que pudessem ao mesmo tempo valo-
rizar os saberes e conhecimentos das comunidades rurais (tradições
e culturas) e de outro lado promovesse a transformação social ultra-
passando as alterações e inovações técnicas de cultivo. Era, portanto,
outro caminho distinto daquele que surgira nos anos 1980 sob a ro-
tulagem de agricultura alternativa. Tratava-se de uma mudança de
paradigma que envolvia a relação com a natureza, com a terra, com
os grupos sociais (e intra-grupos) como também um novo universo
simbólico de representações, ideias e projetos políticos de socieda-
de (PETERSEN e ALMEIDA, 2004; CAPORAL, e COSTABEBER, 2000,
IBARRA-COLADO, 2006).
O novo paradigma que passou a se tornar hegemônico nos de-
bates acadêmicos e políticos deslocou o olhar da produção agríco-
la para a cultura de produção (PETERSEN e ALMEIDA, 2004: p 32)
principalmente porque se tratava de pensar e transformar valores,
princípios e da construção de um novo modelo de sociedade a partir
dessa relação com a natureza. Enfrentava de um lado o neoliberalis-
mo, o consumismo, o imediatismo individualista e o industrialismo
predatório, e de outros grupos sociais de pensamento progressista
e progressivista, que situavam a agroecologia como um entrave ao
desenvolvimento. Entretanto a ruptura epistemológica em curso
pretendia alcançar tanto os agricultores e agricultoras familiares,
camponeses, populações rurais como movimentos políticos que
impunham bandeiras contra Wall Street ou contra as oligarquias

1
O pesquisador Fernando Caporal é o primeiro a abordar a Extensão Rural Agro-
ecológica - ERA, em sua tese de doutorado em 1998. Antes dele outras abordagens e
pesquisas já vinham sendo desenvolvidas de forma muita esparsas em universidades
brasileiras sob vários rótulos de economia natural, agricultura ecológica, natural ou
mesmo já consolidado e contraditório debate sobre desenvolvimento sustentável. Na
década de 1960 situa os primeiros trabalhos sobre a importância da microbiologia do
solo com Artur e Ana Primavesi, que na décadaseguinte resultará no clássico Manejo
Ecológico do Solo, que influenciará diversospesquisadores, agrônomos etc. Vale citar
também o papel José Lutzenberger, AdilsonPaschoal e Sebastião Pinheiro e Luiz Car-
los Pinheiro Machado

94
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Por que a agroecologia é um projeto político
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

regionais. E, de forma paradoxal, passou a afastar alguns partidos


progressistas e movimentos sociais de esquerda, da agenda política
de quem defendia a agroecologia como projeto político social e de
desenvolvimento. Em movimentos sociais nacionais, como o MST,
que nos anos 1980 já havia introduzido o discurso crítico à produção
capitalista e a Revolução Verde, somente nos anos 2000 passará a ter
uma agenda coesa sobre agroecologia (LERRER e MEDEIROS, 2014).
Assim, seja por meio do debate acadêmico ou dos movimentos
sociais, as ideias, valores, crenças e objetivos dos atores sociais e po-
líticos mobilizados em torno da agroecologia passaram a convergir
para um sistema de crenças compartilhado (SABATIER, 1999) em tor-
no do qual o projeto político agroecológico se constituiu. A demar-
cação de uma ruptura epistemológica foi mais um passo para que a
agroecologia ultrapassasse a inútil barreira entre as práticas de agri-
cultura para uma nova concepção de mundo. Foi portanto aderindo,
gradativamente, um campo político de contestação que exigia uma
nova agenda alternativa à modernização da agricultura como tam-
bém ao padrão de consumo do capitalismo contemporâneo.
A estratégia de mobilização social e política que passou a reunir
os atores políticos de diversas frentes – por vezes antagônicas na dis-
puta eleitoral e comunitária. Notadamente envolveram-se os atores
de alguma maneira engajados e atuantes do mundo rural, por um
desenvolvimento alternativo (NORDER et al., 2015) ou mesmo no
vasto campo do desenvolvimento sustentável, como uma linha ra-
dical, e ainda no âmbito das esquerdas com o ecossocialismo, socia-
lismo verde ou socialismo ecologista, como tendências internas aos
partidos de esquerda ou movimentos políticos societais.
Aqui nos encontramos com o propósito desse capítulo, que é com-
preender o projeto político da agroecologia, que considerou reunir
sistemas de mundo tão distintos, como também apresentar uma
alternativa societal, uma nova utopia social, em tempos de obscu-
rantismos e negacionismos socialmente degradantes. Em tempos
de desdemocratização e autoritarismos, em uma palavra distopias, é
possível se tornar a agroecologia um projeto político ao derredor do
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Danilo Uzêda da Cruz
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

qual convirjam forças sociais e políticas, nacionais e regionais, que


viabilizem um novo modelo econômico e de desenvolvimento sob os
princípios agroecológicos?
Em primeiro lugar precisemos melhor a noção de projeto políti-
co. Para Dagnino, Olvera e Panfichi a noção de projeto político é o
“(...) conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, repre-
sentações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação
política dos diferentes sujeitos” (2006: 38). Essa construção ladeada
a conceito de visão de mundo gramsciano, nos possibilita refletir as
relações sociais e estas com o sistema político como uma construção
histórica portanto como produto da ação política dos grupos sociais
na esfera pública (DAGNINO, 2002, 2004 apud TOMAZINI, 2014).
Ainda segundo Dagnino, Olvera e Panfichi (2006 : p. 39),

A noção de projeto carrega consigo, portanto, a afirmação da polí-


tica como um terreno que é também estruturado por escolhas, ex-
pressas nas ações dos sujeitos, orientados por um conjunto de repre-
sentações, valores, crenças e interesses. Escolhas que estabelecem
relações conflitivas (...).

Nesse sentido o processo de ensino-aprendizagem assume pa-


pel decisivo em um modelo analítico orientado por uma análise do
projeto político para pensar o mundo rural brasileiro (SABATIER e
JENKINS-SMITH, 1999). Para os autores a análise da interação ne-
cessária para construir modelos alternativos em que a ação política
é força contracorrente ou contra hegemônica a modelos societais
estabelecidos, a ênfase central deve estar em processos que possibi-
litem forjar novas e alternativas visões de mundo, portanto projetos
políticos divergentes – não necessariamente agonísticos – mas cate-
goricamente antagônicos, porque partindo de princípios, valores e
ideais situados do outro lado da margem do rio.
São, portanto, complementares as concepções entre processos
de ensino-aprendizagem (construção de modelos epistemológicos) e
projeto político (modelo de ação política) (TOMAZINI, 2014).

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Por que a agroecologia é um projeto político
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

É a partir dessa perspectiva que podemos compreender de que se


trata o projeto político agroecológico e porque ele é um contrahege-
monico, portanto em construção de convencimentos. Não apenas
políticos mas, sobretudo, epistêmicos. A agroecologia é, portanto
nesse artigo tratada como um leitmotiv que, assim como outros te-
mas passou a integrar as pautas e agendas de lutas de movimentos
sociais, governos e atores políticos comunitários, assim como de gru-
pos privados específicos. A agenda de políticas públicas que emer-
gem do projeto agroecológico resultam do conflito e competição de
grupos sociais e no aparelho do Estado, em defesa dos interesses de
seus grupos como também em nome de uma “causa” societal (DAG-
NINO, OLVERA e PANFICHI, 2006; SABATIER e SCHLAGER, 2000).
Dado a complexidade das sociedades contemporâneas, e a for-
mação de sistemas mundo também complexos, já não podem ser vis-
tas, desde os anos 1990, isoladas ou em nome de classes abrangentes
o suficiente para se perder de vista. Retornando a Dagnino, Olvera e
Panfichi (2004) essas lutas ao derredor de agendas de políticas pú-
blicas ou projetos políticos acontecem mediante acordos políticos,
em que os grupos que se juntam para a defesa de causas, os atores
passam a compartilhar um determinado sistema de valores, sem se
confundirem como classes sociais – raramente antagônicas – mas
como frações de classes em situações sociais ou econômicas diferen-
tes, dividindo assim nas condições específicas de classe, mas unidas
em coalizões políticas para a defesa do sistema de crenças e valores
determinado. Esse sistema de crenças compõe a visão de mundo de
um determinado grupo social, ou seja, são seus valores, represen-
tações, concepções e narrativas de mundo, percepções e construções
político-ideológica sobre o mundo.
A agroecologia consegue assim reunir em torno de seus princí-
pios práticos e epistêmicos uma ampla rede colaborativa, como pro-
jeto político2, com o objetivo de superar o desenvolvimento capita-

2
Nem sempre quando falamos sobre “grande rede” estamos nos referindo à quanti-
dade de pessoas, mas de organizações, lideranças políticas e comunitárias, ONGs, etc.

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Danilo Uzêda da Cruz
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

lista, e fazendo convergir para a o projeto político atores públicos e


não públicos que não necessariamente atuam sob uma mesma orga-
nização ou fazem parte de um mesmo grupo social. Movimentam-se
em torno de um conteúdo e não de formas de ação (HASSENTEUFEL
2014). Mobilizam e são mobilizadas de seus próprios espaços sociais
em torno de um conteúdo político que é outro (novo) desenvolvimen-
to rural e agrícola. Desse modo o artigo busca compreender o projeto
político agroecológico por meio do seu sistema de ensino-aprendiza-
gem, instituições e narrativas, e em torno do qual a ação política faz
convergir para o sistema de crenças da agroecologia.
Serão analisados os documentos elaborados nos Encontros Na-
cionais de Articulação (ENA), Encontros Baianos de agroecologia,
Cartas produzidas pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA),
anais de Congressos e cadernos dos Grupos de Trabalho, artigos da
Revista Brasileira de Agroecologia e entrevistas de lideranças e di-
rigentes da agenda de agroecologia na Bahia. Parte dos documentos
encontra-se disponível nas páginas institucionais e dos eventos aca-
dêmicos. Também fizemos uso de um acervo pessoal de entrevistas
realizadas. Toda a documentação pesquisada situa-se entre os anos
de 2003 e 2018. Mais do que reconstituir ano a ano o desenvolvimen-
to das ações e a reconstrução histórica dos eventos e narrativas isola-
das sobre agroecologia, buscamos compreender qual o projeto políti-
co agroecológico expressado nesses espaços públicos de participação
política e acadêmica, com a presença de atores de diversos grupos
sociais e mobilizado por cenários e contextos diferentes.

Das comunidades eclesiais de base a agricultura alternativa

As comunidades eclesiais de base foram lugar de criação e resis-


tência durante os anos duros da ditadura militar (1964-1985), possi-
bilitando não apenas a resistência política e cultural ao regime mili-
tar como também o surgimento de partidos e movimentos políticos
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Por que a agroecologia é um projeto político
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

democráticos, concepções de mundo e alternativas pedagógicas e


um amplo movimento extensionista rural (CRUZ e UZÊDA, 2020;
PETERSEN e ALMEIDA, 2006; BETTO, 1985). É também consenso na
literatura que foi a partir da experimentação e debate comunitário
que o movimento agroecológico brasileiro surgiu, principalmente a
partir da ação política da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que já
em 1975 mobilizava politicamente o campesinato como também pro-
punha alternativas aos modelos capitalistas na agricultura. É então a
partir dessas mais de 80 mil Comunidades Eclesiais de Base (BETTO,
1985) que os processos pedagógicos e de transformação social que as
populações rurais e suas comunidades passaram a refletir de forma
política sobre a realidade e buscar alternativas para a superação da
condição de precariedade que vivenciavam.
A organização das CEBs e a orientação para refletir do cotidiano
para o mundo (ver, julgar e agir) constitui-se uma relevante orien-
tação política para a resistência ao regime militar como também aos
modelos hegemônicos de desenvolvimento rural (CRUZ e UZÊDA,
2020; PETERSEN e ALMEIDA, 2006). Para isso o a experimentação de
práticas culturais locais, dinâmicas inovadoras e criativas no proces-
so produtivo passam a constituir e repercutir nas formas de convívio
social das famílias rurais e práticas de cooperação. São essas práti-
cas voltadas para a harmonia ambiental e autonomia material e de
conhecimento que vão criar novas técnicas de manejo e uso do solo,
da mata nativa e da convivência com o ambiente. Adubação orgâni-
ca, adubos verdes, práticas de conservação do solo e valorização das
plantas medicinais, são parte das experimentações realizadas pelas
CEBs nas comunidades rurais, além do controle natural e orgânico
de insetos. Paralelo a isso as CEBs buscavam organizar a comunidade
com o incentivo a processos coletivos e cooperação associativa com
gestão e execução de projetos produtivos coletivos. Casas de farinha,
bancos de sementes e mudas, mutirões, etc., são práticas exercitadas
nessas comunidades. Como contracorrente à produção de exceden-
te ou à industrialização de alimentos, essas comunidades tinham
como prioridade a produção de alimentos para o autoconsumo das
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

famílias para garantir a autonomia alimentar e uma alimentação


saudável, livre de veneno e agrotóxicos. Justamente algumas das
questões cruciais para o projeto político agroecológico, já que:

Foi exatamente a partir da valorização desses ambientes locais de


organização sociopolítica criados pelas CEBs que o ‘movimento agro-
ecológico’ no Brasil deu seus primeiros passos” (Petersen e Almeida,
2006, p. 15).

Esse aprendizado e contexto possibilitam o surgimento de novos


movimentos sociais e lideranças políticas dentro do movimento sin-
dical rural, como também ONGs ligadas às lutas do campo. Conco-
rreram para o tensionamento que levou ao fim os mais de 20 anos de
regime autoritário e violento.
A década seguinte abrirá espaço para o debate e prática da agri-
cultura alternativa, como produto dessa experiência primeira, e tam-
bém de outras experiências do continente latino-americano. ONGs e
sindicatos rurais assumem aos poucos o espaço deixado pelas CEBs,
mas ainda com orientação da Comissão Pastoral da Terra (CPT). É
inclusive da CPT a decisão política de continuidade ao inventivo e
apoio à reorganização dos movimentos sociais e da abertura para a
articulação nacional por uma agricultura alternativa e um novo mo-
delo agrícola de desenvolvimento (GRISA e SCHNEIDER, 2015; PE-
TERSEN e ALMEIDA, 2006).
Esse debate ainda não havia conseguido, entretanto, se tornar
hegemônico nas populações rurais. A violência no campo, o enfren-
tamento ao latifúndio e reforma agrária, o êxodo e a pobreza rural
tomam quase que a totalidade da agenda política dos movimentos
sociais, inclusive aquele que se tornaria o maior movimento social
rural após as Ligas Camponesas, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra (MST).
Ainda assim, ao longo da década de 1980 diversas iniciativas
configuram a agenda política da agricultura alternativa, que combi-
nava ora o enfrentamento à Revolução Verde, ora aos métodos di-
fusionistas, e no mar das vezes identificavam-se com a luta conta à
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Por que a agroecologia é um projeto político
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

monocultura e uso de agrotóxicos (GRISA e SCHNEIDER, 2015). Os


movimentos sociais que passaram a incorporar a pauta ambientalis-
ta ao longo da segunda metade dos anos 1980 e início dos anos 1990
mobilizaram além das narrativas contra o latifúndio um novo ele-
mento. Os impactos da industrialização da agricultura e do capita-
lismo no campo saíram da espera dos costumes e da família para um
debate mundial. Degradação dos solos, destruição da biodiversida-
de, incluindo a diversidade de sementes, desmatamento, destruição
de mananciais hídricos e de solos, uso de fertilizantes e agrotóxicos
para aceleramento da produção e combate a insetos, etc., passam a
constar na agenda de luta dos principais movimento sociais do cam-
po, inclusive dos sindicatos rurais, até então enfeixados na questão
previdenciária. O pacote tecnológico da Revolução Verde e as políti-
cas públicas, que eram caudatárias, ganhavam novos e importantes
questionamentos, não apenas porque causavam dependência aos
agricultores, mas, sobretudo porque destruíam solos e mananciais
hídricos. Entidades de classe e movimento estudantil entram nas dis-
putas políticas aderindo a pauta dos movimentos do campo (CRUZ e
UZÊDA, 2020; LONDRES, 2011; PETERSEN e ALMEIDA, 2006). Den-
tre as diversas influências uma bibliografia específica passa a dialo-
gar diretamente com o tema da agricultura alternativa, associando a
extensão rural e conservação ambiental.
Nesse contexto experimental e de mobilização a Estância De-
métria no município de Botucatu/SP e a agricultura biodinâmica já
trilhavam um caminho a partir de práticas de cultivo e manejo des-
de 1974. Apenas nos anos 1980 entram em cena novos personagens,
para usar a expressão do livro de Eder Sader (2007), utilizando esse
potencial criativo e experimental das escolas agrícolas e experiên-
cias isoladas de grupos produtivos. São cooperativas, associações,
ONGs em interlocução com Universidades e profissionais das ciên-
cias agrárias que se mobilizam para exercitar práticas, princípios e
valores agroecológicos em propriedades familiares no meio rural
em posição contracorrente já que o discurso hegemônico tratou de
normatizar a Revolução Verde como modelo a ser seguido, inclusive
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por assentamentos rurais, propriedades familiares e comunidades


tradicionais.
Essa narrativa hegemônica desencadeou dentro e fora da acade-
mia um discurso de descredenciamento dessa perspectiva, que es-
tamos tratando aqui como projeto político. Vista como sinônimo de
atraso e fragmentação, a agroecologia em seu nascimento encontrou
forteresistência das populações rurais e do meio científico.
Em 1981, é realizado o I Encontro Brasileiro de Agricultura Al-
ternativa (EBAA), seguido de três outros encontros com esse mesmo
tema. Os encontros realizados até a quarta edição possibilitaram a
nacionalização do debate em torno do projeto político agroecológi-
co, incorporando diversos grupos sociais e acadêmicos3. Pesqusiado-
res, estudantes, extensionistas, técnicos, dirigentes de movimentos
sociais do campo, sindicatos rurais, e equipes do Projeto Tecnologias
Alternativas da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educa-
cional (PTA-Fase) como também ONGs que a essa altura já estavam
também influenciadas e convencidas por um movimento vindo de
fora do Brasil, particularmente o movimento ambientalista (CRUZ e
UZÊDA, 2020).
Os debates giraram ao derredor de três eixos centrais, conside-
rando que as divergências metodológicas e políticas se explicitaram
desde os primeiros momentos. Essas divergências, no mar das vezes,
acompanhavam os grupos em suas formações políticas e ideológicas.
A CPT e PTA-Fase traziam uma relação de experiência e alguns anos
na defesa contrahegemonica do modelo de agricultura. Realizavam a
defesa das experiências dos agricultores e sua participação na cons-
trução coletiva de políticas, com a utilização de metodologias partici-
pativas (PADULA, 2013). O meio acadêmico entretanto reagiu a essa
vertente, uma vez que tinham como prioridade o aprimoramento
por meio de palestras voltadas para pesquisadores e técnicos agríco-
las, sem a participação dos agricultores. Essa divergência conceitual

3
Os Anais de dois encontros (II e III) estão disponíveis em https://aba-agroecologia.
org.br/download/anais-do-ii-encontro-brasileiro-de-agricultura-alternativa/.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

e metodológica ficou explícita no III EBAA, realizado em Cuiabá/MT,


em 1987 (ANAIS/EBA, 1987). O IV e último EBAA, realizado em 1989,
acirrou as divergências com a retirada da Rede PTA-Fase e inviabili-
zação do encontro seguinte.
O alargamento dos debates em torno do projeto político agroeco-
lógico gerou um amplo espectro multi-situado com bandeiras de luta
que passavam pelo sindicalismo rural, movimentos sociais nacio-
nais, como o MST, mas que também fundamentaram o surgimento
de ONGs do campo agroecológico.
A experiência do PTA-Fase, inaugurado em 1983, e a constituição
da Rede PTA a partir de 1988, serve de marco para a inauguração de
ONGs especializadas no debate sobre agroecologia. Derivaram desse
projeto inicial “ONGs rurais” que passaram a prestar assistência téc-
nica e realizar serviços de extensão rural agroecológica ou de matriz
agroecológica. Segundo Sambuichi et all (2017), o:

Centro de Tecnologias Alternativas (CTA), de Ouricuri/PE, deu ori-


gem ao Centro de As-sessoria e Apoio aos Trabalhadores e Insti-
tuições não Governamentais Alternativas (Caatinga); o PTA-Bahia
originou o Serviço de Assessoria a Organizações Popula-res Rurais
(Sasop); e o CTA Montes Claros, o Centro de Agricultura Alternati-
va (CAA) do Norte de Minas Gerais. Reunindo os coordenadores do
(até então) PTA-Fase, a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricul-
tura Alternativa (AS-PTA) foi inicialmente criada com o único objeti-
vo de prestar assessoria metodológica às organizações da Rede PTA,
mas não tardou a, assim como as outras ONGs da Rede, iniciar seus
próprios programas de desenvolvimento local (SAMBBUICHI, 2017:
p. 57)

Além disso se reafirmava nos centros de educação agrícola e es-


colas de família agrícola a agricultura alternativa e projeto agroeco-
lógico como uma alternativa que ultrapassava os limites do campo
(SAMBUICHI, 2017).
Por um lado essas organizações criticavam duramente os mode-
los difusionistas e a modernização agrícola via pacotes tecnológicos.
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Por outro possibilitavam novas experiências e aprendizados para as


populações do campo, combinando transformação social e os sabe-
res dessas populações.
A característica central dessas primeiras iniciativas era no cam-
po da identificação e sistematização das experiências existentes,
com pouco espaço para empreender um debate mais profundo sobre
transformação social ou mesmo para novas alternativas (SAMBUI-
CHI, 2017; PETERSEN E ALMEIDA, 2006). Isso não reduziu a mobili-
zação. Surgiram até início dos anos 200 diversas escolas agrícolas e
centros de tecnologia alternativa tendo como base essa experiência,
que também foi difundida nos assentamentos do MST, CETA, CPT,
e outras organizações sociais. Esse empreendimento político segun-
do Petersen e Almeida (2006) possibilitou a consolidação do campo
de conhecimento da agroecologia, como também fez desenvolver
em comunidades rurais a compreensão de que o projeto político
agroecológico.
Entretanto enquanto nas comunidades o trabalho érea realizado
e apoiado por sindicatos rurais, lideranças nacionais dos movimen-
tos mesclavam apoios políticos a antigas e tradicionais, como acenos
a práticas conservadoras em agricultura e neoliberalismo (CRUZ e
UZÊDA, 2020; PETERSEN e ALMEIDA, 2006), o que dificultava a arti-
culação e organização do projeto político agroecológico.
O tempo e a relação com a natureza era de impossível conciliação
com o neoliberalismo ou com a forma como as oligarquias regionais
lidavam com a agricultura e temas transversais como a questão do
trabalho e precarização, o uso ou não de veneno na produção, etc.
Para uma parte dessas lideranças o debate agroecológico era se-
cundário, primeiro porque significavam um retrocesso tecnológico,
segundo porque ao lutar contra a Revolução Verde disputa técnica e
não política. Por último, entendiam que o trabalho com tecnologias
alternativas traduzia o afastamento da luta de classes, pela reforma
agrária e pelos direitos dos trabalhadores (SAMBUICHI, 2017; PE-
TERSEN e ALMEIDA, 2006).

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Ao interpretar o projeto político agroecológico dessa forma as


lideranças nacionais demonstravam que havia um hiato enorme
entre a experiência da agroecologia e a luta política até o início dos
anos 2000. Também demonstram o poder da ideologia modernizan-
do em uma geração inteira. A interpretação de que a agroecologia
é um instrumento e não projeto político os principais movimentos
entraram nos anos 2000 em conflito explícito ou velado com o pen-
samento, prática e organizações agroecológicas.
Apenas a chegada de novos movimentos e uma conjuntura demo-
crática mais ampla que essa narrativa se modifica alcançando novos
movimentos e uma articulação verdadeiramente nacional.

A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), breve


percurso.

É justamente e em consenso com uma abordagem produto não


apenas da virada epistemológica dos anos 2000, mas também de
uma onda democratizante que a “novidade” do projeto político
agroecológico aparece nos debates nacionais (CRUZ, 2021). Em toda
a América Latina esse debate apareceria no meio acadêmico já em
meados dos anos 1980, embalado por um projeto político original e
posteriormente batizado de bién vivir (SILVA e GUEDES, 2017). Trata-
va-se de um projeto de sociedade pensado e refletido por populações
originárias do continente cuja harmonia e a relação com a natureza
de forma respeitosa está presente em parte dos discursos e narrati-
vas agroecológicas.
Para mobilizar nacionalmente e viabilizar uma relação com o
Estado à sociedade civil promove o primeiro Encontro Nacional
de Agroecologia, justamente no Rio de Janeiro ontem uma década
antes, a Rio 92, havia protagonizado um espaço internacional para
pensar as questões ambientais. O I ENA deu visibilidade nacional-
mente à diversidade cultural e ambiental, e às diversas experiências
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em agroecologia já em curso no país. Contando com mais de 1.200


participantes (SAMBUICHI et all, 2017) envolveu ainda um número
aproximadamente quatro vezes maior de participantes nas etapas
estaduais e preparatórias. Alguns Estados como o Rio de Janeiro,
São Paulo, Bahia e Ceará realizaram inclusive etapas municipais em
diversos municípios. Esse contexto viabilizou que fosse criada ain-
da em 2002, logo após o encontro, a Articulação Nacional de Agro-
ecologia4. Esse encontro consolida uma ampla aliança em torno da
agroecologia e temas norteadores, em debate desde os anos 1990. O
desenvolvimento rural, biodiversidade, soberania e segurança ali-
mentar, mulheres e a agroecologia, agroenergia, segurança hídri-
ca, financiamento público, passam a constar nas bandeiras de luta
dos movimentos ligados ao debate agroecológico, sem deixa de lado
questões como pobreza rural, recursos e mananciais, etc., e políticas
públicas para o campo. Passam gradativamente a compor temas que
tem como centralidade o debate sobre a agroecologia, sem prejuízos
das demais temáticas (DIAS, 2004; LUZZI, 2007; SILIPRANDI, 2009).
Ao contrário de buscar uma unidade organizacional, esse novo
momento do projeto político agroecológico buscou articular atores
sociais e organizações em torno dos temas de relevo para a agro-
ecologia em uma inovadora articulação em rede, ou seja multiins-
titucional, cujo elemento inegociável era a luta em torno do campo
agroecológico.
O encontro é mais um momento de reflexão e reafirmação da
pauta construída coletivamente, já com a novas forças sociais, como
o MST, o MPA, a Fetraf e a CONTAG, enfrentando o debate interno
e fazendo repercutir em suas bandeiras e jornadas de luta, combi-
nando ainda a luta contra o agronegócio. Também assistiu-se um
cenário favorável no plano federal ao longo da primeira década
dos anos 2000, em que os espaços participativos foram fomentados
pelo governo, assim como também viu-se surgir cursos e iniciativas
acadêmicas específicas em agroecologia. O mundo rural voltava ao

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https://agroecologia.org.br/

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debate público agora com novos e interligados elementos, no plano


das políticas públicas e dos projetos organizacionais, com forte apelo
social para o tema.
O espaço plural e o ambiente democratizante convidou diver-
sos atores sociais para, em torno do campo agroecológico construir
e aprofundar a articulação nacional, com o compartilhamento da
atuação voltada para a ação, relembrando a forma de fazer das CEBs
(MASSARDIER et al., 2012).
Defesa da natureza, justiça social e outro desenvolvimento rural
com inclusão deixam de ser dilemas em uma estratégia que permite,
até mesmo a convivência e participação do mercado (inclusive o fi-
nanceiro). Ou seja, um vasto sistema de crenças cujo movimento co-
letivo é a transformação (ENA, 2003a). Entretanto, ao contrário dos
ensaios anteriores de formação de uma agenda nacional e um ator
unificado, essa estratégia permite e consolida uma prática a partir
das unidades subnacionais, incluindo Estado e municípios, para que
em cada unidade a pressão social possa ir moldando e inserindo a
agenda agroecológica nas políticas públicas.
A atuação em rede, novidade na política nacional, passou a in-
cluenciar diversos movimentos, até mesmo os mais tradicionais,
como o movimento sem terra e por moradia (GOHN, 2012). A ANA
é menos uma instituição e mais um amplo espaço de divulgação do
projeto político agroecológico. E ainda: por estar menos preocupa-
da com consensos fora da agenda agroecológica permite aos atores
sociais articulações locais e regionais que não engessam ou inviabi-
lizam a participação em diálogos plurais se fazendo presente como
em espaços multidisciplinares. “O papel da ANA não é de formular
ou executar estratégias de forma centralizada(...)”, diz documento da
Articulação:

(...) nem de substituir, exceder, coordenar ou interferir na autonomia


das diferentes redes e organizações. A existência da ANA se exprime
e se justifica pela necessidade de interação e de fecundação mútua
entre as redes e organizações que a compõem, para que juntos possa-

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mos construir crescentes capacidades de influência para o desenvol-


vimento rural no Brasil” (ANA, 2007a: anexo p.1).

O projeto político de médio prazo é participar nas políticas pú-


blicas com mudanças de valores e inserção de uma agenda para a
agricultura nacional. No longo prazo, a inversão do modelo de desen-
volvimento produtivista para alternativas em que sustentabilidade
não seja apenas uma frase de efeito.

A formação de um projeto político agroecológico.

A noção de um projeto político, como define Dagnino, Olvera e


Panfichi (2006), envolve não apenas a existência de uma base social
em movimento e demandante. É preciso constituir uma narrativa,
representações sociais e políticas convincentes para atrair e manter
coeso o grupo demandante, como também ter um caráter universa-
lista, já que deve alcançar mais pessoas do que o grupo para dentro
dele mesmo.
Nesses termos os documentos produzidos após os encontros, re-
uniões, plenárias, seminários e formações ainda estão para serem
estudados em sua dimensão política e formativa. As diversas cartas
políticas são a interlocução do coletivo ANA com o conjunto da so-
ciedade. E, de certa maneira, contribuem para a formação política de
novos quadros para o projeto agroecológico.
Diferente de outros projetos sociais até o final da década de 1990,
a expressão por meio de redes sociais com a utilização da internet
para divulgar e estender a narrativa para outros públicos tornou-se
a prática mais comum de alcançar mais pessoas de forma rápida.
Comunicar uma ação ou um evento, bem como ter perspectiva de
quantas pessoas, em média-dia, leram uma carta produzida para de-
nunciar ou protestar em torno de determinado tema é um procedi-
mento corriqueiro para a Articulação. Em comissões mistas, plurais
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e representativas os documentos traduzem posicionamentos, orien-


tações e debates que constituem o corpus político-ideológico da Ar-
ticulação (ANA, 2014b: p.49). Estabelece aquilo que no sistema de
crenças e valores torna-se fundamental para o projeto político que é
o reconhecimento e a construção da ação pública (TOMAZINI e LU-
KIC, 2013).
Os atores sociais também influenciam na construção do projeto
político, estejam eles em organizações ou não. Os grupos de pressão
do rural são claramente divididos em dois grandes grupos. De um
lado o agronegócio, com suas frações de classe, do outro a agricultu-
ra familiar e camponesa, com suas frações políticas e configurações
regionais. Com o parte da tarefa do sistema político é administrar
o conflito entre os grupos, mediante o acordo entre as partes ou o
estabelecimento das regras do jogo para a luta entre os grupos (DYE,
2005) barganha de forma mais efetiva o grupo que tem mais poder
e influencia nos governos, o que nem sempre promove uma nego-
ciação em igualdade e equilíbrio dos interesses coletivos. A oficiali-
zação desses acordos e interesses se dá mediante políticas públicas
eficazes para o enfrentamento ao problema ou demanda apresen-
tado, mas também na fiscalização para o cumprimento efetivo dos
acordos e determinações de interesse público (DYE, 2005).
Esses valores são os responsáveis por manter a coesão da Articu-
lação, ou como aponta Hassenteufel (2014) são mesmo o núcleo cru-
cial para que o projeto político se torne ação política. Questões sobre
o Estado, sobre segurança alimentar e uso do solo, por exemplo, são
evocadas nos encontros assim como nas cartas políticas. O sentido
não é somente dizer quais e quantos sãos os adversários. A questão
está em garantir que a defesa da agroecologia seja a prioridade do
amplo grupo em rede.
Para Caporal (2012) para quem defende a agroecologia a questão
central é sustentabilidade e a vida digna, ao contrário de quem de-
fende o agronegócio que é o lucro e a produtividade, por exemplo.
Isso demarca os lugares estratégicos da ação política, mas também
os valores que definem cada projeto político societal. Não é possível
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Danilo Uzêda da Cruz
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

abrir exceção para políticas que destruam a natureza, e pior ainda


sob o pretexto de que busca garantir emprego e renda (ENA, 2003a).
Qualquer política deve antepor uma vida saudável e socialmente se-
gura para curto, médio e longo prazo. Por essa razão há uma aderên-
cia forte da agroecologia com setores da esquerda, sobretudo o eco-
socialismo. Ainda com Caporal e Petersen (2012: p.66) a agroecologia
brasileira passou a tratar de forma única a transformação social (e
econômica) à defesa da agricultura familiar e camponesa, como tam-
bém à supressão de um falso dilema (humano) entre viver e cuidar
da natureza.
Ao denunciar o agronegócio e o Estado que protege e alimenta
essa política como opositores ao projeto político a Articulação em
seus documentos políticos identifica que:

Os problemas são inúmeros: concentração fundiária, violência, êxo-


do rural, desemprego, degradação do patrimônio ambiental (dos re-
cursos da biodiversidade, do solo e da água), ameaça às culturas tra-
dicionais, insegurança alimentar e nutricional, entre outros (ANA,
2006: p.2).

