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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia

Volume 2: Educação,
ATER e Cooperativismos
processos, contextos sociais e
aprendizagem

Tatiana Ribeiro Velloso


Lúcia Marisy Souza Ribeiro
Lilian Freitas Fernandes Uzêda
Márcio Caetano de Azevedo Lopes
Danilo Uzêda da Cruz
(organizadores)

Salvador
2022
Copyright © 2022 – Danilo Uzêda da Cruz

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida, sejam quais forem os meios
empregados, sem a expressa autorização.

Capa e arte final


Lucas Kalil
Foto: Kau Santana

Produção Editorial
Pinaúna Editora

Revisâo
Os organizadores

Direitos desta edição reservados à Danilo Uzêda da Cruz.


A Pinaúna Editora não necessariamente compartilha das mesmas opiniões
expressas pelo autor e seus colaboradores neste livro. A responsabilidade sobre
ideias e opiniões presentes no conteúdo deste livro é estritamente do autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

E24 Educação, ATER e Cooperativismos [recurso eletrônico]: processos,


contextos sociais e aprendizagem / organizado por Tatiana Ribeiro
Velloso...[et al.]. - Salvador : Pinaúna Editora, 2022.
386 p. : PDF. – (Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia;
v.2)

Inclui índice e bibliografia.


ISBN: 978-65-86319-52-1 (Ebook)

1. Educação. 2. Campo. 3. Agricultura familiar. 4. Agricultura. 5.


Democracia. 6. Organização. 7. Participação social. 8. Bahia. I. Velloso,
Tatiana Ribeiro. II. Ribeiro, Lúcia Marisy Souza. III. Uzêda, Lilian
Freitas Fernandes. IV. Lopes, Márcio Caetano de Azevedo. V.
Cruz, Danilo Uzêda da. VI. Título. VII. Série.

CDD 370
2022-2501 CDU 37

Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949

Índice para catálogo sistemático:


1.Políticas públicas 361
2. Políticas públicas 364
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia

Volume 1 Democratização, participação e políticas públicas para


o campo
Organizadores: Clovis Roberto Zimmermann, Danilo Uzêda da Cruz,
Diego Matheus Oliveira de Menezes e Nilson Weisheimer
No primeiro volume da coleção os temas democracia, participação
social e políticas públicas se articulam nos artigos apresentados.
Essa perspectiva teórico-metodológica possibilita colocar em evi-
dencia e diálogo campos de conhecimento ora distantes, mas que
se intercruzam em suas análises, permitindo uma ampla leitura da
realidade social e polítca no mundo rural. Imersos em um contexto
político controverso, do ressurgimento do pensamento conservador
e do amplo processo de desdemocratização e regressão política que
o mundo vive, os textos reunidos aqui podem ser uteis para as pes-
quisadoras e pesquisadores nas diferentes áreas do conhecimento.
Do mesmo modo a avaliação das políticas públicas para o mundo
rural reaparece como um importante espaço de pesquisa e análise.
As diversas pesquisas e análises desse primeiro volume buscam as-
sim apresentar um novo cenário político no campo, mas também
dialogar com arenas tradicionais de participação política, como sin-
dicatos, associações, partidos políticos, etc. Essa dinâmica participa-
cionista fazem parte da longue durée da história dos movimentos
sociais do campo, como também já conta com uma sedimentada li-
teratura sobre o tema no Brasil e na Bahia.

Volume 2 Educação, ATER e Cooperativismos: processos, contextos


sociais e aprendizagem
Organizadores: Lilian Freitas Fernandes Uzêda, Márcio Caetano de Aze-
vedo Lopes, Tatiana Ribeiro Velloso, Lúcia Marisy Souza Ribeiro e Dani-
lo Uzêda da Cruz
O segundo volume reunirá pesquisas que tratem de Educação do
campo, suas tecnologias e metodologías, a ATER e as formas de Coo-
perativismos. As diversas iniciativas e experiências de organizações
da sociedade civil, como também de poderes públicos passam a
ser pesquisadas e sistematizadas a partir dos centros de pesquisa e
aparecem nos programas de pós-graduação consolidando uma im-
portante literatura já disponível. A diversas matrizes teórico-meto-
dológicas e vivencias aparecerão nesse volume a partir das pesqui-
sas em curso ou finalizadas, que permitirá ainda que experiências
de organizações da sociedade civil e poderes públicos sejam publi-
cados, demonstrando a interdisciplinaridade e amplitude do tema.
O volume reunirá assim campos de pesquisa que reconectam edu-
cação, ATER e as múltiplas expressões cooperativistas na perspecti-
va do rural baiano.

Volume 3 Convivência com o Semiárido: experiências, vivências e


transformações
Organizadores: Danilo Uzêda da Cruz, Gilmar dos Santos Andrade, Jor-
ge Luiz Nery de Santana e Tiago Pereira da Costa
O terceiro volume reuniu pesquisas e experiencias em torno do se-
miárido e sua diversidade, os problemas e o relacionamento com
questões históricas, observando a convivência com o semiárido,
agroecologia e bem viver. Ao reunir esses estudos e pesquisas o vo-
lume pretende oferecer ao grande público e ao público especializa-
do alternativas para o existir e o viver no semiárido, oportunizan-
do uma ampla reflexão sobre práticas e políticas nesse lugar social,
ambiental, cultural, econômico e político de grandes contingentes
populacionais.

Volume 4 Terra, territórios e territorialidades


Organizadores: Carla Craice da Silva, Renata Alvarez Rossi, Danilo Uzê-
da da Cruz e Rafael Buti
O quarto volume da Coleção busca refletir as pesquisas sobre o vas-
to tema da Terra, suas implicações nos assentamentos humanos e
as populações camponesas, os territórios e territorialidades. As pes-
quisas que compõem esse volume refletem em alguna medida as di-
námicas mais longevas da questão rual, sobretudo as que envolvem
o pertencimento, identidade e a posse da terra, há décadas como
um problema e dilema social não resolvido por sociedades e go-
vernos gerando e ampliando conflitos e desigualdades duradouras
que repercutem no extenso tecido social. Os artigos aquí reunidos
demonstram o estado da arte das pesquisas em curso sobre a temáti-
ca e ainda possibilita refletir sobre alternativas de políticas públicas
para a melhoria das populações desses espaços, e oferecer possibili-
dades metodológicas para novos horizontes de pesquisa.

Volume 5 Tensões e dilemas do Rural Baiano contemporâneo: gê-


nero, geração e comunidades tradicionais.
Organizadoras: Lidia Cardel, Maria de Lourdes Novaes Schefler, Ubira-
nela Capinan e Danilo Uzêda da Cruz
O quinto volume traz artigos que abordam temas de pesquisa no
campo das relações sociais de gênero, juventude, populações de co-
munidades tradicionais, povos originários e quilombolas. Esse am-
plo tema encontra-se em um momento de pesquisa oportuno, dado
a persistência e permanência de desigualdades duradouras, ou por-
que a pesquisa acadêmica vem ampliando seu olhar para as popu-
lações do campo. Ao contrário do que uma certa tradição histórica de
pesquisa anotou ao longo do século passado, as contradições sociais
não são menores para as populações rurais e a modernidade-mun-
do não representou a superação de dilemas sociais, senão pelo con-
trário. As pesquisas tem apontado que fenômenos interseccionais
atuam sobre essas populações, fragilizam políticas e fragmentam a
experiência social de mulheres, negros, povos originários, jovens e
população idosa. Do mesmo modo, as transformações recentes para
comunidades de fundo e fecho de pasto, ribeirinhas, quilombolas
e assentados tem aumentado o interesse de pesquisa dos centros
universitários.

Volume 6 O desenvolvimento rural e o enfrentamento às


desigualdades.
Organizadores: Danilo Uzêda da Cruz, Andreia Andrade dos Santos,
Egla Ray Passos Costa, Ivan Leite Fontes
As desigualdades persistem como um dilema social longevo. É nu-
trido por contradições históricas não resolvidas que fazem persistir
problemas societais para as populações dos diversos espaços sociais.
As populações rurais sentem em igual medida, ou em determinados
contextos ainda mais, essas contradições. O sexto e último volume
dessa coleção apresenta pesquisas que contribuem de forma inédi-
ta com a compreensão dessas dimensões e dilemas do rural face as
desigualdades. Nele estão abordados trabalhos em torno da supe-
ração dos desafios e dilemas da desigualdade da agricultura fami-
liar e populações do campo na Bahia, o desenvolvimento rural como
um problema político e social e as experiências de políticas públicas
para a superação desses entraves históricos. Por se tratar do último
volume da coleção, também trará um capítulo especial de balanço
dos demais volumes, no qual se abrirá um diálogo em busca de alter-
nativcas para o rural baiano.
Índice

Apresentação Geral da Coleção ...................................................................................... 15


Danilo Uzêda da Cruz (Coordenador Geral da Coleção)

Nota da Editora ..................................................................................................................... 21


Carolina Dantas (Pinaúna Editora)

Apresentação ao Volume 2 ...............................................................................................23


Tatiana Ribeiro Velloso, Lúcia Marisy Souza Ribeiro, Lilian Freitas Fernandes Uzêda,
Márcio Caetano de Azevedo Lopes e Danilo Uzêda da Cruz (organizadores)

Prefácio ....................................................................................................................................29
Eliene Gomes dos Anjos

A Educação do Campo: a agricultura familiar do semiárido baiano no projeto


pedagógico no ensino superior ...................................................................................... 33
Tatiana Ribeiro Velloso, Fabiana Marques Santos, e Kássia Aguiar Norberto Rios

Introdução ....................................................................................................................... 33

Os sujeitos do modo de vida familiar no campo ............................................38

Paradigmas no campo: educação do campo e educação rural .................44

A educação do campoa da UFRB: o campus de Feira de Santana.............. 51

Considerações finais ................................................................................................... 61

Referências .....................................................................................................................63

O papel do Estado na extensão rural baiana: institucionalização da política esta-


dual de ATER ..........................................................................................................................65
Edna Maria da Silva

O papel do Estado na política de extensão rural baiana ..............................65

Considerações finais .................................................................................................. 80

Referências ...................................................................................................................... 81

Assistência técnica e extensão rural: uma agenda para o desenvolvimento rural


sustentável ..............................................................................................................................83
Marcio Caetano de Azevedo Lopes

Introdução .......................................................................................................................83
Política de Assistência Técnica e Extensão Rural: trajetória recente, breve pa-
norama e desafios .........................................................................................................85

Um contexto para o desenvolvimento rural sustentável: transições, ATER e


aportes teóricos ............................................................................................................93

Considerações finais..................................................................................................102

Referências ....................................................................................................................103

Por que extensão rural? Um debate para a formação da(o) extensionista109


Lilian Freitas Fernandes Uzêda e Danilo Uzêda da Cruz

Introdução ..................................................................................................................... 110

Debates contemporâneos em torno da extensão rural ..............................113

A (O) profissional de extensão rural ................................................................... 117

Referências ....................................................................................................................126

Educação ambiental e a transversalidade do tema meio ambiente na prática do-


cente dos cursos de graduação ofertados pela UNIVASF ................................. 137
Bruno Cezar Silva, Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira e Marcia Bento Moreira

Introdução ..................................................................................................................... 137

Meio ambiente e crise civilizatória .....................................................................146

Material e métodos .................................................................................................... 152

Resultados e discussões............................................................................................154

Considerações finais ................................................................................................. 157

Referências ....................................................................................................................163

Centros Públicos de Economia Solidária na Bahia: avanços, limites e desafios de


uma década de ação governamental de assistência técnica a empreendimentos
populares ...............................................................................................................................169
Silvia Maria Bahia Martins

Introdução .....................................................................................................................169

Metodologia ..................................................................................................................170

Contextualização ........................................................................................................ 173

Centros públicos de economia solidária - CESOL ........................................ 180


Nas próximas seções, abordar-se-á o ciclo do Cesol, evidenciando os formatos
administrativos e a tomada de decisões no decurso dos doze anos da ação go-
vernamental................................................................................................................. 180

Avanços, Desafios e limites .................................................................................... 190

Considerações finais .................................................................................................192

Referências ...................................................................................................................194

Refletindo sobre educação do campo através perspectiva associativa: contri-


buições da Refaisa..............................................................................................................199
Alane Amorim Barbosa Dias, Anderson Moreira de Jesus, Bruno dos Santos Silva,
Seonária Costa Santana, Lucas Santos Caetano

Introdução .....................................................................................................................199

Organizações associativas e suas contribuições na sociedade ...............202

Educação do campo e implicações de envolvimento..................................206

Compreendendo a rede das escolas de famílias agrícolas integradas do Se-


miárido - REFAISA ....................................................................................................209

A importância da gestão participativa para a construção de um novo paradig-


ma organizativo para as associações de escolas família agrícola que compõem
a REFAISA ...................................................................................................................... 213

Conclusão.......................................................................................................................217

Referências ....................................................................................................................219

Agricultura familiar: cultura e saberes populares na comunidade do cabeça, Serra


de Itiúba, Bahia .................................................................................................................. 223
Raimunda Pereira da Silva, Antônio Domingos Moreira e Ramofly Bicalho

Introdução .................................................................................................................... 223

A Agricultura Familiar e suas nuances ............................................................ 226

Metodologia da Pesquisa ........................................................................................ 227

Leis e conquistas na Agricultura Familiar ...................................................... 229

Os saberes populares: a cultura presente .........................................................233

Mudanças no campo em decorrência do capitalismo ............................... 234

Resultados da pesquisa............................................................................................ 237

Procedimentos de plantio do feijão, milho e a mandioca ........................ 239


Considerações finais................................................................................................. 243

Referências ................................................................................................................... 245

Escola Família Agrícola do Sertão: contribuição no processo organizativo do


extrativismo sustentável do Licuri ............................................................................ 247
Gilmar dos Santos Andrade, Jardel Luís Félix Pacheco, Helder Ribeiro Freitas e Luciano
Sérgio Ventin Bomfim

Introdução .................................................................................................................... 247

Contribuição das Escolas Família Agrícola na “construção” da Convivência


com o Semiárido ........................................................................................................ 249

EFASE e a Convivência com o Semiárido ........................................................ 252

Projeto do Licuri : Organização do extrativismo sustentável do Licuri264

Considerações finais................................................................................................. 268

Referências ................................................................................................................... 268

Educação popular e agroecologia: um projeto social na comunidade de Pau Bran-


co - município de Riacho de Santana/Ba .................................................................275
Antônio Domingos Moreira e Arlete Ramos dos Santos

Introdução .....................................................................................................................275

Caminhos metodológicos da pesquisa .............................................................. 279

Educação do Campo e Educação Popular: Um projeto social ..................281

Agricultura Familiar e Agroecologia: Políticas Públicas na APAB ........ 285

Associativismo e Autogestão................................................................................. 287

Análises dos dados da pesquisa ........................................................................... 288

Dados da pesquisa coletados por meio dos questionários aplicados na APAB


291

Considerações Finais................................................................................................ 294

Referências ................................................................................................................... 297

A pandemia da Covid-19 nas Cooperativas agropecuárias da Bahia ............301


Gisélia Silva Leonardo e Alynson dos Santos Rocha

Introdução .....................................................................................................................301

Breve histórico: cooperativismo como atividade econômica e social . 304


O cooperativismo no Brasil ................................................................................... 306