Valores inegociáveis para a ANA e suas organizações. Esse desas-


tre em curso promovido pelo Estado e pelo agronegócio gera uma
“cadeia de impactos negativos que irradiam no conjunto da socieda-
de brasileira”, dizem respeito a posições de classe, projetos societais
e padrões de consumo na forma de práticas corriqueiras tendo como
principal responsável o modelo de desenvolvimento produtivista na
agricultura, cujo protagonista é o agronegócio, com a anuência e fi-
nanciamento do Estado.

O agronegócio é a expressão do modelo de desenvolvimento atual


que perpetua há cinco séculos a dominação das elites agrárias no
meio rural brasileiro. Este modelo se manifesta nos desertos verdes
das monoculturas de eucalipto, pinus, soja, cana de açúcar, algodão,
nos sistemas de integração agroindustrial do tabaco, das aves, dos
porcos, e mais recentemente dos biocombustíveis (ANA, 2006: p.1).

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Por que a agroecologia é um projeto político
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Como parte da construção do projeto político a narrativa agro-


ecológica situou de forma gradativa a oposição a esse projeto em dois
atores políticos. O primeiro é o Estado, que financia e abriga o neo-
liberalismo. O segundo é o agronegócio, como marca da depredação
ambiental, mas também da construção do padrão de consumo.
Nem mesmo o ambiente democrático vivido nos primeiros anos
do novo século desmontou a participação estatal (e dos governos) na
construção de políticas em lado oposto a agroecologia e aos movi-
mentos do campo.
Nos anos 2000 ao mesmo tempo em que as associações, os movi-
mentos sociais e as organizações da ANA participavam ativamente
(de maneira coletiva ou individualizada) da construção de políticas
públicas para a agricultura familiar (como é o caso do Pronaf, ou
ainda a reestruturação da PNATER), compreendeu-se que as orien-
tações políticas do governo não estavam em acordo com os valores e
objetivos defendidos pela agroecologia. Levando a uma parcial apro-
vação do documento que resultou a PNATER, por exemplo. Também
ficou explícito por exemplo na disputa pela construção da política de
reforma agrária (CRUZ e UZÊDA, 2020; SOBREIRO, 2011; FERNAN-
DES, 2008 e SABOURIN, 2007).
Contraditoriamente, ao longo dos dois mandatos do então presi-
dente Lula o agronegócio bateu recordes de safra e exportação. En-
quanto as políticas para a agroecologia patinavam com orçamentos
inexpressivos, mas também pouco eficazes diante da política econô-
mica. O investimento no PRONAF foi também ampliado, mas não se
compara ao crescimento ou valor absoluto do investimento público
e privado em pesquisa, desenvolvimento e processos produtivos para
o agronegócio. A presença de grupos de esquerda no governo e de
representantes dos movimentos sociais tornou ainda mais confuso
o projeto político agroecológico, fragmentando a construção de uma
narrativa coesa, como propôs no início da década a ANA e outros ato-
res demandantes da agenda agroecológica.
Assim como o agronegócio, os atores sociais identificaram que o
Estado, sob os mandatos de Lula e Dilma, mas também os seguintes
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Danilo Uzêda da Cruz
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

ao golpe parlamentar, foram incapazes de conter e romper de rom-


per com a lógica modernizadora na agricultura. Para a ANA a repro-
dução do agronegócio existe apoiada justamente no Estado (ANA,
2006a), inviabilizando projetos alternativos, como a agroecologia,
economia solidária, etc., e em última instância do próprio modelo de
desenvolvimento rural sustentável, tornando o discurso distinto da
prática política e das políticas implementadas (ANA, 2011).
A incapacidade de gerenciar e equilibrar esses projetos estão lar-
gamente identificadas na distância entre as políticas públicas apro-
vadas, nas estratégias e nos recursos empregados para o desenvol-
vimento, de um lado da manutenção do agronegócio como modelo
estratégico do Estado brasileiro, de outro das práticas, recursos e
estratégias para o desenvolvimento da agroecologia ou modelos de
desenvolvimento rural sustentável.
Assim, apesar de ter significado um divisor de águas a Política
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO, aprovada
em 2012 e instituída para o biênio 2013-2015 manteve a maioria das
ações paralisadas ou sem recursos diante do quadro político que as-
sombrou o país desde 2015. Também não representou uma mudança
institucional para dentro dos governos, não refletindo em mudança
do paradigma de desenvolvimento em curso.

Considerações finais

O projeto político agroecológico está em curso. Identificamos que


as ONGs, movimentos sociais e organizações sindicais estão aprimo-
rando o debate e os espaços de ensino-aprendizagem em suas orga-
nizações para debater o tema. Também encontramos de forma con-
sistente programas de graduação e pós-graduação interdisciplinares
que tem como eixo condutor a agroecologia, o desenvolvimento sus-
tentável ou propostas alternativas de desenvolvimento rural. Assim,
em que pese o revés político dos últimos cinco anos, em desfavor
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Por que a agroecologia é um projeto político
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

da democracia, não há espaço para pensar que o projeto polítioc da


agroecologia naufragou.
A emergência de um saber que contestou o modelo de desenvolvi-
mento ao longo dos anos 1970 e de forma mais consistente e organi-
zada a partir dos anos 1990 e 2000, indica que há uma ampla coalisão
em torno do projeto político agroecológico. Projeto que mexe e dis-
cute estratégias políticas, disputa narrativas sobre o desenvolvimen-
to rural, debate o conhecimento acadêmico e forma culturalmente
visões de mundo para outras possiblidades de desenvolvimento.
A mobilização dos encontros, como também da Articulação Na-
cional de Agroecologia é observada nesse trabalho como resultado
das diversas frentes abertas em três décadas pelas CEBs e CPT. Mas
também como espaço renovado para o empreendimento do deba-
te e da ação na esfera pública para a formulação de alternativas de
desenvolvimento rural e agrícola alicerçadas em paradigmas que
variam desde o ecosocialismo até alternativas neodesenvolvimentis-
tas. O espaço que o tema abriu nos governos Lula e Dilma entre 2002
e 2015 demonstram aderência ou possibilidade de diálogo paralelo
com outros projetos políticos (SCHMITT e GRISA, 2013).A construção
de espaços nos Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento
Agrário demonstram a permeabilidade institucional para a temática
(ABERS, SERAFIM e TATAGIBA, 2011). Essa construção foi inviabili-
zada por segmentos do agronegócio que também dialogavam com os
governos de então e, em última instância, pelo próprio governo que
não assegurou orçamento e recursos necessários para o desenvolvi-
mento das políticas públicas.
No ciclo seguinte, pós-golpe parlamentar, a agenda consolidada
por movimentos, partidos de esquerda e pela própria ANA foram
deixados de lado nos governos Temer e Bolsonaro. Não só deixado
de lado como colocado em curso o desmonte da estrutura adminis-
trativa de apoio, corte orçamentário e, aqui o mais grave, o empreen-
dimento de um projeto conservador que alcançou de forma destru-
tiva economias, comunidades e populações rurais agressivamente.
A força do projeto político agroecológico e da permeabilidade com
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Danilo Uzêda da Cruz
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

outras narrativas utópicas está colocada à prova para superar diver-


gências personalistas, regionais e voltar a disputar a agenda de des-
envolvimento nacional nos próximos anos.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Caprinovinocultura no Sertão do São


Francisco:
condições do abate e saúde pública

Elijalma Augusto Beserra, Luciana Souza de Oliveira, Lucia Marisy


Souza Ribeiro de Oliveira e Eva Mônica Sarmento da Silva

Introdução

A pecuária caprina no Brasil remonta a meados do século XVI,


década de 1540, com a chegada dos primeiros animais de criação na
região Nordeste do país vindos das Ilhas de Cabo Verde e de Portu-
gal inicialmente e, depois da Espanha, porém data do século XVIII o
crescimento do rebanho em São Vicente-SP, Recife-PE e em Salvador-
BA (MACHADO, 2011: p. 63).
No nordeste, a caprinovinocultura nos anos 1600, se constituía
numa estratégia para ocupação do território. Importante lembrar
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ElijalmaAugustoBeserra,LucianaSouzadeOliveira,LuciaMarisySouzaRibeirodeOliveiraeEvaMônicaSarmentodaSilva
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

que durante o ciclo do algodão no nordeste, a criação desses animais


foi uma forma de fixar as famílias no campo. Como afirma Macha-
do (2011, p.66), “ foi acompanhando os caminhos do boi, que cabras
e bodes foram ganhando espaço nas atividades pecuárias no ser-
tão”, valendo destacar que a importação de animais de raça para a
melhoria do plantel no semiárido só ocorreu no ano 1816, quando
duas cabras Cashmere vieram da Índia (LOCCOCK, 1820), e só nos
anos 1860 foram aqui introduzidos caprinos da raça Angorá e India-
nos, com a finalidade de melhoramento genético para aumento da
produtividade.
Apesar das pesquisas e incentivos que visam a melhoria dos re-
banhos, a pecuária caprina no Nordeste desde o período colonial até
os dias de hoje é realizada de um modo comumente chamado por
especialistas da área de zootecnia, veterinária, agropecuária ou por
empresas que buscam fomentar a caprinovinocultura, de “modo de
produção extensivo”, no qual os animais eram e ainda são criados
soltos na caatinga, sendo responsáveis pela própria alimentação,
dispensando-se o uso de rações industrializadas e quando da sua co-
mercialização vivos ou abatidos, essa prática via de regra é feita nas
feiras livres. Porém, em alguns casos observa-se um sistema semi-in-
tensivo de criação, onde ha um plano de manejo prevendo a nutrição
e a saúde do rebanho; as instalações da propriedade; a castração; a
utilização de plantas forrageiras; a alimentação diferenciada para as
fêmeas prenhes; a assistência ao parto; o controle sanitário; a seleção
ou cruzamentos para melhoramento genético e as recomendações
técnicas para o abate (GUIMARÃES,2009; OLIVEIRA et. al. 2011; ME-
DEIROS et. al., 2000).Tais cuidados, aumentam o desempenho do
rebanho e a produtividade, e em consequência, o lucro do produtor
(a). Para tanto, necessário se faz investir na sua formação a fim de
transformar os costumes e as práticas que já não são aceitas pelo
mercado, colocando-o(a) no cenário nacional, já que a carne desses
ruminantes é a proteína responsável pela seguridade alimentar e
nutricional das famílias da zona rural, especialmente no semiárido
brasileiro, onde os rebanhos se destacam pelo número de animais.
122
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Caprinovinocultura no Sertão do São Francisco
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

A partir de 1996, pela presença mais constante de chuvas, hou-


ve um aumento na criação de caprinos nas propriedades e, a partir
de 2002, tornou-se significativo o aumento de ovinos até o ano 2012,
quando a grave crise hídrica no nordeste devastou as lavouras, re-
duzindo o número de animais (EMBRAPA, 2017). Em 2018, o setor
começou a apresentar recuperação, sendo destaque na região nor-
deste a Bahia, com quase um terço do plantel nacional de caprinos,
seguida por Pernambuco, Piaui e Ceará, um efetivo de 3,2 milhões de
cabeças, superando o Rio Grande do Sul também na criação de ovi-
nos, com um efetivo de 4,2 milhões de cabeças.
Pernambuco, que é objeto deste estudo, tem demonstrado sua pu-
jança na criação de caprinos e ovinos, contabilizando no ano 2018, 24
cabeças por Km2 de caprinos, num total de 2,4 milhões de cabeças,
tendo crescido entre os anos 2008 a 2018, 73,8% (IBGE, 2019). No que
se refere ao número de estabelecimentos com a presença desses ru-
minantes, são 236 mil cabeças de caprinos e 313 mil de ovinos, sendo
em média 23 caprinos e 20 ovinos por propriedade (IBGE, 2019).
Entre alguns dos fatores favoráveis à caprinovinocultura no Nor-
deste, estão a adequação aos agroecossistemas do semiárido por par-
te dos animais; a baixa necessidade de capital inicial; a capacidade
de acumulação de renda em pequena escala; o elevado potencial de
geração de ocupações produtivas; a fácil apropriação sociocultural; e
a oferta de produtos com grande apelo em novos mercados (Hollan-
da Júnior; Martins, 2008).
Essas vantagens comparativas com a região sul que também é
produtora desses animais, é que valorizam a região semiárida, por
ela normalmente concentrar o seu período chuvoso em até quatro
meses, quando o ano é bom, num índice pluviométrico entre 200
a 800 mm e alta taxa de evaporação entre 1000 e 3000 mm anuais;
baixa umidade; alta temperatura média e alto escoamento superfi-
cial das águas (ASA, 2013). Pernambuco se distribui por 185 municí-
pios numa área de 98.148,323 km² (IBGE, 2019), onde cerca de 80,2%
da população reside em áreas urbanas e 19,8% em zonas rurais.

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

O bioma característico do semiárido é a caatinga, presente ape-


nas no Brasil e a interação com o clima favorece a predominância
de vegetais arbustivos, de galhos retorcidos e raízes profundas, adap-
tados à capacidade de retenção da água disponível e à perda das pe-
quenas folhas, a fim de que as plantas conservem energia e evitem
a perda da água por evaporação. Dados da Embrapa (2017), indicam
que 824.000 km² são cobertos por essa vegetação, utilizada como a
principal fonte de alimentação para a maioria dos rebanhos capri-
nos e ovinos.
Este bioma caatinga apresenta-se favorável à criação desses ani-
mais pela sua rusticidade, capacidade de adaptação a climas adver-
sos, grandes extensões de terras o que favorece o custo baixo, tornan-
do viável o negócio (AQUINO et al., 2016; RIBEIRO E ALENCAR, 2018;
CORREIA et al., 2011).
Reconhecido pelos levantamentos do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística-IBGE, como detentor de um dos três maiores
rebanhos de caprinos no país (NETO et al., 2018, p. 37), o Estado de
Pernambuco vem enfrentando grande dificuldade na cadeia da ca-
prinovinocultura, em especial, no que se refere a estrutura de trans-
porte e abate. Com essa percepção, foi desenvolvido um estudo para
diagnosticar qual o atual estágio da infraestrutura que envolve a ca-
deia produtiva do segmento, em especial as instalações de abatedou-
ros municipais, e em que medida a regionalização de estruturas ca-
pazes de atender às especificações e normas do Sistema de Inspeção
Federal (SIF), podem contribuir para o desenvolvimento da micro-
rregião do Sertão do São Francisco (NETO et al., 2018, p. 41).
A proposta do estudo partiu da concepção de que a implantação
de estruturas de abatedouros setorizados por polos regionais, possi-
bilitaria a redução dos custos econômicos e socioambientais, repre-
sentando um ganho para todos os agentes envolvidos na cadeia do
Arranjo Produtivo Local (APL) da caprinovinocultura, em particular,
produtores e consumidores das cidades mais carentes de recurso
para manter uma estrutura pública em condição de atender as nor-
mas sanitárias vigentes.
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Caprinovinocultura no Sertão do São Francisco
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Considerando as questões de saúde pública, é notório que a gran-


de maioria dos abatedouros visitados na região estão em maior ou
menor grau fora das especificações mínimas estabelecidas pela Le-
gislação Federal. Portanto, a instalação de abatedouros regionaliza-
dos significará a redução de índices de zoonoses; a eliminação de ve-
tores de contaminação; a eliminação dos lançamentos de resíduos a
céu aberto; a melhora substancial em questões de higiene produtiva
e pessoal, além de instalações adequadas para o abate e o processa-
mento dos animais.
Como resultado do estudo foi possível observar que haverá gan-
hos do ponto de vista ambiental, tanto no tratamento de efluentes;
do controle de emissões atmosféricas; do controle de pragas e veto-
res de contaminação; da eliminação das fontes de poluição dos ma-
nanciais e, potencialmente, permitirá a reciclagem da água, que é
fundamental no semiárido, quanto em termos de saúde pública e
ambiental, tais como: a inserção do agricultor familiar no mercado
formal; a redução da sua dependência de atravessadores; a melhoria
na qualidade do produto, que poderá representar ganhos de comer-
cialização e maior rentabilidade da atividade produtiva da caprino-
vinocultura; a melhor utilização de todos os produtos disponíveis a
partir do abate; a manutenção preventiva e corretiva das instalações;
além de ganhos derivados a partir da melhor gestão da qualidade e
certamente ganhos de produtividade.

Metodologia

A produção do estudo processou-se mediante uma abordagem de


caráter quali-quantitativa, (MARCONI E LAKATOS, 2010), das adver-
sidades enfrentadas pela cadeia produtiva da caprinovinocultura na
microrregião pernambucana do Sertão do São Francisco. Para tanto,
os processos de cognição e interpretação dos fenômenos identifica-
dos durante a pesquisa desenvolveu-se de forma compartimentada,
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

com vista a facilitar a caracterização e análise dos processos que en-


volvem a atividade.
No tocante ao procedimento empregado, segundo Martins (2000),
pode ser ele classificado como sendo de revisão bibliográfica, tendo
em vista que, muito embora tenha ocorrido uma série de visitas de
campo, a explicação e discussão do problema de pesquisa ocorreu
com base em referenciais teóricos publicados em periódicos científi-
cos; livros; textos acadêmicos; notícias em jornais e outros meios de
comunicação virtual de amplo alcance e rápida disseminação.
Em relação a delineação dos objetivos de estudo, em conformida-
de com os ensinamentos de Gil (2008), desenvolveu-se uma pesquisa
descritiva, considerando que o seu objetivo principal foi descrever as
características da infraestrutura de suporte da caprinovinocultura
existente nos municípios da microrregião do Sertão do São Francis-
co, mediante a utilização de técnicas padronizadas de coleta de da-
dos (GIL, 2008).
A amostragem utilizada foi do tipo não probabilística por conve-
niência (SAMPAIO, 1998), tendo em vista que, durante este processo
foram realizadas visitas de campo; questionário e entrevista com 58
agentes importantes envolvidos com o APL da caprinovinocultura
dos municípios pernambucanos: Petrolina, Dormentes, Afrânio, La-
goa Grande, Santa Maria da Boa Vista e Orocó.
Neste processo não foi objeto de estudo o município de Cabro-
bó, que apesar de possuir plantel de caprinos e ovinos, bem como,
um abatedouro municipal localizado nas coordenadas de Projeção
Universal Transversa de Mercator (UTM): Zona 24, E 462668.89 m;
S 9060212.43 m, em conformidade com dados repassados por auto-
ridades locais, a planta não realiza abate de caprinos e ovinos, de-
dicando-se apenas ao trabalho com bovinos, realizando em média o
abate de 50 animais por semana.
Importante destacar que a escolha dos municípios deveu-se ao
fato dos mesmos formarem a microrregião do Sertão do São Fran-
cisco, que de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional
- MDR (2021), integram o pólo Sertão do São Francisco na Rota do
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Caprinovinocultura no Sertão do São Francisco
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Cordeiro, cuja finalidade é promover a inovação, a diferenciação, a


competitividade e a lucratividades dos empreendimentos associados
(MDR, 2017, p. 15).
Na sequência foi feita a identificação dos abatedouros existentes
na região; o levantamento de informações primárias junto a opera-
dores desses abatedouros sobre diferentes aspectos relacionados ao
número de animais abatidos nos municípios; custos cobrados aos
produtores para realização do abate; e na avaliação qualitativa bus-
cou-se as condições destas plantas semi - industriais, tomando como
paradigma de referência (benchmark), um abatedouro que atenda as
normas e especificações do SIF do MAPA.
A coleta de dados para realização das duas etapas da pesquisa
ocorreu entre os dias 01 de novembro de 2021 a 25 de fevereiro de
2022. Neste período foram realizadas sucessivas viagens aos muni-
cípios e mantido contato com secretários municipais, gestores dos
abatedores, criadores e profissionais técnicos relacionados com a
atividade produtiva.
Durante as visitas de campo, foram coletadas informações me-
diante realização de entrevistas semi-estruturadas (RICHARDSON,
2008), junto aos agentes envolvidos com a cadeia produtiva da capri-
novinocultura da região. Paralelamente, foi realizada uma revisão
bibliográfica que procurou identificar e caracterizar a infraestrutura
da cadeia produtiva da caprinovinocultura em operação nos municí-
pios da microrregião estudada.

Perfil da caprinovinocultura no Sertão do São Francisco

Em seu trabalho etnográfico sobre as características culturais da


caprinovinocultura nordestina, Zambrini (2020), destacou que a ati-
vidade é praticada no Nordeste desde o período colonial até os dias
de hoje, onde é realizada de um modo comumente chamado por es-
pecialistas da área de zootecnia, veterinária, agropecuária de “modo
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de produção extensivo”, no qual, os animais são criados soltos na ca-


atinga (ZAMBRINI, 2020, p. 109).
Nesse processo, o manejo dos animais é realizado em um siste-
ma no qual, predominantemente, a criação pasta de forma livre, não
existindo um controle dos processos reprodutivos; da qualidade nu-
tricional da alimentação e, principalmente, da ausência de controle
sanitário do rebanho. Trata-se de sistema tradicional, cujo rebanho
é composto de animais sem raça definida ou por raças nativas, que
exige pouca especialização e apresenta baixa produtividade (SO-
RIA,2010 p.72).
Contudo, a exploração de caprinos tem elevada importância so-
cial e econômica para a população rural e para a própria estrutura
econômica das regiões onde é desenvolvida (Nogueira Filho & Kaspr-
zykowski, 2006). A nível municipal, a região nordeste também apre-
senta números expressivos. Dos municípios com os vinte maiores
efetivos do país, todos são localizados no Nordeste: onze se localizam
em Pernambuco e oito na Bahia; Doze possuem entre 50.000 e 99.999
cabeças; sete apresentam rebanhos entre 100.000 e 199.999 cabeças;
o único com mais de 200.000 cabeças, Casa Nova, é localizado na Ba-
hia (IBGE, 2019).
O Sertão Pernambucano engloba a maior parte do território de
Pernambuco e concentra o maior efetivo: quase um milhão de ca-
beças, aproximadamente 47% do rebanho do estado. O São Francis-
co Pernambucano aparece em segundo lugar, com pouco mais de
750.000 cabeças, quase 40% do rebanho. Os cinco maiores produto-
res municipais do estado encontram-se nessas duas regiões e con-
centram, aproximadamente, 35% do efetivo estadual: Floresta, Sertâ-
nia, Petrolina, Ibimirim e Custódia (IBGE, 2019).
A nível regional, o menor índice de Pernambuco no referido in-
tervalo de tempo foi de 16,4%, em 2004, quando o estado tinha um
efetivo de caprinos estimado em 1,53 milhões de cabeças; no mesmo
ano, a Bahia continha quase 4 milhões de cabeças, e o Piauí quase
1,5 milhão. A caprinocultura se mostra como atividade característi-
ca fortemente ligada à economia e ao agronegócio nordestinos e o
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Caprinovinocultura no Sertão do São Francisco
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Estado de Pernambuco possui uma forte liderança no setor, apesar


das limitações impostas pelas particularidades ambientais (ZAM-
BRINI, 2020).
Nesta porção do sertão nordestino, duas microrregiões que mais
se destacam são as regiões do São Francisco e Itaparica, inseridas na
bacia hidrográfica do Rio São Francisco, mais especificamente no
submédio São Francisco. Essas microrregiões vêm ganhando desta-
que com a agricultura irrigada, nicho do agronegócio que tem papel
de destaque na economia nacional pela produção de vinhos e espu-
mantes e a caprinovinocultura que representam importantes gera-
doras de riquezas para a região.
Quando analisada separadamente, a região Nordeste possui uma
evidência considerável, tendo em vista que possui o maior rebanho
de ovino do país, com cerca de 63% do efetivo nacional, sendo que
13,4% deste plantel está no Estado de Pernambuco, correspondendo
ao terceiro maior rebanho nacional. Ainda segundo o IBGE (2019), o
rebanho de caprinos no Brasil é de 9,78 milhões de animais. De for-
ma semelhante, a Região Nordeste se destaca como o maior rebanho
do país de caprinos, com cerca de 93% do efetivo nacional, ao passo
que o Estado de Pernambuco possui 2,64 milhões de cabeças, ou seja,
25,5% do rebanho, ou seja, o segundo maior rebanho brasileiro, fi-
cando atrás apenas da Bahia (MONTEIRO, 2021, p. 11).
Quando o recorte é feito em relação aos municípios pernambuca-
nos, as cidades de Dormentes, Petrolina e Afrânio possuem os maio-
res rebanhos de ovinos do Estado, sendo que Dormentes/PE com
seu rebanho constituído por 252.000 mil cabeças é o quinto maior
do Brasil. No que se refere ao rebanho de caprinos, Petrolina e Dor-
mentes se mantém entre os cinco maiores plantéis pernambucanos,
sendo que desta vez o destaque é para Petrolina/PE, com seu rebanho
de 264.000 mil cabeças (IBGE, 2020).
Quanto ao perfil dos produtores, dados resultantes da coleta de
campo indicam que a maior parte dos entrevistados foi constituí-
da por produtores do sexo masculino, os quais representam 88%
dos criadores. Quanto ao tema escolaridade, foi identificado que
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aproximadamente 75% dos produtores entrevistados indicaram pos-


suir apenas quatro anos de escolaridade, o que significa um fator li-
mitante para o desenvolvimento da atividade de forma mais eficaz,
impactando no nível de participação em associações e cooperativas.
Entretanto, um fator importante é que 72% dos entrevistados resi-
dem na zona rural na propriedade, tendo como atividade geradora
de renda apenas as atividades agrícolas, valorizando o seu espaço de
vida e de trabalho.
Os 28% restantes cuidam do comércio derivado da pecuária e
também da agricultura. Sobre essa parte da pesquisa, é importante
destacar que não houve um questionamento quanto à atividade mais
importante realizada, mas sim, sobre outras atividades realizadas na
propriedade e as formas de manejo e produção realizadas. Foi obser-
vado que 51% dos produtores diversificam as espécies animal, numa
combinação de práticas que envolvem rebanhos de bovino, caprino,
suíno e galinhas, tanto para consumo, quanto para comercialização.
Neste cenário, considerando o percentual de produtores que tra-
balham com apenas uma única espécie, 26% criam apenas ovinos;
13% criam caprinos; 10% criam bovinos e 2% suínos. Diante destes
percentuais, pode-se concluir que a criação de um único rebanho é
realizada por quase metade dos produtores da microrregião do Ser-
tão do São Francisco, onde o rebanho de ovinos é o que aparece com
mais frequência, sendo criado por 68% do produtores, seguido de ca-
prinos, por 48% dos pesquisados e, finalmente os bovinos e suínos
que alcançaram 28% e 15% respectivamente.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Figura 01 Rebanhos de caprinos e ovinos na região do Sertão do São


Francisco.

Fonte: CODEVASF(2020); BESERRA (2021)

Figura 2 - Rebanho caprino do Sertão do São Francisco

FONTE: CODEVASF (2020); BESERRA (2021)

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É importante notar que as informações anteriormente apresen-


tadas, descrevem o perfil dos produtores pesquisados de acordo com
a existência de rebanhos caprino, ovino, bovino e suíno na região.
Já em relação ao tamanho das propriedades, os estudos realizados
identificaram que aquelas com até 40 hectares, correspondem apro-
ximadamente a 45% do total de propriedades pesquisadas, ao passo
que as propriedades acima de 140 ha correspondem a 17%, sendo o
tamanho médio aproximado de 50 hectares.
Ainda referente ao processo de perfilação das propriedades pes-
quisadas, quando é levado em consideração o tempo de atuação na
prática da atividade pecuária, a maior parte dos produtores entre-
vistados revelaram possuir até 15 anos de experiência, contudo, con-
siderando aqueles com mais de 20 anos na atividade produtiva, os
bovinocultores e caprinocultores possuem uma maior proporção de
produtores nesta faixa, seguidos por ovinocultores e suinocultores.
Em parte, este resultado reflete o fato de ser a caprinocultu-
ra a atividade pecuária de maior tradição na microrregião do Ser-
tão do São Francisco, superando inclusive a bovinocultura, que se
destaca nas regiões do Sertão do Araripe e, em especial, no agreste
pernambucano.