As cooperativas agropecuárias na Bahia e a COVID-19 ...............................311

Considerações finais..................................................................................................319

Referências .................................................................................................................... 321

Fatores que induzem a recuperação de pastagens degradadas pelos agricultores da


bacia hidrográfica do Rio das Contas ........................................................................323
Attawan Guerino Locatel Suela, Luana Marina Salgado Botelho, Gabriel Locatel Suela
e Sabrina de Matos Carlos

Introdução .....................................................................................................................323

Objetivo .......................................................................................................................... 327

Mudanças climáticas e atividades agrícolas: conceitualização ............ 327

Metodologia ................................................................................................................. 330

Resultados......................................................................................................................333

Conclusão...................................................................................................................... 342

Referência ..................................................................................................................... 347

Agricultura familiar e assistência técnica: uma relação pretendida para a pro-


moção do desenvolvimento rural sustentavel ...................................................... 349
Seonária Costa Santana, Alane Amorim Barbosa Dias, Anderson Moreira de Jesus e
Lucas Santos Caetano

Introdução .................................................................................................................... 349

Agricultura familiar na premissa da sustentabilidade...............................352

As implicações da Extensão rural na contemporâneidade ......................354

Da escala federal à Bahia: quais os desdobramentos para a ATER e a agricultu-


ra familiar? ................................................................................................................... 364

Aspectos conclusivos ................................................................................................ 370

Referências .................................................................................................................... 371

Sobre as autoras e autores .............................................................................................375


Volume 2: Educação, ATER e cooperativismos
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Apresentação Geral da Coleção

Danilo Uzêda da Cruz (Coordenador Geral da Coleção)

É com muita honra, alegria e compromisso que ora apresentamos


a Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia, sob selo editorial
da Editora Pinaúna, para a comunidade acadêmica e comunidade
em geral. Os seis volumes que compõem a coleção trazem contri-
buições fundamentais para a compreensão e discussão dos temas
mais relevantes para as populações do campo, seus dilemas, proble-
mas e alternativas sociais desenvolvidas a partir de experiências e
trajetórias culturais, políticas e econômicas.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia, partiu de uma
lacuna existente na pesquisa acadêmica em torno do rural baiano e
sua multidimensionalidade, ensejando ampliar os espaços de divul-
gação das pesquisas em andamento ou concluídas por pesquisado-
ras e pesquisadores em diversos momentos da carreira acadêmica.
A pouca visibilidade das pesquisas sobre o mundo rural tem obriga-
do pesquisadores a buscar referências em realidades e experiências

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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

distantes, via de regra, no eixo sul-sudeste, e mais recentemente em contex-


tos de outros países latino-americanos.
A coletânea tem o propósito central de oferecer às pesquisadoras e
pesquisadores presentes e futuros, estudantes, poderes públicos, gestores
e comunidade em geral uma ampla visão da pesquisa sobre o rural con-
temporâneo na Bahia, possibilitando o reconhecimento do mundo rural e
sua diversidade, como também um maior conhecimento de métodos e téc-
nicas de pesquisa para compreender/entender esse espaço. Essa múltipla
abordagem e interseccionalidades do fenômeno possibilita que políticas
públicas sejam empreendidas com mais assertividade, como também que
a sociedade se reconheça como sujeito de processos econômicos, sociais,
políticos e ambientais, proporcionando um ambiente pedagógico interes-
sante para a geração presente e futura.
Apesar da existência de programas de pós-graduação, graduação e cam-
pos específicos que analisam o mundo rural baiano, com pesquisas de re-
ferência e centros de excelência científica com enfoque no rural, os estudos
nesse campo são marcados por uma dispersão. A Coleção tenta renovar a
força teórica e metodológica para compreender o campo, o rural, a rura-
lidade e as formas de organização das populações que vivem “do”, “no” e
“para” o campo.
Nesse sentido discutir o mundo rural da Bahia, a partir de uma dinâ-
mica e estratégia de desenvolvimento rural sustentável com pesquisas em
desenvolvimento sobre o tema e trabalhos relevantes que tem contribuí-
do para o desenvolvimento rural e temas afins, é um diagnóstico de que
algo mudou no campo, ou que havia obstáculos políticos, culturais, sociais,
econômicos, simbólicos e ideológicos para que nossa compreensão sobre
esse universo se alargasse e possibilitasse enxergar a diversidade e multi-
plicidade, bem como particularidades do campo, sem que partíssemos de
uma premissa do urbano e da cidade.
A realização dessa coleção, abrigou pesquisadoras e pesquisadores in-
teressadxs no tema do mundo rural baiano. Isso implica em dizer que não
há uma só orientação teórica e metodológica. São várias as experiencias
acadêmicas reunidas no pensamento crítico nas ciências, como também
foram preservados os estilos de escrita e o enfoque de cada um, cada uma.
Há, outrossim, uma premissa que orienta essa coleção. Os estudos aqui
apresentados tem conteúdo científico, portanto acadêmico, e como con-
sequência não estão entre os artigos selecionados aqueles cuja fragilidade

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

teórica ou indução ideológica levam para o lugar obscuro do negacionismo


ou do conservadorismo acadêmico, que apenas é uma face política que des-
acredita e desfavorece o conhecimento e sua amplitude.
Isso não quer dizer que falarão apenas coisas bonitas sobre o rural. An-
tes pelo contrário. Encontramos ao ler os artigos reunidos um rural com
muitos problemas e sob forte ataque da violência, degradação ambiental e
do retorno da pobreza e da miséria. Um lugar que viu crescer e perpetuar
desigualdades duradouras e profundas, diminuindo e ceifando gerações
após gerações de vida digna. É, portanto, uma Coleção comprometida com
o campo e suas populações que criticamente querem analisar e informar
sobre o rural em dinâmica plural.
Esta produção ora oferecida à sociedade, às instituições de ensino, pes-
quisa, fomento, às associações de produtores, às Comunidades, Organi-
zações da sociedade civil, Associações Populares e etc., em algum momen-
to poderá servir de instrumento metodológico para o desenvolvimento
econômico, social e cultural das mesmas populações do campo que foram
sujeitos das pesquisas e ainda para o desenvolvimento de pesquisas ulte-
riores ou formulações de políticas.
A disseminação destes resultados será encaminhada à população, prin-
cipalmente aquela que trabalha ou pesquisa diretamente com o mundo ru-
ral, na promoção do desenvolvimento rural sustentável. Pretende também
alcançar agricultores, líderes de projetos em comunidade e os aplicadores
das técnicas.
Em números, a coleção reúne 150 pesquisadoras e pesquisadoras dos
diversos centros de conhecimento e universidades de todo o Brasil, mas
também com autorias de sujeitos da sociedade civil organizada em colabo-
ração acadêmica com esses centros científicos.
Distribuídos em seis volumes, em temas que se entrecruzam, os 74 arti-
gos recebidos foram analisados e aprovados por pares, em um processo de
envolvimento e dedicação das/os organizadoras/res de cada volume.
O primeiro volume Democracia, participação e Políticas Públicas para
o campo, é organizado por Clovis Roberto Zimmermann, Danilo Uzêda da
Cruz, Diego Matheus Oliveira de Menezes e Nilson Weisheimer e estão re-
unidos artigos que dialogam com o vasto tema da participação e políticas
sociais pra o campo.
Já o segundo volume Educação, ATER e Cooperativismos: processos,
contextos sociais e aprendizagens, organizado por Lilian Freitas Fernandes

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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

Uzêda, Márcio Caetano de Azevedo Lopes, Tatiana Ribeiro Velloso, Lúcia


Marisy Souza Ribeiro e Danilo Uzêda da Cruz estão pesquisas e experiên-
cias que tratam da Educação "do", "no" e "para" o campo, tecnologias sociais
e cooperativismos.
As pesquisas e experiencias do terceiro volume organizado por Danilo
Uzêda da Cruz, Gilmar dos Santos Andrade, Jorge Luiz Nery de Santana e
Tiago Pereira da Costa, com o título de Convivência com o Semiárido: expe-
riências, vivências e transformações situam-se nas múltiplas abordagens
que o semiárido pode oferecer e sua diversidade bem como com o relacio-
namento das questões históricas, observando a convivência com o semiári-
do, agroecologia e bem viver.
No quarto volume Terra, territórios e territorialidades é organizado por
Carla Craice da Silva, Renata Alvarez Rossi, Danilo Uzêda da Cruz e Rafael
Buti traz pesquisas envolvendo a questão agrária, assentamentos e suas di-
versidades, territórios e as dimensões da identidade territorial.
Em Tensões e dilemas do Rural Baiano contemporâneo: gênero, geração
e comunidades tradicionais, estão reunidos artigos que tratam de temas de
pesquisa no campo das relações sociais de gênero, juventude, populações
de comunidades tradicionais, povos originários e quilombolas. O volume é
organizado por Lidia Cardel, Maria de Lourdes Novaes Schefler, Ubiranela
Capinan e Danilo Uzêda da Cruz
O sexto e último volume O desenvolvimento rural e o enfrentamento
às desigualdades, organizado por Danilo Uzêda da Cruz, Andreia Andrade
dos Santos, Egla Ray Passos Costa, Ivan Leite Fontes estão abordados tra-
balhos em torno da superação dos desafios e dilemas das desigualdades,
da agricultura familiar e populações do campo na Bahia, como também
indicações para pensar a renovação das políticas públicas.
Agradecemos a Pinaúna Editora por aceitar e empreender conjunta-
mente o projeto dessa coleção, mesmo em um momento tão adverso para
toda a sociedade. Em nome de todos as organizadoras e organizadores nos-
so agradecimento. Grato também as autoras e autores que enviaram seus
artigos, as organizadoras e organizadores que atuaram com muita dedi-
cação para que o projeto fosse finalizado.
É uma coleção escrita, organizada e finalizada durante um dos mais
graves momentos mundiais da história, a Pandemia do COVID 19. IO Braisl
pea ausência de políticas de contenção, negacionismos e desmobilização

18
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

empreendida pelo governo federal foi amplamente impactado, com mais


de 670 mil mortes e milhões de infectados.
Isso também nos mantém reflexivos, atentos e esperançosos por dias
melhores e mais justos.
Esperamos que as leituras e leitores gostem do resultado desse esforço
acadêmico, que é também político.
Boa leitura!

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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Nota da Editora
Carolina Dantas (Pinaúna Editora)

A Pinaúna Editora tem o enorme prazer de apresentar o resulta-


do editorial de um grande projeto acadêmico.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia reúne pesqui-
sadores de diversos centros acadêmicos de toda a Bahia e de Univer-
sidades do Sul, sudeste e Nordeste, contando com artigos de pesqui-
sadores de outros países da América Latina.
O circuito que une e enlaça os artigos diz respeito aos temas do
rural baiano e brasileiro. Estão reunidos aqui resultados de pesquisa,
individuais e de grupo, de onde partiram estudiosos já consolidados
e outros em seus momentos iniciais de pesquisa e carreira acadêmi-
ca. Aqui reside um dos grande encontros apaixonantes da coleção:
colocar em movimento pesquisas e pesquisdorxs de diversos perfis
e campos científicos em momentos distintos de partida e de chegada
na pesquisa científica.
O projeto cujo liame foi tecido com paciência pedagógica, cuida-
do e um ambiente de afetividade, foi abraçado pela Pinaúna Editora
desde que nos foi apresentado. Percebemos no projeto uma inicia-
tiva pioneira nos estudos do mundo rural na América Latina. Sua
perspectiva interdisciplinar, histórico-crítica e atenta às mudanças e
aos contextos específicos.
A Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia chega ao públi-
co em sua versão digital e gratuita e está disponível nas plataformas
21
21
Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

da Pinaúna Editora para baixar e compartilhar livremente. Essa in-


ciativa busca promover e estimular novos estudos, novas abordagens
e o acúmulo teórico-metodológico em torno dos temas da coleção.
Esperamos que a Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia
possa servir para o aprofundamento científico, além do aprimora-
mento de políticas públicas para as populações rurais em suas diver-
sas demandas sociais.
A todas as pessoas uma boa leitura!
Pinaúna Editora.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Apresentação ao Volume 2

Tatiana Ribeiro Velloso, Lúcia Marisy Souza Ribeiro, Lilian


Freitas Fernandes Uzêda, Márcio Caetano de Azevedo
Lopes e Danilo Uzêda da Cruz (organizadores)

O volume 2 Educação, ATER e Cooperativismos: processos, con-


textos sociais e aprendizagem apresenta estudos, pesquisas e expe-
riências em educação do campo e suas expressões em experiências
concretas de cooperativismos e associativismos.
No texto de abertura do volume, A Educação do Campo as auto-
ras Fabiana Marques Santos e Tatiana Ribeiro Velloso analisam a es-
tratégia de educação do campo para o fortalecimento da agricultura
familiar no semiárido baiano, partindo de anotações bibliográficas e
estudos empíricos da vivência e um enfoque a partir dos espaços es-
colares e não escolares com as ações de extensão na articulação com
o ensino, a pesquisa e as políticas afirmativas nos Cursos de Educação
do Campo do Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Susten-
tabilidade (CETENS) da Universidade Federal do Recôncavo da Ba-
hia (UFRB) no semiárido. Acertadamente as autoras compreendem
25
23
Tatiana
TatianaRibeiroV Ribeiro
elloso,Lúcia Velloso
MarisySouzaRibeiro,-Lilian
Lúcia Marisy
Freitas Souza
Fernandes Ribeiro
Uzêda,Márcio - Lilian
Caetano Freitas
deAzevedoLopesFernandes Uzêda
eDaniloUzêdada -
Cruz(organizadores)
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

que alguns paradigmas, como o agrário e as relações de disputa e de


poder atuam de forma decisiva como produtores e reprodutores da
exclusão social, contraditoriamente combatida por processos peda-
gógicos que tem a Educação do campo como norteador.
A pesquisadora Edna Maria da Silva em O papel do Estado na
extensão rural baiana: institucionalização da política estadual de
ATER analisa a institucionalização da Política de Assistência Técni-
ca e Extensão Rural do Estado da Bahia (PEATER) e a construção do
aparato governamental para a execução. Em um referencial arroja-
do partindo da leitura de Poulantzas (2000) sobre o Estado e o gover-
no, compreende que é no aparelho de Estado que acontece a “con-
densação material das relações de força”, sendo lugar central para
analisar a política de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e
suas expressões. Por meio de documentos institucionais e entrevis-
tas a autora nos informa de maneira precisa os elementos evocados
para a implantação da PEATER e os instrumentos de gestão para
sua implementação. Ainda que observe o arrojo da política, em suas
conclusões anota limitações e fragilidades que podem comprometer
o caminho percorrido e as implicações na já baixa credibilidade da
ATER pública.
Renovando o debate sobre ATER e em debate com a autora do ca-
pítulo anterior o pesquisador Marcio Caetano de Azevedo Lopes, em
Assistência técnica e extensão rural: uma agenda para o desenvolvi-
mento rural sustentável promove um novo debate sobre as relações
da ATER com a prática extensionista, passando pela construção de
uma agenda de políticas que devem ter como horizonte o desenvolvi-
mento rural sustentável. O autor nos oferece respostas a problemas
empíricos de execução da ATER e as limitações teórico-metodológi-
cas de sua efetividade diante de projetos em disputa. Concorda que
não há alternativa para a proposta de ATER fora de políticas que
combinem (sem exaurir) esforços e se complementem. O cenário
atual aponta para uma exaustão, necessitando de retroalimentação
e inovação metodológica.

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24
Apresentação ao Volume 2
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Partindo da questão/problema Porque extensão rural? Um de-


bate para a formação da (o) extensionista, tema apresentado de ma-
neira magistral pelo educador popular e pedagogo Paulo Freire no
final dos anos 1960, repercute fortemente nas formações ainda hoje.
A partir dessa formulação inicial, os pesquisadores Lilian Freitas
Fernandes Uzêda e Danilo Uzêda da Cruz relacionam a necessidade
de renovar a formação em extensão rural, as dimensões da própria
extensão e os entraves contemporâneos na práxis das ações e da vida
da (o) extensionista.
Durante muitos anos o tema da educação ambiental apareceu
fora dos centros acadêmicos e até como projeto rival ao desenvolvi-
mento. Em Educação ambiental e a transversalidade do tema meio
ambiente na prática docente dos cursos de graduação ofertados pela
UNIVASF, o grupo de pesquisadoras e pesquisadores Bruno Cezar
Silva, Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira e Marcia Bento Morei-
ra, demonstra que “os tempos são outros”. Analisando criticamente
o grupo de pesquisadores apresenta os resultados de um recorte de
pesquisa que estuda os currículos e projetos pedagógicos dos cursos
da UNIVASF, confrontando com o PDI - Plano de Desenvolvimento
Institucional, os programas das disciplinas ofertadas, e a legislação
pertinente. Apontam os resultados da pesquisa que, a despeito de
um forte apelo social e institucional, existem cursos que não forne-
cem nenhum subsídio teórico-metodológico que aborde a questão
ambiental.
Partindo de um outro campo Silvia Maria Bahia Martins em Cen-
tros Públicos de Economia Solidária na Bahia: avanços, limites e de-
safios de uma década de ação governamental de assistência técnica
a empreendimentos populares analisa a implantação do CESOLs
como instrumento de dinamização da economia solidária e da agri-
cultura familiar. Para a autora os centros, cujo investimento “não
tem precedentes na Bahia”, possibilitam que mais produtos e mais
conhecimento chegue para o consumidor final, com um forte incen-
tivo e apoio do aparato estatal. Com o olhar no retrovisor, a autora

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Tatiana
TatianaRibeiroV Ribeiro
elloso,Lúcia Velloso
MarisySouzaRibeiro,-Lilian
Lúcia Marisy
Freitas Souza
Fernandes Ribeiro
Uzêda,Márcio - Lilian
Caetano Freitas
deAzevedoLopesFernandes Uzêda
eDaniloUzêdada -
Cruz(organizadores)
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

salienta que é importante revisitar as estruturas construídas, reno-


vando as práticas par os novos tempos.
E como pensar educação do campo sem as ações das escolas de
família agrícolas? Qual o olhar e dinâmicas que as EFas estabele-
cem com suas organizações e institucionalidades? Essa é uma das
perguntas que podemos observar em Refletindo sobre educação do
campo através perspectiva associativa: contribuições da REFAISA,
estudo exploratório desenvolvido pelos jovens pesquisadoras e pes-
quisadores Alane Amorim Barbosa Dias, Anderson Moreira de Jesus,
Bruno dos Santos Silva, Seonária Costa Santana e Lucas Santos Cae-
tano. A reflexão inicial do grupo adere fortemente a razão de ser des-
se volume, qual seja, como pensar a educação do campo no processo
de desenvolvimento rural sustentável, ultrapassando o performático
e superficial das políticas? O grupo partindo da atuação da REFAISA,
nos oferece um dos elementos centrais nesse percurso, justamente
a organização política dos grupos sociais para promover processos
que qualifiquem a educação do campo.
Para os pesquisadores Raimunda Pereira da Silva, Antônio Do-
mingos Moreira e Ramofly Bicalho em Agricultura familiar: cultura
e saberes populares na comunidade do cabeça, serra de Itiúba, Bahia
a educação é um processo pedagógico, uma relação de ensino-apren-
dizagem que diz respeito precisamente aos elementos culturais e
simbólicos. Ao abordar vivencias de sujeitos e da comunidade do Ca-
beça, os autores demonstram que essa relação aparece na ATER e nas
escolhas das culturas produtivas sobretudo por se ratar de saberes e
aprendizagens que circulam na comunidade como herança cultural.
Voltando ao tema das EFAs, em Escola Família Agrícola do Ser-
tão e a contribuição no processo organizativo do extrativismo sus-
tentável do Licuri, os pesquisadores Gilmar dos Santos Andrade,
Jardel Luís Félix Pacheco, Helder Ribeiro Freitas e Luciano Sérgio
Ventin Bomfim apresentam resultados de um estudo que envolve a
EFA e sua relação no extrativismo do Licuri. Para os autores desse
capítulo há uma relação de complementariedade e emancipatória
na relação entre a EFa e o bioma Caatinga, seja porque representa o
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Apresentação ao Volume 2
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

aproveitamento de frutos e frutas sem a degradação ambiental, seja


porque o envolvimento das comunidades promove o aprofundamen-
to do associativismo e comunitarismo local. Para ao autores então
“é perceptível a importância da EFASE na atuação da valorização do
extrativismo do licuri, formação e acompanhamento às famílias e
comunidades na construção de ações efetivas para convivência com
o Semiárido e aproveitamento e beneficiamento do potencial no ex-
trativismo do licuri”.
Poucas vezes temos a oportunidade de ter artigos em diálogo, re-
fletindo dimensões distintas porque situam-se em espaços ou terri-
tórios diferentes, com populações diferentes. É o que acontece entre
o capítulo anterior e Educação popular e agroecologia: um projeto
social na comunidade de Pau Branco - município de Riacho de San-
tana/Ba onde os pesquisadores Antônio Domingos Moreira e Arlete
Ramos dos Santos apresentam resultados da pesquisa desenvolvi-
da na Associação dos pequenos Produtores Rurais de Pau Branco -
APAB, que pertence ao município de Riacho de Santana, está locali-
zado na Identidade do Território Velho Chico, na Bahia. Discutindo
e conceituando práticas da Agroecologia, a educação não formal, o
trabalho popular como princípio educativos professores se interes-
sam principalmente no processo organizativo da associação, que
tem esse pressuposto político como fundamento orgânico de suas
práticas políticas.
Partindo de dilemas contemporâneos os pesquisadores Gisélia
Silva Leonardo e Alynson dos Santos Rocha, em A pandemia da Co-
vid-19 nas Cooperativas agropecuárias da Bahia apresentam os re-
sultados e efeitos da pandemia em cooperativas baianas no ano de
2021. Ainda que não tenhamos saído do quadro pandêmico até o fe-
chamento desde volume, os autores já delinearam para aquele ano
um quadro analítico que certamente fornecerá elementos metodoló-
gicos para pesquisas futuras.
O último artigo é um balanço bibliográfico com um tema que
aparece ao longo de todo o volume. Assim, em Agricultura familiar
e assistência técnica: uma relação pretendida para a promoção do
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Tatiana
TatianaRibeiroV Ribeiro
elloso,Lúcia Velloso
MarisySouzaRibeiro,-Lilian
Lúcia Marisy
Freitas Souza
Fernandes Ribeiro
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Caetano Freitas
deAzevedoLopesFernandes Uzêda
eDaniloUzêdada -
Cruz(organizadores)
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

desenvolvimento rural sustentável, os pesquisadores Seonária Cos-


ta Santana, Alane Amorim Barbosa Dias, Anderson Moreira de Jesus
e Lucas Santos Caetano apresentam um trabalho panorâmico que
certamente servirá para muitos pesquisadores nos diversos momen-
tos da carreira acadêmica, mas também para o público em geral que
queira se informar mais sobre o tema da assistência técnica e seus
dilemas do percurso.
Desejamos s todas as pessoas interessadas nos temas que o livro
abroda, pesquisas desenvolvidas e relatos de experiências teóri-
co-práticas que o volume traz, uma excelente leitura!

Salvador, abril 2022.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Prefácio

Eliene Gomes dos Anjos

Prefaciar o volume 2 da Coleção Mundo Rural na Bahia é um


privilégio porque a obra versa sobre temas relevantes para as lutas
emancipatórias da agricultura familiar. Refletir sobre a educação do
campo, baseada nos princípios da educação popular sumarizados no
pensamento de Paulo Freire, a assistência técnica e extensão rural
(ATER), concebida de forma democrática e participativa, e as práti-
cas associativas da população do campo e suas organizações coope-
rativas é desafiador em uma conjuntura nacional de desmonte das
políticas públicas de desenvolvimento rural sustentável.
Os capítulos do livro que tratam da educação do campo demons-
tram a disputa e a articulação política em torno de um paradigma
que possibilite o enfrentamento da questão agrária. Esta realidade é
constatada em diversas instituições, sobretudo em algumas univer-
sidades e nas escolas famílias agrícolas (EFAs), que implementaram
nos seus currículos a educação da população do campo de forma
contextualizada e ancorada na diversidade do conhecimento. Essas
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Tatiana
Eliene Gomes dosRibeiro
Anjos Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

experiências revelam uma descontinuidade com os processos de do-


minação e subordinação que caracterizam a educação rural.
A formação em educação do campo, nesse contexto, valoriza não
somente o espaço escolar, mas, também, o espaço não escolar, como,
por exemplo, a adoção da pedagogia da alternância, uma experiên-
cia que rompe com os paradigmas do capitalismo agrário e valori-
za a cultura dos sujeitos que preservam o modo de vida familiar. Os
capítulos que versam sobre esta problemática revelam que há uma
articulação de diversos movimentos sociais vinculados à agricultura
familiar que reivindicam a educação do campo aliada às lutas em
prol da sustentabilidade do meio ambiente. Ademais, apontam as
práticas agroecológicas como possibilidade de produzir sem os agro-
tóxicos tão prejudiciais à saúde e ao clima, tanto quanto estratégia
de organização social que concilia formas sustentáveis de produzir,
convivência harmoniosa com o meio natural e superação das diver-
sas formas de desigualdades que impõem limites na autodetermi-
nação dos povos do campo.
Uma educação coerente com os pressupostos emancipatórios
da população do campo não prescinde de uma autocrítica, por isso,
percebe-se que a teoria crítica perpassa a reflexividade dos pesqui-
sadores quando constatam a necessidade de rever os currículos e
a própria formação dos docentes que os elaboram e ministram. Os
questionamentos ao percurso formativo dos profissionais que irão
atuar como educadores ou extensionistas são fundamentais para
aliar a teoria e a prática no processo de ensino aprendizagem, como
proposto pela curricularização da extensão nas universidades pú-
blicas. Mas, também, é preciso repensar a formação continuada dos
docentes que assumem o papel de serem facilitadores entre o con-
hecimento acadêmico e a experiência dos povos que secularmente
produzem e reproduzem seus modos de vida.
Nesse contexto, cabe destacar que as experiências das EFAs, or-
ganizadas em redes colaborativas ou não, representam a ação cole-
tiva dos segmentos da agricultura familiar para proporcionar uma
formação qualificada e contextualizada. Estimulam o pensamento
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30
Prefácio
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

crítico e comprometido com a inserção protagonista dos próprios


educandos, além de pautar as necessidades específicas dos espaços
rurais para o desenvolvimento comunitário.
Para superar a situação de vulnerabilidade socioeconômica que
persiste nas comunidades rurais da Bahia, é necessária uma coalizão
de ações integradas que vão além de reivindicar uma educação con-
textualizada com as experiências da população do campo. É por isso
que as reflexões sobre a formulação e implementação da assistência
técnica e extensão rural, objeto de análise com perspectivas teóri-
co-metodológicas distintas nesta obra, demonstram a complexidade
deste tema de pesquisa. A descentralização dos serviços de ATER na
Bahia, sob o argumento de maior participação das organizações da
sociedade civil na concepção desta política, não a isentou de contra-
dições e descontinuidade. É fato que constatamos inovações nesta
área no estado, como a assistência gerencial promovida pelos Cen-
tros Públicos de Economia Solidária (Cesol), mas velhos problemas
persistem e são refletidos com muita lucidez ao enfocar as con-
cepções sobre a formação dos extensionistas e, mais ainda, sobre a
disputa da ATER como uma obrigação do Estado que não pode ser
terceirizada sob o argumento de aproximá-la mais da realidade da
agricultura familiar com a parceria estabelecida com suas organi-
zações representativas.
Os capítulos que versam sobre a ATER convergem em um aspecto:
a assistência técnica e extensão rural na Bahia, resultado da parce-
ria dos órgãos governamentais com as entidades da sociedade civil
habilitadas para prestarem esse serviço, não tem perenidade, sua
atuação é incipiente e ainda focada no manejo produtivo. A diversifi-
cação dos canais de comercialização, um dos maiores gargalos para
a agricultura familiar, exige uma orientação técnica que considere
o aperfeiçoamento da gestão associativa como elemento primordial
para acessar mercados. Na formação das equipes de ATER, a con-
cepção multidisciplinar precisa estar presente no perfil do profissio-
nal extensionista, seja no âmbito do órgão público ou da sociedade
civil. Faz-se necessário construir um planejamento estratégico que
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Tatiana
Eliene Gomes dosRibeiro
Anjos Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

considere as diversas áreas de gestão para que o processo organiza-


cional não continue sendo um dos grandes dilemas das associações e
cooperativas da agricultura familiar.
São as cooperativas e as associações que fortalecem os aspectos
produtivos, comerciais, econômicos e socioambientais dos agricul-
tores familiares. Nesta perspectiva, é preciso elaborar políticas de
ATER que incorporem os formativos associativos e cooperativos
porque são eles que dinamizam as comunidades rurais, ampliam a
produção e introduzem a preocupação com o meio ambiente. São as
associações comunitárias rurais e as cooperativas que se constituem
em vetores de incidência política, pois defendem um modelo de des-
envolvimento com estimulo local e territorial, preservando as sin-
gularidades presentes no modo de vida dos diversos agrupamentos
designados como agricultores familiares.
Constatar a importância das práticas associativas e cooperativas
não impede a realização da ATER nos estabelecimentos familiares.
Ao contrário, o poder público, juntamente com a participação de
diversos atores sociais, está desafiado a formular e implementar a
política de ATER que responda à demanda heterogênea e inclua a
qualificação multidisciplinar e contextualizada nas equipes técnicas
que irão atuar em campo. Para ter êxito, será preciso que a sociedade
civil admita que o Estado brasileiro continua representando o capi-
talismo agrário e que a alternativa para aqueles que resistem é a or-
ganização associativa e cooperativa para continuar existindo.

Dra. Eliene Gomes dos Anjos, Doutora em Ciências Sociais,


professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(UFRB), docente permanente do Mestrado Profissional em
Gestão de Políticas Públicas e Segurança Social. Membro da
Incubadora de Empreendimentos Solidários da UFRB, do
Grupo de Pesquisa Desenvolvimento da Agricultura Familiar
e da Agroecologia (DAFAG) e da Associação Brasileira de
Pesquisadores em Economia Solidária - ABPES.