Estrutura de abate na região do Sertão do São Francisco

Dados da Agência Prodetec (2018), indicam que o Nordeste con-


ta com áreas vocacionadas para a pecuária de corte, não obstante
as acentuadas diferenças edafoclimáticas em relação às principais
regiões de pecuária de corte do Brasil. Essa pode ser uma grande
oportunidade para a caprinovinocultura, entretanto, estudos do
BNB-Etene indicam que um dos principais problemas da carne de
caprinos e ovinos no Nordeste é a falta de padronização da carcaça,
motivada principalmente pela predominância do sistema extensivo
de criação, variação na idade de abate e diversidade de raças.
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Na região, o segmento de abate e processamento da carne de ca-


prinos e ovinos gerava cerca de oito mil empregos diretos em 2008,
com concentração nos estados da Bahia, Maranhão e Pernambuco.
Nesse mesmo período, foram contabilizadas 393 unidades fabris na
região, das quais 138 no Estados da Bahia, 58 em Pernambuco, 46 no
Maranhão e 24 no Ceará.
Informações colhidas junto ao Centro de Inteligência de Mercado
de Caprinos e Ovinos (CIM) e divulgadas pela Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) destaca que, apesar da existência
de abatedouros inspecionados em todas as regiões geográficas brasi-
leiras, eles ainda são em número insuficiente e distribuídos despro-
porcionalmente em relação às concentrações de rebanhos de capri-
nos e ovinos nos Estados produtores.
Dados desta pesquisa indicam que dos 149 abatedouros pesquisa-
dos, apenas 15,54% localizam-se na Região Nordeste, que detém 92,82
% do rebanho caprino e 65,59% do rebanho ovino nacional. Já a Re-
gião Sul, detentora de 1,85% do rebanho caprino e 24,0% do rebanho
de ovinos, dispõe de 68,91% dos abatedouros inspecionados.
Abatedouros não devem ser confundidos com os matadouros mu-
nicipais que existem na maioria das cidades nordestinas, pois o pri-
meiro tem como base a auto-sustentabilidade, organizam a cadeia de
abate de forma integrada com órgãos municipais e estaduais, garan-
tindo qualidade à carne, ao passo que os matadouros são estruturas
que não obedecem normas legais e ambientais atuais, não dispõem
de infraestrutura adequada do ponto de vista sanitário e os trabalha-
dores são explorados, sem os direitos trabalhistas previstos em lei,
especialmente os previstos na Portaria nº 365, de 16 de julho de 2021,
que regulamenta os manejos de pré-abate e abate humanitário e os
métodos de insensibilização autorizados pelo MAPA (MAPA, 2021).
A regulamentação desse processo está longe de ocorrer em todos
os municípios e depende de ações conjuntas dos órgãos de fiscali-
zação, envolvendo transporte, acondicionamento e comercialização
de carnes e seus derivados, bem como, a implementação de estraté-
gias que visem revitalizar a produção pecuária da região como por
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exemplo, aumento do financiamento para melhoria genética e da


infraestrutura das propriedades e ações que objetivem melhorar a
assistência técnica, aumentando o uso de tecnologias de produção e
de gestão que proporcionem a rentabilidade da atividade da caprino-
vinocultura de corte, atividade produtiva mais arraigada na cultura
da região.
Uma das possibilidades que se apresenta como alternativa viável
é a instalação de abatedouros regionalizados com capacidade para
exportação da carne produzida na região, contudo, o fechamento
dos matadouros municipais certamente trará desemprego, o que in-
timida os gestores, destaca este empresário, identificado como P1:

“os abatedouros clandestinos geram receita para as pessoas que tra-


balham com as vísceras, principalmente com a parte de lavagem.
Sem essa renda, ficarão desprotegidos, e essa situação não é confor-
tável para o prefeito” (Depoimento verbal em 12 de janeiro de 2022).

A recomendação, portanto, é que paralelamente ao fechamento


dos abatedouros, sejam implementadas ações de requalificação das
pessoas que dependem hoje dessas estruturas, de forma que seja
possível capacitá-las em outras atividades. Ações de formação da
população em geral são necessárias, mostrando a importância e a
necessidade de consumo apenas de carnes que tenham tido o trata-
mento adequado. Isto, sem dúvida, é um desafio importante para as
autoridades locais, mas é algo imprescindível, para assegurar a saú-
de pública.

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Caprinovinocultura no Sertão do São Francisco
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Figura 03 - Matadouro clandestino no Sertão Pernambucano

Fonte: DATAMÉTRICA(2015)

Figura 04: Matadouro clandestino no Sertão Pernambucano

FONTE: DATAMÉTRICA (2015)

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Por outro lado, parece ser evidente que ações de fechamento dos
matadouros tenham de partir do Ministério Público ou mesmo dos
órgãos estaduais, como a Agência de Defesa e Fiscalização Agrope-
cuária do Estado de Pernambuco (ADAGRO). Sobre o signo do anoni-
mato, alguns gestores municipais confidenciaram que gostariam de
se livrar do problema, que são estruturas caras, desde que a iniciati-
va não seja deles. Um gestor, identificado como P2 chegou a dizer “eu
mesmo não fecho, mas se a ADAGRO e o Ministério Público fechar eu
acho é bom” (Depoimento verbal em 04 de novembro de 2021). Claro
está, entretanto, que manter abatedouro consome parte significativa
do orçamento municipal, o que desestimula a ação.
Segundo a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária (SARA)
do estado de Pernambuco, a região da Zona da Mata pernambucana
possui oito abatedouros que atuam de forma regionalizada, com ca-
pacidade total de abate de 14.800 animais por mês e 20 entrepostos
de carne, em toda a região. Algumas lições são extraídas das expe-
riências destas plantas industriais, as quais podem contribuir para a
implantação de sistema de abatedouros frigoríficos na microrregião
do Sertão do São Francisco.
A concentração do abate de animais foi de extrema importância
para os municípios e para a região da Zona da Mata, uma vez, que
essa forma de gestão da cadeia produtiva valoriza o desenvolvimen-
to econômico e a melhoria do processo produtivo, permitindo uma
gestão de qualidade nos processos que envolvem o abate. Todavia, os
abatedouros atualmente em operação, incluindo os da Zona da Mata
de Pernambuco implantados através do programa PROMATA, vêm
enfrentando dificuldades na gestão das estruturas, devido os altos
custos de manutenção. Um exemplo claro desta condição foi iden-
tificado na cidade de Cabrobó/PE, que possui um abatedouro man-
tido pela prefeitura, onde são abatidos semanalmente uma média
de 50 animais, todos bovinos, a uma taxa de R$ 70,00 (setenta reais)
por animal, arrecadação insuficiente para arcar com os custos dos
funcionários e insumos. No município de Paudalho, constata-se rea-
lidade semelhante. Trata-se de um equipamento administrado pelo
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Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco - CEASA, onde


a estrutura foi financiada pelo Estado, mas mesmo assim, enfrenta
dificuldades para se manter.
O problema da gestão dos matadouros públicos também é cultu-
ral, como afirma Neto et al (2018, p.37). Na sua visão, a gestão de aba-
tedouros deve ser feita pela iniciativa privada, que deve pagar seus
operários e arcar com os custos de manutenção. Entretanto, mesmo
nestes casos, a arrecadação representa aproximadamente 35% (trin-
ta e cinco por cento) dos gastos gerais, o que tem obrigado os ges-
tores públicos a complementarem com recursos públicos, os custos
de operação.
Outro ponto que necessita ser trabalhado é a comercialização da
carne, porque não adianta realizar o abate em um ambiente adequa-
do e dentro das técnicas regulamentadas pelo MAPA, se o vendedor
coloca a carne exposta numa banca de feira recebendo poeira e sendo
manuseada sem os requisitos de higiene e sem refrigeração. Reforma
nos mercados públicos de carne, com instalação de câmaras resfria-
das precisa ser feita, a fim de assegurar a saúde dos consumidores.

Retrato da comercialização

A pesquisa procurou identificar também aspectos relacionados à


comercialização dos animais e o resultado mais interessante e, ao
mesmo tempo preocupante, consiste na destinação dos animais.
Como foi observado, há grande dependência por parte dos produto-
res da região, dos atravessadores, que precisa ter a sua importância
relativizada no processo de comercialização dos animais.

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Figura 5 - Animais expostos para comercialização

Fonte: BESERRA (2022)

No que tange ao peso médio dos animais nos rebanhos pesquisa-


dos, os resultados apontam que cerca de 42% dos caprinos são ven-
didos com até 20kg, enquanto 46% possuem no momento da venda
peso entre 21 a 40kg. O peso médio de caprinos na região é em torno
de 29 kg no momento da venda. No caso dos ovinos, eles são vendidos
com um peso médio de 32 kg, apresentando valores maiores que os
caprinos.

Figura 06: Comercialização de caprinos e ovinos no sertão pernambucano.

FONTE: BESERRA (2022)

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Em relação ao preço de comercialização dos animais no momen-


to da venda, 60% dos criadores de caprinos entrevistados indicaram
ter vendido seus animais por um preço entre R$ 16,00 a R$20,00 o
quilo, muito embora uma parcela importante consiga preços até R$
21,00. Na média, o quilograma é vendido a R$ 19,00.
Comportamento semelhante é observado no rebanho ovino, caso
em que 55% dos consultados indicaram ter vendido seus plantéis
com preço entre R$ 16,00 a R$ 20,00. Novamente, uma fração im-
portante equivalente a 39% dos produtores, obtêm preços de até R$
22,00.
O total de animais vendidos entre os caprinovinocultores pesqui-
sados foi de 8.491 animais no ano. No caso dos ovinos, um número
equivalente a 67% dos produtores entrevistados indicaram ter vendi-
do até 40 cabeças/ano, sendo a quantidade média de animais comer-
cializados por ano superior ao rebanho caprino.
A receita da venda anual de animais (vivos e abatidos), para
37% dos produtores é de até R$ 8.500,00, sendo o valor médio de R$
11.000,00 anuais. Contudo, quanto cada produtor recebe depende da
combinação do rebanho que possui. Um resultado interessante é que
51% dos produtores entrevistados afirmaram não possuir outra fon-
te de renda dentro ou fora da propriedade que não seja a atividade
pecuária.
Ainda dentro do quesito comercialização, constatou-se que a
maioria dos produtores vendem os seus animais para os atravessa-
dores. Apenas 13% abate diretamente seus animais. A gravidade des-
sa situação é que ao prestar o serviço, o atravessador é remunerado
por isto e esta remuneração em parte ou na totalidade é “paga” pelo
produtor, reduzindo portanto, a sua remuneração.

Infraestrutura dos matadouros na região do Sertão do São


Francisco

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Foi solicitado aos produtores que avaliassem as condições de


higiene do matadouro que geralmente é utilizado para o abate dos
animais e todos reconhecem a precariedade do equipamento. Obvia-
mente, a falta de opções de abatedouros que atendam às normas de
higiene, os obrigam a utilizá-los. Outros fatores im-
portantes na escolha do local, foram: custo da taxa de abate e no cus-
to de transporte; proximidade do local de venda e distância entre a
propriedade e matadouro.
O aspecto da higiene se torna ainda mais preocupante, porque a
pesquisa identificou que a grande maioria dos produtores (76%) não
conhece as normas e os padrões higiênico-sanitários estabelecidos
pelo Serviço de Inspeção Federal. Portanto, é provável que a partir
de um melhor conhecimento sobre tais normas e padrões, o produ-
tor passe a adotar novos comportamentos. No entanto, na visão dos
produtores, a instalação de um abatedouro que atenda às normas de
inspeção federal, embora traga benefícios para a população, certa-
mente encarecerá os custos com abate, o que poderá inviabilizar a
atividade.
Portanto, este aspecto representa um fator restritivo a ser consi-
derado antes da instalação de um novo abatedouro na região, que
atenda as normas de inspeção federal.

Desafios da criação no Sertão do São Francisco

Foi objeto da pesquisa também identificar os principais proble-


mas enfrentados pelos produtores na criação dos animais. Nesse
quesito, 34% afirmaram ser a carência de água o maior desafio; 23%
consideraram doenças; 15% a comercialização e 17% a carência ali-
mentar. A falta de apoio tecnológico também foi apontada por 8%
dos produtores.
O investimento no setor pelo poder público foi considerado in-
sipiente. Relatam que os abatedouros administrados pela iniciativa
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Caprinovinocultura no Sertão do São Francisco
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

privada cobram caro pelo abate, retirando-lhes a possibilidade de


usar o equipamento, como é o caso da Cooperativa Agropecuária dos
Produtores Rurais Integrados de Caprinos e Ovinos do Nordeste (CA-
PRICON), que em 2017 passou a administrar o abatedouro de capri-
nos e ovinos de Rajada, na Zona Rural de Petrolina/PE, bem como,
o abatedouro frigorífico construído pela Companhia de Desenvolvi-
mento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (CODEVASF) na Zona
Rural de Dormentes/PE, concluído no início de 2022.

Considerações finais

No que tange a atividade produtiva da caprinovinocultura, a mi-


crorregião do Sertão do São Francisco em Pernambuco pode ser um
paradigma para uma análise das demais regiões do sertão pernam-
bucano. Parte do Estado, sem sombra de dúvida, necessita de inves-
timentos na qualificação da cadeia produtiva, em especial na melho-
ria genética do rebanho, qualificação dos abatedouros e nos pontos
de comercialização das feiras públicas, existentes na região.
Durante o período de realização da pesquisa, observou-se a
precariedade na grande maioria dos matadouros municipais exis-
tentes, tanto com relação as questões de higiene quanto de infraes-
trutura e equipamentos, com destaque para o fato de que muitos dos
equipamentos atualmente em funcionamento nos municípios, em
momento pretérito já passaram por situações tão precárias que o
MPPE teve de determinar a interdição e o seu fechamento.
Evidenciou-se também, dado o tamanho dos municípios que
compõem a Região objeto de estudo, que dificilmente um municí-
pio sozinho terá condições financeiras de manter um abatedouro
que funcione respeitando as normas necessárias para obtenção do
SIF junto ao MAPA, bem como, realizar uma produção em escala
e padrão de qualidade sanitária que possa justificar a sua implan-
tação. Neste sentido, uma solução possível consiste na implantação
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ElijalmaAugustoBeserra,LucianaSouzadeOliveira,LuciaMarisySouzaRibeirodeOliveiraeEvaMônicaSarmentodaSilva
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

de abatedouros regionalizados, cuja gestão seja feita pela iniciativa


privada, possibilitando que os recursos disponíveis nos municípios
sejam direcionados para áreas onde a presença do Estado é mais ur-
gente como saúde e educação básica, segurança pública e vigilância
sanitária das atividades produtivas, com potencial de causar danos à
saúde e ao meio ambiente.
Para tanto, muitos desafios serão enfrentados e a participação
dos órgãos de fiscalização de forma efetiva no processo é funda-
mental. Por fim, vale salientar que muito embora a instalação de um
abatedouro na região seja bem vista pelos produtores, existem ou-
tras demandas estruturantes que necessitam ser atendidas, entre as
quais claramente se destaca a necessidade de maior apoio tecnológi-
co e financeiro para a melhoria do rebanho, uma vez que a caprinovi-
nocultura na região ainda é de baixa intensidade tecnológica, o que
reduz, como explicitado anteriormente, a produtividade e inibem
seu desenvolvimento.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Mudanças climáticas e percepção


ambiental de agricultores familiares do
município de Baixa Grande, Bahia

Geusa da Purificação Pereira e Marcelo Leles Romarco de Oliveira

Imtrodução

As mudanças climáticas, vêm, ao longo dos anos causando inú-


meros danos ambientais e impactando de forma distinta diversas
regiões do planeta. A percepção desse acontecimento, bem como dos
riscos por ele causado, nem sempre é visualizado por todos. No en-
tanto, o seu reconhecimento é fundamental tanto para a adoção de
estratégias de adaptação quanto de mitigação, tendo em vista que, a
redução dos impactos ao meio ambiente requer mudança de com-
portamento, o que pressupõe, a necessidade de reconhecimento dos

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Geusa da Purificação Pereira e Marcelo Leles Romarco de Oliveira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

fenômenos climáticos como sendo um problema, cujas proporções


afeta a sociedade de modo geral, e os mais pobres, de modo particular.
A localização geográfica é um fator que influência na forma como
as mudanças climáticas impactam sobre determinadas áreas. E, a
Região Semiárida, de acordo com o IPCC (2007), tende a sofrer gran-
des impactos desse fenômeno climático, podendo converter-se em
região árida. Essas consequências já vêm sendo sentida de diversas
formas, sobretudo nas alterações de temperatura e na regularidade
das chuvas. As quais, conforme características regionais, ocorrem
de forma concentrada em determinados meses do ano, mas que, nos
últimos anos, os períodos secos têm ocorrido com maior frequência.
Diante do contexto ambiental ao qual a sociedade e biodiversi-
dade encontra-se exposta, a discussão sobre percepção ambiental
vem ganhando cada vez mais espaço. Assim, perceber tem papel
fundamental na tomada de decisão (KUHNEN, 2009), pois a partir
dela, tem-se a possibilidade de auto compreensão tanto dos proble-
mas quanto dos riscos a que a sociedade está exposta (TUAN, 1980),
e consequentemente das possíveis soluções ou alternativas para
minimizá-las.
Desse modo, a percepção ambiental está diretamente ligada a
compreensão dos risco. Pois, só a partir do momento em que se per-
cebe os acontecimentos ambientais enquanto um problema, o qual
oferece riscos, é que se busca desenvolver alguma ação no sentido
de melhor se adequar ou prevenir com relação a eles (RAMOS e HO-
EFFEL, 2011). Ou seja, a percepção por si só, não constitui o motor de
ação imediata, pois as pessoas tendem a adotar alguma medida, prin-
cipalmente quando os riscos oferecidos pelos problemas ambientais
percebidos podem afetar a si e a sua família, por exemplo (SIQUEI-
RA, 2008).
Nesse contexto, a agricultura familiar, especialmente a locali-
zada na Região Semiárida, tende a sofrer de modo mais severo os
efeitos das mudanças climáticas, uma vez que essa categoria social
depende, em grande medida, das questões ambientais e dos fatores
climáticos no desenvolvimento das suas atividades agropecuárias, já
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MudançasclimáticasepercepçãoambientaldeagricultoresfamiliaresdomunicípiodeBaixaGrande,Bahia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

que desenvolvem, em sua maioria, a agricultura de sequeiro. Assim,


as mudanças climáticas impactam sobremaneira na obtenção dos
seus meios de vida.
Nesse sentido, este artigo buscou identificar e analisar a per-
cepção dos agricultores familiares do município de Baixa Gran-
de- BA, localizada na região do semiárido baiano, a respeito das
mudanças climáticas, identificando as principais transformações
ocasionados por esses fenômenos nas suas atividades agropecuárias,
nas esferas socioeconômicas e culturais das suas vidas e da dinâmica
das comunidades e do município.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de natureza explicativa, rea-


lizada no município de Baixa Grande- Bahia. Este município é um
dos 278 constitutivos da Região Semiárida desse estado, e está loca-
lizado a cerca de 264 Km de Salvador, capital baiana (FUNDAÇÃO
JOAQUIM NABUCO, 2017; GOOGLE MAPS, 2018).
Situado na zona fisiográfica da Encosta da Chapada Diamantina,
no Centro-Norte Baiano, na Microrregião de Itaberaba, Baixa Gran-
de, está inclusa na área anteriormente denominada como “Polígono
das Secas”, atual Região Semiárida e integra o Território da Bacia do
Jacuípe (OLIVEIRA, 2004; ATLAS DE DESENVOLVIMENTO HUMA-
NO NO BRASIL, 2019).
De acordo com dados do último Censo do IBGE (2010), o muni-
cípio de Baixa Grande ocupa uma área de 967,514 km2 e possuía
20.060 habitantes, com estimativa populacional de 20.468 para o
ano de 2019. Do total de habitantes identificados nesse Censo, 11.722
(58,43%) residem no meio rural e 8.338 (41,57%) residem no espaço
urbano.
Os sujeitos sociais da pesquisa foram agricultores familiares do
município. E, em virtude da grande abrangência que a Lei 11.326/2006
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Geusa da Purificação Pereira e Marcelo Leles Romarco de Oliveira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

contempla, caracteriza-se o agricultor aqui pesquisado como sendo


aquele que possui pouca ou nenhuma terra, que, em boa parte reside
na propriedade de familiares; possui forte vínculo com a terra, mas
com baixa capacidade produtiva, tendo em vista a limitação imposta
pelos fatores de acesso à terra, financeiros, técnicos e também climá-
ticos; apesar disso, dentro de suas limitações, desenvolvem ativida-
des diversas/pluriativas; não possuem uma forte relação com o mer-
cado, sendo a maior parte das atividades desenvolvidas voltada para
o autoconsumo das famílias; desenvolvem sozinhos ou com suas fa-
mílias as atividades produtivas, com baixo índice de tecnificação.
Para estes, tal como afirma Van der Ploeg (2014), mais do que espaço
de produção, a propriedade é espaço de reprodução familiar.
Para a sua operacionalização, a pesquisa transcorreu em três
principais momentos: coleta de dados secundários a partir de pes-
quisas e leituras de teses, livros, artigos, dissertações e informações
em sites institucionais; obtenção de dados primários por meio de
entrevistas semiestruturadas, observação livre e atividades em gru-
po (pesquisa de campo); por fim, sistematização e análise das infor-
mações, a partir das transcrições das entrevistas e tratamento dos
dados obtidos e observados em campo.
A pesquisa de campo aconteceu entre os meses de julho a setem-
bro de, tendo como objetivo obter os dados primários. Em 2019 foi
realizada uma revisita ao campo com o intuito de aprofundar em
determinadas questões que emergiram nas entrevistas feitas no pri-
meiro momento. A pesquisa de campo, foi realizada na zona rural do
município, abrangendo três comunidades (Santa Cecília, Quixaba e
Lagoa Queimada), as quais foram agrupadas em duas Microrregiões
de acordo com suas características (“Microrregião I” - Santa Cecília e
Quixaba e “Microrregião II” - Lagoa Queimada). Justifica-se a escol-
ha dessas comunidades por haver dentro do próprio município uma
diferença na paisagem e também na precipitação envolvendo essas
duas áreas. Essa diferença é reconhecida e classificada pelos próprios
moradores do município, os quais caracterizam a “Microrregião

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

I” como “região da caatinga” e a “Microrregião II” como “região da


mata”.
A seleção dos participantes foi feita por meio de técnica não pro-
babilística e da amostragem intencional, também chamada de amos-
tragem por julgamento. Esse tipo de amostragem, permite maior
liberdade por parte do pesquisador na escolha dos elementos e da
população que irá compor a amostra do trabalho (CARVALHO et al,
2014). Para definir a quantidade de entrevistas, aplicou-se a técnica
da “bola de neve”, finalizando-as quando as informações começaram
a se repetir, conforme a metodologia estabelece.
No total, realizou-se 34 entrevistas com agricultores familiares
residentes nas três comunidades, totalizando 14 (catorze) homens e
20 (vinte) mulheres. Além disso, realizou-se uma atividade em grupo
em cada uma das três comunidades. A identificação dos entrevista-
dos foi feita com a utilização de nomes fictícios. Esses nomes fictícios
foram retirados da lista de nomes mais populares na Bahia entre os
anos de 1930 a 1950, segundo dados do IBGE (2010). Tomou-se como
cuidado evitar entre os nomes mais populares os que fossem iguais
aos nomes de participantes da pesquisa.

A Região Semiárida e suas características

A região do Nordeste brasileiro abrange 18,27 % do território


do país, com área total de 1.561.177,8 km²; dos quais 962.857,3 km²
(61,67%) situam-se na região antes denominada como “Polígono das
Secas”, denominação usada para caracterizar determinadas áreas do
país até 2005 (ARAÚJO, 2011), esta região já presume uma relação vin-
culante entre o Semiárido e fenômeno das secas (CGEE, 2016).
A denominação “polígono das secas”, criado pela Lei nº 175 de 7
de janeiro de 1936 e alterado pela Lei nº 1.348 de 1951, compreendia
a área da Região Nordeste brasileira composta de diferentes zonas
geográficas com distintos índices de aridez e sujeita a repetidas crises
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

de prolongamento das estiagens. Essas regiões comumente enfrenta-


vam secas periódicas, representando na maioria das vezes, grandes
calamidades e ocasionando sérios danos à agropecuária nordestina
e graves problemas sociais (BRASIL, 2005; CGEE, 2016).
Em 2004, um Grupo de Trabalho, formado por distintas organi-
zações públicas, sob a coordenação do Ministério da Integração Na-
cional (MIN), é instituído, com a finalidade de apresentar estudos,
propostas e critérios para redefinir a Região Semiárida do Nordeste e
o Polígono das Secas, visando orientar políticas públicas de apoio ao
desenvolvimento dessas regiões. Tal decisão decorreu em virtude da
constatação da inadequabilidade do critério adotado para definição,
em vigor desde 1989, que levava em conta apenas a precipitação mé-
dia anual dos municípios dessa região (BRASIL, 2005).
No entanto, o conhecimento cumulado sobre o clima permitiu a
constatação de que a falta de chuva não era a única responsável pela
oferta insuficiente de água na região. Outras características contri-
buem de modo significativo para isso, tais como a má distribuição
das chuvas associada a uma alta taxa de evapotranspiração, que
resultam no fenômeno da seca, a qual periodicamente assola esta
população (BRASIL,2005), conforme aponta Silva (2008) e Marengo
(2011).
Como resultado, foi elaborado um relatório, publicado em 2005,
intitulado “Relatório final do grupo de trabalho interministerial para
redelimitação do Semiárido Nordestino e do Polígono das Secas”,
o qual orientou para a não utilização do Polígono das Secas como
instrumento legal de delimitação das áreas do Nordeste sujeitas às
secas, sob a justificativa de que após a criação da Região Semiárida,
pela Lei Federal n° 7.827, de 27 de setembro de 1989, a delimitação
anterior perdeu o sentido (BRASIL, 2005b; CGEE, 2016). Com isto, o
território desta região passou para 969.589,4 km², com uma popu-
lação composta de cerca de 21 milhões de habitantes, tomando como
base o censo do IBGE do ano 2000 (ARAÚJO, 2011).
A partir dessa nova delimitação a Região Semiárida passa a com-
preender os nove estados brasileiros da Região Nordeste (Ceará, Rio
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Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, Piauí, Alagoas, Maranhão,


Sergipe e Bahia) e um estado da Região Sudeste (Norte de Minas Ge-
rais) (BRASIL, 2005).
O principal bioma da Região Semiárida é a caatinga, bioma ex-
clusivamente brasileiro, composto por oito ecorregiões e vários tipos
de vegetação, constituída especialmente de árvores e arbustos de pe-
queno porte, folhas miúdas e caducifólias (SEYFFARTH, 2012; DRU-
MOND, 2012). Marcado pela diversidade geoambiental (CGEE, 2016),
a caatinga é o bioma Semiárido mais biodiverso do mundo, tanto do
ponto de vista dos seus recursos naturais, quanto das suas dinâmicas
sociais (SEYFFARTH, 2012).
No que se refere ao clima, a Região Semiárida possui como uma
das características a existência de muitas horas de sol e chuvas con-
centradas e mal distribuídas ao longo do ano (VALPORTO, 2016).
Além disso, o clima na Região Semiárida possui características espe-
cíficas que envolvem aspectos como altas temperaturas, superiores
a 20º C de médias anuais, escassez de precipitação, variando entre
280 a 800 mm, além do déficit hídrico. Tais variações influenciam na
produção, no cultivo, na vida da população rural e dos agricultores
familiares (ARAUJO, 2011). Esta região é marcada por extemos climá-
ticos, principalmente as secas, que variam temporal e espacialmen-
te, exigindo assim eficientes mecanismos de adaptação por parte da
sociedade, das políticas e do setor produtivo, uma vez que, embora já
exista como fenômeno natural, a seca tende a se agravar ainda mais
na ausência de ações efetivas de mitigação e de adaptação (BURITI e
BARBOSA, 2018).
Outra característica a ser destacada, refere-se a disponibilidade
hídrica, pois, como reflexo das condições climáticas dominantes
de semiaridez, a hidrografia dessa Região é pobre, em seus amplos
aspectos. Tal fato faz com que as condições hídricas sejam insufi-
cientes para que rios caudalosos se mantenham perenes durante os
longos períodos de ausência de precipitações, sendo por isso, em sua
maioria intermitentes. Como exceção, tem-se o rio São Francisco, o
qual em virtude de suas características hidrológicas permitem a sua
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Geusa da Purificação Pereira e Marcelo Leles Romarco de Oliveira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

sustentação durante o ano todo, adquirindo assim significação es-


pecial para as populações ribeirinhas e da zona do Sertão (ARAÚJO,
2011; IBGE, 2019).
O regime pluviométrico da Região Semiárida possui duas es-
tações bem distintas: a chuvosa, que dura em torno de 3 a 5 meses
(geralmente entre os meses de janeiro a maio), e a seca, com maior
período de duração variando de 7 a 9 meses. Tais condições, dentre
outras, determinam o sucesso da atividade agropecuária (ANGELOT-
TI, BEZERRA SÁ e PETRERE, 2009), atividade de grande importância
econômica e social em todo a Região Semiárida.
Essa Região, no entanto, vem desde o período de sua ocupação
sofrendo um processo de desertificação, tendo vivenciado grandes
transformações na paisagem e no grau de cobertura do solo (ARAÚ-
JO, 2011). Segundo o autor, a vegetação da caatinga sofreu um pro-
cesso de degradação pelo uso da lenha e por constantes queimadas e
desmatamentos feitos para o uso do solo na atividade agropecuária.
Assim, “o desmatamento contribuiu para o desaparecimento de di-
versas espécies ou seu raleamento” (ARAÚJO, 2011, p. 93).
De acordo com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA, 2019,
s/p), “o Semiárido é um espaço com grande concentração de terra, da
água e dos meios de comunicação, que historicamente estiveram nas
mãos de uma pequena elite”. Tal situação contribui para a geração de
elevados níveis de exclusão social e de degradação ambiental, consti-
tuindo assim fatores determinantes da crise socioambiental e econô-
mica vivida na região.
Segundo Brasileiro (2009), vários aspectos têm contribuído para
a degradação ambiental do bioma caatinga, com destaque para “as
práticas agrícolas inadequadas, o desmatamento, a infertilidade e a
compactação do solo, os processos erosivos, e a salinização de algu-
mas áreas” (p.4). A degradação que vem sofrendo o bioma, tem des-
pertado o interesse de pesquisadores e cientistas que trabalham com
áreas em processo de desertificação, pois observa-se uma tendência
à expansão de áreas desérticas.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Essa tendência é apontada também como sendo uma consequên-


cia futura para a Região Semiárida em virtude das mudanças climá-
ticas (IPCC, 2007). De acordo com Menezes, Oliveira e El-Deir (2011,
p.4), “de todos os ambientes do Brasil, a Região Semiárida é a que
apresenta a maior vulnerabilidade às mudanças climáticas no as-
pecto social, principalmente devido a potenciais impactos negativos
sobre os recursos hídricos e a agricultura de sequeiro”. Nesse senti-
do, a temática das mudanças climáticas torna-se ainda mais impor-
tante de ser debatida e estudada.
No que se refere ao estado no qual está inserido a unidade de aná-
lise deste artigo, observa-se que na Bahia, a Região Semiárida com-
preende a maior dimensão em área por km² (446.021 Km²) do estado
e maior número populacional (7.675.656 habitantes). Além disso, a
Bahia possui uma expressiva população rural (3.914.430), com mar-
cante presença da agricultura familiar, concentrando, de acordo
com o Censo Agropecuário de 2017, cerca de 593.411 desses estabele-
cimentos (IBGE, 2017; IBGE, 2010; MEUS SERTÕES, 2017).
A Região Semiárida baiana, compreende quase dois terços dos
municípios que integram o estado (278, dos 417 municípios) (BRASIL,
2005b). Grande parte da sua população (7.675.656 habitantes) vive
nessa área do estado, a qual enfrenta dificuldades climáticas para
desenvolver a agricultura e a pecuária, base da sua economia. Tra-
ta-se, portanto, de uma imensa região que possui baixos índices de
pluviosidade, chuvas irregulares e mal distribuídas ao longo do ano,
além de elevadas temperaturas (BLAMONT, et al, 2002; VALPORTO,
2016), características essas que, no entanto, não são homogêneas.
Como atividade predominante na maior parte da Região Semiári-
da baiana, destaca-se a agricultura, com predomínio da agricultura
de sequeiro. As principais atividades agropecuárias desenvolvidas
no estado são: mandioca, feijão, milho, sisal, castanha, pinha, umbu,
palma forrageira, caprino e ovinocultura. Frisa-se que o semiárido
não é uma região homogênea, apresentando uma grande diversida-
de de relevos e microclimas, coexistindo muitas atividades agrope-
cuárias de sequeiro (BLAMONT et al, 2002).
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

A predominância desse tipo de atividade faz dessa região ainda


mais dependente dos fatores climáticos, especialmente da precipi-
tação e temperatura, uma vez que a ausência e intensificação des-
tes, influenciam sobremaneira em seus meios de vida de modo ge-
ral. Assim sendo, a percepção ambiental referente a esse fenômeno
é fundamental para a adaptação e o enfrentamento das alterações
sofridas a curto e a longo prazo.