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32
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

A Educação do Campo:
a agricultura familiar do semiárido baiano no proje-
to pedagógico no ensino superior

Tatiana Ribeiro Velloso, Fabiana Marques Santos, e Kássia Aguiar Norberto Rios

Introdução

A partir da década de 1960 ocorreu uma profunda transformação


na agricultura brasileira, em que se intensificou o modelo de pro-
dução hegemônico, de caráter técnico do sistema de produção capi-
talista. Esse modelo teve como finalidade a implantação de um pa-
cote tecnológico, voltado para elevação da produtividade como uma
política indutora, em uma modernização considerada conservadora
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TatianaVelloso,
Tatiana Ribeiro Ribeiro Fabiana
Velloso - Lúcia Marisy
Marques Souzae Ribeiro
Santos, Kássia -Aguiar
Lilian Freitas
NorbertoFernandes
Rios Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

que intensificou o quadro de concentração e de exclusão social his-


tórica no campo, e configurou novas paisagens no contexto urbano
(VELLOSO, 2013).
Essa modernização foi denominada de Revolução Verde, com-
preendida como um conjunto de inovações de base técnica, voltadas
para a produção de alimentos no campo, que tem como base um pa-
cote tecnológico de utilização de agrotóxicos, fertilizantes, sementes
híbridas e insumos químicos. Caporal (2008) afirma que a Revolução
Verde contribuiu para aumentar a produção e a produtividade de
cultivos e criações, mas ao mesmo tempo responsável por causar da-
nos ambientais e intensificar níveis de exclusão social do campo.
Ainda assim, esse contexto evidencia a metamorfose entre técni-
ca e capital e utilização de venenos como indução para aumento de
produtividade, o que significou a intensificação do capitalismo no
campo (GONÇALVES, 1999). Essa entrada traz como consequência a
ampliação das desigualdades sociais e econômicas no Brasil, ao mes-
mo tempo em que garantiu a dependência de uma matriz urbana in-
dustrial para o setor primário (agricultura e pecuária).
Santos e Silveira (2001) afirmam que esse sistema trouxe ino-
vações para os territórios na organização do trabalho, com mu-
danças profundas nas relações econômicas, sociais, culturais e éti-
cas. Essas alterações estão na introdução de maquinários e insumos
químicos de empresas transnacionais, com um ideal de um desen-
volvimento de matriz conservadora e excludente que permeia todo o
sistema social para sua garantia.
Neste período, todo o sistema social promovido pelo Estado bra-
sileiro, a partir da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), a
educação, o crédito, as políticas agrícolas, entre outros, foram cana-
lizadas para a garantia da implementação desta matriz tecnológica
conservadora e excludente. Especialmente na educação, importante
destacar o papel da educação rural promovido para os sujeitos do
campo, com a concepção de promoção de uma “escolarização” vol-
tada para a qualificação manual de trabalhos desempenhados pelos
sujeitos do campo do modo de vida familiar, como garantia de mão
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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

de obra em propriedades rurais sob exploração de uma elite agrária


(SIMÕES; TORRES, 2011).
Esse modelo no semiárido brasileiro ainda traz uma matriz de
combate a seca que tem como principal medida o acúmulo de água
e a utilização de práticas produtivas de devastação do bioma da ca-
atinga com a redução e a perda de habitat, bem como de arrefeci-
mento da diversidade biológica. Ramalho (2008) afirma que estudos
comprovam que a caatinga é caracterizada por um conjunto de ecos-
sistemas com um vasto número de espécies endêmicas, considerada
como um patrimônio biológico inestimável.
O semiárido não pode ser reduzido apenas às condições de vege-
tação, de sol, de água ou de clima, mas se caracteriza como processo
social de riqueza de um povo, com sua arte e cultura, política e his-
tória e de condições naturais próprias que necessitam de políticas
adequadas aos seus agroecossistemas. Assim, a convivência com
o semiárido se “aprende a conviver”, a partir da ressignificação do
modo que o sujeito do campo sertanejo lida com o seu ambiente na-
tural, em agroecossistemas de base familiar e comunitária. Essa con-
vivência é baseada na integração das tecnologias sociais e dos sabe-
res locais, com desenvolvimento de ações inovadoras e exitosas que
possam contribuir para assegurar direitos básicos relacionados com
o acesso à água, à terra e às condições apropriadas de infraestrutura
e de serviços, baseadas em uma perspectiva de inclusão e de supe-
ração da pobreza, a partir do fortalecimento da agricultura familiar.
Neste sentido, o trabalho traz referências em uma educação
com os princípios emancipatórios de inclusão e de reconhecimento
da agricultura familiar como sujeito de sua própria identidade no
contexto de convivência com o semiárido, garantindo a inclusão da
questão agrária nos currículos, em espaços escolares e não escola-
res de maneira integrada. A Educação do Campo segue o paradigma
da questão agrária, a partir da agroecologia, da economia solidária
e das tecnologias sociais para a ruptura do modelo vigente da edu-
cação rural, que vigora uma visão estritamente para a qualificação

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Marques Souzae Ribeiro
Santos, Kássia -Aguiar
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Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

profissional e a inserção no mercado de trabalho da agricultura


familiar, especialmente focado em soluções técnicas de combate a
seca.
Essa educação é tratada tanto no espaço escolar como não esco-
lar, que traz na experiência da Universidade Federal do Recôncavo
da Bahia (UFRB) as ações acadêmicas de ensino, de extensão, de pes-
quisa e de políticas afirmativas materializada na Pedagogia da Alter-
nância, no Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Sustentabili-
dade situado no campus de Feira de Santana, no Território do Portal
do Sertão.
A Educação do Campo na UFRB traz como perspectiva para a for-
mação dos sujeitos do campo, a garantia do direito de acesso ao ensi-
no superior, mas não apenas “enquanto modalidade de ensino, mas
enquanto proposta política pedagógica, na implicação da universi-
dade para um projeto de sociedade, com perspectiva de promover a
transformação das condições históricas de desigualdades dos povos
do campo no contexto do desenvolvimento agrário” (VELLOSO; DIÓ-
RIO; CHAGAS, 2020, p. 153).
A Educação do Campo coaduna com os propósitos de criação da
UFRB, em que considera que o acesso ao ensino superior deve ser
implicado com uma formação crítica e com compromisso em contri-
buir com a transformação da realidade histórica de desigualdades e
de exclusão a que foram submetidos os povos do campo.
Os cursos da Educação do Campo do CETENS (localizado em Fei-
ra de Santana, município do Território do Portal do Sertão), assim
como a maioria dos seus discentes estão situados em municípios do
semiárido. O semiárido brasileiro ocupa 11% do território nacional
com abrangência nos estados do Nordeste e o norte de Minas Gerais,
que prevaleceu, desde o Brasil Colônia, a visão de se combater o fenô-
meno climático da seca com grandes obras hídricas, com a manu-
tenção de desigualdades de acesso às riquezas naturais – terra e água
(CONTI; PONTEL, 2013).
A visão do semiárido como “inviável” e os povos do campo como
“incapazes” foram estratégias da manutenção das desigualdades,
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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

especialmente com políticas assistencialistas com “doações, esmo-


las, distribuição de víveres, carros-pipa e ações semelhantes”, como
atos de bondades para permanência de dependência e de subordi-
nação (BAPTISTA; CAMPOS, 2013, p. 53).
Assim, tratar da Educação do Campo no contexto do semiárido
traz a discussão do paradigma da questão agrária de uma política de
convivência, estabelecida pela organização dos movimentos sindi-
cais e sociais do campo para uma ruptura de dominação. Destaca-se,
a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) que é representada por
mais de três mil destas organizações dos dez estados brasileiros que
compõem o semiárido. A ASA se configura como uma rede que “de-
fende, propaga e põe em prática, inclusive através de políticas públi-
cas, o projeto político da convivência com o Semiárido”, na garantia
de políticas de valorização dos povos do campo e de seus conheci-
mentos configurados pelas tecnologias sociais que promovem a se-
gurança alimentar e nutricional (ASA, 2022, p.1).
Esse contexto apresenta um importante debate da educação na
estrutura universitária da UFRB, através dos cursos de Educação do
Campo no campus de Feira de Santana, que além de proporcionar
inovações pedagógicas através da inclusão da Pedagogia da Alter-
nância de maneira institucional, possibilita a relação indissociável
entre ensino, pesquisa, extensão e ações afirmativas nos dois tempos
formativos: o tempo universidade e o tempo comunidade. Esses tem-
pos/ espaços de aprendizagens possibilitam integrar a formação dos
sujeitos do campo, ao mesmo tempo em que exigem uma concepção
de organização pedagógica e curricular que respeite as especificida-
des culturais e históricas do modo de viver e de produzir.
Esse artigo propõe a contextualização da Educação do Campo no
semiárido baiano, com a formação em princípios emancipatórios
de inclusão e de reconhecimento dos agricultores familiares como
sujeitos de sua própria identidade na convivência com o semiárido.
Para tanto, na estrutura busca compreender: os paradigmas existen-
tes da educação rural no capitalismo agrário e da Educação do Cam-
po no paradigma da questão agrária; e as experiências dos cursos
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TatianaVelloso,
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da Educação do Campo, no campus de Feira de Santana da UFRB,


em que as temáticas referenciais da agroecologia, das tecnologias
sociais e da economia solidária no contexto de convivência com o
semiárido, contribuem para a formação de sujeitos do campo e das
estruturas universitárias implicadas com a transformação social.
A metodologia utilizada é de abordagem qualitativa, desenvol-
vida de forma exploratória, com pesquisa bibliográfica e de campo,
esta última através de vivências nos espaços escolares e não escola-
res com as ações de extensão na articulação com o ensino, a pesqui-
sa e as políticas afirmativas nos projetos de intervenção (extensão)
dos cursos de Educação do Campo do CETENS/UFRB na região do
semiárido. Essas vivências foram oportunizadas para as autoras,
enquanto docentes da Educação do Campo, através do acompanha-
mento da construção dos projetos de intervenção, a partir do Diag-
nóstico Rural Participativo (DRP) como instrumento que possibilita
a relação dialógica entre a comunidade e a universidade, mediada na
integração do ensino, da pesquisa e das ações afirmativas.
Apesar dos avanços na garantia da Educação do Campo no ensi-
no superior, compreende-se ainda as condições históricas tanto das
comunidades e de seus sujeitos nas estruturas universitárias, como
da própria universidade que apresenta limites estruturantes para
garantia da formação dos sujeitos do modo de vida familiar de con-
vivência com o semiárido como questão central para os processos
formativos integrados em curso na UFRB.

Os sujeitos do modo de vida familiar no campo

A agricultura familiar foi considerada até a década de 1980, ape-


nas como agricultura de baixa renda ou de subsistência, reflexo do
processo de formação histórica do Brasil colônia. Muitas termino-
logias foram utilizadas ao longo da história para denominar o sujei-
to do campo do modo de vida familiar, que também reflete políticas
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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

direcionadas para o segmento: pequeno produtor, lavrador, agri-


cultor de subsistência, camponês, pequeno agricultor e agricultor
familiar.
O termo agricultura familiar tem sua materialização após rede-
mocratização do país, em 1985, e em 1995, com a criação do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF e do
Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA1, em 1999. Entretan-
to, entende-se que esse termo se consolida e se difunde nos diferen-
tes setores da sociedade, utilizado como guarda-chuva conceitual,
que abriga grande número de situações, em contraposição à agricul-
tura patronal, tendo como ponto focal da polarização o tipo de mão
de obra e de gestão empregadas (ALTAFIN, 2007).
A agricultura familiar tem a regulamentação pela Lei no. 11.326 de
2006, que necessariamente é aquele que utiliza mão de obra exclusi-
vamente ou quase familiar, com propriedade até 4 módulos fiscais, e
que sua renda é retirada do trabalho na sua propriedade, com gestão
familiar na sua forma de organização. Wanderley (1999, p. 40) afirma
que:

Há um consenso de que as populações que vivem nas áreas rurais


brasileiras, é bastante diversificada, tomando referência às formas
de ocupação do espaço, as tradições acumuladas e as identidades

1
Em 2016, houve a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e a
criação da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário
– SEAD, vinculada à Casa Civil do Governo Federal. Em 24 de janeiro de 2018, a SEAD
foi extinta, e toda a estrutura e suas políticas e programas da agricultura familiar
foram integradas ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA. A
criação, em 1999, do MDA foi na “garantia de outro espaço de interlocução e de ope-
racionalização no Governo Federal para os programas governamentais e as políticas
públicas orientadas para o setor rural denominado de agricultura familiar. É que o
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA representa, historica-
mente, o segmento patronal rural. Essa separação entre agricultura familiar e agricul-
tura patronal ou agronegócio buscou estabelecer diretrizes específicas no contexto
da dinâmica particular de cada realidade: a primeira, a partir do modelo familiar de
relação íntima entre trabalho e gestão, com ênfase na diversificação produtiva; e a
segunda, com a completa separação entre trabalho e gestão, com ênfase na especiali-
zação produtiva” (VELLOSO, 2013, p. 131).

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afirmadas. Assim fazem do meio rural um lugar de vidas de famí-


lias, que tiram seu sustento de distintas atividades, autônomas ou
combinadas entre si, que as definem como pequeno ou médios agri-
cultores, proprietários ou não das terras que trabalham; os assenta-
mentos de projetos de reforma agrária; trabalhadores assalariados
que permanecem residindo no campo; povos da floresta; dentre os
quais; agroextrativistas; caboclos, ribeirinhos, quebradeiras de coco
babaçu; açaizeiros, seringueiros; as comunidades de fundo de pasto;
gerazeiros; trabalhadores dos rios e mares, como os caiçaras; pesca-
dores artesanais e ainda comunidades indígenas e quilombolas.

O IBGE (2017) apresenta a importância na produção de alimen-


tos por parte da agricultura familiar, que se constitui a base econô-
mica de 90% dos municípios brasileiros com até 20 mil habitantes,
com 40% da população economicamente ativa e ainda com 70% dos
brasileiros que vivem no campo. Destacam-se a produção de 87% da
mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café e 34% do arroz
produzidos no Brasil por parte da agricultura familiar, assim como
os empreendimentos familiares que têm atividades na pecuária, res-
ponsáveis por 60% da produção de leite, 59% do rebanho suíno, 50%
das aves e 30% dos bovinos do país, com a responsabilidade de abas-
tecimento de 70% dos alimentos consumidos no país.
Segundo o IBGE (2017), no Brasil existem 3,9 milhões de estabe-
lecimentos agropecuários da agricultura familiar que representam
77% do total de estabelecimentos, mas que ocupam apenas 23% da
área total ocupada por estabelecimentos rurais. Representa 67%
do pessoal ocupado em agropecuária no Brasil, em que 46,6% loca-
lizam-se na região nordeste e 13,9% na Bahia. Esses dados demons-
tram que a agricultura familiar exerce importante função social e
econômica, com a geração de trabalho e renda, com a melhoria da
dignidade humana para os sujeitos do campo e da promoção da se-
gurança alimentar e nutricional, apesar das condições de concen-
tração fundiária no Brasil.

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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Esse problema estrutural de acesso à terra, está vinculado histo-


ricamente (Lei de Terras de 18502) em formalizar as posses das terras
para uma elite agrária, sendo excluídos os sujeitos do campo que re-
presentam o modo de vida familiar (VELLOSO, 2013). Nesta dinâmi-
ca, Martins (1995) considera que entender o campo brasileiro precisa
atribuir a história da expropriação dos sujeitos do campo represen-
tados pela agricultura familiar, mas também de intensificação em
transformar estes sujeitos em proletários assalariados.
Fernandes (2005) afirma que o campo brasileiro tem desafios
estruturais, em que prevalece o contexto do capitalismo agrário na
realidade brasileira. Essa realidade precisa ser compreendida na
relação histórica que traz a marca do modelo agroexportador com
grandes propriedades e produção a base da monocultura, e ainda
com a herança escravocrata. Além disso, o contexto da Revolução
Verde na implantação de um pacote que traz uma matriz tecnológi-
ca que reproduz o caráter mercantilista-escravista na relação com o
campo. As legislações que regulamentam esta matriz de produção,
desde a década de 1960, vieram no arcabouço das políticas públicas
de garantia de implementação de uma matriz vinculada ao capitalis-
mo agrário.

No século XX, foram propostos novos modelos na produção agríco-


la, especialmente no pós 2ª Guerra Mundial. A agricultura moderna
passou a ter como principal corrente a Revolução Verde, difundida
por governos, organismos internacionais, Universidades, centros de
pesquisa agropecuária e pelas empresas produtivas de insumos (se-
mentes híbridas, fertilizantes sintéticos e agrotóxicos). Tendo como

2
A Lei de Terras, em 1850, visou formalizar as posses das terras, no período do fim
do tráfico de escravos. Se todos (ex-escravos, brancos que não tinham propriedade,
pequenos agricultores) tivessem condições de comprar e regularizar a posse da terra,
não haveria mão de obra para substituir o sistema escravista. Após a abolição, o Brasil
oferece incentivos à imigração e existe o movimento de pobres e ex-escravos expulsos
do campo para as cidades para o trabalho em subempregos, com início da criação de
bolsões de pobreza nas cidades (VELLOSO, 2013, p. 124).

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suporte financeiro o Banco Interamericano e Banco Mundial (ZAM-


BERLAM; FRONCHETI, 2012, p. 26)

Este modelo foi implantado sob o pretexto de aumentar a produ-


tividade no campo para a eliminação da fome em escala mundial e
nacional, baseada na utilização de um pacote tecnológico (agrotóxi-
cos, fertilizantes, sementes híbridas, insumos químicos e sementes
híbridas que depois passaram a ser de organismos geneticamente
modificados). Esse pacote traz a centralidade do paradigma do capi-
talismo agrário, produzido por corporações multinacionais, rigoro-
samente padronizadas e massificadas as regiões do globo.
Lopes e Albuquerque (2018) em seus estudos sobre o uso dos agro-
tóxicos produzidos por corporações multinacionais, afirmam que o
Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo e em dados
científicos que a exposição e simultânea a diversos agrotóxicos cau-
sam impactos na contaminação do ecossistema, com consequências
graves na saúde humana e ambiental.

O Brasil possui, desde a década de 1970, legislações que regulamen-


tam o registro, a produção, o uso e o comércio dessas substâncias em
seu território. Além da relativa frouxidão, que marca tais processos,
exemplificada pela liberação de produtos proibidos em diversas re-
giões do planeta, a grande fragilidade está na fiscalização e nas me-
didas adotadas para que tais legislações sejam cumpridas. Diante de
tal cenário, propôs-se o presente estudo, no sentido de conhecer os
rumos da investigação científica acerca do uso de agrotóxicos e sua
relação com a saúde (LOPES; ALBUQUERQUE, 2018, p. 519).

A modernização conservadora proporcionou a ocorrência do


aumento da produtividade tanto para o mercado interno como ex-
terno, mas ao mesmo tempo intensificou as disparidades e a con-
centração de renda, a ocorrência massiva do êxodo rural e degradou
a qualidade de vida dos sujeitos do campo da classe trabalhadora.
Observa-se que no período da modernização conservadora houve a
inversão da população do meio urbano e rural, em que a população
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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

rural passou de 70% para 30% no contexto brasileiro. Essa mudança


provocou o êxodo rural, e Palmeira (1989, p. 91) destaca que viabili-
zou a formação de um proletariado, em que “por paradoxal que pos-
sa parecer, que o acesso à propriedade de uma parcela de terra pode
ser, muitas vezes, não a preliminar da expropriação, como no caso
anterior, mas a expressão dela própria, ao implicar na liquidação da
possibilidade de acesso do novo proprietário à mata, à lenha, à água,
a pastos de utilização coletiva”.
Palmeira (1989) afirma que o principal instrumento da moderni-
zação conservadora promovida pelo Estado brasileiro foi o crédito
subsidiado, e no semiárido ainda com as grandes obras hídricas e
hidrelétricas e de perímetros irrigados empresariais que excluíram
os sujeitos do campo da classe trabalhadora. O autor ainda aponta
que essa modernização beneficiou os latifundiários tradicionais na
permanência do modelo agroexportador, com o esvaziamento do
campo com o incentivo para o êxodo rural, ao mesmo tempo que traz
uma referência urbanocêntrica para o meio rural.
O uso de uma matriz tecnológica de insumos químicos, agrotó-
xicos, sementes híbridas e mais adiante com os organismos geneti-
camente modificados é a base para as grandes propriedades rurais
do agronegócio, mas há registros de utilização nas pequenas pro-
priedades, onde agricultores familiares ainda têm influência para
serem considerados competitivos pela necessidade de aumento de
produtividade nas suas propriedades. Esse paradigma não leva em
consideração a natureza do trabalho familiar, mas a ausência de
condições para a sua reprodução, seja pela existência de minifún-
dios, como também de uma matriz tecnológica adequada para seu
modo de vida.
Soares (2000/2001) denuncia que as próprias regras embutidas
por políticas de crédito muitas vezes desconsideram o potencial
preservacionista do agricultor familiar que é conduzido ao uso de
sistemas produtivos inadequados à sustentabilidade ecológica. A
importância da agricultura familiar está na geração de riquezas e
de trabalho e renda, como também no abastecimento de alimentos
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internamente no Brasil e na relação com a conservação e a preser-


vação da natureza.
Desta forma, o conjunto de instrumentos de políticas que venha
atender as necessidades dessa categoria, como: reforma agrária, cré-
dito, extensão rural e Educação do Campo são essenciais para garan-
tir aos agricultores familiares, ampliação de suas potencialidades na
realização de suas funções sociais, econômicas, políticas, culturais e
ambientais (SOARES, 2000/2001).
No contexto da educação, há de se contrapor a educação rural
voltada para a qualificação da mão de obra dos sujeitos do campo
para manutenção das condições de exclusão, em uma matriz de ca-
ráter técnico do paradigma do capitalismo agrário. Esse paradigma
tem na sua estrutura a matriz escravocrata, latifundiária e centrali-
zada no poder das oligarquias que reflete o tratamento da educação
como uma política compensatória, ao mesmo tempo em que nega
os aspectos da identidade e da produção cultural, social, política e
econômica dos sujeitos do modo familiar.
Portanto, a Educação do Campo torna-se referência e que integra
os espaços escolares e não escolares, a partir de uma matriz de vín-
culo entre conhecimentos, saberes e valores, e que devem superar a
visão setorializada e hierarquizada da matriz de inovação tecnoló-
gica de base do paradigma do capitalismo agrário (CALDART, 2012).

Paradigmas no campo: educação do campo e educação rural

A agricultura de base familiar estrutura seu modo de vida, modo


de produção simultaneamente e estrutura suas estratégias de pro-
dução e reprodução, buscando integrar as esferas da vida econômi-
ca, social, ambiental e cultural em um todo coerente e indivisível
(CHAYANOV, 1981). É um segmento que historicamente enfrenta de-
safios estruturais de exclusão, e que tem resistido a este movimento,
mas que traduz contradições que precisam ser superadas.
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A Educação do Campo
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Martins (1995) aborda na necessidade de compreender o mundo


rural brasileiro: de um lado, o agronegócio com a matriz do paradig-
ma do capitalismo agrário dos grandes proprietários de terras, que
historicamente dominam os recursos da natureza do campo, com
inserção de tecnologias voltadas para o aumento da produtividade
e da lucratividade; e de outro, a agricultura familiar, no contexto da
questão agrária, concebida na sua reprodução social por sujeitos do
campo, resilientes ao processo de exclusão que sofrem historicamen-
te no campo. Esses dois mundos retratam movimentos educacionais
distintos na realidade do campo, respectivamente entre a educação
rural e a Educação do Campo.
Fernandes e Molina (2004) buscam compreender a educação do
campo, a partir de reflexões sobre as diferenças com a Educação Ru-
ral. Essa compreensão parte das análises de Fernandes (2005) quan-
do aborda sobre a diferença entre os modelos de educação, que estão
vinculados a diferentes paradigmas de modelo de desenvolvimento
rural: o paradigma do capitalismo agrário; e o paradigma da questão
agrária.
Fernandes (2005, p. 7) descreve que a educação rural tem a pers-
pectiva do paradigma do capitalismo agrário, em que a educação é
como uma “forma de inserção no modelo de desenvolvimento pre-
dominante, no caso: o agronegócio”. O autor ainda problematiza que
a educação tem vinculação direta com o seu desenvolvimento, com
o entendimento como um território. Fernandes e Molina (2004, p.
1) analisam o território como “espaço político por excelência, cam-
po de ação e de poder, onde se realizam determinadas relações so-
ciais”, como conceito fundamental para compreender os enfrenta-
mentos entre a agricultura familiar e o agronegócio, com distintos
paradigmas.
O capitalismo agrário tem na modernização conservadora a mar-
ca da substituição da escola pela presença dos serviços de Assistên-
cia Técnica e Extensão Rural - ATER, em um processo educativo ins-
trumentalizado de qualificação para inserção dos sujeitos do campo
do modo de vida familiar para o pacote tecnológico. Esse período
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foi marcado por um processo de industrialização e da existência do


analfabetismo no país, e que a educação tinha influência norte-ame-
ricana, por meio de agências de fomento que contavam com o apoio
do Ministério de Educação (MEC), em que a educação rural tinha a
justificativa de integrar esses sujeitos ao progresso.
A educação rural garante os consumidores dos produtos agrope-
cuários, homogeneizando as práticas para eliminação dos saberes
acumulados pela experiência sobre o trabalho com a terra dos sujei-
tos de campo do modo de vida familiar. Essa dinâmica é percebida
nas ações de políticas de combate à seca, em que a matriz tecnológica
é de acumulação hídrica em grandes obras, e sem necessariamente a
ação de sua distribuição.
A política de convivência com o semiárido contrapõe diretamente
com essa matriz, em que prioriza a participação social na construção
de estratégias de emancipação, que se fundamenta na valorização
dos saberes, dos conhecimentos e do modo de vida dos sujeitos de
base familiar. Portanto, desempenham alternativas de tecnologias
sociais de inclusão social e econômica, com princípios de preser-
vação ambiental e de respeito à cultura e à identidade desses sujeitos
(CONTI; PONTEL, 2013).
As políticas de convivência com o semiárido contrapõem as ações
de “combate à seca”, que historicamente constroem um imaginário
social para retratar o fenômeno climático como algo estático e trági-
co, ao mesmo tempo para enaltecer a imagem pública e política de
investimentos que alteram as condições de desigualdades e de ex-
clusão criadas pelo ciclo da indústria da seca.
Neste sentido, Fernandes (2005) afirma que a concepção do terri-
tório da agricultura familiar está em disputa enquanto paradigma
da questão agrária, vinculada à luta por transformação das relações
conservadoras que foram impostos aos povos do campo do modo
de vida familiar. Fernandes e Molina (2004, p. 4) afirmam que a luta
destes sujeitos por um paradigma que trata de rupturas e de trans-
formações tem que considerar a lógica do paradigma do capitalismo
agrário.
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Ao excluir dados, exclui o que não reconhece como verdadeiro para


si, as ideias divergentes. Por isso torna-se difícil identificar a comple-
xidade do campo no Brasil a partir do paradigma do rural tradicio-
nal, porque somente situa interesses no interesse do capital econô-
mico. O que excluiu não existe na modernidade: a lógica do mundo
rural, saberes e práticas alternativas. Trabalhadores e suas técnicas
são vistos como improdutivos, excluídos, seus territórios não exis-
tem, exatamente porque o paradigma não entende o campo como
território de vida. É preciso deter-se nessa questão, porque o paradig-
ma não existe em si; só o vemos em suas manifestações (FERNAN-
DES; MOLINA, 2004, p.4).

De acordo com Chesnais (1996), a permanência dos sujeitos do


modo de vida familiar na terra e sua reprodução social se encontram
ameaçada por este modelo tecnológico do capitalismo agrário. Assim
sendo, a reprodução social dos sujeitos do campo que garantam uma
agricultura comprometida com a vida, passa a exigir uma mudança
também no modelo de educação oferecida à classe trabalhadora do
campo na perspectiva de emancipação humana.
Neste sentido, é necessário repensar o papel do espaço escolar da
educação que por mediações de natureza diversa, insere-se no mo-
vimento geral do capital e profundamente articulado com os inte-
resses capitalistas. Ao repensar o espaço escolar da educação o seu
projeto deve estar associado aos interesses da classe trabalhadora,
pois, conforme nos apresenta Frigotto (2010), esse espaço se articula
com interesses capitalistas, que determina a separação entre capital
e trabalho, trabalho manual e intelectual, mundo da escola e mundo
do trabalho.
A Educação do Campo representa a contraposição de um proje-
to hegemônico do capitalismo agrário, aos quais os princípios da
agroecologia, da economia solidária e das tecnologias sociais que
precisam permear os espaços escolares e não escolares da educação.
A agroecologia fornece bases científicas, metodológicas e técnicas
para uma nova revolução agrária não só no Brasil, mas no mundo

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que coaduna com a Educação do Campo quando questiona o atual


modelo de educação oferecido aos povos do campo (ALTIERI, 2012).
A agroecologia é tanto uma ciência quanto um conjunto de práti-
cas de reconhecimento e de respeito aos diferentes saberes e propõe
a criação de interconexões entre conhecimentos tradicionais e os
conhecimentos científicos. Seus princípios básicos incluem: a subs-
tituição de insumos externos; a melhoria de matéria orgânica e da
atividade biológica do solo; a diversificação das espécies de plantas e
dos recursos genéticos dos agroecossistemas no tempo e no espaço; a
integração de culturas com a pecuária; e a otimização das interações
e da produtividade dos sistemas agrícolas como um todo, ao invés
de rendimentos isolados obtidos com uma única espécie (ALTIERI,
2012).
A economia solidária tem referência em princípios de igualdade,
participação comunitária, justiça social, solidariedade e liberdade
que surge das experiências da classe trabalhadora que ao longo da
história, em diversos países, vêm procurando alternativas frente à
desigualdade e à marginalização produzidas pela competição e re-
lações de subordinação características do modo de produção capita-
lista (SINGER, 2000). Essas organizações podem ser associações ou
cooperativas ou em grupos comunitários que buscam de maneira
coletiva a sobrevivência imediata, a garantia de trabalho e a defesa
da própria dignidade, a partir de uma nova convivência humana as-
sentada nos ideais democráticos.
As tecnologias sociais são desenvolvidas em interação com a po-
pulação que se apropriam das mesmas e consideradas como produ-
tos, métodos ou técnicas de baixo custo, de fácil aplicabilidade, de
simplicidade e que promovam melhoria das condições de vida (ITS
BRASIL, 2004). Segundo Gualdania e Sales (2016, p. 88),

uma das estratégias da convivência com o semiárido é a introdução


de tecnologias sociais, notadamente as de captação e armazenamen-
to de água das chuvas, as de produção de alimentos e também as de
manejo de fontes de energia renovável, buscando formas de melho-

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rar a qualidade de vida, a inclusão produtiva, a geração de renda e a


cidadania dessas famílias agricultoras.