Mudanças climáticas e percepção ambiental: definições


conceituais

As mudanças climáticas, seus efeitos e consequências têm sido


um tema amplamente difundido e debatido ao longo dos últimos
anos, tanto no meio científico, quanto nos demais segmentos da so-
ciedade, caracterizando-se como uma abordagem de relevante inte-
resse, que perpassa as mais diversas esferas, sejam elas ambientais,
econômicas, sociais e políticas, uma vez que as suas consequências
afetam de forma distinta cada uma dessas áreas. Essas mudanças,
entraram com força no cotidiano, sendo uma difícil realidade pre-
sente tanto nos ambientes urbanos, quanto rurais (CORTESE e NA-
TALINI, 2014).
De acordo com o Quinto Relatório do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas-IPCC (AR5), publicado em 2014, as mu-
danças climáticas possuem um efeito distributivo regressivo, inci-
dindo principalmente sobre as populações mais pobres. Ou seja, seus
efeitos embora atinjam todas as pessoas, as consequências geradas
não são distribuídas ou recebidas de forma equitativa. Nesse contex-
to, a população rural é apontada como uma das mais susceptíveis a
enfrentar os efeitos dessas mudanças, pois, segundo Kirsch e Schnei-
der (2016):

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Uma proporção significativa desse contingente populacional está


largamente susceptível ao solapamento dos mais diferentes meios
que lhe garantem a sobrevivência. Além do mais, devido ao aumento
da frequência e da intensidade dessas alterações, estas poderão pro-
vocar reduções inesperadas e/ou frustrações nas colheitas agrícolas,
o que também implicaria acentuada elevação dos níveis de desem-
prego, fato que, além de desestabilizar a segurança e a soberania ali-
mentar, levaria a séria concorrência por recursos, os quais, então, se
tornariam escassos (KIRSCH e SCHNEIDER, 2016, p. 2).

Diante disso, pensando em relação ao Brasil, país em desenvol-


vimento, com grande índice de desigualdade em diversas esferas, é
possível identificar diversas regiões e categorias sociais que se en-
quadram, enquanto populações e áreas vulneráveis, tais como a Re-
gião Nordeste e o semiárido brasileiro. De fato, a Região Semiárida,
de forma geral, é apontada pelo IPCC (2007), como uma das quais
enfrentarão impactos decorrentes das transformações no clima de
forma mais severa ao longo das próximas décadas. Tais impactos re-
fletirão em suas populações de forma diversa, sendo a agricultura
familiar da região uma categoria, que tenderá a sofrer ainda mais
determinados impactos.
Desse modo, a agricultura familiar, encontra-se inserida numa
atividade sobre a qual os efeitos do clima tendem a ser mais rígidos,
sobretudo, considerando-se os agricultores familiares localizados
em regiões semiáridas e que desenvolvem as atividades com base,
majoritariamente, na agricultura de sequeiro. Essas regiões, apre-
sentam características edafoclimáticas que historicamente têm se
apresentado como uma dificuldade, principalmente no que se refe-
re à incidência e regularidade das chuvas, a qual é essencial na pro-
dução agrícola e na pecuária, principais atividades desenvolvidas
por essa categoria. Tais fatores, somados a outras limitações, dentre
as quais a financeira, aumenta ainda mais a sua exposição aos riscos
climáticos.
Assim sendo, o conhecimento a respeito do aquecimento global e
das mudanças climáticas e o reconhecimento da sua existência é um
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Geusa da Purificação Pereira e Marcelo Leles Romarco de Oliveira
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

fator importante e necessário no enfrentamento dos problemas de-


les advindos, bem como na adoção de estratégias de adaptação, para
tanto, a percepçõ ambiental é fundamental. É, portanto, uma temáti-
ca que não deve estar restrita apenas ao âmbito cientifico, mas esten-
der-se entre os diversos sujeitos sociais constitutivos da sociedade, os
quais são também, cooresponsáveis tanto pelas emissões dos gases
poluentes, quanto pela redução destes.
De acordo com Oliveira (2012), a percepção refere-se à função
cerebral que atribui significado a estímulos sensoriais. Através dela
um sujeito organiza e interpreta suas impressões sensoriais dando
significado ao seu meio (OLIVEIRA,2012). Perceber envolve uma di-
versidade de perspectivas e extrapola as fronteiras entre o olhar e
o enxergar, abrangendo também fatores e estímulos externos (IN-
GOLD, 2008; KUNHEM, 2009), os quais lhes são parte constitutiva,
contemplando à interpretação que o sistema cognitivo tem a partir
da sensação recebida (SILVA, et al, 2014).
Etimologicamente, a palavra percepção deriva do termo em la-
tim perceptio e é definida como “uma combinação dos sentidos no
reconhecimento de um estímulo externo” (KUHNEN, 2011, p. 251).
Como tema específico, tem suas origens na Filosofia e na Psicologia
e foi sendo ressignificado ao longo dos anos por outros campos do
conhecimento, com o objetivo de tornar compreensível os compor-
tamentos humanos, em especial os comportamentos voltados para
relação pessoa-ambiente (KUHNEN, 2011).
No entanto, a forma como se percebe e significa determinado
fenômeno ou objeto possui diferenças e particularidades de acordo
com o olhar que sobre ele é lançado. A percepção é uma característi-
ca individual, ainda que sobre um fenômeno que abrange toda uma
coletividade, pois, “cada ser humano percebe, reage e responde de
maneira diferente ao ambiente em que vive” (SUESS, BEZERRA e
CARVALHO SOBRINHO, 2013, p. 241). Desse modo, um mesmo objeto
ou acontecimento, impõem-se com uma significação diferente a cada
pessoa que o percebe, pois “a percepção do mundo é diferente para
cada um de nós, cada pessoa percebe um objeto ou uma situação de
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

acordo com os aspectos que têm especial importância para si própria


(DAVIES; BLAKELEY; KIDD, 2002, p. 250).
O termo percepção ao ser complementada com o ambiental, “for-
ma um conceito analítico composto por dois substantivos que repre-
sentam uma maneira de compreender o comportamento humano,
passando então a ser objeto de estudos da Psicologia Ambiental”
(KUHNEN, 2011, p. 255). Esse conceito tem especial importância na
sociedade atual, sendo fundamental para a compreensão dos diver-
sos olhares voltados para os acontecimentos ambientais e climáticos
em curso, os quais afetam de forma significativa, porém distinta, di-
versos segmentos da sociedade.
Conhecer e entender a forma como cada pessoa visualiza e inter-
preta os riscos relacionados ao meio ambiente é fundamental, inclu-
sive para o seu enfrentamento e para a redução dos impactos sobre
ele, uma vez que, a percepção, atitudes, valores e a consequente visão
de mundo são fundamentais para o entendimento da relação ser hu-
mano- natureza e seus respectivos reflexos (TUAN, 1980). Segundo
Kuhnen (2009) a percepção ambiental é entendida como:

[...] a captação, seleção e organização das informações ambientais,


orientada para a tomada de decisão que torna possível uma ação
inteligente (i.é dirigida a um fim) e que se expressa por ela [...]. Ad-
quire-se ao mesmo tempo em que se atua e modifica-se em função
dos resultados da atuação. Ou seja, a percepção do meio ambiente
é aprendida e está carregada de afetos que traduzem juízos acerca
dele. Estão juntos o cognitivo e o emocional, o interpretativo e o ava-
liativo. Portanto, a percepção ambiental é aprendida e aparece nos
juízos que formamos sobre o meio ambiente e nas intenções modifi-
cadoras que empregamos. É resultante tanto do impacto objetivo das
condições reais sobre os indivíduos quanto da maneira como sua in-
terveniência social e valores culturais agem na vivência dos mesmos
impactos (KUHNEN, 2009, p. 47).

A afirmação de Kuhnen (2009) permite compreender que a per-


cepção humana recebe influências internas de modo que “cada
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

indivíduo percebe, reage e responde diferentemente às ações sobre o


ambiente em que vive. As respostas ou manifestações daí decorren-
tes são resultados das percepções (individuais e coletivas), dos pro-
cessos cognitivos, julgamentos e expectativas de cada pessoa” (FER-
NANDES, et al. 2004, p.1).

A percepção dos agricultores familiares do município de


Baixa Grande- BA referente às mudanças climáticas

Para entender de que forma as mudanças climáticas causam alte-


rações e transformações socioeconômicas, culturais e simbólicas na
vida das pessoas é necessário, antes, compreender como estes perce-
bem esse fenômeno e quais os fatores que interferem na sua forma
de percepção. Para tanto, é pertinente entender as evidências apre-
sentadas por parte das ciências a respeito das mudanças climáticas,
bem como, compreender como a sociedade reconhece as mudanças
no clima enquanto questão problemática. Isso porque a percepção
referente às mudanças climáticas se dá de distintas formas, tendo
em vista a variedade de fatores que a influência.
Desse modo, observou-se que os entrevistado, em sua maioria,
não reconhecem ou utilizem especificamente o termo científico,
“mudança climática”, mas destacam os impactos ou alterações que
as transformações no clima causa em suas vidas e na vida de suas
famílias, utilizando- se das expressões “mudanças no tempo”, “mu-
danças ambientais”, dentre outras. E mesmo quando alguns deles
declararam já ter ouvido falar, poucos conseguiam explicar o seu
entendimento a respeito do termo, conforme pode ser observado
em suas falas: “Menina, o que eu ouvi falar, não gravei, né? A gente
velho... analfabeto!” (JOÃO, 2018); “Eu não sei não. Sei lá, posso até
saber, mas não me lembro agora” (JOANA, 2018); “Às vezes eu vejo
falar, mas não boto na mente não!” (MARINALVA, 2018); “Não. Se eu

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já ouvi eu não lembro não” (JULIA, 2018); “Eu nunca ouvi falar não”
(FRANCISCO, 2018).
No entanto, embora desconhecendo o termo, os agricultores per-
cebem as transformações no meio ambiente, através dos aspectos
físicos, sociais e culturais. Para essa percepção, estes agricultores re-
correm as questões históricas, ou seja, ao tempo, já que, para falar
do presente, constantemente remetiam-se ao passado, a infância, ou
juventude. Esse revisitar ao passado se manifestava em expressões
tais como “de primeiro”, “antigamente”, “quando eu era mocinha”,
“no tempo dos meus pais”, “quando eu era criança”, dentre outros
termos, tais como evidenciam no relato a seguir:

Menina, eu vou dizer aqui uma coisa, que por vida, teve sol! Mas o
que vem castigando muito é o tempo, que é variado. E o povo tá fa-
lando, tem muitos dizendo... Ai não é eu, é o povo! Defende muito,
dizendo que é as árvores que acabou. Ai que não puxa chuva. A gente
não tem aquele tempo bom. O que a gente sente mais é isso. A desco-
berta do mundo todo. Que de primeiro não era assim, sempre chovia.
Tinha seca, mas sempre chovia mais que agora (VALDEMAR, 2018)

Observou-se que a percepção do agricultor, aponta para as alte-


rações sofridas ao logo dos anos, no ciclo das chuvas e na degradação
do ambiente. Tal percepção recebe influência da proatividade e in-
ter-relação que estes mantem com o ambiente em que vive e as obser-
vações realizadas ao longo dos anos, considerando, principalmente
que, a grande maioria dos entrevistados, nasceram e se criaram em
Baixa Grande. Os poucos agricultores que declararam ter nascido em
outro município residem em Baixa Grande há mais de 25 anos.
Assim, conforme aponta Cavalcante e Maciel (2008), o ser huma-
no com um ser ativo no ambiente movimenta-se e entra em conta-
to com novos ambientes renovando seus vínculos com lugares já
conhecidos e vivenciados, assim, o ser humano “a cada momento
recria seu meio, influenciando-o, ao mesmo tempo em que é influen-
ciado por ele” (p. 150). Essas influências, em uma via de mão dupla,
são importantes e constitutivas da percepção ambiental e se dá, no
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

caso específico, a partir das transformações observadas ao longo dos


anos.
Muitos agricultores fazem uma relação direta entre a maior es-
cassez da chuva e o desmatamento. Apesar de que, conforme carac-
terística edafoclimáticas do semiárido, a seca sempre tenha sido algo
inerente à região, segundo os entrevistados, esta tem se tornado cada
vez mais intensa, e, portanto, com chuvas mais escassas a cada ano.
A irregularidade das chuvas, segundo eles, sofreu grande impacto do
desmatamento na região, uma vez que o propósito maior ao longo
dos anos esteve ligado a criação de animais, assim como foi no perío-
do de ocupação do semiárido. Para plantar capim e manter, portan-
to, as condições necessárias de criação bovina, os fazendeiros desma-
tavam cada vez mais os espaços antes ocupados pelas matas nativas.
O relato a seguir destaca esse fato na região.

O desmatamento também, né. Que acabou com tudo aí. E, quando eu


era nova, até quando eu tava criando meus filhos. Até 30 anos para
trás. A gente plantava de ano a ano. Tinha milho maduro de ano a
ano. Tinha feijão, batata, por vida. Nós criou nossos filho com batata,
abobora, aipim, tudo de ano a ano. Tudo verdim. Tinha uma roça aí
pra o fundo? Oh, meu Deus, era por vida! Era banana, era batata. Aí
foi diminuindo, diminuindo. De quinze anos para cá, até que agora
ficou essa sequidão braba, que nós vive, né minha fia? Mas antiga-
mente era muito bom para criar família. Criei dez filhos. Nunca tive
dificuldade de nada de comida pra os meus filhos, porque o tempo
era bom, tudo que plantava dava, né? Hoje tá mais difícil! Quem não
tem aposentadoria hoje tá sofrendo, porque a chuva é pouca! Chu-
vinha pouca. Por conta do desmatamento, acabaram com a natureza
(ALZIRA, 2018).

Observa-se a partir do relato supracitado que a prática do desma-


tamento no município de Baixa Grande, se assemelha ao que aconte-
ceu historicamente na Região Semiárida de forma geral. Bioma esse
que, conforme destaca Pereira (2013), ao longo da sua história tem
vivenciado diversas transformações, sendo cada vez mais alterados,
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em função da vasta substituição de espécies vegetais nativas por cul-


tivos e pastagens. Ainda hoje, o desmatamento e uso inadequado dos
recursos naturais constituem práticas comuns no preparo da terra
para a agropecuária, essa prática juntamente com as queimadas,
contribuem para desequilibrar o clima, piorar a qualidade do solo e
prejudicar a manutenção de populações presentes (PEREIRA, 2013).
Os desequilíbrios do clima são percebidos pelos entrevistados de
diversas formas, sendo o desaparecimento de animais e plantas nati-
vas uma das manifestações de suas percepções. Segundo eles, diver-
sos animais e plantas antes existentes na região já não existem mais,
ou existem em quantidades muito reduzidas. O desaparecimento ou
extinção destes é associado pelos agricultores familiares entrevista-
dos às alterações no clima, ao desmatamento, e também a caça reali-
zada ao longo dos anos. O relato a seguir aborda essa questão:

Hoje tem vários animais que você não vê mais. Se você ouve falar
num veado, a gente não vê mais. Tem, mas longe, né? No terreno do
meu pai a gente via. Você ia pegar um cavalo, apartar uma vaca, che-
gava lá tinha um veado, tinha um tatu, tinha um teiú, tinha alguma
coisa. Hoje você não vê nada. Uma nambu, uma codorna. Hoje pra a
gente ver um passarinho é aquela coisa. Raridade! Já ouviu falar em
raridade? A gente sabe que existe, né? A gente sabe que na região
tem a codorna. Tem! Só que é difícil ver. Você tem que andar bastante
para ver onde acha uma escondida (OSVALDO, 2018).

Além dos animais que aparecem no relato desse agricultor, diver-


sos outros pequenos e médios animais silvestres tem desaparecido
das comunidades, como por exemplo, tatu, peixes e algumas espécies
de pássaros, tais como codorna, perdiz, joão de barro, dentre outros.
Para além dos animais silvestres, os agricultores percebem tam-
bém uma redução na criação de outros animais, tais como bovinos,
ovinos, caprinos, suínos e aves. Segundo eles, no passado as pes-
soas, apesar do tamanho reduzido das propriedades, criavam mais
animais que atualmente, principalmente ovinos, na Microrregião
I, e suínos e bovinos, na microrregião II. Atualmente, por conta das
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constantes secas e da dificuldade para alimentar esses animais, os


agricultores têm reduzido a criação ou deixado de cria-los. A per-
cepção da agricultora Terezinha (2018) é que, “a pessoa antigamente
criava tanto gado, tanta ovelha, tanto bicho e agora não pode criar,
porque o mau tempo vive em cima, como é que pode criar? É mais
mau tempo que bom tempo”. O acesso a água e a alimentação tam-
bém são fatores que influenciam na criação de menor quantidade,
ou na desistência por criar esses animais. Segundo a entrevistada,

o trabalho ficou escasso, planta as coisas, não tem mais. A chuva


não é mais constante, os reservatórios de água sempre tão um nível
baixo. E é mais pior pra gente aqui! Existe mais seca do que o bom
tempo. Muita coisa. A ração pros bichos que antes achava fácil, hoje
já não acha mais. Muita coisa já foi perdida (MARINALVA, 2018).

Assim, a redução no número de animais criados faz com que, nos


longos períodos de estiagem, seja mais fácil alimentar com ração, a
qual é retirada dos quintais (palma forrageira), de plantas nativas
(mandacaru- Cereus jamacaru e o incó - capparis yco) e alguns com-
plementam com a compra de milho, já que, o milho que conseguem
produzir atualmente não é suficiente para alimentação animal. Os
agricultores muitas vezes fazem uso das palhas do milho para a
ração animal, seja do milho que deu para ser colhido, ou quando tem
toda a produção perdida.
Associado a todas essas transformações percebidas pelos agri-
cultores familiares ao longo dos anos, os mesmos relatam também o
desaparecimento e a redução de algumas plantas nativas, sobretudo,
o licurizeiro (Syagrus coronata) e o umbuzeiro (Spondias tuberosa),
os quais, eram em suas infâncias vistos em abundância em ambas as
Microrregiões. De acordo com os entrevistados muitos umbuzeiros
e licurizeiros têm morrido na região. Segundo relatos: “o umbu mes-
mo, nessa seca que teve aí nesses últimos oito anos, morreu muito pé
de umbu, até licuri que a gente vê que é difícil de morrer, a gente vê
licuri morrendo (MANOEL, 2018). O desaparecimento dessas plan-
tas estão associados tanto às questões ambientais quanto ao uso,
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sobretudo do licuri, para a alimentação animal. O relato a seguir for-


talecem essa percepção:

Antigamente, eu cansei de pegar um animal, ir num tabuleirozim


de licuri e trazer uma carga de licuri. E hoje ninguém acha nem pra
quebrar na pedra. Por quê? Não tem, não tem! Chega um lá, começa
a tirar as palhas, começa a tirar e deixa somente os toquim. Como é
que ele vai dar? Pra dar a bicho pra comer pra não morrer de fome
(MIGUEL, 2018).

Tais falas e fatos vão de encontro aos prognósticos realizados


pelo IPCC em 2007, que já chamava a atenção para a vulnerabilidade
de uma diversidade de espécies constitutivas da biodiversidade, em
virtude das alterações no clima, as quais tendem a se intensificar,
caso as emissões continuem a crescer. Isto porque grande parte das
espécies que formam a biodiversidade possuem menores possiblida-
de de adaptação, configurando-se assim um problema com relação à
dinâmica do aquecimento global (CASTRO, HARARI e ARRUDA-NE-
TO, 2009). Os autores ainda apontam que:

O desaparecimento de espécies a partir da destruição dos habitats


parece ser um problema que se perpetua e cada vez mais se agrava,
sendo atualmente o foco de preocupação de muitos ecologistas. Além
disso, o aquecimento global pode mudar a distribuição e a abundân-
cia de espécies vegetais e animais, interferindo na produção primária
da cadeia alimentar (CASTRO, HARARI e ARRUDA-NETO, 2009, p.4).

No caso estudado, os agricultores associam o desaparecimento de


plantas e animais tanto ao desmatamento, a ausência e/ou irregula-
ridade das chuvas como também a caça predatória e ao uso insus-
tentável de determinados recursos. Diante do exposto, observa-se
que o conhecimento do processo perceptivo é fator de importância
inegável para entender a relação ser humano-ambiente, sobretudo,
quando se considera a relação inconteste deste com o seu entor-
no, pois o homem mantém com o meio ambiente uma relação “to-
tal, abrangente e contínua” (CAVALCANTE e MACIEL, 2008, p. 149),
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relação essa que pode se manifestar no cuidado e preservação ou nas


consequências advindas do seu uso insustentável.
Assim, não são apenas as características relacionadas a cognição
humana que influenciam na percepção dos indivíduos, os fatores
históricos comparativos também são fundamentais nesse processo.
A percepção extrapola a fronteira entre o corpo, o cérebro e o mundo,
de modo que os acontecimentos, a cultura e as interpretações e ações
dos indivíduos são fatores integrantes da formulação da percepção
humana. A percepção é, portanto, “o processo básico de apreensão da
realidade interna e externa do indivíduo” (CAVALCANTE e MACIEL,
2008, p. 150).
Sob essa ótica, os entrevistados percebem as transformações no
meio ambiente permeado por diversos outros elementos, culturais,
históricos, religiosos, educativos, etc. Assim, é importante atentar
para a necessidade de conhecer e entender a percepção humana so-
bre o ambiente e as suas transformações, além de reconhecer os di-
versos fatores e características que influenciam nesse processo per-
ceptivo. Nessa perspectiva, o tempo de residência na comunidade, as
memórias passadas e as comparações com o presente, bem como as
crenças e os valores individuais, contribuem na formulação das dis-
tintas percepções, as quais, no entanto, não são tão distintas assim,
uma vez que, quando realizados questionamentos nas atividades em
grupos, bem como nas entrevistas, as percepções eram sempre muito
semelhantes.
De acordo com Soulé (1997, apud RODRIGUES, 2012), a diversi-
dade da percepção humana está relacionada à forma como a mente
percebe a natureza, já que cada sujeito possui uma “lente” própria la-
pidada por sua cultura, educação e temperamento fazendo com que
as percepções sejam as mais variadas possíveis (SOULÉ, 1997, apud
RODRIGUES et al, 2012). De forma similar, Tuan (1983) evidencia
que a relação com o meio ambiente se manifesta por meio de nossas
ações, contudo, não se deve generalizar normas, já que as diferenças
culturais exercem importante influência na forma como cada pes-
soa interpreta o meio ambiente que o circunda.
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A abordagem feita por esses autores é importante para explicar


o fato de que, embora não sendo homogêneas, no caso específico es-
tudado, as percepções eram pouco distintas, tendo em vista que os
entrevistados possuíam basicamente histórias de vida semelhantes.
A grande maioria nascidos e criados no mesmo município; todos re-
sidentes no meio rural, introduzidos na atividade agropecuária des-
de a infância, com níveis de escolaridade muito próximos (analfabe-
tos, semianalfabetos e alguns com ensino fundamental incompleto).
Assim, a maioria convergia na forma como percebiam as transfor-
mações no meio ambiente, na cultura e em seus meios de vida.

Considerações finais

A partir da pesquisa foi possível identificar que o termo “mu-


danças climáticas”, usado cientificamente, não é conhecido por mui-
tos agricultores. Ainda assim, estes percebem e enumeram diversas
transformações e consequências provocadas em decorrência desse
fenômeno em seus meios de vida, abrangendo as diversas esferas
que o compõe, tratando-a como sendo “mudanças no ambiente” e/ou
“mudança no tempo”. As mudanças percebidas e relatadas são iden-
tificadas a partir do comparativo histórico do passado com o presen-
te, utilizando-se das expressões “de primeiro”, “antigamente”, “quan-
do eu era criança”, “na minha juventude”, dentre outros, comumente
utilizados para retratar a percepção atual do ambiente.
Os entrevistados além de perceber as mudanças ocorridas no am-
biente e as consequencias deles sobre suas vidas e abiodiversidade
local, reconhecem as caracteristicas do semiárido e apontam even-
tos de seca existentes no passado. Contudo, os agricultores destacam
a maior constância destes eventos nos último anos, sendo comuns
anos seguidos de secas e escassez constante de chuvas. No entanto,
embora reconheçam a característica edafoclimáticas do semiárido,
e relembrem a existência de diversos eventos de secas e dificuldades
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enfrentadas tanto na produção e criação quanto na vida das famí-


lias. Observou-se que no presente, essas secas tornam-se muito mais
frequentes, havendo muito mais períodos secos que chuvosos.
Por meio das análises dos dados obtidos identificou-se que a per-
cepção ambiental dos entrevistados em ambas as Microrregiões
converge no sentido de que houve significativas mudanças no meio
ambiente, e que essas transformações influenciaram na atividade
agropecuária da região, e na biodiversidade local, alterando signifi-
cativamente os seus meios de vida.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -Brasil (CAPES) - Có-
digo de Financiamento 001. Agradecemos à CAPES, e a todos os agri-
cultores familiares participantes desta pesquisa.

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O potencial da casca do licuri na


substituição da lenha do bioma caatinga
no processo de combustão e produção de
energia térmica

José da Silva Reis, Klayton Santana Porto e Gilmar dos Santos Andrade

Introdução

O Licuri (Syagrus Coronata) pertence à Família Arecacae, Subfa-


mília, cocoeae, Subtribo Butineae, Arecoideae, essa subfamília reúne
atualmente 115 gênero e 1500 espécies, sendo a maior entre as Are-
cacae. O Licurizeiro é uma palmeira típica do semiárido nordestino,
essa espécie tem uma nítida preferencia pelas regiões secas e áridas
das caatingas. O Licuri é conhecido por diversos nomes, como por
exemplo: Aricuri, Nicuri, ALicuri, ou Ouricuri. (BRAGA, 2010).

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José da Silva Reis, Klayton Santana Porto e Gilmar dos Santos Andrade
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

O uso das partes lenhosas das plantas da caatinga para o processo


de combustão vem aumentando significativamente, pois esse ma-
terial é essencial para a realização de várias atividades, como, por
exemplo, no fogão a lenha diante o processo de cozimento dos ali-
mentos, nas tendas de bater ferramentas, nas fábricas de cerâmica,
nas churrasqueiras, nas indústrias de cimento, nas fábricas de bis-
coitos, nas casas de farinha, em caldeiras, dentre outras utilidades.
Esses são alguns fatores que contribuiu e contribui até os dias de
hoje com o avanço do desmatamento das florestas, deixando assim
grandes áreas degradadas e provocando assim um grande desequilí-
brio ambiental.
A produção de biomassa através das plantas nativas no semiári-
do ocorre lentamente, devido às condições edafoclimáticas1 não
contribuírem com o desenvolvimento rápido das plantas, sendo que
em alguns períodos do ano as mesmas parem seu desenvolvimento
através da perda das folhas para que assim consigam resistir diante
os períodos de estiagens prolongadas, até que a chuva volte e elas
possam dar continuidade a seu desenvolvimento (ARAÚJO FILHO;
CARVALHO, 1995).
Por outro lado, existe na Bahia, uma produção muito grande de
Licuri, do qual são extraídos diversos subprodutos de seu fruto, como
por exemplo: O óleo, que pode ser utilizado na culinária como tam-
bém para produção de cosmético, considerado um dos óleos mais
nobres do Brasil (SANTOS; SANTOS, 2002). A torta que é um subpro-
duto a partir do esmagamento das amêndoas é um ingrediente a ser
utilizado na composição das rações para alimentar vacas leiteiras,
de bom padrão racial e para o desenvolvimento precoce de animais,
tanto de corte como também para reprodutores, por apresentar em
sua composição 19% de proteína, 16% de celulose e 11 a 12% de óleo
(BONDAR, 1938, p 18).

1
Condições edafoclimáticas são questões características definidas através de fatores
do meio, tais como o clima, o relevo, a litologia, a temperatura, a humidade do ar, a
radiação, o tipo de solo, o vento, a composição atmosférica e a precipitação pluvial.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Há também o mesocarpo e epicarpo (parte fibrosa) do Licuri, ou


seja, a polpa, que quando madura apresenta um valor energético
bastante elevado, cerca de 635,9 Kcal 100g (BECKERMAN, 1997). A se-
paração do pelo de Licuri é feito quando este conclui seu processo de
desidratação que sabemos que esse é um processo que contribui com
a diminuição do valor energético, porém é evidente que mesmo com
essa perda ainda se tem presente um valor energético bastante eleva-
do juntamente com as fibras. Por final temos a casca em quantidade
bastante elevada já que a cada saca de 40 kg de frutos de Licuri tem
uma média de 05 kg de amêndoa, 25 kg de casca e 10 kg de pelo, sendo
que a casca é um resíduo que não apresenta outra utilidade a não
ser o uso desta, como adubação, apesar de seu processo de decom-
posição ser bastante lento devido a auto concentração de carbono
(SANTOS, 2016, p 30).
A unidade de beneficiamento de amêndoa de Licuri da Escola Fa-
mília Agrícola do Sertão (EFASE), localizada no município de Mon-
te Santo BA, beneficiou em 2016 junto às comunidades em torno de
60.000 Kg de amêndoa, que de acordo com a composição do fruto
de Licuri descrito anteriormente em números, conclui-se que é pro-
vável que para atingir essa produção de amêndoa produziu uma
quantidade de 300.000 kg de casca, que atualmente se encontram
amontoadas nas comunidades, sendo que estas poderiam ter seu uso
direcionado ao processo de combustão, diminuindo assim a pressão
sobre as espécies arbustivas que apresentam potencial energético, e
consequentemente diminuindo com o desmatamento do Bioma Caa-
tinga (SANTOS 2016, p. 30).
Esta pesquisa teve como objetivo geral realizar estudos relacio-
nados ao potencial energético da casca de Licuri para que se possa
identificar se esta é uma boa opção ou não para substituir as partes
lenhosas das plantas da caatinga, na perspectiva de construir conhe-
cimento para a Convivência com o Semiárido.
O método de pesquisa foi experimental. Coletamos amostras de
Pau de Tato, Pau de Colher, Jurema e Licuri, e encaminhado ao labo-
ratório que empregou a metodologia prevista pela NBR 8112 (1896)
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da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A umidade do


material assim que foi recebido foi determinada com base em Vital
(1977), em base seca. Para obter o poder calorífico superior usou-se
o manual de instrução do calorímetro Ika C 2000 e a norma ABNT-
NBR 8633/1984. Para cálculo da densidade energética (kg/m3), foi
utilizado o produto entre o valor do poder calorífico superior (kcal/
kg) e a densidade básica (kg/m3), conforme a equação: De = PCSxDb,
em que: De é a densidade energética (kg/m3), PCS o poder calorífico
superior (kcal/kg) e Db a densidade básica (kg/m3). Por fim, a pesqui-
sa experimental foi realizada com ferreiro da comunidade de Lagoa
do Saco, município de Monte Santo, cujo objetivo foi comparar a efi-
ciência do uso do carvão da Jurema com a casca de Licuri diante ao
processo de deformação de ferro para confeccionar ferramentas de
trabalho.
O presente artigo está organizado em seções, na introdução, apre-
sentamos a discussão inicial da temática em estudo, a justificativa
e relevância da pesquisa e os seus objetivos. No referencial teórico
é abordado o bioma caatinga e seu potencial energético e apresen-
tamos a casca do Licuri como potencial energético. Em seguida são
apresentados e discutidos os resultados, para a finalidade do artigo
abordaremos os dados do potencial energético e os dos testes práti-
cos desenvolvidos junto às famílias.

Bioma caatinga e seu potencial energético

O Bioma Caatinga ocupa em torno de 826.411 quilômetros qua-


drados, sendo que a vegetação existente nessa região é exclusiva des-
te bioma, ou seja, conseguimos encontrar estas espécies apenas nos
estados de Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte,
Piauí, Ceará, Alagoas, Bahia, Sergipe e algumas fronteiras de Minas
Gerais (SENA, 2011, p. 13).

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Apesar de sua tamanha importância o bioma caatinga tem sido


muito devastado, principalmente pela retirada ilegal de lenha de
forma insustentável para fins domésticos e industriais e pelo sobre
pastoreio dos animais, atualmente 46% deste bioma encontra-se de-
gradado (MMA, 2012).

O Bioma possui segundo algumas estimativas, pelo menos 1200 plan-


tas vasculares, dentre elas: Baraúna, Aroeira, Craibeira, Quixabeira,
Barriguda, Pau de Rato, Pau de Colher, Quebra Facão, Jurema, Um-
buzeiro, Cedro, Caixão, Goiabeira Braba, Calumbi, Maniçoba, Man-
dacaru, Pinhão, Jurubeba, Araticunzeiro, Malvaísco, Angico, Um-
burana, Sapateiro, Pau de Leite, Juazeiro, Inco, Macambira, Malva
Estendedeira, Serroteiro, Ariri, LLicurizeiro, dentre outras. Possuem
ainda 185 espécies de peixes, 44 de lagartos, 47 diferentes cobras, qua-
tro tipos de tartarugas, três tipos de crocodilo, 49 anfíbios, 350 pássa-
ros e 80 mamíferos (MMA, 2002, p. 20).

A partir desta citação pode se perceber o potencial que a caatinga


nos oferece de forma gratuita mais que o desconhecimento da fun-
cionalidade deste ecossistema tem desencadeado no desenvolvimen-
to de práticas insustentável levando a total destruição deste ambien-
te tão rico.
Apesar da riqueza encontrada no bioma Caatinga o mesmo tem
sido um dos biomas brasileiros menos estudados e protegidos, ape-
nas 2% das unidades de conservação cobrem o território. O uso in-
sustentável dos recursos naturais tem contribuído muito com a
exterminação de algumas espécies de plantas e animais chegando
a ser visível em algumas localidades a formação de alguns núcleos
de deserto devido o desconhecimento da dinâmica deste ecossistema
que como exemplo, podemos citar um dos grandes problemas cau-
sadores da devastação deste bioma que é a retirada da lenha, mas
sabemos que existem técnicas de manejo da floresta na qual pode-se
produzir lenha sem degradar tanto o meio ambiente. De forma geral
o bioma Caatinga apresenta uma limitação bastante grande no que
diz respeito à disponibilidade de chuvas. Esta região apresenta um
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volume pluviométrico anual médio de 268 a 800 milímetros, além


disso, região semiárida é caracterizada pelo déficit hídrico, ou seja,
os valores referentes a precipitação na forma de chuva são inferiores
aos valores relacionados a evaporação (SILVA, 2003, p. 366).
A pesar das limitações de água neste bioma a Caatinga nos oferece
entre 30 e 50 toneladas de biomassa por hectare, sendo que é possível
ocorrer alguma variância para mais ou para menos devido às con-
dições edafoclimáticas. De acordo com Brand (2017, p. 123) a Caatin-
ga apresenta em média 4.205 árvores por hectare sendo que sua altu-
ra é em média de 5,6 m e destas plantas 51,87% apresentam diâmetro
que variam entre 2 e 5 cm, que representam pouco na produção de
biomassa. Apenas 46% da vegetação presente no bioma Caatinga
apresenta de 6 a 25 cm de diâmetro, o que corresponde a 76,96% da
biomassa que pode ser utilizada no processo de combustão.
Cerca de 10% da biomassa encontrada no bioma Caatinga é com-
posta por folhas e galhos finos apresentando diâmetro médio de 01
cm e que na maioria das vezes não são de interesse da população de-
vido serem materiais que aparentam não servir para o processo de
combustão (SILVA; SAMPAIO, 2008). Essa biomassa apresenta um
diferencial atrativo para combustão comparado a outras florestas,
pois esta pode ser colhida em qualquer período do ano, independen-
temente de estar em uma estação chuvosa ou não (BRAND; MUNIZ,
2010).
No entanto, geralmente o uso das partes lenhosas das plantas
encontradas no bioma Caatinga ocorre de forma desorganizada, ou
seja, utiliza várias espécies de uma só vez o que interfere diretamente
no resultado do processo de combustão diante intenção de uso, pois
o teor de umidade e teor de cinzas e valor calórico varia de acordo
com as espécies e isso influenciara no resultado ao qual o material
esteja sendo utilizado (BRAND, 2017, p. 123).
De acordo com Brand (2017, p. 124), foram feitos os cortes de ma-
deiras em dois períodos diferentes, as plantas que foram cortadas
no período seco apresentaram sua massa especifica básica média de
0,716 g/cm3, teor de cinzas médio de 1,55 e com um poder calorífico
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superior médio de 4583 kcal/kg e para as madeiras cortadas no pe-


ríodo chuvoso apresentaram um teor de umidade de 29% sua massa
especifica básica média foi de 735g/cm3 o teor de cinzas médio foi de
1,59% e seu poder calorífico foi de 4701 kcal/kg.
Esses são fatores que poderão tornar as partes lenhosas da caatin-
ga muito atraentes para seu uso como material energético e que este
mesmo potencial poderá ser encontrado nas cascas de Licuri, poden-
do assim, ocorrer a substituição do uso das partes lenhosas das plan-
tas pelo uso da casca de Licuri o que garantira o desenvolvimento das
atividades que precisam de lenha e contribuirá com a preservação
ambiental.

Biomassa e bioenergia: potencialidades para o uso da casca do licuri como


fonte energética

A biomassa pode ser definida por um conjunto de materiais or-


gânicos (plantas e animais) que são seres capazes de transformar a
energia solar em energia química através da atuação biogeoquími-
ca dos cloroplastos presentes na clorofila das plantas, cuja energia
pode ser armazenada ou retida nos espaços intermoleculares poden-
do assim ser liberada diante ao processo de combustão da biomassa
(SOARES, et al 2006, p. 1).
De acordo com Ferreira (2015, p. 5), o uso da biomassa como fonte
energética além de ser uma fonte de energia limpa e renovável ela
apresenta uma característica diferenciada de outras fontes energéti-
ca, que é a capacidade de devolver ao meio ambiente uma quantidade
de carbono semelhante a quantidade que foi captada e armazenada
no interior dos indivíduos responsável pela captação desta energia, o
que torna uma fonte de energia sustentável.
Atualmente existe uma demanda crescente relacionada ao uso de
fontes de energia renováveis, como por exemplo, restos de culturas,
restos de madeiras, pois atualmente a fonte energética não renová-
vel, como por exemplo, derivados do petróleo que é uma das formas
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mais utilizada para geração de energia tendo em vista que é uma fon-
te não renovável, ou seja, a qualquer momento pode acabar.
No bioma Caatinga existe uma palmeira denominada como Li-
curizeiro (Syagrus coronata) que apresenta um potencial muito rico
para alimentação humana e animal. Além disso, o Licuri produz uma
biomassa muito rica que pode ser inserido na matriz energética. Esta
palmeira ao longo do tempo conseguiu adapta-se as condições edafo-
climáticas do semiárido brasileiro suportando assim estiagens pro-
longadas devido a capacidade que a planta tem de evitar a perda de
água e de se desenvolver em solos pedregosos, pobres e preferencial-
mente arenosos e ácidos. A palmeira Syagrus coronata está presente
nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas e Norte de Minas Gerais (CAR-
VALHO, 2015, p. 02).
A Bahia é um dos estados que apresenta maior concentração da
palmeira especificamente nos municípios de Monte Santo, Itiúba,
Senhor do Bonfim, Maracas, Milagres e Santa Terezinha, que con-
sequentemente sua produção de casca é altíssima (DRUMMOND,
2007, p. 9).
A casca de Licuri ou endocarpo pode ser utilizado como uma im-
portante biomassa, como forma de substituir o uso de combustíveis
fósseis, além de este ser um resíduo resultante do beneficiamento
do Licuri, que, embora seja produzida em grandes quantidades nas
regiões onde o Licurizeiro é encontrado, na maioria das vezes é des-
prezada pelos extrativistas no momento do beneficiamento do Licu-
ri. Esse material apresenta características muito boas para ser uma
excelente biomassa renovável a ser utilizada como fonte de energia
podendo então contribuir com a preservação ambiental e diminuir
os custos das famílias extrativistas com aquisição de gás GLP para
contribuir no cozimento dos alimentos.
A casca de Licuri representa em torno de 45% do fruto do Licuri,
sendo que este material apresenta uma consistência muito grande
devido a sua alta quantidade de carbono impregnado na mesma, o
que explica também o motivo pelo qual as cascas demoram tanto
para completar seu ciclo de decomposição.
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Até então, os extrativistas ainda não tem claro qual o potencial


de fato que a casca de Licuri apresenta devido à falta de pesquisas
sobre esse assunto e por esse motivo as cascas de Licuri, na maioria
das vezes, não são utilizadas pelos extrativistas do Licuri, levando as-
sim o abandono das mesmas em formas de montes nas propriedades
dos agricultores. Além disso, por se tratar de resíduo na produção o
mesmo será uma fonte de poluição muito grande causando um odor
muito forte nas proximidades onde são amontoadas as cascas.
De acordo com pesquisas realizadas pela EMBRAPA (2009), 20 kg
de carvão das cascas do Licuri representam em média 13 kg de Gás
Liquefeito de Petróleo (GLP), que atualmente todas as famílias extra-
tivistas fazem aquisição deste gás por um preço bastante elevado,
para alimentar os fogões, enquanto essas cascas são jogadas fora, o
que poderia diminuir os custos das famílias e contribuir com a valo-
rização das palmeiras do Licuri.
O uso da casca de Licuri como biomassa pode transformar a rea-
lidade das famílias extrativistas do Licuri, uma vez que não apresen-
tam custos, por ser um resíduo gerado no processo de produção e be-
neficiamento do Licuri. Outra vantagem consiste em reduzira mão
de obra para coleta, das partes lenhosas das plantas que na grande
maioria são realizadas pelas mulheres extrativistas, as quais vão
para suas roças em busca de lenha tendo assim um grande desgaste
físico, diante aos cortes feitos com machados ou facão e o transporte
destas lenhas até suas residências, que na maioria das vezes são leva-
das sobre a cabeça causando-lhes sérios problemas ao longo de sua
jornada. O desconhecimento do potencial energético das cascas de
Licuri pelos extrativistas tem provocado uma desvalorização muito
grande deste material que poderia tranquilamente mudar a reali-
dade dos extrativistas do Licuri, sem contar que, os alimentos feitos
com combustão de biomassa do Licuri poderão ser cozidos talvez
mais rápido, comparando-se ao uso da lenha.

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

O uso da casca do licuri no processo de combustão e produção


de energia térmica

Diante a realização desta pesquisa é importante ressaltar que o


motivo pelo qual levou-se a escolha das plantas a serem comparadas
com a casca de Licuri foi devido ao resultado de um levantamento
que foi realizado junto a vários agricultores que utilizam as partes
lenhosas das plantas da caatinga para uso enquanto material ener-
gético. Para a finalidade do artigo, optamos por trazer os dados re-
lacionados apenas ao poder calorífico da casca do Licuri e a deter-
minação da densidade energética, tornando o texto mais objetivo
quando a proposta a qual submetemos o trabalho.

Cálculo do poder calorífico superior

A tabela a seguir apresenta os resultados das análises realizadas


em laboratório referente ao poder calorifico superior das madeiras
de Pau de Colher, Jurema, Pau de Rato e das cascas de Licuri.

Tabela 5: Determinação do poder calorífico superior

Fonte: Análise de laboratório (2018)

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

A partir desta tabela pode-se perceber que todas as variáveis


apresentam valores atrativos, referente ao poder calorifico superior
tendo como destaque a Jurema que apresenta um valor de 4.941,50,
em segundo lugar a casca de Licuri apresenta um valor de 4.898,00
em terceiro lugar o Pau de Rato apresenta um valor de 4.702,50 e em
quarto e último lugar temos o Pau de Rato que apresenta um valor
de 4.591,50. O valor aqui apresentado a respeito das cascas de Licu-
ri são valores superiores aos valores apresentados que apresentou
um valor referente ao poder calorifico superior de 4.652. Essa dife-
rença pode estar relacionada à qualidade das cascas utilizadas para
as análises, pois as cascas utilizadas são agregadas ao exocarpo e as
cascas utilizadas nesta pesquisa são cascas passadas por processo de
despelagem, ou seja, é apenas o epicarpo. É importante ressaltar que
é mais viável o uso apenas do endocarpo (parte lenhosa) para uso
enquanto material energético tendo em vista que o mesocarpo e epi-
carpo (parte fibrosa) é um excelente ingrediente a ser inserido nas
formulações de rações para os caprinos, ovinos, bovinos e suínos,
uma vez que a escassez de forragem para estes animais diante aos pe-
ríodos de estiagens prolongadas é uma realidade que os agricultores
enfrentam frequentemente.

Determinação da densidade energética

A tabela a seguir apresenta os resultados das análises realizadas


em laboratório referente à densidade energética das variáveis das
mesmas espécies em estudo.

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Tabela 6: Determinação da densidade energética

Fonte: Análise de laboratório (2018)

Diante da exposição dos resultados referente a densidade ener-


gética dos itens citados anteriormente o Pau de Colher apresenta
2.640,824 kcal/m3, a Jurema apresenta 3.284,962 kcal/m3, o Pau de
Rato apresenta 3.008,306 kcal/m cubico e por final a casca de Licuri
apresenta 5.300,822 kcal/m3. De forma geral pode-se dizer que os re-
sultados destas variáveis referentes a densidade energética são bas-
tante próximos, as cascas de Licuri apresentam um valor mais eleva-
do porém o mesmo está relacionado a uma quantidade de 1082,24 kg
de casca que são colocadas em 1 metro cúbico, apresentando assim
valores semelhantes de kcal por kg de material das demais variáveis.
Através dos resultados apresentados anteriormente relacionados
ao potencial energético das variáveis pode-se afirmar que de forma
geral todas elas citadas apresentam características muito boas para
serem utilizadas como material energético a ser utilizado nas diver-
sas formas de uso da biomassa enquanto forma energética.
Além disso, realizamos, na tenda de bater ferro de um senhor
que reside no Povoado de Lagoa do Saco, município de Monte San-
to-BA, uma experiência prática de uso das cascas de Licuri para
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

transformar através de altas temperaturas os ferros, para que assim


o ferreiro possa deformá-los e transformar nas ferramentas.
Culturalmente as pessoas que trabalham com essa atividade uti-
lizam o carvão da Jurema, pois para eles é a madeira que, através de
sua queima proporciona mais calor, calor este essencial para o aque-
cimento dos ferros. Para realização deste trabalho é preciso que se
tenha um fole (espécie de compressor manual) o qual fica a todo tem-
po jogando através do movimento braçal, com jatos de ar que possi-
bilita o desempenho do fogo, o mesmo pode ser substituído por uma
ventoinha movida a um pequeno motor elétrico.
Para a realização desta etapa da pesquisa após a realização da
coleta das cascas, as mesmas foram levadas até uma tenda e o teste
seguiu as seguintes etapas: Inicialmente foi colocada uma brasa de
lenha e em seguida foram colocadas as cascas no local onde recebe
as chamas do vento para que o mesmo possa agilizar o processo de
queima, em seguida acionou a ventoinha e logo o fogo acendeu. Após
o fogo aceso foi colocado junto as cascas um pedaço de mola de ca-
minhão sendo que por volta de 15 a 20 segundos com a ventoinha
ligada, o pedaço de ferro foi retirado sendo que o mesmo já estava
totalmente avermelhado e isso deixou o ferreiro surpreendido. De
acordo com o ferreiro, nem mesmo com uso do carvão da Jurema
não ocorre o aquecimento desse tipo de ferro num curto período de
tempo. No período inicial de queima das cascas de Licuri, ocorreu o
lançamento de uma grande chama de fogo que atingiu cerca de 70
cm. Acredita-se que isso ocorre devido à presença de gordura nas
cascas, pois ocorre isso apenas nos primeiros 15 segundos e logo em
seguida o fogo tem o mesmo comportamento de quando utiliza o
carvão de Jurema.
De acordo com o ferreiro, as cascas de Licuri parecem ser mais
eficientes neste processo comparando ao carvão da Jurema. A casca
de Licuri apresentou apenas uma diferença do carvão da Jurema que
foi o lançamento da chama de fogo citada anteriormente inclusive a
quantidade de cinzas é igual ao uso do carvão da Jurema.

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Diante a realização das analises em laboratório e testes práticos


de uso da casca de Licuri pode-se afirmar que houve uma semelhança
nos resultados, pois os resultados apontados pela a análise feita em
laboratório nos mostra que o poder calorifico das cascas de Licuri
aproximou dos valores referente às partes lenhosas da Jurema.

Considerações Finais

Esta pesquisa tem como objetivo desenvolver um estudo teórico


e prático para que se possa descobrir se as cascas de Licuri podem
substituir ou não as partes lenhosas das plantas da caatinga diante
ao processo de combustão sendo que a realização das etapas para
este estudo levou-se ao alcance deste objetivo. De acordo com os re-
sultados apresentados anteriormente pode-se concluir que as par-
tes lenhosas das plantas da caatinga (Pau de Colher, Jurema, Pau de
Rato) podem serem substituídas tranquilamente pelas cascas de Li-
curi, diante ao processo de queima nas diversas formas de uso, pois
tanto os resultados das análises realizadas em laboratório provam
o poder calorifico superior da casca de Licuri, exceto em relação a
Jurema, mesmo com uma diferença insignificante. Os testes práticos
junto as comunidades nas quais as mesmas mostram que as cascas
de Licuri podem apresentar melhor desempenho diante as tendas de
bater ferro e nas casas de farinha.
É preciso que o estudo relacionado ao potencial da casca de Licu-
ri como material energético avance, pois diante a realização deste
trabalho não foi possível conhecer a casca de Licuri como um todo
necessitando assim da continuidade dos estudos sobre este poten-
cial. Desta forma, é importante considerar a necessidade de pesqui-
sas sobre a adaptação de fogão para o uso da casca de Licuri, e assim,
incentivando a construção destes fogões pelas famílias, que passarão
a utilizar as cascas do Licuri para combustão e produção de energia

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

térmica e com isso reduzir a utilização da lenha obtido no bioma


Caatinga.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Tecnologias sociais de acesso à água para


produção de alimentos e dessedentação
animal no município de Retirolândia – Ba

Kamilla Ferreira da Silva Souza

Introdução

O presente artigo tem como objetivo refletir sobre as contri-


buições e desafios do Programa Cisternas no que tange o acesso à
água para produção de alimentos e dessedentação animal no muni-
cípio de Retirolândia – Ba. Esta pesquisa se debruçou em espacializar
as tecnologias sociais de captação da água de chuva para produção
de alimentos implementadas no município de Retirolândia bem
como contextualizar historicamente o Programa Cisternas e sua
operacionalização trazendo à tona o declínio do Programa Cisternas
na implementação das tecnologias sociais para a convivência com o
semiárido na gestão do governo de Jair Bolsonaro.
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A pesquisa refere-se ao município de Retirolândia, com 56 anos


de emancipação, a sede do município de Retirolândia fica a 224 Km
de Salvador (capital da Bahia) e o município está situado na Mesorre-
gião Nordeste Baiano e no Território do Sisal. A sua área territorial
é de 203,789 km², faz limite com os municípios de Conceição do Coi-
té, Riachão do Jacuípe, Valente, São Domingos e Nova Fátima, com
densidade demográfica de 66,43 hab./km² (Figura 2), tendo o georre-
ferenciamento em Latitude -11.4836351 e em Longitude:-39.4237162
(IBGE, 2010).
O artigo está organizado com a apresentação da abordagem me-
todológica; informações sobre o município de Retirolândia – Ba, re-
flexões acerca da convivência com o semiárido no âmbito da cultura
de estoque; o surgimento do Programa Cisternas e seu funcionamen-
to como estratégia de estoque de água para produção de alimentos e
dessedentação animal na promoção da segurança hídrica e alimen-
tar, vinculado à Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). Paralelo a
essas reflexões, o trabalho apresenta os resultados obtidos na coleta
de dados através da espacialização dos tipos de tecnologias sociais de
água para produção implementadas no município de Retirolândia.

Metodologia

O estudo apresenta uma pesquisa qualitativa realizada através de


análise documental com base em dados oficiais do Ministério da Ci-
dadania acerca da espacialização de tecnologias sociais de água uti-
lizando o banco de dados do SIG Cisternas e a plataforma produtiva,
ambos do governo federal. Segundo, Lakatos e Marconi (2007), a pes-
quisa dos documentos antigos contribui para um resgate histórico
importante e, inclusive, para contestação de determinadas visões já
consolidadas sobre os assuntos.
Nesse sentido, o artigo traz informações a respeito do município
de Retirolândia – Ba por este possuir clima semiárido e está incluso
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TecnologiassociaisdeacessoàáguaparaproduçãodealimentosedessedentaçãoanimalnomunicípiodeRetirolândia–Ba
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

no Polígono das Secas, realiza reflexões acerca da ruptura de para-


digma entre o combate à seca e a convivência com o semiárido, faz
um apanhado histórico sobre o Programa Cisterna, bem como sua
vinculação com a ASA. Como foco de análise, são apresentadas as
tecnologias sociais de água para produção existente no município de
Retirolândia – BA.

Município de Retirolândia - Ba e a construção da convivência


com o semiárido

De acordo com o último censo do IBGE (2010), o município de Re-


tirolândia possui 12.055 habitantes, sendo 5.333 residentes na área
rural. Seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM)1 é
de 0.636, uma pontuação média de acordo com a escala do IDHM que
mede a qualidade de vida da população bem como seu desenvolvi-
mento econômico. Possuindo um clima semiárido, o município está
incluído no Polígono das Secas (SEI, 2015).
Vale ressaltar que o município não está no mapa de vulnerabi-
lidade da insegurança alimentar e nutricional (ISAN)2 em nenhum
dos níveis: grave ou moderada, conforme encontrado nos dados ofi-
ciais da plataforma produtiva do Ministério da Cidadania (MC). En-
tende-se por insegurança alimentar grave a privação total do alimen-
to, ou seja, o próprio estado mais grave: a fome. Podemos dizer que o

1
“Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) compara indicadores de países nos
itens riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida, natalidade e outros, com o
intuito de avaliar o bem-estar de uma população, especialmente das crianças. Varia
de zero a um e é divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(Pnud) em seu relatório anual”. Escalonamento: 0 a 0.499 – Muito Baixo, 0.500 a 0.599
– Baixo, 0.600 a 0.699 – Médio, 0.700 a 0.799 – Alto e 0.800 a 1 – Muito Alto (IPEA,
2008)
2
Existe uma Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), esta apresenta os
níveis que são: grave restrição total do alimento, fome. Moderada quando há privação
da quantidade e qualidade de alimentos e a leve quando há a preocupação de faltar o
alimento.

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

nível moderado se trata da privação em quantidade ou qualidade dos


alimentos (PNAD, 2014).
O município de Retirolândia tem temperatura média 23.1 °C e
uma pluviosidade média anual de 525 mm (CLIMATE – DATA, 2019).
Segundo o Climate Data (2019), o mês considerado mais seco com
precipitação média de 16mm é setembro e o mês com uma maior pre-
cipitação chegando até a 70mm é novembro.
Por estar inserido no semiárido baiano, predomina no município
solos planossolos e neossolos com uma vegetação típica da caatinga
arbórea aberta. Sua geologia, essencialmente é constituída por ro-
chas cristalinas, as quais não favorecem a acumulação de água. O
relevo é caracterizado pelo pediplano sertanejo, representadas por
riachos sendo o Salgado e o Paulista os principais, servindo como
drenagem para a Bacia Hidrográfica do Rio Jacuípe (CPRM, 2005).
A estrutura fundiária de Retirolândia é composta por 16.401,165
(ha) áreas de estabelecimentos agropecuários, 1.310 estabelecimen-
tos rurais (IBGE, 2006). De modo geral, as famílias vivem da agricul-
tura e da criação de ovinos e caprinos. Em se tratando da estrutura
fundiária, de acordo com o Índice Básico de 2013, o município de Re-
tirolândia possui 50 hectares de módulos fiscais3, com 406 imóveis
cadastrados, compreendendo uma área de 8.494,60 hectares (INCRA,
2013).
Na figura 1, há o demonstrativo da estrutura fundiária do muni-
cípio de Retirolândia baseado no Índice de Gini (IPEA, 2004), instru-
mento que mede o grau de concentração de renda em determinado
grupo e, nesse caso, a estrutura fundiária, influencia não somente
monetariamente, mas pelas relações sociopolíticas estabelecidas
no município. Esse dado é importante porque contribui para a com-
preensão do perfil das famílias que foram contempladas com as

3
Módulo fiscal é uma unidade de medida, em hectares, cujo valor é fixado pelo IN-
CRA para cada município. Então, 1 módulo fiscal para o município de Retirolândia
corresponde a 50 ha (INCRA, 2013).

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

tecnologias sociais de segunda água e interfere no planejamento da


produção.

Figura 1 - Estrutura Fundiária do município de Retirolândia/BA, 2006.

Fonte: GEOGRAFAR (2006).

De acordo com o INCRA (2013), o tamanho da área dos imóveis ru-


rais é regulamentado pela Lei nº 8.629/1993 e classificados em: Mini-
fúndio, imóvel rural com área inferior a um módulo fiscal; Pequena
Propriedade, o imóvel de área compreendida entre 1 (um) e 4 (quatro)
módulos fiscais; Média Propriedade, o imóvel rural de área superior
a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos fiscais; e Grande Propriedade, o
imóvel rural de área superior 15 (quinze) módulos fiscais.
Desta forma, ao analisar os dados da Figura 1 e utilizar os parâ-
metros do INCRA, verifica-se que a maioria dos imóveis rurais do
município de Retirolândia/BA é minifúndio e outra parcela forma-
da por pequenas propriedades. Importante destacar que as infor-
mações são declaratórias, e no total são 1.421 estabelecimentos. São
429 estabelecimentos que possuem até 2 hectares abarcando uma
área de 2.81%. Embora o município não possua características fortes
193
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de latifúndio, há uma concentração de terras acima de 200 hectares.


Então, a questão agrária não difere da situação brasileira em que um
número menor de pessoas possui uma quantidade maior de terras,
onde apenas 14 estabelecimentos possuem acima de 100 hectares.
Neste sentido, Castro (2013, p. 5) diz que “[...] a propriedade grande de
terra ultrapassa a esfera econômica e se desloca para a esfera simbó-
lica do político”.
Conforme representado, não há latifúndios no município de Re-
tirolândia, porém os 14 estabelecimentos acima de 100ha estão con-
centradas nas mãos das famílias que dominam ou dominaram o mu-
nicípio politicamente.
A questão da terra é um fator que, muitas vezes impede a família
ser contemplada com a tecnologia social de captação de armazena-
mento de água da chuva para produção, pois as tipologias implemen-
tadas requerem por sua estrutura construtiva e sua finalidade que a
família tenha no mínimo uma pequena propriedade.
Para que as famílias da área rural, vulneráveis socialmente não
permaneçam na invisibilidade, a Articulação do Semiárido Brasilei-
ro (ASA) que reúne cerca de 3.000 organizações da sociedade civil
atua na perspectiva convivência com o Semiárido combatendo as
mazelas e as injustiças sociais buscando quebrar os paradigmas da
“indústria da seca” através de processos sociopolíticos e educativos.
De acordo com a Articulação do Semiárido – ASA (1999), a convivên-
cia com o Semiárido está alicerçada na conservação e preservação
da caatinga e de sua biodiversidade. Os homens, mulheres e jovens
são protagonistas da sua história conquistando os direitos básicos
ao ser humano (água, terra, crédito, assistência técnica, alimento
saudável, etc.). Aqueles que defendem a ideia de convivência com
o Semiárido defendem a educação contextualizada, ou seja, o cida-
dão/ã é reconhecido/a como produtor/a de conhecimento. Por fim,
a viabilidade do Semiárido é fortalecida através processos contínuos
de mobilização, articulação e formação desdobrando-se na implan-
tação de tecnologias sociais inovadoras que dinamizam a “cultura de
estoque”.
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

O Programa Cisternas como promotor da segurança


alimentar e nutricional

O Programa Cisternas foi instituído pela Lei Federal nº 12.873 de


24 de outubro de 2013 (BRASIL, 2013) e regulamentado pelo Decreto
9.606/2018 (BRASIL, 2018). O programa pode ser considerado uma
conquista da ação da sociedade civil organizada, com atuação inicial
de 750 organizações da sociedade civil vinculadas à Articulação no
Semiárido Brasileiro (ASA)4. Nos últimos anos, teve uma crescente
no número de organizações afiliadas agregando mais de 3.000 de
10 estados brasileiros do semiárido, sendo eles Minas Gerais, Bahia,
Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará,
Piauí e Maranhão, ratificando o que defende Boneti (2007) de que os
programas e projetos podem nascer no contraditório jogo de interes-
ses políticos e sociais que originam as políticas públicas.
A ASA surgiu no final dos anos 90 como resultado da ação mobi-
lizatória dos movimentos sociais nesta década. Foi em 1999, duran-
te a 3ª Conferência de Combate à Desertificação e à Seca (III COP3)
ocorrida em Recife/PE, que foi lançada a Declaração do Semiárido
Brasileiro. Ainda em 1999, a articulação criou a Associação Progra-
ma Um Milhão de Cisternas – AP1MC como a personalidade jurídica
com sede em Recife/PE para captação de recursos públicos e priva-
dos para construção de cisternas. Foram essas entidades organiza-
das que criaram um dos maiores programas de mobilização social
na perspectiva da transformação do semiárido brasileiro, denomi-
nado de Programa de Formação e Mobilização Social para a Convi-
vência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas, e que, em 2013, foi
normatizado pela ação do Estado.

4
“A ASA é uma rede que defende, propaga e põe em prática, inclusive através de polí-
ticas públicas, o projeto político da convivência com o Semiárido. É uma rede
porque é formada por mais de três mil organizações da sociedade civil de distintas
naturezas – sindicatos rurais, associações de agricultores e agricultoras, cooperativas,
ONG´s, Oscip, etc.” (ASABRASIL, s/d a)

195
193
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Foi utilizando estratégias de participação social nos processos de


decisão política que as organizações que compõem a ASA ampliaram
sua capacidade de escuta e diálogo, aumentando sua rede de articu-
lação e passando para mais de 3.000 organizações afiliadas nas ins-
tâncias estadual e municipal.
A ASA participa ativamente de espaços institucionalizados de
controle social e proposição de políticas públicas, espaços esses, por
vezes, de interesses antagônicos. Por isso, a construção da política da
convivência com o semiárido não se faz no improviso e de forma iso-
lada e dispersa. “É fundamental o processo de articulação para que se
tenha mais peso político nesses espaços e para que as propostas que
para lá levemos sejam representativas” (BAPTISTA, 2013, p. 176). Estes
espaços participativos como as conferências, fóruns, são imprescin-
díveis para o “empoderamento de grupos e atores sociais antes não
atendidos na esfera pública” (CRUZ, 2016, p. 34). A ASA está presente
em dezesseis espaços de monitoramento e construção das políticas
públicas voltadas para a Segurança Alimentar e Nutricional e a Con-
vivência com o semiárido, um deles, o Comitê Técnico de Tecnologias
Sociais do Programa Cisternas do Ministério da Cidadania (MC).
O Comitê Técnico de tecnologias sociais do programa Cisternas do
extinto Ministério do Desenvolvimento Social (MDS)5 sofre o impac-
to do desmonte do governo Bolsonaro, tentando arrefecer as forças
políticas das organizações da sociedade civil barrando quaisquer ti-
pos de parceria e diálogo com as organizações sociais que compõem
o Comitê. Esse comitê é um lugar que se configura como um espaço
de pressão política para pautar as demandas de acesso à água para
consumo humano e produção de alimentos. Contrariando a lógica

5
Após o afastamento da presidente do Brasil Dilma Rousseff, em maio de 2016 por
um processo de impeachment, o ex presidente Michel Temer reduziu o número de
ministérios de 32 para 23, Então, houve a primeira alteração da nomenclatura e estru-
tura com a fusão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
com o Ministério do Desenvolvimento Agrário – ficando com a sigla MDSA (MATOS,
2016, p. 54).No Governo Bolsonaro a pasta ganha novo nome: Ministério da Cidadania
(MC).