As tecnologias sociais são ferramentas, procedimentos e práticas


fundamentadas na participação social, com o propósito de promo-
ver a inclusão social, econômica e ambiental. Portanto, configuram
aspectos comunitários de exercício da democracia e de relação com
o meio ambiente. Assim, as tecnologias sociais se entrelaçam com a
agroecologia e a economia solidária no contexto da agricultura fami-
liar, baseada em uma agricultura socialmente justa, culturalmente
apropriada, economicamente viável e ecologicamente sustentável.
Esses princípios têm referência que o desenvolvimento desigual deve
ser enfrentado a partir da superação do capitalismo (FERNANDES,
2005).
Neste sentido, a Educação do Campo é fundamental para propor-
cionar uma formação implicada no contexto da questão agrária, em
que educar envolve pensar e repensar um outro modelo de desenvol-
vimento. Freire (1996) afirma que as transformações devem ser trata-
das a partir de uma educação crítica e emancipadora, em que é ne-
cessária a tomada de consciência que se dá a partir da compreensão
da realidade e seu comprometimento em transformá-la.
Historicamente a educação ofertada aos sujeitos do campo teve
sua referência no capitalismo agrário, com referenciais da cidade/
urbano, onde é efetivada uma prática dissociada do viver no/do
campo, onde as suas especificidades sociais, culturais, econômicas,
políticas e ambientais são tratadas de maneira secundária. Predo-
minam uma visão do campo como espaço sem significado histórico
relevante, subalterna a hegemonia de um modelo de vida urbano e
onde para o sujeito de modo de vida familiar, a agricultura familiar,
tem a sua única possibilidade de sobrevivência a partir da integração
passiva à agroindústria patronal e sua subordinação às exigências
do mercado dominado pela agricultura capitalista.
Para tanto, é preciso assumir uma concepção de que o campo é
plural, tanto nas suas formações históricas, quanto cultural, social e
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política e, sobretudo, quanto aos seus sujeitos (WANDERLEY, 2001).


A autora ainda se refere ao campo como:

(...) um universo socialmente integrado ao conjunto da sociedade


brasileira e ao contexto atual das relações internacionais. Não estou,
portanto, supondo a existência de um qualquer universo isolado, au-
tônomo em relação ao conjunto da sociedade e que tenha lógicas ex-
clusivas de funcionamento e reprodução. Porém, considero que este
mundo rural mantém particularidades históricas, sociais, culturais
e ecológicas, que o recortam como uma realidade própria, da qual
fazem parte, inclusive, as próprias formas de inserção na sociedade
que o engloba (WANDERLEY, 2001, p. 32).

A definição de Wanderley (2001) não isola o campo em seus es-


paços sociais, culturais e geográficos, antes centraliza a relação
necessária campo-cidade. Ademais, a autora enfatiza a negação do
campo como resíduo do processo de urbanização ao afirmar a neces-
sidade de manutenção de particularidades históricas, sociais, cultu-
rais e ecológicas, definidoras de uma realidade própria e específica.
Dentro deste contexto impõe-se à Educação do Campo um grande
desafio: o de atuar como eixo estruturante para a discussão e propo-
sição de um outro projeto para o campo brasileiro. Diante do exposto,

[...] educar neste sentido envolve pensar e repensar um outro mode-


lo de desenvolvimento. Significa atuar na construção de um projeto
popular de agricultura que valorize os camponeses a agroecologia,
que supera a oposição entre campo e cidade e a visão predominante
de que o moderno e mais avançado é sempre o urbano, e que o pro-
gresso de um país se mede pela diminuição da sua população rural
(VEIGA, 1995).

Na tarefa de contribuir com a construir um outro projeto de des-


envolvimento para o campo, a educação precisa rejeitar qualquer
tentativa de ser utilizada como adestramento e os espaços escolares
como simples repetidor de conhecimentos científicos distanciados
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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

da realidade sociocultural dos sujeitos do campo. É o que, segundo


Machado (2009), contribui para que os sujeitos do campo passem a
negar a sua própria condição de modo de vida familiar, influencia-
das pela ideologia do campo como elemento de atraso sociocultural
e econômico.

A educação do campoa da UFRB: o campus de Feira de Santana

A UFRB foi criada pela Lei 11.151, de 29 de julho de 2005, em um


amplo processo de mobilização da sociedade, a partir de expansão
e de interiorização do ensino superior (Programa Expandir) do Go-
verno Federal. Sua sede é em Cruz das Almas – BA, e surgiu do des-
membramento da Escola de Agronomia da Universidade Federal da
Bahia, com a missão de contribuir com a formação científica, técni-
ca, política, cultural e social de qualidade e inclusiva no contexto das
realidades territoriais. Essa criação assume o desafio de superação
da lógica mercadológica de formação de profissionais em áreas res-
tritas, em que o acesso ao ensino superior tem implicação na relação
com a educação básica e na construção de conhecimentos voltados
para a promoção do desenvolvimento territorial.
A UFRB tem na sua estrutura sete Centros de Ensino localizados
em seis Campi de três Territórios de Identidade: no Território do Re-
côncavo da Bahia, em Cruz das Almas com os Centros de Ensino de
Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (CCAAB) e de Ciências
Exatas e Tecnológicas (CETEC); em Santo Antônio de Jesus, com o
Centro de Ciência da Saúde (CCS); em Cachoeira, com o Centro de
Humanidades, Letras e Artes (CAHL); em Santo Amaro, com o Centro
de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas (CECULT); no Terri-
tório do Vale do Jiquiriçá, em Amargosa com o Centro de Formação
de Professores (CFP); e no Território do Portal do Sertão, em Feira de
Santana, com o Centro de Ciência e Tecnologia em Energia e Susten-
tabilidade (CETENS).
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Em 2021, existem 58 cursos de graduação e 36 de pós-graduação


na UFRB. Entre esses cursos, em 2010 foi iniciado a pós-graduação
Lato Sensu em Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial
que em 2012 foi transformada no Mestrado Profissional em Educação
do Campo no Centro de Formação de Professores (CFP). Em 2013,
através de aprovação de projeto no Edital no 01/2012 do PROCAMPO
do MEC/SECADI, duas Licenciaturas em Educação do Campo: Ciên-
cias da Natureza e Matemática, no Centro de Ciência e Tecnologia
em Energia e Sustentabilidade (CETENS), em Feira de Santana; e em
Ciências Agrárias, no Centro de Formação de Professores (CFP), em
Amargosa3. Em 2018, foi implementado o Curso Superior de Tecnolo-
gia em Alimentos da Educação do Campo, após um amplo debate ini-
ciado em 2014 com as organizações e movimentos sociais e sindicais
do campo no CETENS/UFRB. Três anos depois, em 2021 é implemen-
tada no CETENS, a Pós-Graduação Lato sensu em Agroecologia e Tec-
nologias Sociais na Educação do Campo (PPG Agroecologia), dando
continuidade ao projeto de Educação do Campo na UFRB.
A Educação do Campo foi assumida pela UFRB, como garantia
de direito e de reconhecimento das lutas dos movimentos sociais e
sindicais do campo, que buscam o acesso ao direito à educação que
respeite suas tradições, identidade e modo de vida, que diferencie de
uma educação rural (CALDART, 2012). A Educação do Campo no en-
sino superior é resultado de uma série de discussões e de políticas
públicas, com destaque para o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), em 1998, como conquista de acesso ao
ensino superior, direcionado aos sujeitos de assentamentos, acam-
pados, quilombolas, além de beneficiários do Programa Nacional de
Crédito Fundiário (PNCF).
Essa implementação tem como referência a Resolução CNE/CEB
no. 01/2002, que instituiu as Diretrizes Operacionais da Educação

3
Em 2014, respectivamente no CETENS e no CFP, foram implementados dois cursos
de graduação especiais na Educação do Campo: a Pedagogia no Plano Nacional de
Formação de Professores (PARFOR); e a Tecnologia em Agroecologia no Programa Na-
cional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA).

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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

do Campo, que consolida um marco para história da Educação do


Campo; em 2004, com a constituição da Secretaria de Educação Con-
tinuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) no Ministério da Edu-
cação que instituiu a Coordenação Geral da Educação do Campo e
que deu seguimento, em 2007, com a constituição do Programa de
Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Cam-
po (PROCAMPO), no apoio a implementação de cursos regulares de
licenciatura em Educação do Campo nas instituições públicas de en-
sino superior no país, voltado para a formação de educadores para
os anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas
do campo. E ainda se destaca a Resolução CNE/CEB nº 02/2008 que
estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o
desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação
Básica, em que aponta no:

Art. 7º A Educação do Campo deverá oferecer sempre o indispensável


apoio pedagógico aos alunos, construindo condições, infraestruturas
adequadas, bem como materiais e livros didáticos, equipamentos, la-
boratórios, biblioteca e áreas de lazer e desporto, em conformidade
com a realidade local e as adversidades dos povos do campo com
atendimento ao art. 5º das Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas escolas do campo. § 1º A organização e o funcionamento
das escolas do campo respeitarão as diferenças entre as populações
atendidas quanto à sua atividade econômica, sem estilo de vida, sua
cultura e suas tradições (BRASIL, 2002).

A menção ao estilo de vida, cultura e as tradições dos sujeitos do


campo do modo de vida familiar, bem como à sua atividade econô-
mica impõe aos educadores e aos espaços escolares e não escolares,
a necessidade de romper com um modelo de educação e de currículo
implementado no capitalismo agrário. Além disso, a transposição
dos projetos pedagógicos da cidade para a escola do/no campo, está
diretamente associada a uma perspectiva de negação do campo en-
quanto espaço de produção cultural, econômica e política. Nesse
caso, segundo Veiga (1995, p. 79),
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Os conhecimentos transmitidos são concepções abstratas, autôno-


mas, independentes da realidade socioeconômica e política, tidos
como universal. O ensino das diferentes disciplinas resume-se em
dar o programa, em cumprir as determinações provenientes de ór-
gãos, tais como secretarias de educação, delegacias de ensino, sem
uma preocupação em habilitar o sujeito a integrar-se ao contexto so-
ciocultural do campo, desenvolvendo um olhar crítico acerca dessa
realidade.

Com base nessas discussões, os cursos da Educação do Campo do


CETENS/UFRB4, no campus de Feira de Santana, com a Licenciatura
em Educação do Campo com habilitação em Ciências da Natureza
e Matemática5, em 2013, pelo PROCAMPO, e em 2018, com o Curso
Superior de Tecnologia em Alimentos da Educação do Campo6, apre-
sentam nos seus Projetos Pedagógicos dos Cursos uma organização
curricular estruturada em quatro núcleos formativos de componen-
tes curriculares: Formação Geral; Formação Sócio Política e Desen-
volvimento Territorial; Formação Específica; e Formação Pedagógica
Integradora.
O Núcleo de Formação Geral visa contribuir nos aspectos bási-
cos que subsidiam os demais núcleos, com o resgate da formação na

4
Neste artigo, tomamos como recorte analítico as Licenciaturas em Educação do
Campo: Ciências da Natureza e Matemática e o Curso Superior de Tecnologia em Ali-
mentos na Educação do Campo. A Pós-Graduação Lato sensu em Agroecologia e Tec-
nologias Sociais na Educação do Campo (PPG Agroecologia), não integrou as análises
por se tratar de um curso recente, com 1 turma no 1º semestre. Todavia cabe destacar
que, assim como como os curso citados a PPG Agroecologia também coaduna em seu
projeto e matriz formativa as bases e concepções da Educação do Campo, na perspec-
tiva do paradigma da questão agrária.
5
O curso tem como objetivo de formar educadores do campo, na perspectiva de
contribuir com a promoção do desenvolvimento agrário, vinculados à realidade das
escolas do campo, possibilitando a construção de bases populares de organização do
trabalho pedagógico, na integração de saberes com as áreas de conhecimento Ciên-
cias da Natureza e da Matemática (UFRB, 2018a)
6
O curso tem como objetivo de promover a formação de profissionais de tecnologia
em alimentos, voltado para o processamento e o beneficiamento de produtos da agri-
cultura familiar, no contexto da agroecologia e da organização coletiva e solidária,
com domínio de tecnologias sociais que garantam a soberania e a segurança alimen-
tar e nutricional para a promoção do desenvolvimento territorial (UFRB, 2018b).

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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

relação com a educação básica, em que os componentes curriculares


nos cursos têm uma base comum. O Núcleo de Formação Específica
trata de componentes específicos na formação profissional, em aten-
dimento às Diretrizes Curriculares Nacionais de cada curso.
A organização curricular permeia os Núcleos da Formação Básica
e Específica com a centralidade no Núcleo de Formação Sócio Polí-
tica e Desenvolvimento Territorial que tem a questão agrária como
foco da formação e sua relação com a diversidade e o pertencimento
dos sujeitos do campo, em especial da agricultura familiar, com os
princípios da agroecologia, da economia solidária e das tecnologias
sociais (UFRB, 2018b).
Essa formação considera o espaço escolar e não escolar como
fundamentais no processo de construção do conhecimento, com a
base epistemológica de Freire (1983, 1996, 2005) da Educação popular
e da Pedagogia da Autonomia, que traz o vínculo com a realidade dos
educandos, implicadas com a emancipação para a transformação
social; da Pedagogia Socialista, a partir de vínculo com o mundo do
trabalho e a auto-organização dos estudantes e sujeitos do campo,
que abarca experiências educativas históricas que contribuam na
superação do modo de produção capitalista; e da Pedagogia do Movi-
mento, a partir do vínculo com a luta política, em que o movimento
se constitui como sujeito educativo, com um processo pedagógico de
educar, em um ambiente educativo que inclui em sua organicidade a
escola (CALDART, 2000).
Essa articulação é construída a partir do Núcleo de Formação
Pedagógica Integradora que assume o papel de articular o ensino,
a extensão, a pesquisa e as ações afirmativas, através da Pedagogia
da Alternância. Esta modalidade promove a integração curricular
na trans/ interdisciplinaridade que articula os dois tempos/ espaços
formativos: o tempo universidade e o tempo comunidade.
A Pedagogia da Alternância coaduna com as finalidades da UFRB
na relação com o movimento de expansão e interiorização do ensino
superior, a partir do contexto das realidades territoriais. A Pedagogia
da Alternância é exercitada com os dois tempos/espaços formativos
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presenciais, mediado por Planos de Estudos dos componentes curri-