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

da hegemonia do sistema econômico e político em nível macro que


são efetivadas na monocultura, no agronegócio, nos latifúndios,
a ASA “se constitui como agente de forças que vai para o enfrenta-
mento com pautas que confrontam o projeto das elites dominantes
e o modelo de desenvolvimento capitalista” (SANTOS, CONCEIÇÃO,
2018, p.157).
Nessa lógica, um ano após o surgimento da ASA foi realizada a
ação piloto com recurso federal através do Ministério do Meio Am-
biente (MMA), que financiou 500 cisternas para consumo humano.
Em 2001, firmou-se uma parceria com a Agência Nacional de Águas
– ANA com uma meta mais ousada de 14.500 cisternas, que foram
implementadas em 2 anos.
Foi em 2003, no governo Lula, que a pauta foi encarada como po-
lítica de acesso à água. Com o compromisso de combater a pobreza
foi lançado o Programa Fome Zero (PFZ)6 e criado o Ministério de
Desenvolvimento Social (MDS).
A partir daí outras parcerias foram firmadas com a Federação
Brasileira de Bancos (FEBRABAN), Fundação Banco do Brasil (FBB),
organismos internacionais, dentre outros entes financiadores (ASA-
BRASIL, s/d b). O P1MC surgiu como:

O primeiro programa desenvolvido pela ASA, no início dos anos


2000, visa atender a uma necessidade básica da população que vive
no campo: água de beber. O programa visa melhorar a vida das famí-
lias que vivem na Região Semiárida do Brasil, garantindo o acesso à
água de qualidade. Através do armazenamento da água da chuva em
cisternas construídas com placas de cimento ao lado de cada casa,
as famílias que vivem na zona rural dos municípios do Semiárido
passam a ter água potável a alguns passos. A grande conquista destas
famílias é que elas passam de dependentes a gestoras de sua própria
água (ASABRASIL, s/d b).

6
O PFZ teve vida curta e foi desarticulado em seguida. O Programa Bolsa Família em
2004 tornou-a bandeira política do governo do PT.

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Posteriormente, a ASA constituiu outras ações complementares,


também fruto das experiências desenvolvidas no campo pelos agri-
cultores familiares, como o P1+2, o banco de sementes, dentre outras.

O Programa nasce de fato de uma demanda local, da experimen-


tação de um agricultor potencializado pelas organizações de apoio,
articulado pela sociedade civil em rede, que propõe ao Estado brasi-
leiro uma política pública efetiva de acesso à água para o Semiárido
brasileiro.

Depois, construímos novas políticas, que chamamos de políticas


complementares importantes. Isto é, toda a família do Semiárido
brasileiro precisa ter uma cisterna para consumo humano, uma tec-
nologia para armazenar água da chuva para a produção de alimen-
tos e também precisa ter sementes em sua casa para que possa garan-
tir o domínio das suas sementes adaptadas à sua comunidade, ao seu
local e ao seu território (OZIL, 2017).
No primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff (2011-2014),
houve a regulamentação do Programa Cisternas enquanto política
de acesso à água. No que diz respeito à normatização, a lei, os decre-
tos e as portarias foram sancionados formalizando os instrumentos
jurídicos que são utilizados pelos parceiros na execução do Progra-
ma. O regramento do marco legal de 2013 aborda sobre a definição
dos modelos de tecnologias sociais referendando seus respectivos
valores por estado no âmbito do Programa Nacional de Apoio à
Captação de água da chuva e outras tecnologias sociais de Acesso
à Água – Programa Cisternas. Com maior capilaridade os recursos
também foram descentralizados para outros entes executores além
da AP1MC, sendo os Consórcios Públicos e os Estados da Federação
com execução direta.
Para melhor compreensão do exposto percebemos a necessida-
de de demonstrar esse arranjo em um fluxograma (Figura 2), pois há
uma confusão fortuita das nomenclaturas utilizadas, assim como
na própria concepção do Programa Cisternas. Imperioso frisar que
P1MC e P1+2 são os programas criados pela ASA e, que posteriormente
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foram regulamentados pelo Governo Federal denominando de Pro-


grama Nacional de Apoio à Captação de água da chuva e outras tec-
nologias sociais de Acesso à Água – Programa Cisternas.

Figura 2 - O surgimento do Programa Cisternas como política pública de


acesso à água da chuva para o semiárido, 2019.

Fonte: Elaborado por Kamilla Ferreira da Silva Souza, 2019.

O Programa Cisternas, como mencionado anteriormente, possui


uma vasta gama de instrumentos legais que o regulamentam. Dentre
eles, a Portaria nº 130 de 14 de novembro de 2013 sofreu, a partir de
2014, várias alterações. Atualmente a portaria vigente é a 2.462 de
06 de setembro de 2018. Ela define os modelos de tecnologias sociais

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e suas Instruções Operacionais Normativas7. Existe uma Instrução


para cada tipo de tecnologia social, desde a
cisterna para consumo até as diferentes tecnologias sociais de
captação e armazenamento de água da chuva para produção de
alimentos. Estes documentos apresentam minuciosamente como
a ação deve ser operacionalizada desde a seleção das famílias até a
construção da tecnologia social. Além de referenciar o valor de cada
tecnologia.
O extinto Ministério de Desenvolvimento Social vinha sendo o
maior agente financiador desta ação repassando recursos públicos
para o Estado, a Associação do Programa Um Milhão de Cisternas
– AP1MC/ASA e para os consórcios públicos, estes, considerados os
agentes executores ou unidade gestora que podem fazer uma exe-
cução direta ou indireta dos Programas. A execução indireta, como é
o caso dos Estados da Federação e do P1MC, é feita por meio de cha-
mada pública que efetiva a contratação de organização da sociedade
civil que será a Unidade Territorial (UT) devidamente credenciada ao
Ministério da Cidadania para operacionalização das ações do Pro-
grama. Existe a instância formada por representantes da sociedade
civil local/municipal denominada de Comissão Local responsável
pelo controle social do Programa na esfera municipal. É por essa
instância que é discutida “a forma de implantação das tecnologias
sociais, os critérios e os procedimentos de elegibilidade das comuni-
dades e famílias a serem selecionadas” (BRASIL, 2017, p. 3).
Vale salientar que a partir do Marco Legal do Programa Cisternas,
o instrumento jurídico entre a Unidade Gestora/Executora e a Uni-
dade Territorial/Entidade alterou de convênio para contrato, ou seja,

7
Cada tecnologia possui sua Instrução Operacional (IO) que especifica tecnicamente
o processo a ser seguido pelos parceiros executores mediante a implementação da
tecnologia social definida em seu instrumento jurídico. Neste trabalho tratamos das
Instruções relativas às tecnologias de água para produção e pode ser conferido no
sítio do MC http://mds.gov.br/assuntos/seguranca-alimentar/acesso-a-agua-1/mar-
co-legal-1.

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a contratada precisa entregar o produto com qualidade e de acordo


as especificações técnicas exigidas pelo MC.
Em Retirolândia/BA a Comissão Local é composta por represen-
tantes da Igreja Católica, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do
Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais – MMTR. As famílias
não são vistas como beneficiárias passivas, e sim participam ativa-
mente das estratégias de formação, dos intercâmbios, da sistemati-
zação das experiências, e em todas as fases constroem e trocam con-
hecimentos na dinâmica da metodologia participativa.
Após o repasse financeiro, é deflagrada a etapa do cadastramento
e seleção das famílias a serem contempladas com a tecnologia social.
Um dos principais critérios é estar cadastrado no Programa Bolsa Fa-
mília, possuir a água de consumo humano e estar integrado na polí-
tica de assistência técnica e extensão rural. Existem outros critérios
que devem ser observados pela Comissão Local ao definir as comuni-
dades e famílias a serem contempladas, por exemplo: mulheres che-
fes de família, aptidão produtiva, crianças na escola, dentre outros.
Uma vez cadastradas e selecionadas, as famílias participam de três
momentos formativos com profissionais qualificados para abordar
os conteúdos dispostos na Instrução Operacional. O primeiro curso
é sobre a Gestão de Água e Produção de Alimentos – GAPA, a propos-
ta do segundo curso é mais prática porque a tecnologia já está cons-
truída e “as famílias aprenderão técnicas simples que possibilitam
o uso racional da água, o manejo do solo e práticas agroecológicas”
(BRASIL, 2017, p. 7). Esse curso é denominado de Sistema Simplifi-
cado de Manejo de Água para Produção – SISMA. Cada um desses
cursos tem a duração de 3 dias e envolve em média 20 famílias. O
terceiro momento é o intercâmbio de experiência com duração de
2 dias e segundo a Instrução Operacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (IOSESAN), que têm como objetivo possibilitar

[...] a oportunidade de conhecer experiências desenvolvidas por ou-


tras famílias de agricultores em estratégias de convivência com o
bioma e outras técnicas produtivas inovadoras. Estes intercâmbios

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favorecem dinâmicas geradoras de processos de interações das agri-


cultoras e dos agricultores de comunidades entre si num mesmo mu-
nicípio, bem como destes com agricultoras e agricultores de outros
municípios e regiões (PROGRAMA CISTERNAS, 2015, p. 7).

Paralelamente ocorre a entrega do material para a construção


da tecnologia social. As famílias são contempladas com o fomento
no valor de R$ 1.500,00 (Um mil e quinhentos reais) revertido em
itens de infraestrutura, insumos e/ou ferramentas para incremen-
tar o quintal produtivo familiar de caráter produtivo. Os itens são
escolhidos pelas famílias durante o SISMA de acordo com a aptidão
produtiva.
Por fim, a unidade territorial deverá inserir no sistema informa-
tizado chamado SIG Cisternas do Governo Federal para prestação de
contas os Termos de Recebimento da tecnologia e do caráter produ-
tivo com assinatura da família contemplada e registros fotográficos.
Analisando a dinâmica na execução do Programa Cisternas – Se-
gunda Água concluímos que há um processo formativo e informati-
vo. Fundamentalmente percebemos que a implementação está para
além do ferro e cimento, pois é incorporada numa metodologia par-
ticipativa e inclusiva. Segundo Baptista (2018) outras características
são latentes nessa dinâmica, as quais ele identifica como movimento
de resistência que democratiza o acesso à água e outros bens e ser-
viços. Esse movimento nasceu de dentro para fora, de baixo para
cima na pirâmide social da hierarquia, por isso advém de processos
endógenos. Ele explica que a metodologia foi regulada e normati-
zada pelo Estado, contudo as tecnologias bem como seus desdobra-
mentos “nasceram no seio das comunidades, foram criadas pelos (as)
agricultores (as), aperfeiçoadas, sistematizadas e difundidas pelos
seus processos de intercâmbio e sistematizadas com o apoio de orga-
nizações sociais” (BAPTISTA, 2013, p. 70).
Após o impeachment de Dilma Rousseff, houve sucessivos con-
tingenciamentos orçamentários acarretando na dificuldade de

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desembolsos financeiros, em firmar novos instrumentos jurídicos


para ampliação das tecnologias sociais para o Semiárido.
A figura 3 apresenta a execução orçamentária ocorrida no Pro-
grama Cisternas, no período de 2014-2019 desde o governo Dilma
Rousseff até o de Bolsonaro.

Figura 3 - Execução Orçamentária Anual do Programa Cisternas –


Governo Federal, 2014-2019.

Fonte: Elaborado por Kamilla Ferreira da Silva Souza, 2019. Base de dados: Brasil,
Ministério da Cidadania, 2019.

Em 2019, com orçamento de R$ 67 milhões, apenas 30 mil cis-


ternas foram construídas, destas 4.784 foram cisternas de segunda
água, isso em todo o semiárido brasileiro. Esse número aponta queda
de 80% dos últimos cinco anos, em Retirolândia o último ano em que
houve ação direta do Programa Cisternas foi em 2017.

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Espacialização dos tipos de tecnologias sociais de água para


produção implementadas no município de Retirolândia

Um dos pressupostos da convivência com o semiárido é a adoção


de tecnologias sociais, dentre elas, as de acesso à água, que captam
água da chuva e são estocadas para o uso durante todo o período de
etiagem prolongada. As tecnologias sociais possuem baixo custo, fá-
cil manejo, não utilizadas como instrumento de hierarquização ou
dominação sob os vulneráveis. As tecnologias sociais possibilitam
autonomia e dignidade: “são tecnologias que geram democracia do
acesso aos bens e serviços (...). Água, as sementes e o saber democra-
tizado geram transformações significativas para as pessoas e muda
para melhor suas realidades” (BAPTISTA, 2018, p. 46).
Silva Neto (2015), ao analisar a ação do Programa Uma Terra e
Duas Águas (P1+2) no território do Sisal, traz apontamentos relevan-
tes quando afirma que “o município de Retirolândia foi o único do Te-
rritório do Sisal a receber os sete sistemas de captação de água para
produção do P1+2”. A referida pesquisa, realizada em 2014, também
apontou que Retirolândia/BA foi o segundo município do território
com maior quantidade de tecnologias de segunda água, sendo con-
templado com 236, com investimento de R$ 2.514.553,22 (Figura 4).
Até 2017, últimos registros de implementação de tecnologias sociais
de segunda água não apresentaram alterações efetivas na quantida-
de implementada. O número passou de 236 para 257 famílias aces-
sando água para produção.

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Figura 4 - Mapa do total de sistemas de captação de água de chuva


implantados no Território do Sisal por município através do P1+2 (2009-
2014).

Fonte: SILVA NETO (2015).

Segundo dados oficiais do Ministério da Cidadania8 (BRASIL,


2017), entre os anos de 2004-2017, através do Programa Cisternas, o
município de Retirolândia (área rural) foi contemplado com 1.158 tec-
nologias sociais tanto de água para consumo familiar e escolar quan-
to para produção de alimentos e dessedentação animal. Destas, 257
são tipologias de água para produção, sendo: cisternas enxurradas,
cisterna calçadão, tanque de pedra, barragem subterrânea, barreiro
trincheira. A figura 5 traz a espacialização das tecnologias sociais de
água para produção implementadas no município de Retirolândia
– Ba.
Durante a pesquisa, constatou-se que apenas 33% das famílias
com acesso à água de consumo humano através da cisterna de placas
de 16 mil litros foram atendidas com algum tipo de tecnologia social

8
Após eleição do atual presidente Jair Messias Bolsonaro com o objetivo de redução
dos gastos públicos houve a redução dos ministérios, atualmente são 22 pastas. O Mi-
nistério de Desenvolvimento Social e Agrário passou a ser Ministério da Cidadania.

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de água para produção. Sendo assim, a demanda real do município


em relação à água para produção para as famílias residentes nas co-
munidades rurais é grande.

Figura 5 - Representação Espacial da localização das Tecnologias Sociais


de Segunda Água implementadas no município de Retirolândia - Ba

Fonte: Brasil, SIG Cisternas, 2017

Ante o exposto, a Figura 5 também traz a subdivisão na legen-


da sobre o executor e financiador. Onde tem descrito tecnologias
2ª água foram construídas (Aprisco telhado e barreiro trincheira
familiar) com recursos exclusivamente do Governo Federal sob a
responsabilidade do Ministério da Cidadania (MC) tendo como exe-
cutor o Consórcio do Sisal (CONSISAL). As tecnologias do P1+2 são
executadas por organizações ligadas à ASA, com recursos advindos
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do Governo Federal – MC como também de outros financiadores da


esfera pública e privada, a exemplo Fundação Banco do Brasil e o Es-
tado. Entretanto, está se tornando ínfima a promoção deste direito,
pois desde 2015 houve desaceleração no ritmo do Programa devido à
ausência de previsão orçamentária.
Neste período foram implementadas 118 cisternas calçadão, 61
cisternas de enxurrada, 71 barreiros trincheira, 6 barragens subte-
rrâneas, 1 cisterna telhadão.

Figura 6: Espacialização das tecnologias implementadas no município de


Retirolândia, (2006-2017)

Cisterna Calçadão

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Cisterna Enxurrada

Barreiro Trincheira

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Barragem Subterrânea

Cisterna Telhadão

Fonte: SEI, 2016.

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Considerações Finais

O estudo revelou que o modelo do Programa Cisternas permitiu


e ainda permite a ampliação da participação de representantes das
entidades em diversos espaços decisórios, fortalecendo os interesses
coletivos e a politização de atores sociais que historicamente foram
excluídos. A partir da ação das organizações sociais durante a exe-
cução do Programa Cisternas o debate sobre identidade, território e
outros conceitos que promoveram autonomia e consciência sobre a
concepção dos direitos, resultando em atores sociais que disputam
espaços de poder, que dialogam com o poder público sobre suas de-
mandas e, principalmente, conforme diz Boneti (2007), fazem a co-
rrelação de forças com os grupos das elites locais. Essa dinamização
rompe o paradigma do modelo hegemônico pautado nas heranças
do coronelismo e do clientelismo.
Compreendeu-se que o Programa Cisternas possui instrumentos
legais que definem os modelos de tecnologias sociais, desde a cister-
na para consumo até as diferentes tecnologias sociais de captação
e armazenamento de água da chuva para produção de alimentos.
Em 2014, Retirolândia/BA foi o segundo município do território
com maior quantidade de tecnologias de segunda água. Todavia, o
atual governo impõe entraves financeiros para a manutenção do
programa.
Mesmo que a conjuntura nacional apresente-se desfavorável para
a continuidade de políticas públicas que promovem a autonomia lo-
cal, o trabalho desenvolvido, as comunidades organizadas e mobili-
zadas, as pessoas assumindo posicionamento político, realizando o
controle social, compreendendo o ser e estar no mundo e, essencial-
mente, intervindo em seu território, é um pressuposto irrevogável.

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de 2011, para a contratação de todas as ações relacionadas à reforma,
modernização, ampliação ou construção de unidades armazenadoras
próprias destinadas às atividades de guarda e conservação de produtos

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Kamilla Ferreira da Silva Souza
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Uma casa de farinha como espaço de encontros e


relações de trabalho:

antiguidade x modernidade

Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de


Souza Silva e José Raimundo Pereira da Silva

Introdução

As casas de farinha são ambientes utilizados para a desidra-


tação da mandioca, uma vez que elas surgiram da necessidade de
um espaço físico para transformar a mandioca em farinha, o que
demandava tempo e muito trabalho. A princípio, o plantio da man-
dioca servirá apenas para o cultivo de alimentos para as pessoas das
comunidades.
Como diz Djavan (2001):
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Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de Souza Silva e José Raimundo Pereira da Silva
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

“A farinha tá no sangue do nordestino eu já sei desde menino o que


ela pode dar e tem da grossa, tem da fina se não tem da quebradinha
vou na vizinha pegar pra fazer pirão ou mingau farinha com feijão
é animal! O cabra que não tem eira nem beira lá no fundo do
quintal tem um pé de macaxeira a macaxeira é popular é ma-
caxeira pr`ali, macaxeira pra cá e em tudo que é farinhada a
macaxeira tá você não sabe o que é farinha boa farinha é a que
a mãe me manda lá de Alagoas.”

Partindo do pressuposto de que as casas de farinha são essenciais


à metamorfose da mandioca, esse trabalho tem o intuito de fazer
um resgate da cultura acometida nesses recintos ao tentar verificar
através das reminiscências das pessoas idosas da comunidade, se
houveram e quais foram às mudanças ocorridas nesses espaços que
outrora serviam como uma espécie de atrativo para as comunidades.
Sendo assim, foi elaborada uma entrevista semiestruturada
para a interlocução com três pessoas idosas de uma das comunida-
des localizadas na Serra de Itiúba, Bahia. Elas trazem relatos valio-
sos sobre a relevância das casas de farinha como marco histórico do
município.
No século xx, o cultivo de mandioca era muito comum nas co-
munidades e tinham-se o hábito de levar a mandioca para a casa de
farinha mais próxima, pois existiam casas de farinha espalhadas por
todo o município. Sendo assim, com o passar dos anos, era possível
observar o declínio da plantação de mandioca, uma vez que as chu-
vas ficaram cada vez mais escassas ea mandioca por ser uma planta
nativa, depende de água para se desenvolver.
Diante das leituras e discussões obtidas na universidade, em ní-
vel de mestrado é que pudemos aprimorar nossas percepções de que
nelas há um espaço de interação social, cultural, histórico e econô-
mico, algo que da minha parte já havia um deslumbramento, pois as
relações e o trabalho nesse ambiente eram prazerosos, porém não
se tinha o conhecimento para desenvolver um trabalho científico, a

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

respeito de uma tarefa intensa e ao mesmo tempo tão subjetiva como


a incidida ali e que envolvia a todos os moradores.
Dessa forma, o exercício de adentrar nessa pesquisa também en-
volve lembranças, todavia, traz conhecimentos sobre as relações des-
envolvidas e o teor das atividades que as pessoas realizavam, poden-
do ser documentados por meio de escritos, minuciosos que cuidam
para manter a fidedignidade dos fatos, pois há possibilidade de que
esses sirvam de auxílio a outros.

Caracterizando o espaço social: a comunidade

Comunidade é o lugar onde há um conjunto de pessoas com


interesses em comum. Porquanto ao caracterizar o que vem a ser
uma comunidade é relevante destacar que nela há os ideais de um
determinado grupo territorializado de acordo com os geógrafos por
laços familiares, de convergência, solidariedade e cooperação, con-
ceituados pela ciência como linhas marcadas ideologicamente. Es-
ses elementos são basilares para a sobrevivência e sistematização
das comunidades. Além disso, fica perceptível que os papéis de cada
membro da comunidade é algo intrínseco a cada um, vindo de suas
crenças, de sua cultura e não necessariamente tenha ver com a plu-
ralidade das ações que possa exercer (DURKHEIM, 1960).
O que dá sentido e possibilita o desenvolvimento das comunida-
des é a afeição e partilha por ideologias semelhantes. As igrejas, as as-
sociações são exemplos significativos de comunidades, uma vez que
no cerne desses ambientes socioespaciais, os vínculos são construí-
dos na troca de convivências, nas tradições culturais e possivelmente
em atividades religiosas entre seus membros (SABOURIN, 2009).
Itiúba é uma cidade que fica ao Norte da Bahia, localizada no te-
rritório do sisal no semiárido baiano. É composta por vários municí-
pios dentre eles a comunidade da Serra de Itiúba, que é uma locali-
dade bastante acidentada do ponto de vista geográfico, o que a torna
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Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de Souza Silva e José Raimundo Pereira da Silva
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

fascinante por conta da heterogeneidade existente na vegetação, ár-


vores nativas e frutíferas, lajedos, montanhas, nascentes, planícies e
as alterações causadas pelo homem como é o caso das “cercas de pe-
dra”, um dos trabalhos braçais utilizados para delimitação de espaço
e também como forma de sobrevivência, pois as pessoas que prestam
esse serviço, muitas vezes são remuneradas.
Perante esse panorama peculiar, é possível observar uma série de
desafios que dificultam o acesso à maioria das comunidades desse
município. Sendo assim, comunidades que tem essa distinção geral-
mente, ficam desprovidas de postos médicos, saneamento, entre ou-
tros itens básicos e indispensáveis para a sobrevivência.

Do ponto de vista prático, espera-se que os estudos de comunida-


des (...) permitam uma eficiência maior ao trabalho de todos aqueles
técnicos que, pelo caráter de suas atividades, são, ao mesmo tempo
agentes de mudança social e cultural: o agrônomo, o médico, espe-
cialmente o sanitarista, o educador e outros (NOGUEIRA, 1968, p.177).

Com isso, entende-se que dificuldade de acesso não justifica o


abandono, pois consta na Constituição Brasileira de 1988, Artigo 5º,
Inciso § 1º que: “As normas definidoras dos direitos e garantias fun-
damentais têm aplicação imediata”. De acordo com Reis (2004):

O abandono a que foi submetido o mundo rural ao longo da história


da humanidade por parte dos governantes, não oferecendo sequer as
mínimas condições para se viver dignamente neste espaço. Isso se
faz presente principalmente no que diz respeito aos benefícios que
poderiam favorecer as pessoas que vivem no campo da mesma forma
como se estas vivessem na cidade. Um exemplo disso é: a assistência
médica, escolar, abastecimento de água, energia, telefone e outros
serviços que seriam básicos para garantir uma qualidade de vida
para o povo que habita o meio rural (p. 25).

No caso dessas comunidades esse direito perpassa ao poder mu-


nicipal que não consegue dar conta de atender de forma efetiva a es-
ses espaços e essas pessoas muitas vezes desconhecem seus direitos.
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Somente no povoado, Adro de São Gonçalo, considerado o cen-


tro/sede da Serra, é possível visualizar um desenvolvimento maior
no âmbito de estrutura, pois possui escola, telefone público, água
encanada, saneamento básico em algumas casas, calçamento, ilu-
minação, cemitério, minimercados e vendas onde todas as comu-
nidades buscam alguma espécie de subsídio. Por ter características
mais urbanocêntricas e ser mais acessível através de motos, carros,
bicicletas.
Parte do percurso de nove quilômetros da cidade de Itiúba até
a comunidade da Serra é composto por grande parte, uma ladeira
elevada, numa montanha, sendo essa a principal forma de ingressar
até as comunidades tanto pelos transportes urbanos quanto rurais.
É por essa estrada que chegam até o Adro, os poucos recursos que
são destinados para a comunidade, como por exemplo, vacinação,
alimentos, botijão, o transporte escolar que leva os alunos para a ci-
dade, dentre outros pequenos benefícios que não podem ser levados
às outras comunidades por conta das passagens serem restritas ape-
nas a humanos e animais, pois só há veredas.
Algumas das comunidades que compõem a Serra, outrora podiam
ser consideradas comunidades tradicionais, uma vez que em séculos
passados eram mais povoadas e as pessoas que lá viviam plantavam
e colhiam para o próprio consumo, só os produtos excedentes eram
vendidos. Os desafios para chegar até a cidade eram ainda maiores,
já que chovia muito naquela região e justamente a parte da estrada
que fica na montanha não era calçada, não tinham os devidos cuida-
dos que se tem hoje.

A casa de farinha como espaço de realização de trabalho e


interação social

Os locais que produzem farinha através da matéria prima da


mandioca no Brasil são denominados como ‘casas de farinhas’*,
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

recintos onde se têm aparatos suficientes para a produção desse ali-


mento que faz parte da pirâmide alimentar de alguns brasileiros.
Com base nas nutricionistas, Alícia e el Bullitaller (2008), a farin-
ha faz parte dos macronutrientes, pois se concentra grandes quanti-
dades de energias presentes nos alimentos, como é o caso de carboi-
dratos. A farinha é rica em fibras, tem carboidrato, amido e inclui
diversos minerais de modo que compreendem o potássio, o cálcio, o
fósforo, o sódio e o ferro. Dessa forma, ela tem um alto valor clórico e
é um produto resulta da semolina, ressecada por altas temperaturas:
processo que se dá por aglutinação, onde os grãos que formam a fa-
rinha são partículas da massa da mandioca.
A qualidade da farinha que é produzida precisa seguir os pa-
drões da Secretaria da Agricultura, do Abastecimento e da Reforma
Agrária, instituídos na portaria n. 554/1995, decreto que avalia os va-
lores máximos da mandioca e suas propriedades termodinâmicas,
acidez, carboidratos, umidade e cinzas (SOUZA et al., 2008). Assim
como também a análise das casas de farinha é de suma importância,
higiene e qualidade do material utilizado.
A farinha produzida no Nordeste, especialmente na Bahia é bran-
ca e fina, abastece os comércios locais, embora gere renda para o pro-
dutor e contribua para a movimentação do setor econômico, Filho e
Silva (2012, p. 58).

Mesmo sendo a forma mais conhecida de aproveitamento industrial


da mandioca, a farinha não é um produto muito valorizado, sobretu-
do pela elevada variabilidade de tipos de farinhas nas regiões produ-
toras, o que dificulta a comercialização em nível nacional.

A casa de farinha é o espaço físico de produção da farinha, ela foi


construída especificamente para esse fim, sua estrutura é baseada
num ambiente que tem apenas um cômodo e é capaz de agregar am-
plos complexos e equipamentos que são essenciais para as ações rea-
lizadas desde o ato de descascar a mandioca até que ela vire farinha.
Geralmente as casas de farinha são construídas em locais es-
tratégicos para que todos os camponeses e agricultores possam
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compartilhá-la. Elas se constituem num ambiente de trabalho sob o


qual as famílias se reúnem e fazem desse um grande evento. Sendo
assim, no processo da ‘farinhada’ as relações de sociabilidade envol-
vem a divisão do trabalho, ou seja, há uma tarefa para cada mem-
bro da família e eles vão se auxiliando para a concretização das ati-
vidades (Fraxe, 2004) que culminam em várias etapas, envolvendo:
a retirada da mandioca da terra, onde ela estivera a se desenvolver;
descascá-la e levá-la ao sovamento, depois ser prensada, peneirada
para ir ao forno e finalmente virar farinha. É claro que esse proces-
samento pode ter suas próprias peculiaridades em algumas localida-
des, mas em todos, o produto final é a farinha
Considerando a estrutura para o processamento da farinha em
detalhe, é possível observar que as casas de farinhas podem ser vistas
como um patrimônio público e cultural e a partir daí sejam capaz
de estabelecer melhorias através da implementação de políticas pú-
blicas assertivas que condicionem a adoção de técnicas e manejo de
produção que visem qualificar a fabricação da farinha e o cultivo da
mandioca.

Transformações do processo produtivo da farinha

Atualmente o campo está perdendo as características que lhe


eram tidas como, o lugar do atraso, do povo incivilizado, do homem
matuto que pudera ser identificado através de suas vestes, seu jeito de
falar, as intentas particularidades que só homem roceiro tivera. ‘Em
meio a tantas evoluções globais, o campo se modificou, o progresso
chegou à roça e nas casas de farinhas. Elas foram repaginadas, assim
como também a forma de produção que outrora servia apenas para
alimentar a família e agora é produzida para a comercialização.
Conforme Graziano & Del Grossi (1998, p.165):

Essas transformações já têm surtido efeito nas áreas rurais, não so-
mente com a elevação da produtividade do trabalho nas tarefas agro-

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Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de Souza Silva e José Raimundo Pereira da Silva
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

pecuárias, mas também com a emergência de agências prestadoras


dos mais diversos serviços especializados, como preparo do solo, col-
heita, pulverizações, inseminações, entre tantas outras tarefas.