culares das respectivas etapas. Essas etapas possuem um planeja-
mento na relação entre o tempo universidade e o tempo comunidade.
O Plano de Estudos tem a inclusão de atividades dos respectivos
componentes curriculares, mas engloba a elaboração de uma ativi-
dade integrada: um projeto de intervenção, a partir dos grupos de
interesse da realidade de cada estudante. Esse projeto de intervenção
ou de extensão tem sido elaborado a partir da realização de Diagnós-
tico Rural Participativo (DRP). Esse diagnóstico é uma metodologia
qualitativa que envolve um conjunto de instrumentos que possibilita
a interação entre a universidade e a comunidade, em um processo de
reflexão da realidade e da mediação dos papéis da universidade e da
comunidade em que se estabelece o compromisso para a transfor-
mação deste contexto.
O DRP é caracterizado com uma pesquisa-ação, que possibilita
a participação social voltada para os processos de apropriação da
realidade, de forma crítica que contribua para a emancipação dos
sujeitos (THIOLLENT, 2011). Freire (1983, p. 16) afirma na exigência
de “uma reflexão crítica de cada um sobre o ato mesmo de conhe-
cer, pelo qual se reconhece conhecendo e, ao reconhecer-se assim,
percebe o ‘como’ de seu conhecer os condicionamentos a que está
submetido seu ato”.
Essa vivência a partir da relação com os componentes do Núcleo
Sócio Político oportuniza a construção de um projeto de intervenção
ao qual a questão agrária consiste no eixo norteador, a partir dos
princípios da Educação do Campo, assim como a agroecologia, a eco-
nomia solidária e as tecnologias sociais.
Ao analisarmos os projetos de intervenção elaborados pelos dis-
centes ingressos no interstício de 2013 a 2020, observamos que todos
apresentam dentre os desafios vivenciados pelas comunidades em
seus territórios, a questão do acesso à terra pelos sujeitos do cam-
po, com a reflexão para a necessidade da reforma agrária, que ao
mesmo tempo demonstra a resiliência destes sujeitos na permanên-
cia no campo. Destacam-se a existência de grupos comunitários da
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

economia solidária e das tecnologias sociais, bem como de práticas


de transição agroecológicas como base produtiva para esses sujeitos
do campo.
Observam-se que os projetos de intervenção são ferramentas
necessárias para o processo formativo dos acadêmicos envolvidos
como também aos sujeitos do campo, mas que para a superação dos
desafios apresentados pelas comunidades, há necessidade de inte-
gração com a construção e, ou execução de políticas públicas para o
segmento.
A Pedagogia da Alternância traz também a contribuição efetiva
para a institucionalização da extensão no currículo, conforme o Pla-
no Nacional de Educação 2014-2024, aprovado pela Lei Federal nº
13.005, de 25 de junho de 2014, na Meta 12.7 que define o percentual
de créditos curriculares exigidos para os cursos de graduação em
Programas e Projetos de Extensão Universitária. Esse contexto traz o
papel da universidade na qualidade de instituição social, na perspec-
tiva da formação e da democratização do ensino superior (CHAUÍ,
2003).
Freire (2005) argumenta que uma educação crítica e implicada é
necessária para a transformação das relações de dominação e com
a transformação da realidade do campo. Essa educação precisa in-
tegrar os espaços escolares e não escolares da educação, com o en-
volvimento das organizações dos movimentos sociais e sindicais são
fundamentais para a formação de sujeitos comprometidos com a
transformação social.
Essa implicação tem a contraposição, conforme Fernandes e Mo-
lina (2004, p. 2), em que a “educação rural projeta um território alie-
nado porque propõe para os grupos sociais que vivem do trabalho da
terra, um modelo de desenvolvimento que os expropria”. Afirmam
ainda que

[...] trabalhar na terra, tirar da terra a sua existência, exige conheci-


mentos que são construídos nas experiências cotidianas e na escola.
Ter o seu território implica em um modo de pensar a realidade. Para

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garantir a identidade territorial, a autonomia e organização política


é preciso pensar a realidade desde seu território, de sua comunida-
de, de seu município, de seu país, do mundo. Não se pensa o próprio
território a partir do território do outro. Isso é alienação (FERNAN-
DES; MOLINA, 2004, p. 8).

Portanto, deve-se repensar o currículo, tornando-o resultado do


diálogo com os diferentes saberes produzidos para além dos contex-
tos escolares e não escolares, na relação com as estruturas de organi-
zação comunitária e de articulação de lutas por um desenvolvimento
voltado para o modelo de inclusão a partir da transformação das es-
truturas desiguais, impostas historicamente.
Veiga (1995, p. 82) aborda que o “o currículo é um instrumento
de confronto de saberes: o saber sistematizado, indispensável à com-
preensão crítica da realidade, e o saber de classe, que o aluno repre-
senta e que é resultado das formas de sobrevivência que as camadas
populares criam”. Esse saber de classe que as camadas populares
criam conforma as estratégias construídas pela agricultura familiar
para resistir com seus modos de vida por vezes não reconhecidos pelo
sistema do capital que reduz tudo à simples condição de mercadoria.
No processo de construção do currículo é preciso reconhecer o
campo como plural, composto por sujeitos e suas especificidades.
Assim,

o campo tem diferentes sujeitos. São pequenos agricultores, qui-


lombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados,
reassentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores,
roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, boia-fria e outros
grupos mais. Entre estes há os que estão ligados a alguma forma de
organização popular, outros não; há ainda as diferenças de gênero,
de etnia, de religião, de geração; são diferentes jeitos de produzir e de
viver; diferentes modos de olhar o mundo, de conhecer a realidade e
de resolver os problemas; diferentes jeitos de fazer a própria resistên-
cia do campo; diferentes lutas (CALDART, 2002, p. 21).

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Pimentel (2007) afirma que o currículo é antes de tudo uma con-


figuração dos modos de vida, vida está expressa no solo fecundo da
escola, mas também fora dela, sobretudo quando se trata dos sujei-
tos do campo, sujeitos concretos e históricos que produzem saberes
e conhecimentos. Sendo assim, a Educação do Campo reafirma a ne-
cessidade de transformações no cenário educacional brasileiro, do
mesmo modo em que está comprometida com transformações no
próprio campo.

Considerações finais

O foco da formação nos Cursos da Educação do Campo do CE-


TENS/UFRB é implicado com o contexto agrário, emancipador e crí-
tico da realidade. Segundo Fernandes (2004, p. 137), “o campo é lugar
de vida, onde as pessoas podem morar, trabalhar, estudar com dig-
nidade de quem tem o seu lugar, a sua identidade cultural... Por tudo
isso, o campo é lugar de vida e, sobretudo, de educação”. Nesse senti-
do, a proposta pedagógica formativa dos cursos analisados foi cons-
truída tendo como base o paradigma da questão agrária e a necessi-
dade de ruptura da realidade historicamente empregada aos povos
do campo: desigual, excludente, concentradora e urbanocêntrica.
Aos povos do campo têm sido negados direitos básicos de sobre-
vivência digna. O campo sempre foi visto como espaço de produção
e reprodução de mercadorias, excluindo e negando o modo de vida e
produção daqueles que vivem na e da prática da agricultura familiar.
Consequentemente, tal visão é refletida e materializada nas diversas
políticas públicas, a destacar na educação, aos quais os modelos his-
toricamente implementados são caracterizados por processos des-
contextualizados, simplistas e urbanocêntricos.
Quando analisamos tal realidade no contexto do semiárido, o ce-
nário é ainda mais complexo, visto as especificidades históricas da
luta de milhares de agricultores e agricultoras na manutenção do
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seu modo de vida e produção. Tais aspectos reafirmam e reforçam


a importância de iniciativas e propostas formativas que visem uma
educação crítica e voltada à emancipação dos povos do campo e o
desenvolvimento territorial do semiárido.
Os cursos da Educação do Campo do CETENS/UFRB por estar si-
tuado nessa região e ter grande parte de seus discentes oriundos de
municípios que também encontram-se inseridos no semiárido busca
fazer jus a sua missão social, garantir o acesso destes povos a Edu-
cação Superior de uma forma diferenciada e contrária daquelas que
se enquadram nos princípios do paradigma do capitalismo agrário.
Destaca-se o papel da Pedagogia da Alternância. Cumpre também
com as concepções e princípios da educação do campo, da agroeco-
logia e das tecnologias sociais, através de uma formação implicada
com o contexto agrário, emancipador e crítico da realidade.
Os eixos estruturantes e os núcleos formativos dos Cursos, ambos
materializados na efetivação dos Projetos de Intervenção, por exem-
plo, nos levam a observar as contribuições dos Cursos na formação
discente e para as comunidades, seja no acesso ao ensino superior
baseado nos princípios emancipatórios de inclusão e de reconheci-
mento dos povos do campo como sujeitos de sua própria identidade
e de modo de vida ou como estratégia de promover o fortalecimento
da agricultura familiar no semiárido baiano. Através da formação
nos espaços escolares e não escolares ou nas agroindústrias da pro-
dução de alimentos da agricultura familiar a Educação do Campo no
CETENS/UFRB tem se constituído numa importante ferramenta de
luta e resistência dos povos do campo ao paradigma do capitalismo
agrário e as contradições do modo de produção capitalista, no con-
texto do semiárido.

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A Educação do Campo
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

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66
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O papel do Estado na extensão rural


baiana:
institucionalização da política estadual de ATER1

Edna Maria da Silva

O papel do Estado na política de extensão rural baiana

O Estado da Bahia possui maior número de estabelecimentos fa-


miliares dentre os estados da federação. Em 2017 foram estimados
593.411 estabelecimentos, que representam 77,79% do total de esta-
belecimentos baianos (IBGE, 2017). Todavia, os estabelecimentos fa-
miliares ocupam apenas 32% da área total dos estabelecimentos. O
elevado número de estabelecimentos familiares associado à distri-
buição agrária sugere diferentes agriculturas, que podem ser asso-
ciadas às diferentes classes e frações de classes sociais. Portanto, é
imprescindível criar políticas públicas e programas para promover a
inclusão econômica e social para tal estrutura social.

1
Este artigo é parte do trabalho da tese de doutorado da autora.

67
65
Tatiana
Edna Maria Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
da Silva
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

A partir de meados do Século XX a ATER na Bahia foi executa-


da por sucessivas instituições (privadas e públicas), com objetivo de
promover a modernização da agricultura através do uso intensivo de
pacotes tecnológicos e seus insumos industriais. A extinção da EM-
BRATER nos anos 1990 impactou o serviço de extensão e as ações de
ATER passaram a ser orientadas pelas políticas do governo estadual.
Em 1991, com a reforma administrativa, extinguem-se as empresas
de pesquisa e de extensão, cria-se a Empresa Baiana de Desenvolvi-
mento Agrícola (EBDA), que assume conjuntamente essas funções.
As atividades direcionadas aos cultivos especializados, quase sempre
praticados em médias e grandes propriedades, buscavam a raciona-
lidade técnica na produção. O serviço de ATER, como instrumento
do produtivismo, promoveu o desenvolvimento agrícola, porém de
forma excludente (SILVA, 2020).
Conforme explicita Poulantzas (2000) o Estado assume determi-
nadas funções econômicas para garantir o interesse geral do capital.
Sendo assim, o modelo de desenvolvimento agrícola baiano definido
e ancorado pelas macropolíticas federais foi promovido e apoiado
pelas instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão. Para exer-
cer a função ideológica e econômica produtivista, a EBDA contava
com 20 gerências regionais, 132 escritórios locais, 19 estações experi-
mentais e 10 centros de formação de agricultores familiares (ENTRE-
VISTA2 , 2018). Por aproximadamente 24 anos, a empresa e seus 1.189
servidores, difundiram conhecimento e técnica para os municípios
baianos, nos moldes do difusionismo produtivista3.
No debate nacional, na construção da PNATER, quatro questões
foram colocadas para o serviço de ATER: 1) o serviço deve ser ofer-
tado para o público que se enquadra no perfil da agricultura fami-
liar; 2) orientação conceitual para ATER de base agroecológica; 3) uso

2
Os depoimentos dos gestores públicos, dos gestores das instituições e das famílias
são identificados como entrevistas.
3
Vale ressaltar que a equipe técnica da EBDA contava com extensionistas que usavam
práticas sustentáveis nas orientações às famílias rurais, todavia eram a exceção não a
regra (ENTREVISTA, 2018)

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O papel do Estado na extensão rural baiana
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

de metodologias inclusivas e participativas que promovam a cons-


trução do conhecimento; 4) descentralização do serviço de ATER
para instituições públicas e privadas (BRASIL, 2009). Esses pilares se
contrapõem ao difusionismo produtivista e expressam conflitos de
classes associados à natureza do modelo hegemônico de ATER, arrai-
gados na concepção de mundo dos extensionistas.
O Estado da Bahia passa a seguir as orientações da PNATER no
primeiro governo Wagner (2007-2010). Em resposta à luta das ca-
madas populares, que reivindicavam uma Secretaria para tratar
das questões relacionadas ao mundo rural, foi criada a Superin-
tendência da Agricultura Familiar (SUAF), vinculada à secretaria
de Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária,
Pesca e Aquicultura (SEAGRI). Nesse período, além do serviço de
ATER, executado pela EBDA, realizaram-se convênios e editais de
chamada pública pelo governo federal, através do extinto Ministé-
rio do Desenvolvimento Agrário (MDA). Em 2009, o governo inicia
uma experiência piloto e firma convênios com instituições privadas,
vinculadas às organizações sociais rurais, para ofertar o serviço de
ATER em comunidades onde a EBDA não atuava (SILVA, 2020). A plu-
ralidade institucional para execução do serviço expressou diferentes
concepções de ATER e disputa pelo orçamento público entre a EBDA
e as organizações sociais rurais. Entende-se que os conflitos entre
as instituições (públicas e privadas) de ATER na Bahia não são deco-
rrentes apenas de interesses financeiros, deve-se também considerar
a natureza dos modelos de extensão (paradigma produtivista versus
paradigma agroecológico), público beneficiário e metodologias de
trabalho.
O modelo de ATER executado pela EBDA é questionado pelas or-
ganizações sociais. Por outro lado, os extensionistas da EBDA ques-
tionam a medida do governo estadual, que identificam como priva-
tização do serviço de ATER. Esse conflito institucional perpassa a
elaboração e implantação da política estadual nos governos do Par-
tido dos Trabalhadores. A PEATER e o Programa Estadual de Assis-
tência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar (PROATER)
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foram instituídos no segundo governo Wagner (2011-2014), todavia, o


processo de construção no coletivo se deu na primeira gestão (2007-
2010). Em 2011, cria-se o Projeto de Lei nº 19.476/2011, convertido na
Lei nº 12.372 (BAHIA, 2011). A formulação e supervisão da PEATER
são competências da SUAF, aparelho de Estado que representa o es-
paço de discussão política das camadas populares no Estado.
A PEATER e a PNATER, criadas com o objetivo de conduzir o ser-
viço de ATER, são as referências centrais para elaboração dos edi-
tais de chamada pública e orientação das ações em campo. A análise
documental evidencia que os dispositivos legais no Estado da Bahia
foram criados tomando-se como referência as normas federais. As
entrevistas revelam que a política estadual foi construída com a par-
ticipação das organizações sociais e outros representantes das ca-
madas populares que participaram dos debates no Fórum Baiano da
Agricultura Familiar. Conforme depoimentos dos gestores públicos
e das instituições, a construção da política se deu em um processo
democrático e participativo, e representa uma conquista das frações
populares rurais da Bahia.
A PEATER apresenta o conceito de ATER, tal qual a PNATER,
como um “serviço de educação não formal, de caráter continuado,
no meio rural (...)”. (BAHIA, 2011). O conceito adotado não é restri-
to apenas às atividades de cultivo e criação. Ele abrange o mundo
rural na sua diversidade e contempla as atividades agrícolas e não
agrícolas. A PEATER em consonância com a PNATER determina os
condicionantes que disciplinam o serviço ao nível da unidade da
federação. Se o acesso aos aparelhos do Estado é regulado pela lei,
como afirma Poulantzas (2000), então a PNTAER e a PEATER são ins-
trumentos reguladores do poder político da classe dominada (orga-
nizações sociais rurais que executam as chamadas públicas).
A pluralidade das camadas populares na Bahia é explicitada na
lei4 e os conceitos de produção familiar e agricultor familiar são re-