As atividades que antes eram da incumbência de todos os mem-


bros da família e da solidariedade da comunidade, hoje precisam de
investimentos capitalícios e metade das pessoas da família pode ser
dispensadas para outras atividades. Graziano & Del Grossi, salien-
tam que: “A pluriatividade tornou-se permanente nas unidades fa-
miliares rurais, tendo em vista o novo ambiente social e econômico
vigente (1998, p. 166)”. As casas de farinha não são mais vistas como
ponto de encontro ou socialização, compreendem agora, uma logísti-
ca que muitas vezes visam apenas atender ao mercado. Logo, Grazia-
no (1997, p. 1) ressalta o seguinte:

Em poucas palavras, pode-se dizer que o meio rural brasileiro se ur-


banizou nas duas últimas décadas, como resultado do processo de in-
dustrialização da agricultura, de um lado, e, de outro, do transborda-
mento do mundo urbano naquele espaço que tradicionalmente era
definido como rural. Como resultado desse duplo processo de trans-
formação, a agricultura - que antes podia ser caracterizada como um
setor produtivo relativamente autárquico, com seu próprio mercado
de trabalho e equilíbrio interno - se integrou no restante da econo-
mia a ponto de não mais poder ser separada dos setores que lhe for-
necem insumos e/ou compram seus produtos.

Olhando pelo lado do capitalismo, de certa forma, essa alteridade


não foi ruim, já que o tempo gasto para a produção de farinha dimi-
nuiu significativamente, assim como também reduziu emissão dos
gases carbônicos que eram gerados com as queimadas de lenha para
esquentar o forno, local onde se produz a farinha.
Cada localidade tem uma forma diferenciada de produzir a farin-
ha, porém a cultura de utilizarem a mandioca para esse processo é
comum. Contudo em cada formato de produção cabem percepções
peculiares.
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Sabe-se que há várias espécies de mandioca, uma vez que, aqui na


Bahia a utilidade da mandioca é apenas para retirar a fécula e fazer
a farinha, caso ela seja consumida crua, pode ocasionar vários sin-
tomas que vão desde náuseas, tonturas, entre outros, pois ela possui
uma alta concentração de ácido e substância que podem envenenar,
ocasionando e levando à morte. O aipim, também conhecido como
macaxeira é uma espécie de mandioca que pode ser ingerido de di-
versas formas a depender do gosto de quem o aprecia, pois não apre-
senta riscos/ameaças ao ser consumido, tanto pelos seres humanos
quantos aos animais.
Nos países tropicais e subtropicais da África, Ásia e América Lati-
na, a mandioca (Manihot esculenta, Crantz) é uma das mais impres-
cindíveis matérias primas nutrícias.
O Brasil é o segundo maior produtor de mandioca do mundo e
segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura – FAO a mandioca é uma das principais atividades cultu-
rais desse país, contabilizando a produção anual, conforme pesquisa
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
em 2011, nesse mesmo ano o Brasil produziu por volta de 27 milhões
de mandioca. A Bahia é o estado que mais se destaca nesse setor, pois
chega a produzir um 3/7 do que fora produzido no referente ano.
O plantio da mandioca é importante para manter o setor
econômico e cultural em ascensão e também para nutrir os consumi-
dores. A farinha de mandioca, o aipim e a tapioca retirada da fécula
da mandioca para fazer o beiju, estão entre os principais alimentos
do baiano.

Metodologia

Para a realização desse trabalho foi necessário o deslocamento da


cidade de Itiúba até a comunidade da Serra de Itiúba, sendo que con-
tabiliza uma distância de nove quilômetros até a cidade de Itiúba,
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Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de Souza Silva e José Raimundo Pereira da Silva
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Bahia. A ida até a comunidade utilizada para a pesquisa foi crucial


para concretizar as entrevistas semiestruturadas com os quatro
idosos que moram lá. De acordo com os procedimentos da pesquisa
cientifica, para ter acesso ao conhecimento empírico, é indispensá-
vel que o pesquisador tenha noção de sua tarefa. Uma demanda que
incube compreender todas as nuances que envoltas ao seu objeto de
pesquisa.
É válido ressaltar que a pesquisa aqui abordada é do tipo quali-
tativa, pois ela é caracterizada por um prisma de método e técnica
que se amolda ao caso específico e é o oposto de um método exclu-
sivamente padronizado. Sendo assim, o método deve se adequar ao
objeto de estudo.
O estudo de caso dentro dessa pesquisa foi visto como uma forma
peculiar no momento de estudar a comunidade e analisar os fatos,
uma vez que ele é procedimental e ao mesmo tempo ancora o pes-
quisador, auxiliando-o em todo processo. Como afirma Gil, (2008)
apud Sakamoto (2014, p.54) “O estudo de caso é uma modalidade de
Pesquisa que se apoia na investigação de alguns casos particulares,
porém representativos, que possibilitam elaborar hipóteses válidas,
fundamentadas em construções teóricas plausíveis”. As respostas
para as hipóteses elaboradas precisam de uma visão científica, consi-
deradas partes relevantes um estudo de caso.
A saber, essa pesquisa também tem um viés descritivo, já que
descreve os traços da comunidade, especialmente os processos que
envolvem a casa de farinha e a produção de mandioca. Segundo Gil,
(2008) apud Sakamoto (2014, p.50):

A pesquisa descritiva é uma modalidade de estudo que busca des-


crever o Objeto para dar a conhecer o que se pretende pesquisar; o
conhecimento é fruto da observação e detalhada apresentação de
elementos pertinentes ao observado.

Dessa maneira, a pesquisa descritiva engloba todos os requisitos


necessários para fomentar o pesquisador na coleta de materiais para
a concretização da sua investigação.
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Cabe destacar que foram feitos dois encontros para melhor cole-
tar as informações, com um período de dois meses de contato com
a comunidade. As questões que nortearam as entrevistas passaram
pelo conselho de ética, antes de ir a campo.
A entrevista foi gravada com aparelho móvel, transcrita fidedig-
namente a fala dos entrevistados, que aqui serão tratados de: P1; P2
e P3. Os dados colhidos foram trazidos nesse texto com o intuito de
originar uma possível reflexão sobre possíveis mudanças ocorridas
na casa de farinha de uma comunidade da Serra, de acordo com os
avanços da contemporaneidade.

Discussão dos resultados

Os resultados dessa pesquisa trazem os relatos de três pessoas


idosas de uma comunidade localizada na Serra de Itiúba, Bahia. Elas
trazem considerações acerca das mudanças ocorridas, descrevendo
como eram as casas de farinhas antigamente.

Tinha muito trabalho, desimprenssava, tinha os puxadores de roda,


a cevadeira, a que era de botar mandioca, e eles puxando roda uns
de cimas outros de baixo e cantando na maior animação, brigavam
pela roda. No primeiro ano que papai fez casa de farinha lá no Mari,
ia gente daqui, da feira do pau, de todo lugar ia gente pra puxar roda,
até hoje ainda tem a casa de farinha, mas hoje não funciona mais
(P1).

Antônio José da Conceição, mencionado por Araújo (2016), nos


fala sobre essa forma rústica de ralar a mandioca em algumas casas
de farinha, nos anos de 1970: “[...] são raladas em cilindro de madeira
provido de serrilhas, acionado por uma roda de madeira movida por
homem, que se acopla ao mesmo por meio de uma correia de couro.
Em alguns casos, pode existir um pequeno motor que aciona o cilin-
dro ralador” (CONCEIÇÃO, 1987, p. 95).
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Atualmente algumas casas de farinhas dessa região já estão mo-


dernizadas, uma vez que chegou energia elétrica em diversas locali-
dades, porém houve um declínio da produção de mandioca e aquelas
que passaram muito tempo fechadas caíram.
A casa de farinha que foi visitada por nós ainda está funcionan-
do, contudo não mais como antes, e lá só foi mudado o sistema de
cevamento da mandioca que antes era na roda, agora é a motor. Mas
durante muito tempo a roda fez parte da produção de farinha.

Era com uma roda de pau, vinha botava um reio, tira de couro de
cangula; daí os homens puxava aquela roda e ia uma pessoa um mi-
nutinho pra cevar, mais a depois foi indo foi indo, foi modificando
as coisas e ai passou a ser a motor muito tempo o cevador ali é pra
cevar ne?! (P2)

Todas as casas de farinhas que ainda funcionam tem um motor


a gasolina, instalação de energia elétrica e algumas dispõem de for-
no elétrico. Dessa forma, a maneira de produção foi modificada e as
relações não se intensificam tanto quanto no formato de produção
anterior, pois a nova geração não visualiza atrativos, só trabalho.

Breve esboço sobre as casas de farinha da Serra

As casas de farinhas da Serra eram feitas de adobos, uma espécie


de bloco produzido a partir do barro e água com uma fôrma retangu-
lar feita de tábuas de madeira, eram cobertas com telhas compradas
na cidade sob encomenda, transportadas por automóveis até o Adro
de São Gonçalo ou até meados da estrada quando o carro não conse-
guia subir a ladeira da montanha, daí eram levadas pelos animais,
jegues ou burros arreiados com cangaias e caçuás. As madeiras que
compõem o telhado eram retiradas de um determinado local onde
havia possibilidade de encontrá-las em quantidade. As casas de fa-
rinha tinham duas portas e uma janela. Em seu interior essas casas
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de farinha abrigavam: o forno e o rodo; a roda e a bola; os coxos e


gamelas; a prensa e a peneira.
O forno também era feito de adobo e colocava-se uma calha de ci-
mento em cima, para ficar uniforme, macio e não atrapalhar no mo-
mento mexer a farinha, geralmente ele ficava com dois dos quatro
lados encostados na parede, formando um ângulo de noventa graus.
Os rodos utilizados para mexer a massa de mandioca peneirada e
jogada em cima do forno, são feitos de duas espécies de madeira, as
duas leves, uma na espessura de uma tábua, um buraco no centro
para encaixar a outra que precisava ter a forma arredondada e com-
prida, formando o cabo.
A roda tinha uma correia de borracha que se encaixava num rolo
(bola) grande de madeira, onde se colocava umas serras e quando gi-
rava a roda, a bola fazia o mesmo movimento e que necessitava de
um trabalho braçal de bastante força para cevar (ralar) a mandioca,
essas eram tarefas que só podiam ser efetuadas por adultos.“Para os
homens essa roda dava muito trabalho, suor derramado pra mussucar aque-
la roda, às vezes a noite inteira (P2).”
Esse não era um trabalho para as crianças, pois não tinham força
suficiente para fazer a roda girar com precisão, cevar a mandioca
também demandava uma coordenação motora aguçada e cuidados
básicos para não se ferir, porque os riscos de perder os membros su-
periores eram altíssimos. Portanto, cevar mandioca era um trabalho
peculiar dos adultos.

“Vai empurrando a mandioca na boca do cevador que tem a roda, a


roda já com aqueles ralinhos. O povo na roda rsrs... dois homens, um
de lado outro de outro e a roda com dois braços assim, um pegava de
lado outro pegava do outro.” (P1).

Para colocar a massa da mandioca que ia cevando tinham os co-


xos e gamelas todos feitos de madeira, mais precisamente o mulungu
Erythrina velutina Wilid da família Leguminosae-papilionoideae,
pois, segundo quem confeccionava os objetos, essa árvore era utiliza-
da por ser mais leve e secar rápido. Os coxos eram maiores e usados
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para colocar a maior quantidade de massa possível, já as gamelas


serviam para transportar a massa entre os coxos e até a prensa.
A prensa é feita de madeira com parafusos, é utilizada para pren-
sar a massa de forma que saía todo o líquido que escorre para dentro
de uma gamela, depois de um tempo de descanso ele filtra a tapioca,
derrama-se o fluído chamado de manipueira. A prensa precisa ser
apertada aos poucos até que a massa chegue ao ponto de peneirar. A
peneira é uma espécie de refinamento da massa, para a retirada das
crueiras, criadas no momento de sevar, quando a roda não tem força
para embalar a bola (rolo de madeira) e quando as cerdas da bola
estão cegas.

O trabalho de plantio e colheita da mandioca

Na Serra o plantio da mandioca é comum nas comunidades, às fa-


mílias plantam para o próprio subsídio. A plantação tem maior inci-
dência em épocas de chuvas, como no inverno, uma vez que a Serra é
privilegiada por uma espécie de microclima que é denominado frio,
por ser uma região chuvosa e com muita neblina o desenvolvimento
da mandioca é significativo.
Para a plantação de mandioca os pais de família cavam a terra,
fofando ela, fazendo o que eles chamam de cova de mandioca, um
processo muito parecido com o plantio de batatas doces, só que as
covas da batata precisam ser menores.
Durante a colheita para arrancá-la da terra, carece às vezes muita
força e saber pegar na parte visível da mandioca que serve para se-
gurar as folhas e é chamada de maniba, pois esse componente do pé
de mandioca vai ser cortado em pedaços semelhantes e colocado em
cima das covas para gerar outros pés de mandioca. Sendo assim, o
ato de colheita e plantio, exigem habilidade como, cuidado e respeito
pela planta e pela Terra.

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No processo de colheita, todos da família têm suas tarefas: os ho-


mens arrancam a mandioca da terra, as mulheres ou ficam em casa
cozinhando ou vão juntar, fazendo uma ruma num único local para
que a mandioca não fique espalhada pelo meio da roça, as crianças
vão separar a mandioca da maniba, ou seja, a raiz do caule, os ani-
mais servem de transportes para que a mandioca chegue até a casa
de farinha.
Geralmente essas atividades ocorrem na parte da manhã para
que a tarde a mandioca já esteja na casa de farinha para ser raspada
(descascada), exercício mecânico que é feito por todos da comuni-
dade, com suas facas afiadas, exceto as crianças, aquelas que se dis-
põem a fazer esse serviço só podem tirar os capotes, pois podem se
acidentar com as facas.
Antes de a mandioca chegar, a casa de farinha precisa ser prepa-
rada, toda varrida, os materiais todos limpos, um espaço apropriado
para colocar a mandioca que vai sendo raspada e precisa ficar perto
do local de sevar. Esse é forrado com palhas de licurizeiro ou se bana-
neiras, plantas que podem ser encontradas aos arredores das casas
de farinha.

As casas de farinha como um dos principais pontos de


entretimento

As casas de farinhas antigamente eram uma espécie de atrativo


para as pessoas de todas as comunidades circunvizinhas, pois peran-
te os relatos, elas fomentavam um espaço que demandava relações
muito além do trabalho, já que muitas vezes as farinhadas como
eram denominadas as arrancas de mandioca, se estendiam por mui-
tos dias.
Segundo P3, farinhada antigamente era sinônimo de festa, pois a
casa de farinha não era resumida apenas em trabalho, tinha muita
diversão.
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Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de Souza Silva e José Raimundo Pereira da Silva
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Avemaria, passei foi dias, duas noite de pé enfiado assim, nos penei-
rando massa, imprensando, dançando, tinha violão, tinha cavaquin-
ho, radiola que nesse tempo era radiola, oxe, nos dançava a noite
toda quando parava ali de peneirar corria ia dançar, quando pensava
que não gritava, olha a prensa ai nos corria pra trás, era muita gente.
E era namorado a noite todinha, uns puxando rodo, mexendo farin-
ha outros namorando, fazendo café, cozinhando batata, fazendo bei-
ju. Era bom demais divertido, conversavam de todos os assuntos (P3).

As vivências nas casas de farinha são lembranças vivas nas remi-


niscências dessas pessoas. E a relações sociais construídas a partir
do processo de produção da mandioca, outrora não tinha nenhum
sentido econômico, exceto aquele que custeava a produção, pois era
dever do dono da farinhada dar comida as pessoas que se achegavam
para ajudar, e muitos dos titulares da produção matavam animais de
grande porte para repartir entre quem estivera presente no processo,
assim, os almoços na casa de farinha mais pareciam banquetes.

Meu pai plantava muito, muita mandioca a gente passava uma sema-
na na casa de farinha, matava bode pra assar e levar para casa de fa-
rinha. Meio dia o almoço parecia de um casamento a casa de farinha
cheia de gente. Hoje em dia a coisa ta diferente (P1).

Farinhar naquela época era levar trabalho e também alegria para


as comunidades, juntar o pessoal, a pessoas trabalhavam e nem per-
cebiam, as atividades não ficavam tão pesadas, uma vez que puxar
roda era uma das tarefas consideradas mais pesadas e para ameni-
zar esse momento eles cantavam as ‘cantigas de roda’.“As cantigas
era o povo que puxava era puxando cantando suor pingando e to-
mando pinga cantando (P2)”.
Uma das pessoas relatou algumas dessas cantigas.

“Chora bananeira, bananeira chora, chora bananeira que amanhã eu


vou embora (P3)”.

“eu não bebo copo seco, ôoh lêh, ôoh lêh ôoh lá (P1)”

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A interação entre as pessoas no trabalho das casas de farinha é


uma forma de capital humano que pode ser entendido como uma
forma qualificar as relações sociais, a cooperação mútua, a satis-
fação em realizar atividades, deixando o fazer por obrigação de lado.

Considerações finais

As comunidades como espaço social de construção de conhe-


cimentos são onde as casas de farinhas estão inseridas e como um
recinto criado para beneficiar a mandioca, mais especificamente
na produção de farinha, tem uma relevância histórica, cultural e
econômica.
As casas de farinha também são espaços politizados, uma vez que
por lá, desde antigamente perpassavam pautas interessantes sobre
diversos assuntos, além disso, as relações de trabalho que eram pau-
tadas na cooperação e solidariedade dos grupos são imprescindíveis
para o trabalho de forma geral, uma vez que esses elementos podem
ajudar no desenvolvimento de algumas atividades que demandam
força física e intelectual.
O beneficiamento da mandioca para produzir a farinha necessita
de cuidados amplos, tanto ligados ao cultivo como a plantação, as-
sim como, os procedimentos seguidos devem ser os mais qualitativos
possíveis, já que as casas de farinhas são os locais de onde saem um
produto apreciado em vários países. Por conseguinte, deve ter refe-
rentes, como o sabor, coloração, consistência e em menor escala o
aroma.
Perante as ponderações aqui explicitadas ficou visível que os
avanços tecnológicos trouxeram consigo mudanças no processo de
produção da farinha do município e da comunidade pesquisada,
pois diminuiu o trabalho e em contrapartida as relações sociais fo-
ram afetadas. O fato do enfraquecimento das chuvas naquela região

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Raimunda Pereira da Silva, Alexsandro Ferreira de Souza Silva e José Raimundo Pereira da Silva
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

também declinou o cultivo da mandioca e em consequência à escas-


sez de algumas casas de farinha.
A memória foi o suporte indispensável para que essas pessoas pu-
dessem compartilhar suas vivências conosco, descrevendo com uma
riqueza de detalhes tão precisos que são capazes de nos reportar para
essas épocas, nos fazendo perceber que outrora as casas de farinha
enquanto espaços físicos foram agentes transformadores da vida so-
ciocultural e histórica dessas comunidades. Fica aqui o nosso respal-
do através desse trabalho para pesquisas futuras.

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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Escola família agrícola:


metodologia de ensino e práticas pedagogicas

Abel Amado de Lima Oliveira e Jorge Luiz Neri de Santana

Certa vez uma caneta foi passear lá no sertão, Encontrou-se com


uma enxada, fazendo uma plantação,

A enxada, muito humilde, foi lhe dar a saudação, mas a caneta


soberba Não quis pegar na sua mão e ainda por desaforo lhe
passou umarepreensão. Disse a caneta pra enxada: - não vem
perto de mim, não, Você está suja de terra, de terra suja do chão.
Sabe com quem está falando? veja sua posição e não se esqueça
da distância da nossa separação.

Eu sou a caneta dourada que escreve nos tabelião. Eu escrevo


pros governos a lei da Constituição. Escrevo em papel de linho,

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Abel Amado de Lima Oliveira e Jorge Luiz Neri de Santana
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

pros “ricaço” e pros “barão”, só ando na mão dos mestres, dos


homens de posição.

A enxada respondeu: - De fato eu vivo no chão pra poder dar


o que comer e vestir o seu patrão. Se vim no mundo primeiro,
quase no tempo de Adão, se não fosse o meu sustento ninguém
tinha instrução. Vai-te, caneta orgulhosa, vergonha da geração,

A sua alta nobreza não passa de pretensão, você diz que escreve
tudo, tem uma coisa que não, é a palavra bonita que se chama
educação (Autoria de Capitão Balduíno e Teddy Vieira, gravação
de Zico e Zeca)

Introdução

A música interpretada por Zico e Zeca é uma fabula que fala do


comportamento de uma enxada e uma caneta, como metáfora das
relações hierárquicas entre campo e cidade. A enxada e a caneta são
também símbolos que representam o ensino nas Escolas Famílias
Agrícolas (EFAs). O alunado com o uso da caneta aprende a teoria
e com o uso da enxada o mesmo aprende a lidar com a terra. Na pe-
dagogia da Alternância não há hierarquia entre eles, teoria e a práti-
ca estão ligadas e são indissociáveis. A Pedagogia da Alternância faz
parte da minha trajetoria vida social e academica.
Este trabalho propõe analisar as práticas de ensino da/na escola
do campo, para jovens do campo a partir da pratica da Pedagogia da
Alternância, especialmente, o Ensino de História, para tanto busca-
mos entender a Pedagogia da Alternância e alguns importantes as-
pectos das práticas de ensino de história da Escola Família Agrícola
Avaní de Lima Cunha.
A educação do campo, ao longo dos anos, tem sido colocada à
margem na construção de políticas públicas, na maioria das vezes,
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Escola família agrícola
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

tratada como política compensatória. Nesse cenário de exclusão a


educação para os jovens do campo vem sendo trabalhada a partir de
discursos, identidades, perfis e currículos essencialmente marcados
por conotações urbanas e, geralmente, deslocado das necessidades
da realidade local e regional de onde esse se encontra. Ramofly Bical-
ho (2009), em A Historia da Educação do Campo, diz que é possível
perceber que, diante do cenário de descomprometimento, as políti-
cas públicas para a chamada “educação rural”, historicamente, têm
como objetivo principal sua vinculação a projetos conservadores e
tradicionais de ruralidade para o país.
Em meio a esse cenário de desvalorização da educação do cam-
po, ainda assim algumas instituições resistem, insistem e batalham
para conseguir sua permanecia, proporcionando a educação para jo-
vens do campo, no campo. E como exemplo de instituições e escolas
que ainda lutam pela “sobrevivência” da educação do campo, como
exemplo, estão as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs).
A primeira iniciativa de ensino por meio da Pedagogia da Alter-
nância nasceu em comunidades rurais francesas ainda em 1935, com
a criação do Movimento das Casas Familiares Rurais, a iniciativa
da criação das casas familiares rurais partiu de três agricultores e
um padre em um vilarejo na França. As primeiras experiencias de
educação com um ensino adotando a pedagogia da alternância dá-se
os primeiros passos após esse pequeno grupo observar em compor-
tamentos dos adolescentes daquele lugar a frequente rejeição pelas
escolas que ofertavam o ensino, isso porque, estavam situadas em ci-
dades próximas, onde a educação oferecida não era condizente com
as realidades desses jovens do campo.(GIMONET, 1999).
Ao observar o interesse desses jovens na busca do desenvolvimen-
to e promoção de seu meio, o grupo composto por agricultores e um
padre, uniram na tentativa de oferecer aos adolescentes do vilarejo
uma educação voltada para a valorização da realidade local, onde
juntos criaram uma escola que era considerada fora das estruturas e
padrões escolares já estabelecidas na Franca naquele período. Assim,
sem nenhuma referência institucional e pedagógica para criação,
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Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

isso porque, não existia nenhum modelo semelhante, eles inventa-


ram uma escola que permitiria os jovens camponeses ter uma edu-
cação voltada para formação de futuras profissões, fator esse que,
despertaria o interesse desses jovens.

Eles criaram empiricamente uma estrutura de formação que seria de


responsabilidade dos pais e das forças sociais locais, na qual os con-
hecimentos a adquirir se encontrariam, sem dúvida, numa escola,
mas também e antes de tudo na vida cotidiana, na produção agríco-
la, na comunidade da vila. Eles inventaram uma fórmula de escola
baseada na Pedagogia da Alternância e que induz uma partilha do
poder educativo entre os atores do meio, os pais e os formadores da
escola. (GIMONET, 1999, p.40)

Em 1935, agricultores e padre se reuniram para alinhar a base da


nova “escola”, esses pioneiros ignorantes de toda a pedagogia que
estava surgindo, analisaram as realidades locais, pontuando senti-
do em comuns, e assim decidiram os princípios básicos do plano de
formação que deveriam seguir, juntos esboçaram um programa de
ensino que estabelecia três aspectos que guiariam a formação dos
jovens: técnico, geral e humano.
Para compreender os aspectos que foram estabelecidos pelos fun-
dadores da primeira experiencia de alternância, para Pedro Puig-Cal-
vó (2010) no que cerne a formação técnica o grupo entendia que o
ofício do agricultor é complicado, minucioso e que possuía riscos,
partindo desse olhar era necessário um longo aprendizado prático
e de observação sobre o trabalho agrícola. Assim, ao elaborar o pla-
no de formação os agricultores entendiam que os jovens deveriam
conhecer o porquê das enumeras tarefas que deveriam ser realizadas
no campo, para assim, compreender e poder melhorar suas técnicas,
isso seria feito por meio dos estudos teóricos e práticos sob a super-
visão de um professor e dos agricultores.
Sobre a expansão das escolas famílias agrícolas por toda a Amé-
rica Latina, limitaremos expor a chegada da experiencia por alter-
nância no Brasil. Cabe aqui, porém, mencionar que a experiencia
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Escola família agrícola
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na Argentina começa no mesmo período em que se instaura no te-


rritório brasileiro. A Pedagogia da Alternância no Brasil emerge na
segunda metade da década de 60 no estado do Espírito Santo, com
a instituição do Movimento de Educação Promocional do Espírito
Santo-MEPES, que foi fundado em 1968 como entidade civil mante-
nedora das EFAs, liderado pelo padre jesuíta Humberto Pietrogran-
de, sacerdote de Anchieta responsável em apresentar o ensino por al-
ternância e consequentemente contribuir para a criação da primeira
Escola Família Agrícola no Brasil. Dessa forma, no âmbito das ações
do MEPES que 1969 marca o início das atividades da primeira expe-
riencia por alternância no Brasil no estado do Espírito Santo com a
fundação da escola família de olivania, localizada no município de
Anchieta. Com um plano pedagógico baseando-se nas experiencias
francesas e italianas as escolas eram destinadas aos jovens do meio
rural sem limitação de idade ou serie, evidencia POSSOTTI (1991).
Caracterizada por uma economia primaria agrícola e com a
maioria de sua população concentrada no meio rural, a região sul
do Espírito santo onde foi edificada a primeira escola agrícola no
Brasil, vivia naquele período da história brasileira uma intensa crise
socioeconômica, com grande instabilidade do setor financeiro, fato
esse que resultou no desanimo de alguns agricultores, o que poste-
riormente tornou-se um dos principais motivos para o êxodo rural.

A cafeicultura no Espírito santo era uma atividade tradicional, pra-


ticada essencialmente por pequenos agricultores e que remontava
várias décadas. Com sua erradicação, várias famílias de agricultores
apossaram-se de recursos de indenização a que tinha direito, vende-
ram pelo melhor preço os haveres que lhes restavam, ou deixaram
tudo para trás, migrando em direção aos centros urbanos, não só
do Espírito Santo, mas também em direção aos centros urbanos de
outros estados. Entretanto, muitas famílias erradicaram suas lavou-
ras de café, mas não abandonaram suas terras. Dessa forma, porque
sempre foram no culturais e não aprenderam a trabalhar e utilizar
a terra com outra finalidade, ficaram sem alternativas para prover
o sustento familiar, embora tivessem a disposição outros recursos,

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tais como a posse da terra de trabalho. Portanto, impotentes ´para re-


verterem essa situação, instaurou-se praticamente em todo interior
capixaba um estado de miséria e pobreza. (SILVA,2012, p. 50 apud AZ-
VEDO, 1998, p. 112)

Foi nesse contexto social que um padre jesuíta viria a se tornar


um dos grandes responsáveis pela organização das primeiras expe-
riencias de formação em alternância no Brasil. Para SILVA (2012), a
proposta de uma escola com princípios pedagógicos oriundos do mo-
delo das Maisons Familiales francesas floresce no Brasil em contexto
educacional em que as concepções e iniciativas que direcionava as
políticas educacionais enfatizavam uma educação calcada na reali-
dade de vida dos jovens do campo.
Novais (2014) destaca que no Brasil, as políticas públicas voltadas
para a educação sempre se restringiram ao espaço urbano, nunca
se teve preocupação por parte do poder público em atender as reais
necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras da terra, indicando
que estes sempre foram marginalizados. Em meio ao surgimento da
EFA no país que seguia princípios semelhantes ao modelo de Lauzan,
com um diferencial que era a influência da Pedagogia Libertadora de
Paulo Freire, a partir do tripé ação-reflexão-ação, da práxis ARAÚJO
(2005). Sem dúvida, a pedagogia Freiriana, vai fortalecer as experiên-
cias das EFAs no Brasil, assim como as várias experiências da Edu-
cação Popular.
Sobre esse fato:

(...) o processo de implantação das EFAs, no Brasil, teve início no auge


da ditadura militar, período em que o campo sofreu um processo de
total abandono por parte dos poderes públicos, excluindo a agricul-
tura familiar. As políticas públicas para o campo, naquela época, es-
tavam centradas na grande produção agropecuária, no modelo de
agricultura patronal, voltado para monoculturas e o mercado exter-
no, associado à sofisticação tecnológica, conhecida como moderni-
zação conservadora (ARAÚJO 2005, p. 91).

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A criação das EFAs como uma alternativa inovadora de ensino,


que se distancia dos padrões já existentes no Brasil, marca um início
considerado por ARAUJO (2005) de um período de transformações
no meio rural, isso porque, a implantação do ensino por alternân-
cia intensifica a valorização do homem e a mulher do campo, já que,
era proposto conhecimento teórico e prático de sobrevivência no
campo, diminuindo assim, o crescente êxodo rural das comunidades
capixabas.

A pedagogia da alternância como metodologia de ensino

A Pedagogia da Alternância consiste numa metodologia de orga-


nização do ensino escolar que conjuga diferentes experiências for-
mativas distribuídas ao longo de tempos e espaços distintos, tendo
como finalidade uma formação profissional. Como já dissemos, tal
método de ensino começou a tomar forma, em 1935, a partir das in-
satisfações de um pequeno grupo de agricultores franceses com o
sistema educacional de seu país, o qual não correspondia com as es-
pecificidades da educação para os jovens do meio rural e com a ajuda
de um padre. No Brasil, a experiência da Pedagogia da Alternância
surge juntamente com a implantação do primeiro modelo de Escola
Família Agrícola no país, por volta de 1968, no interior do Espirito
Santo. Embora exista há quase 50 anos essa pratica pedagógica ain-
da não é suficientemente discutida no meio acadêmico.
Segundo Jean Claude Gimonet (1999), as EFAs baseiam-se em qua-
tro pressupostos: o desenvolvimento do meio, a formação integral
do educando, a associação de pais e a Pedagogia da Alternância. Es-
tes quatro elementos, chamados pelo autor de “pilares” constituem
a marca indenitária das EFAs, já que estão presentes desde as pri-
meiras instituições. Esses pilares não poderiam ser desenvolvidos
de forma isolada. Ao contrário, o bom funcionamento de uma EFA
e, consequentemente da Pedagogia da Alternância, só é possível por
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meio de uma ação que tenha por base uma articulação entre esses
elementos, como demonstra o esquema abaixo:

Fig. 01 Os Quatros Presupostos das EFAs

Fonte: GIMONET,2007, P 15.

Para GIMONET (1999), é através dos instrumentos pedagógicos


que é possível perceber que a Pedagogia da Alternância fundamen-
ta-se na cooperação e na partilha do poder educativo, já que a alter-
nância diversifica e multiplica os co-formadores: pais, responsáveis,
mestres de estágios e tutores, monitores e outros intervenientes, mas
também os alternantes do grupo. Segundo Edival Teixeira (2008), no
Brasil, atualmente, existe diversas experiências de educação escolar
que utilizam a pratica de Pedagogia da Alternância como método.
Dentre as experiências mais conhecidas cabe citar as praticas des-
envolvida pelas Escolas Família Agrícola (EFAs) bem como por Casas
Familiares Rurais (CFRs). Não obstante, tendo em vista a proximi-
dade de propósitos, as entidades que articulam essas organizações
educacionais, bem como diversos pesquisadores da área, vêm utili-
zando uma terminologia genérica para se referir às instituições que
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praticam a alternância educativa no meio rural: Centros Familiares


de Formação por Alternância (CEFFAs).

A Pedagogia da Alternância atribui grande importância à articu-


lação entre momentos de atividade no meio sócio profissional do jo-
vem e momentos de atividade escolar propriamente dita, nos quais
se focaliza o conhecimento acumulado, considerando sempre as ex-
periências concretas dos educandos. Por isso, além das disciplinas
escolares básicas, a educação nesse contexto engloba temáticas re-
lativas à vida associativa e comunitária, ao meio ambiente e à for-
mação integral nos meios profissional, social, político e econômico
(GIMONET, 1999, p33.)

Erialdo Augusto Pereira (2002) afirma que a Pedagogia da Alter-


nância como metodologia de ensino consiste na formação do indi-
víduo utilizando espaços e tempos diferentes divididos entre o meio
sócio profissional (família, comunidade e trabalho) e o meio escolar
em internato (com monitores e colaboradores) guiado por uma pro-
posta que visa à formação integral do educando e o desenvolvimento
no meio o qual ele está inserido.
Esse processo passa a ser formativo, posto que o sujeito fica um
período na escola e um período em casa. No tempo escolar permitem
a valorização dos aspectos humanos, bem como a consolidação dos
hábitos sociais. No período familiar, a vivência na comunidade e o
trabalho como as práticas agrícolas, desenvolvidos pelo educando,
são vistos como uma maneira de consolidar trocas de informações
trazidas da escola para a vida e da vida para a escola. Segundo Jean
Claude Gimonet,

Esta pedagogia se inscreve na logica explicada por Jean Piaget na for-


mula praticar e compreender. Praticar quer dizer a ação, a experiên-
ciaeu temos das coisas, compreender significa a explicação, a teori-
zação, a conceitualização e a abstração que se pode extrair da pratica
ou que pode resultar dela. A pedagogia da alternância, nos centros
familiares de formação por alternância, da prioridade a experiência

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familiar, social, profissional, ao mesmo tempo como fonte de conhe-


cimento, ponto de partida e de chegada do processo de aprendiza-
gem, e como caminho educativo” (GIMONET 1999, p. 26).

Portanto, o processo de alternância é o movimento alternado


em dois espaços (família/comunidade e escola) e com três momen-
tos distintos e interligados: o observar, o refletir e o experimentar e
transformar, sucessivamente, como nos mostra a figura:

Fig. 02 - Demonstra o processo da alternância dos espaços e tempos.

Fonte: PUIG-CALVÓ, 2005, p. 29.

E neste movimento pedagógico alternado que está organizado em


instrumentos pedagógicos que se apresentam como uma estrutura
de trabalho capaz de possibilitar a formação integral dos jovens do
campo.

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Escola Família Agrícuola de Valente-BA

A escola família agrícola de valente começa a ser projetada por


diretores da Associação dos Pequenos Agricultores do Estado da Ba-
hia-APAEB ainda em 1992. O Projeto Político Pedagógico-PPP da esco-
la agrícola menciona que os agricultores familiares do município já
mostravam insatisfação com o modelo de escola vigente que estava
formando seus filhos. Principalmente devido ao fato da dificuldade
que esses agricultores encontravam para levar os seus filhos para es-
tudarem na cidade, fato esse que, muitas vezes, os conduzia ao êxodo
rural.
A cada relato dado pelos agricultores nas reuniões da APAEB a
equipe sentia cada vez mais a necessidade de implantar no muníci-
pio um projeto educativo que fosse diferente das escolas já existen-
tes na cidade, uma instituição de ensino que tivessem uma proposta
diferenciada para os filhos dos pequenos agricultores de Valente e
cidade vizinhas. Na época a equipe de trabalho do Departamento
Agropecuário e Educativo da APAEB, que eram responsáveis por
construírem alternativas de convivência com o semiárido, começa a
idealizar um espaço formativo que dispusesse de técnicas alternati-
vas de convivência do semiárido, defendendo que era possível viver
no campo com qualidade de vida.
Na tentativa de oferecer aos filhos dos agricultores um ensi-
no que estivesse voltado para as suas realidades, a partir de 1992 a
APAEB, em meio a intercâmbios de visitas em projetos de educação
do campo, espalhadas na Bahia, em um contexto em que as Escolas
Famílias Agrícolas estavam sendo instituídas em várias regiões do
estado baiano. A equipe gestora da associação realizaram algumas
visitas às EFA’s de Riacho de Santana, Brejões e Inhambupe, essas
que já estavam dando os primeiros passos e serviram de referência,
marcando assim o início para a implantação da EFA em Valente. As-
sim a APAEB após essas visitas pontuou:

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Pretendemos dá um novo passo com a implantação de uma Esco-


la Família Agrícola voltada para a formação de filhos de pequenos
produtores rurais e seus familiares para que possam adquirir conhe-
cimentos necessários para reorientar o processo produtivo, tornan-
do-o viável do ponto de vista econômico. Ressaltamos que não existe
em toda região nenhuma escola orientada para recuperar os filhos
dos agricultores para continuarem sendo agricultores. (Projeto da
APAEB para criação da EFA em Valente, 1994, p.1)

A APAEB fortalece o projeto da criação da escola em valente es-


clarecendo que o sistema escolar vigente no município estimulava
ainda mais os estudantes a migrar, a deixar o campo. Principalmente
por não manterem, em seus currículos disciplinas voltadas para o
aprendizado agropecuário, nem tão pouco as escolas do campo tin-
ham essa preocupação. Para a APAEB, esse aspecto das escolas mu-
nicipais, transmitia para os estudantes a ideia de que “lugar de gente
avançada, desenvolvida é na cidade”, direcionando o campo como
um “lugar do atraso”.
A APAEB por meio do projeto de implantação da escola, apresen-
ta que em 1994 64% da população valentensse pertenciam ao meio
rural. Valente possuía cerca de 52 escolas na rede municipal, 12 per-
tencentes a rede estadual e 4 com o ensino privado. Além disso, o mu-
nicípio contava com cerca de 5.800 pessoas em idade escolar entre 7
e 16 anos, onde 3.017 estavam matriculados em escolas municipais,
983 em escolas da rede estadual ou do ensino privado e 1.800 pes-
soas segundos estimativas da Secretaria de Educação do Município
em 1994, estavam fora da escola. Isso porque as escolas existentes
no município não tinham vagas suficientes para atender a todos os
estudantes.
Fundada em fevereiro de 1996, a Escola Família Agrícola Avani
de Lima Cunha foi trazida para Valente/BA, na região sisaleira, por
meio das constantes buscas dos movimentos sociais para implantar
no município um modelo de escola que proporcionasse uma edu-
cação do campo para jovens no campo. De acordo com o registro de
fundação da escola a Associação de Pequenos Agricultores do Estado
246
244
Escola família agrícola
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

da Bahia também (conhecida como APAEB) foi a idealizadora desse


projeto piloto no município, com o apoio de lideres comunitário a
exemplo da senhora Avani de Lima Cunha, esta que foi homenagea-
da com o nome da escola.
A partir de um levantamento feito nos registros de matriculas de
alunos da instituição, no primeiro ano de execução, em1996, a escola
começou a funcionar apenas com uma única turma de alunos da 5ª
série, a época, estes que eram filhos de agricultores do campo de di-
versos municípios como, por exemplo: Santa luz, Retirolândia, São
Domingos e Valente. Anos depois a escola passa a ser conhecida por
ser um projeto piloto que deu certo, com isso a procura por parte dos
pais e mães agricultores famílias, para ter seus filhos fazendo parte
da instituição, se intensificou. Assim, o numero de alunos começou
a aumentar. Porém, para fazer parte desse novo modelo de ensino
não bastava apenas interesses de pais e filhos, para fazer parte do
quadro de alunos este passavam e passam, até os dias atuais, por um
processo de adaptação, ferramenta essa que através de uma seleção
selecionam aqueles que adequem ao perfil de escola do campo com
praticas e rotinas no campo.

A escola funciona, simultaneamente, como espaço que possibilita


o acesso sistematizado a um conjunto de conhecimentos científi-
cos, como espaço de experiência prática, como espaço de desenvol-
vimento de atitudes e valores que vão fortalecer o capital social da
região, tais como: respeito, responsabilidade, valorização do trabal-
ho em comunidade. Por outro lado, a escola opera como centro de
pesquisa voltado ao desenvolvimento e à difusão de técnicas simples
e de baixo custo que viabilizem o desenvolvimento sustentável no
semiárido sisaleiro da Bahia, ao tempo em que funciona como pre-
paração para o trabalho. A integração escola- comunidade permite
que os alunos atuem como agentes transformadores da propriedade
familiar e da vizinhança. (TEIXEIRA E FREIXO, 2010, p. 09)

A EFA de Valente faz parte da rede de escolas famílias agríco-


las que se adequam a pratica de Pedagogia da Alternância e acolhe
247
245
Abel Amado de Lima Oliveira e Jorge Luiz Neri de Santana
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

alunos do segmento de Ensino Fundamental II. As turmas estudam


integralmente durante uma semana, de forma intercalada. Em uma
semana a escola recebe alunos de 6º e 7º ano ficando em regime de
internato na escola, ou seja, dormem e acordam, fazem as refeições
diárias enquanto que, nesse mesmo período, alunos do 8º e 9º ano
permanece em seu meio familiar, retornando a escola na semana se-
guinte enquanto as outras duas turmas retornam para as comunida-
des e passam a semana seguinte em casa.
No período de tempo escolar os alunos ficam responsáveis em
desenvolver atividades que garantem a limpeza e a higiene do es-
paço. Juntos fazem tarefas “domésticas” nos espaços da escola, tais
como, limpeza da sala de aula, dormitórios, refeitório, lavar a louça e
cuidar dos setores produtivos da escola dando alimentação e fazen-
do a limpeza dos galpões dos animais como, por exemplo, dos suínos,
aves, caprinos e ovinos.

A partir da Pedagogia da Alternância, a orientação do trabalho na


EFA tem se organizado basicamente em 5 eixos que visam ao enrai-
zamento da população jovem na região, trazendo para a dinâmica da
escola a realidade cotidiana das famílias de pequenos agricultores,
num movimento de formação crítica que incorpora os nexos entre
o local-regional-global. Os eixos estão assim estruturados: a) um pri-
meiro eixo está no Planejamento Pedagógico Temático, que permite
articular o programa oficial da Secretaria de Educação e Cultura com
as questões relacionadas à realidade regional, seja nas atividades teó-
ricas, seja nas atividades práticas; b) a definição dos Temas de Estudo
embasa um segundo eixo do trabalho pedagógico, que são os Planos
de Estudo (PE). Esses planos orientam as atividades que o aluno deve
desenvolver durante os intervalos em que permanece na comunida-
de e atuam como elemento que contribui para uma maior interação
entre a comunidade e a escola. Os planos estimulam os alunos à ob-
servação e à intervenção sobre a realidade de suas comunidades a
partir da reflexão realizada na EFA, sendo acompanhados do registro
escrito individual, que servirá de fundamento para a discussão em
classe e para a construção da Síntese Temática que fica a cargo do

248
246
Escola família agrícola
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

da Bahia também (conhecida como APAEB) foi a idealizadora desse


projeto piloto no município, com o apoio de lideres comunitário a
exemplo da senhora Avani de Lima Cunha, esta que foi homenagea-
da com o nome da escola.
A partir de um levantamento feito nos registros de matriculas de
alunos da instituição, no primeiro ano de execução, em1996, a escola
começou a funcionar apenas com uma única turma de alunos da 5ª
série, a época, estes que eram filhos de agricultores do campo de di-
versos municípios como, por exemplo: Santa luz, Retirolândia, São
Domingos e Valente. Anos depois a escola passa a ser conhecida por
ser um projeto piloto que deu certo, com isso a procura por parte dos
pais e mães agricultores famílias, para ter seus filhos fazendo parte
da instituição, se intensificou. Assim, o numero de alunos começou
a aumentar. Porém, para fazer parte desse novo modelo de ensino
não bastava apenas interesses de pais e filhos, para fazer parte do
quadro de alunos este passavam e passam, até os dias atuais, por um
processo de adaptação, ferramenta essa que através de uma seleção
selecionam aqueles que adequem ao perfil de escola do campo com
praticas e rotinas no campo.

A escola funciona, simultaneamente, como espaço que possibilita


o acesso sistematizado a um conjunto de conhecimentos científi-
cos, como espaço de experiência prática, como espaço de desenvol-
vimento de atitudes e valores que vão fortalecer o capital social da
região, tais como: respeito, responsabilidade, valorização do trabal-
ho em comunidade. Por outro lado, a escola opera como centro de
pesquisa voltado ao desenvolvimento e à difusão de técnicas simples
e de baixo custo que viabilizem o desenvolvimento sustentável no
semiárido sisaleiro da Bahia, ao tempo em que funciona como pre-
paração para o trabalho. A integração escola- comunidade permite
que os alunos atuem como agentes transformadores da propriedade
familiar e da vizinhança. (TEIXEIRA E FREIXO, 2010, p. 09)

A EFA de Valente faz parte da rede de escolas famílias agríco-


las que se adequam a pratica de Pedagogia da Alternância e acolhe
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247
Abel Amado de Lima Oliveira e Jorge Luiz Neri de Santana
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

A aprendizagem escolar da historia e acima de tudo a aprendizagem


da identidade coletiva mais ampla, aprender historia é, portanto um
ensino voltado para a formação do cidadão, com uma identidade po-
litica da modernidade, o ensino de historia hoje esta posto diante do
desafio de trabalhar as identidades para além da formação da cida-
dania. (CERRI 2011, p 24.)

Através do instrumento pedagógico plano de estudo torna-se


possível analisar os fatos históricos da comunidade, da família de
cada aluno, e através do retorno dessa atividade na comunidade e
possível analisar e conhecer as tradições e os costumes locais de cada
aluno.
Ao levantar tais questionamentos em sua comunidade o aluno
passa a conhecer uma história local que muitas vezes lhe era descon-
hecida. Baseando-se nas respostas obtidas, o indivíduo elabora uma
redação narrando os fatos encontrados na sua comunidade, essas
informações ficam registradas em um objeto de estudo denominado
“Caderno da Realidade”. E através desse P. E., que faz parte do currí-
culo escolar das Escola Família Agrícola, o aluno passa a conhecer
não somente aspectos da história de sua comunidade, como também
dos colegas.

a História pode contribuir para diversas discussões sem ter obrigato-


riamente uma função preestabelecida, seja ela de formar cidadãos,
civilizar, valorizar a pátria, como se acreditou durante muito tem-
po. A cidadania, por exemplo, é um elemento importante, mas por si
só não determina a presença e a importância da História na escola.
Nesse sentido, a disciplina tem um papel de ensinar a refletir e a ler
o mundo a partir de uma orientação histórica. Contribui na medida
em que ajuda os alunos a entenderem noções como o tempo, as per-
manências, as mudanças, o contexto e, a partir disso, serem capazes
de selecionar e criticar as informações do seu dia a dia. (MORAES e
FRANCO, 2009, p. 104).

250
248
Escola família agrícola
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Com essa atividade, aprender História na EFA não se limita às au-


las ministradas em sala de aula. Segundo Marilene bispo a atual di-
retora da unidade escolar em uma entrevista realizada 2017, o plano
de estudo é uma porta onde liga a comunidade com o alunado e os
campos dos saberes da EFA.

O plano de estudo, ou simplesmente o P.E, como agente das EFAs cos-


tumamos chamar, é um instrumento pedagógico que serve para que
os alunos através das perguntas elaboradas por eles em coletivo pos-
sam conhecer a realidade da comunidade em que vive, e ao chegar
a escola os alunos apresentam as respostas do questionário obtidas
na comunidade e assim a equipe escolar passa a conhecer sobre a
realidade desses alunos e do meio em que estes vivem (BISPO, 2017).

Assim, aprender e ensinar Historia ultrapassa as salas de aulas,


onde alunos e professores são construtores de historias, é possível
dizer que a aprendizagem histórica começa a partir do momento que
alunos investigam em suas comunidades os fatos marcantes delas
e partindo dessa investigação os alunos constroem conhecimentos.

De maneira geral os alunos, além de se apropriarem dos relatos cons-


truídos pelos velhos, também direcionaram o olhar para sua família
e comunidade. As vozes dos velhos, diluídas num conjunto de repre-
sentações da comunidade, conduziram os próprios jovens à reflexão
num movimento em que lembranças do passado se entrecruzam
com as experiências de um tempo presente constantemente revisi-
tado. Buscamos, assim, compreender como as famílias e as comuni-
dades representam seu ambiente e as questões apontadas – a sua ori-
gem, a questão da água, a propriedade e a educação popular, focando
nas vozes dos velhos, relatadas pelos alunos em seus PEs.(TEIXEIRA
E FREIXO, 2010, p 20.)

Considerações finais

251
249
Abel Amado de Lima Oliveira e Jorge Luiz Neri de Santana
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

A metodologia de ensino das Escolas Famílias Agrícolas nos per-


mitiu constatar que o Ensino de História não é e não deve aconte-
cer apenas através da disciplina como componente obrigatório, mas
através dos instrumentos pedagógico adotado pelas EFAs, estes que
consolidam cada vez mais como meios de conhecimentos históricos.
É notório o esforço empreendido pela equipe de professores e estu-
dantes da EFA Avani de Lima Cunha, com o objetivo de resgatar a his-
tória da região e da luta de seus associados por melhores condições
de renda e de vida.

Referências

APAEB, jornal folha do sisal, 1996.

BISPO, Marilene. Diretora da escola Família Agrícola. Entrevista sobre


plano de estudo, Concebida em 26 de julho 2017.

BURGHGRAVE, Thierry. Origens da pedagogia da alternância no Brasil.


UNEFAB 2002

CERRI, Luís Fernando. Ensino de historia e consciência histórica. Rio de


janeiro: FGV, 2011

DEMARCO, D. J. Uma análise do projeto Escola do Campo – Casa Fami-


liar rural como iniciativa de profissionalização e escolarização de jovens
rurais do Estado do Paraná. 2001. 188 p. Dissertação (Mestrado)- Univer-
sidade de São Paulo, São Paulo. 2001

FERREIRA, Marieta Moraes; FRANCO Renato. Aprendendo Historia re-


flexão e ensino. São Paulo.2009

252
250
Escola família agrícola
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

GIMONET, Jean Claude. Pedagogia da Alternância. Petrópolis RJ, ed


vozes, 1999. PEREIRA, Erialdo Augusto. Pedagogia da Alternância como
metodologia de ensino. UNEFAB, 2002

SILVA, J. A. F. Alternância no Currículo: uma proposta para a inclusão


escolar e social – um estudo da Escola Família Agrícola da Perimetral
Norte/AP. 1998. 178 p. Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo. 1998

TEIXEIRA, Ana Maria Freitas; FREIXO, Alessandra Alexandre. Escola Fa-


mília Agrícola de Valente: Uma experiência rumo à Educação do Campo
na região Sisaleira da Bahia. Disponível em www.apaeb.com.br/memo-
riasdorural/publicacao2.pdf. Acesso em: 10 de setembro de 2017.

253
251
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

252
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Sobre as autoras e autores


Volume 3: Convivência com o Semiárido

Abel Amado de lima oliveira Mestrando em História pela Universi-


dade Estadual de Feira de Santana-UEFS. Graduado em licencia-
tura em História pela Universidade do Estado da Bahia. Atua na
educação inclusiva como Brailista no colégio estadual de Ban-
diaçu.Tem experiência com a educação do campo sobretudo com
alunos do fundamental II. No ensino médio tem experiencia nas
áreas de História, geografia e sociologia.

Alexsandro Ferreira de Souza Silva Licenciado em Ciências Biológi-


cas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Mestrando do
Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Formação
de Professores – PPG-ECFP (UESB). Membro do grupo de pesquisa
em Educação Ambiental e Formação de Professores – GPEA-FP/
UESB. Pesquisador nas áreas de Educação Ambiental, Currículo e
Formação de Professores. Email: aleckissf@gmail.com

Antonio da Silva Câara concluiu o doutorado em Sociologia - Univer-


sité de Paris VII em 1994. Realizou Pós-doutoramento no CNRS/
Universidade Toulouse le Mirail (França) em 2000. Atualmente é
255
253
Volume 3: Convivência com o Semiárido
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

PROFESSOR Titular da Universidade Federal da Bahia. Publicou


35 artigos em periódicos especializados. Organizador de cinco li-
vros, publicou 20 capítulos de livros. Orientou 36 dissertações de
mestrado e co-orientou 4, orientou 22 teses de doutorado, além
de ter orientado 70 trabalhos de iniciação científica e 39 trabal-
hos de conclusão de curso na área de Sociologia. Entre 1999 e
2019 coordenou 18 projetos de pesquisa. Atualmente coordena
01 projeto de pesquisa. Atua na área de Sociologia, com ênfase
em Sociologia da Arte, Representações sociais no cinema e cine-
ma e ideologia. Em suas atividades profissionais interagiu com
colaboradores em co-autorias de trabalhos científicos. Em seu
currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização
da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: arte,
sociologia da arte, cinema, ideologia, movimentos sociais, repre-
sentações sociais.

Antônio Domingos Moreira Mestre em Educação pela Universidade


Estadual do Sudoeste da Bahia - PPGEd/UESB; Especialista em
Agroecologia pelo IF/Baiano; Professor da Rede Municipal de Ria-
cho de Santana - Ba; Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo e da
Cidade - GEPEMDECC; E-mail: tony.dom1987@gmail.com

Caique Geovane Oliveira de Carvalho Licenciado em Sociologia pela


Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestrando no Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais no PPGCS-UFBA e bolsis-
ta CNPQ. Membro do grupo de pesquisa Representações Sociais:
arte, ciência e ideologia, instalado no NUCLEARTE (Núcleo de Es-
tudos em Sociologia da Arte), sediado na FFCH / UFBA.

256
254
Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Danilo Uzêda da Cruz Pós-Doutor em Desigualdades Globais e Jus-


tiça Social (FLACSO/UNB). Doutor em Ciências Sociais (UFBA);
Mestre em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS); Li-
cenciado em História (UEFS). Desenvolve pesquisas em Ciência
política e História, com ênfase em políticas públicas, democracia
e participação social. Lecionou como professor substituto no De-
partamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia.
É pesquisador nos Grupos de pesquisa DEPARE e Periféricas am-
bos vinculados à UFBA.

Elijalma Augusto Beserra Possui graduação em Ciências Sociais pela


UNIVASF (2017), Direito pela Faculdade dos Guararapes (2008),
em Engenharia Civil pela Universidade de Pernambuco (1995),
Mestrado Extensão Rural (2020) no Programa de Pós-Graduação
em Extensão Rural (PPGExR) da UNIVASF. Atualmente exerce a
função de Analista em Desenvolvimento Regional na Companhia
de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba -
CODEVASF/ DF. Tem experiência na área de Direito do Trabalho
e previdenciários, ação em grupos sociais em comunidades ru-
rais e periurbana, Extensão Rural e em especial com Engenharia
Civil, com ênfase em Hidráulica e Saneamento Socioambiental,
área onde é especializado. Como técnico tem atuando princi-
palmente nos seguintes temas: Saneamento rural, recuperação
de áreas degradadas, Meio Ambiente, Recursos Hídricos, desen-
volvimento de práticas de convivo harmônico com os efeitos da
seca e captação de água em mananciais subterrâneos mediante
a perfuração e montagem de poços tubulares. Na área educacio-
nal, tem especialização em educação e novas tecnologias, área
em que apresenta experiência em práxis em Educação de Meio
Ambiente e Sociologia, com ênfase em Sociologia Rural, Desen-
volvimento Social, Sociologia Ambiental, desenvolvendo temas
como: Educação Ambiental, Meio Ambiente, Interdisciplinarida-
de, Degradação Socioambiental, Saúde Ambiental e Hidráulica e
257
255
Volume 3: Convivência com o Semiárido
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Meio Ambiente. Durante sua atuação no Projeto Escola Verde da


UNIVASF participou de ações socioambientais e pedagógicas. .

Geusa da Purificação Pereira- Graduada em Tecnologia em Gestão de


Cooperativas pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(UFRB), mestre e doutora em Extensão Rural pela Universidade
Federal de Viçosa (UFV). Atualmente é professora colaboradora
no Curso de Pós-Graduação em Agroecologia e Tecnologias So-
ciais na Educação do Campo no Centro de Ciência e Tecnologia
em Energia e Sustentabilidade CETENS/UFRB.

Gilmar dos Santos Andrade. Doutorando do Programa de Pós-gra-


duação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial – PP-
GADT/UNIVASF. Mestre em Educação do Campo. Tecnólogo em
Agroecologia e Licenciado em História. Professor da Rede Pública
e Monitor da EFASE.

José da Silva Reis (COOPERSABOR) Tecnólogo em Agroecologia (EFA-


SE/UFRB), membro da equipe técnica da Cooperativa Regional de
Agricultores/as Familiares e Extrativistas da Economia Popular e
Solidária (COOPERSABOR). E-mail: josessilvareis@gmail.com

José Raimundo Pereira da Silva Possui graduação em Pedagogia pela


Universidade do Estado da Bahia. Mestrado-profissionalizan-
te em Extensão Rural pela Universidade Federal do Vale do São
Francisco. Email: joseraimundo1216@gmail.com

Jorge Luiz Nery de Santana Possui Mestrado em História pela Uni-


versidade Estadual de Feira de Santana (2010), Pós-graduado em
258
256
Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

Filosofia pela UEFS (1999), e em Teologia e cultura pela Faculdade


Batista Brasileira (2007), Licenciatura em História pela Universi-
dade Estadual de Feira de Santana (1996), Bacharelado em Teolo-
gia pela Faculdade Batista Brasileira(2007) e Licenciado em Filo-
sofia pela FBB (2011). Foi professor do Seminário Teológico Batista
do Nordeste, da UNEF e da FTC em Feira de Santana e da FBB em
Salvador. Foi professor substituto de História Antiga da Univer-
sidade Federal do Recôncavo da Bahia(UFRB).Atuou na Universi-
dade Salvador (UNIFACS - Feira) e na Faculdade Anísio Teixeira
(FAT). Foi professor de Ética Filosófica na Faculdade Católica de
Feira de Santana. Exerceu a função de professor substituto no
Departamento de Educação na Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS) atuando nas Disciplinas de Metodologia, Didáti-
ca e Ensino de Filosofia, Filosofia da Educação e Estágio até Fe-
vereiro de 2017.Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase
em Filosofia Contemporânea (Introdução à Filosofia, História da
Filosofia e Ética), Metodologia da Pesquisa Científica, na Área de
História: História Antiga, Medieval e Moderna. Teoria e Filosofia
da História e Historiografia. Lecionou História da África , Histó-
ria da Cultura Afro-brasileira, Ensino de História, Historiografia
e Orientador de TCC no Programa de Formação de Professores
da Plataforma Freire (PARFOR) pela Universidade do Estado da
Bahia, onde foi Professor-Formador I. Pesquisador da área de His-
tória das Religiões, Filosofia e Educação. Foi professor substituto
na área de Teoria da História com carga horária de 20h na UNEB
CAMPUS XIV(2016-2018), Atualmente reside em Feira de Santana
e atua como Professor Substituto também na UEFS.

Kamila Ferreira da Silva Souza, é Mestre em Planejamento Territo-


rial pela Universidade Estadual de Feira de Santana – Ba, espe-
cialista em Desenvolvimento Sustentável com ênfase em Recur-
sos Hídricos pelo Instituto Federal Baiano – IFBAIANO, Campus
259
257
Volume 3: Convivência com o Semiárido
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

Senhor do Bonfim, formada em Pedagogia pela Universidade do


Estado da Bahia – Campus XI.

Klayton Santana Porto Licenciado em: Física pela UESB (2008), Ma-
temática pela FTC (2010), Computação pelo Claretiano (2021) e em
Pedagogia pela Intervale (2021). Especialista em: Educação Inclu-
siva e Especial pela FINOM (2009) e em Mídias na Educação pela
UESB (2012). Doutor (2017) e mestre (2014) em Ensino, Filosofia e
História das Ciências pela UFBA/UEFS. Atualmente é professor
adjunto 2 da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. É lí-
der do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Ciências e For-
mação de Professores (CNPq). Participa de projetos de pesquisa
e extensão que envolvem investigação em ensino-aprendizagem
de conteúdos de Ciências e Física, com ênfase no desenvolvimen-
to de metodologias qualitativas e quantitativas de avaliação da
aprendizagem e na formação inicial e continuada de professores
com foco no ensino de Ciências, Educação Inclusiva, Informática
na Educação e Educação do Campo. Tem experiência como do-
cente e pesquisador nas áreas de ensino de Ciências e Física, Tec-
nologias Digitais de Informação e Comunicação, Educação a Dis-
tância, Educação do Campo e Educação Inclusiva, na educação
básica e no ensino superior.

Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira Possui doutorado em Desen-


volvimento Sócioambiental pela Universidade Federal do Pará
(2005). É professora Associada IV da Fundação Universidade
Federal do Vale do São Francisco, atuando nos mestrados inter-
disciplinares Extensão Rural e Ciências da Saúde e Biológicas e
no Doutorado Profissional em Agroecologia e Desenvolvimento
Territorial. Exerce o cargo de Pró-Reitora de Extensão desde 2011
até a atualidade na UNIVASF, gerenciando inúmeros projetos de
desenvolvimento nas áreas de abrangência da UNIVASF. Tem
260
258
Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 3 - Convivência com o Semiárido

experiência na área de Educação, atuando principalmente na


educação do campo, bem como, nas áreas de desenvolvimento
sustentável e desenvolvimento territorial.

Luciana Souza de Oliveira Possui graduação em Engenharia Agronô-


mica pela Universidade do Estado da Bahia e doutorado em Des-
envolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Pará.
Atualmente é professora efetiva do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano. Tem experiência
na área de Agronomia, atuando principalmente nos seguintes te-
mas: Fruticultura, Agroecologia, Desenvolvimento Sustentável,
Arranjos Produtivos Locais (APL), Organização Comunitária e
Agricultura Familiar.

Marcelo Leles Romarco de Oliveira- Graduado em Administração


pela Universidade Federal de Lavras (UFLA); mestre em Extensão
Rural pela Universidade Federal de Viçosa (UFV); Doutor em
Ciências Sociais pelo CPDA da Universidade Federal Rural do Rio
de Janeiro. Professor do Departamento de Economia Rural da
Universidade Federal de Viçosa.

Mônica Da Silva Carmo é Mestra em Extensão Rural - pela Univer-


sidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF; Membro do
Laboratório de Políticas Públicas, Ruralidades e Desenvolvimen-
to Territorial - LaPPRuDes/IF Baiano; E-mail: silvacarmomoni-
ca@yahoo.com.br

Raimunda Pereira da Silva Possui graduação em Pedagogia pela


Universidade do Estado da Bahia(2016), mestrado-profissionali-
zante em Extensão Rural pela Universidade Federal do Vale do
261
259
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

São Francisco(2021). Atualmente é coordenadora pedagógica vo-


luntária do INSTITUTO RUMOS DA EDUCAÇÃO PARA O DESEN-
VOLVIMENTO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO. Tem experiência
na área de Educação.

260
Danilo Uzêda da Cruz - Gilmar dos Santos Andrade - Tiago Pereira da Costa - Jorge Luiz Nery de Santana

262

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