4
Conforme Artigo 4º da PEATER, os beneficiários especificados por categorias: I - os
agricultores familiares ou empreendimentos familiares rurais; II - os assentados da

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ferenciados pela Lei da Agricultura Familiar de 2006 (BAHIA, 2011;


BRASIL, 2006). A política busca promover a produção agrícola e não
agrícola familiar, tendo em vista a segurança e a soberania alimen-
tar e nutricional das famílias. A segurança alimentar e nutricional
exige a diversificação agrícola em oposição aos monocultivos espe-
cializados. A soberania alimentar exige a geração de rendimentos
através da comercialização dos excedentes da produção. Para cum-
prir esse propósito os serviços de ATER devem promover a inserção
das famílias nos mercados institucionalizados, nas feiras distritais e
municipais.
Observa-se que a PEATER busca promover melhores condições
de vida para as camadas populares que sempre estiveram à margem
das diversas políticas públicas, uma vez que traz explicitamente a
necessidade de produzir excedente para comercialização e gerar ren-
dimentos monetários para as famílias. Tampouco se nega o avanço
em conteúdo, método e público beneficiário inerente à proposta da
PEATER. Ao tempo que busca promover a inserção das camadas po-
pulares nos mercados e atende ao processo de reprodução do capital,
também busca promover a diversificação e integração dos sistemas
de produção, tendo como referência princípios de base agroecológi-
ca, o que reduz a dependência das famílias do mercado.
A análise comparativa das normas legais revela similaridade en-
tre os princípios da PEATER e PNATER (BAHIA, 2011; BRASIL, 2009).
As duas políticas propõem a “adoção dos princípios da agricultura de
base ecológica como enfoque preferencial para o desenvolvimento
de sistemas de produção sustentáveis”. A PEATER tanto incorpora
ao texto “a apropriação de inovações tecnológicas e organizativas
para a promoção do desenvolvimento sustentável”, quanto aborda

reforma agrária e os beneficiários de programas de crédito fundiário; III - os povos


indígenas, os quilombolas, e os demais povos, populações e comunidades tradicionais
do campo; IV - os agroextrativistas, silvicultores, aquicultores e pescadores; V - os co-
lonos, meeiros e posseiros; VI - os agricultores de comunidades de fundos e fechos de
pasto; VII - os ribeirinhos e beneficiários de programas de irrigação; VIII - os agricul-
tores familiares urbanos e periurbanos. (BAHIA, 2011).

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explicitamente a articulação entre os conhecimentos científicos, em-


píricos e tradicionais para o desenvolvimento de agriculturas susten-
táveis. Cabe salientar que as políticas têm como princípio a equidade
nas relações de gênero, geração, raça e etnia, o que exige outros con-
hecimentos além dos convencionalmente abordados nas disciplinas
das ciências agrárias. As políticas orientam o uso de metodologias
que promovam a construção do conhecimento de forma participati-
va com “enfoque multidisciplinar, interdisciplinar e intercultural”.
(BAHIA, 2011; BRASIL, 2009). Esses princípios se contrapõem ao difu-
sionismo produtivista.
Os objetivos propostos na PEATER são os mesmos da PNATER.
Dentre eles destacam-se: a promoção do desenvolvimento rural sus-
tentável; a preocupação com a proteção, manutenção e recuperação
da biodiversidade; construção de sistemas de produção sustentáveis;
expansão do aprendizado de forma diversificada e contextualizada
ao meio rural; e valorização do saber empírico e tradicional (BAHIA,
2011). Ao comparar os referidos princípios e objetivos definidos para
o serviço de ATER às proposições do modelo convencional, referen-
ciado no produtivismo, é inegável o avanço em termos de conteúdos
e métodos na PEATER. A questão crucial é como o Estado, permeado
por disputas e interesses de classes, levará à ação concreta o que está
posto na lei. Essa segunda disputa das camadas populares é tão re-
levante quanto a primeira. Aprovar os dispositivos legais foi apenas
parte de um processo em curso que implicará novos conflitos e con-
tradições em torno da implantação e execução do serviço de ATER.
A legislação estadual institui o PROATER com o objetivo de orga-
nizar e executar o serviço de ATER por meio de instituições públicas
ou privadas, com ou sem fins lucrativos (BAHIA, 2011). A pluralidade
institucional é definida e ordenada pela norma geral que estabelece
os requisitos e procedimentos necessários para obter o credencia-
mento junto ao Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sus-
tentável (CEDRS), bem como, os condicionantes que possibilitam a
seleção das instituições (BAHIA, 2011). O serviço de ATER, contratado

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O papel do Estado na extensão rural baiana
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

por meio de editais de chamadas públicas, é definido para atender às


demandas das camadas populares.
As exigências legais condicionam a instituição a seguir os concei-
tos e princípios estabelecidos nas políticas de ATER. Questões como
a qualificação da equipe técnica, as metodologias de comunicação,
processos que valorizem os princípios agroecológicos e inclusão em
outras políticas públicas são determinantes para a seleção das pro-
postas técnicas. As questões referentes à geração e ao gênero devem
ser observadas tanto no que se refere ao público beneficiário, quanto
no que se refere à equipe que executará os serviços de ATER.
Ao definir uma política estruturada de tal forma que possibilita a
oferta do serviço por meio de editais de chamada pública, o Estado
exime-se de executar os serviços e assume o papel de fomentar, coor-
denar e regular as atividades de extensão. A lei estabelece a forma
do acompanhamento, controle e fiscalização da execução dos con-
tratos, bem como a avaliação dos resultados da execução do PROA-
TER. O suposto é que a sociedade civil organizada contribua para o
acompanhamento da política por meio dos colegiados territoriais e
do CEDRS5. Aos colegiados territoriais caberá definir rotinas e me-
canismos complementares que possibilitem acompanhar o processo
de execução das chamadas públicas e avaliação dos seus resultados
e impactos. Esses dados serão disponibilizados ao CEDRS e ao órgão
contratante.
Vale ressaltar que o processo de elaboração da PEATER, conside-
rado como democrático e participativo, contou com a representação
das diversas camadas populares e resultou em uma norma legal que
expressa a descentralização do serviço de ATER. Todavia, conflitos
de interesses se expressam no processo de implantação da políti-
ca: a) se para as organizações sociais rurais a política estadual ao
promover a descentralização do serviço representa uma conquista

5
Ao CEDRS cabe o acompanhamento de todo o processo de execução das chama-
das públicas, do credenciamento das instituições ao monitoramento da PEATER e do
PROATER.

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significativa; b) para a EBDA, em processo de sucateamento e preca-


rização nos seus serviços, a descentralização por meio da PEATER
simbolizava a privatização do serviço público. No final do segundo
governo Wagner extinguiu-se a EBDA que respondia por boa parte
dos serviços de extensão e a responsabilidade da execução de parte
dos serviços foram transferidas para as instituições contratadas no
âmbito do PROATER6. Com essa ação o Estado institucionaliza e radi-
caliza a descentralização dos serviços de extensão, que passam a ser
executados em diferentes modalidades, em consonância com a PEA-
TER, e por diferentes instituições vinculadas às camadas populares.
Essa medida adotada pelo governo não foi questionada pelas or-
ganizações sociais rurais que defendem a concepção de ATER, con-
forme a PNATER, e se contrapõe ao difusionismo produtivista adota-
do pela EBDA7 (ENTREVISTA, 2018). Como afirma Poulantzas (2000),
o Estado é atravessado lado a lado por conflitos e adota o discurso
conveniente para justificar as suas ações diante da classe a que se di-
rige. Com o discurso assentado na ineficiência da empresa e pautado
na promoção do desenvolvimento rural sustentável nas comunida-
des, o governo extingue a EBDA.
A reforma administrativa que modificou a estrutura organizacio-
nal do Estado foi prevista no Projeto de Lei nº 21.007/2014, na fase
de transição entre os governos de Jacques Wagner e Rui Costa. No
referido PL propõe-se criar a Secretaria de Desenvolvimento Rural
(SDR), para tratar especificamente da temática rural para a agricul-
tura familiar. Para compor a SDR cria-se a Superintendência Baiana
de Assistência Técnica e Extensão Rural (BAHIATER), que substitui
a EBDA, e a Superintendência de Políticas Territoriais e Reforma

6
As ações do PROATER serão controladas e acompanhadas por meio do sistema ele-
trônico e avaliação dos relatórios de execução dos serviços (BAHIA, 2011).
7
No estudo exploratório identificou-se, em quatro TI visitados, através de entrevistas
informais nas feiras municipais e secretarias da agricultura que a atuação da EBDA
em grande parte se limitava a atendimento nos escritórios, quando demandados pelo
público. Em muitas comunidades as famílias declararam que não sentiram os efeitos
da extinção da empresa (ENTREVISTAS, 2018).

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O papel do Estado na extensão rural baiana
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Agrária (SUTRAG). A Coordenação de Desenvolvimento Agrário


(CDA), a SUAF e a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional
(CAR) foram transferidas de outras secretarias para a SDR (SILVA,
2020; BAHIA 2014).
O desenho institucional centralizado na SDR favorece a arti-
culação e consolidação das políticas públicas e programas rurais
conforme demanda das diversas camadas populares. De fato, uma
Secretaria para tratar das questões rurais para a agricultura fami-
liar é demandada pelas organizações sociais rurais desde o primeiro
governo Wagner. O Estado organiza um conjunto de “políticas públi-
cas para atender às demandas da agricultura familiar, da reforma
agrária, dos povos e comunidades tradicionais e quilombolas” em
uma única secretaria (BAHIA, 2018, não paginado). As camadas po-
pulares sentem-se parte do Estado ao institucionalizar suas deman-
das através da SDR, constituída através da norma legal em aparelho
de Estado.
O discurso do governo ao se dirigir às camadas populares leva
a crer que haverá fortalecimento das ações e políticas públicas em
seu favor. O desenho institucional apresentado fortalece o discurso
e mostra que o Estado pode adotar ações materiais positivas a favor
das camadas populares. O fato é que as organizações sociais rurais
não se opõem à extinção da EBDA. Os interesses conflitantes em re-
lação à natureza do serviço e disputa por orçamento no interior do
Estado explicam parcialmente a abstenção das camadas populares
em relação à extinção da empresa pública.
A reforma administrativa implantada através da Lei nº
13.204/2014, que extingue a EBDA, expressa uma medida de cunho
neoliberal tendo em vista a redução dos gastos e terceirização dos
serviços públicos. A estrutura da EBDA não foi aproveitada na sua to-
talidade pela BAHIATER8. Os investimentos em infraestrutura pode-

8
As fazendas-laboratório com pesquisas voltadas ao melhoramento das culturas e
estações experimentais foram doadas, e muitas pesquisas foram abandonadas, den-
tre elas a pesquisa com os jumentos da raça Pega e o gado bovino Guzerá (SILVA,
2020).

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riam ser capitalizados para o novo aparelho de Estado. No entanto,


de acordo com as entrevistas realizadas nos TI Sisal, Portal do Sertão,
Sertão do São Francisco e Bacia do Jacuípe não foi esse o caminho
seguido, o que sugere um limite operacional da BAHIATER.
Enquanto os serviços de ATER foram descentralizados, a SDR
tem a função de centralizar as ações de desenvolvimento rural para
atender às demandas pautadas pelas organizações sociais rurais,
tais como: reforma agrária, regulação fundiária, água, assistência
técnica e comercialização (SOUZA, 2015). Identifica-se que no Esta-
do da Bahia – de forma similar ao que ocorreu em âmbito federal
com os ministérios vinculados à agricultura no governo FHC – foram
criadas duas secretarias: uma para tratar das questões referentes
à agricultura patronal e outra para tratar das políticas de apoio às
diversas camadas populares. Essa medida reflete o reconhecimento
de dois segmentos agrícolas diferentes e a tentativa do governo de
coalização de garantir a unidade política. Nesse cenário a SEAGRI
é responsável pelo desenvolvimento da agricultura patronal, res-
ponde às demandas dos médios e grandes agricultores. A SDR tem
como finalidade formular, articular e executar políticas públicas e
programas voltados para a reforma agrária e para o desenvolvimen-
to sustentável nas comunidades rurais, atende às demandas das ca-
madas populares. Como pode ser verificado na lei a criação de ins-
tituições públicas e transferências de vínculos entre as instituições
mostra que o Estado, por meio da autonomia relativa entre classes
e frações de classes, institucionaliza dois aparelhos voltados para o
rural (SILVA, 2020). As medidas adotadas de certa forma favorecem
as diversas camadas populares, que passam a ter suas demandas ins-
titucionalizadas em um aparelho de Estado. Entretanto, aparelho de
Estado não significa poder de Estado. O poder é também relacional, é
constituído nas relações de classes, e a natureza de classe do Estado
capitalista é burguesa (POULANTZAS, 2000).
A SDR é constituída pelo CEDRS; três superintendências, SUAF,
SUTRAG, BAHIATER; uma empresa, CAR, e a CDA. De acordo com
Souza (2015), a decisão do governador foi centralizar a gestão e
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coordenação de todas as ações destinadas ao campo em uma única


secretaria e descentralizar o serviço de extensão rural. De forma ge-
ral, pode-se dizer que cabe à BAHIATER a função de promover a ges-
tão e execução da ATER, bem como promover a articulação com as
demais políticas públicas direcionadas à agricultura familiar. O que
se objetiva é a emancipação econômica e social, a melhoria da quali-
dade de vida da população rural num ambiente de desenvolvimento
sustentável, respeitando as especificidades culturais, econômicas,
ambientais e sociais (BAHIA, 2018).
O Serviço Territorial de Atendimento a Agricultura Familiar (SE-
TAF) é uma estrutura organizacional da SDR, “representa uma uni-
dade territorial do Estado, com equipe formada por profissionais
vinculados ao Estado, através da BAHIATER, CAR, Bahia Pesca e da
Agência de Defesa Agropecuária da Bahia”. A SDR reúne um conjun-
to de órgãos estatais nos 27 TI, por meio dos SETAF, que possibilitam
a articulação dos programas e disseminação das suas ações no Esta-
do. Todavia, percebe-se que alguns SETAF possuem melhor estrutura
e equipamentos, outros ainda carecem de investimentos em equipa-
mentos e mão de obra qualificada. Ao nível do município, a estra-
tégia é criar o Serviço Municipal da Agricultura Familiar (SEMAF)
para apoiar as ações e programas em todos os 417 municípios. O SE-
MAF se constitui em uma articulação entre a SDR e as prefeituras
municipais para promover o desenvolvimento rural no município, e
está associado ao SETAF de cada TI (ENTREVISTA, 2018).
Uma vez apresentada a SDR, com atribuição para articular e con-
duzir as diversas políticas públicas e programas, faz-se necessário
apresentar o arranjo institucional que expressa a estratégia adotada
para a oferta do serviço de ATER. A institucionalização da PEATER
possibilita que o Estado conduza o serviço de extensão por meio de
editais de chamada pública, ou seja, o Estado se desresponsabiliza
pela execução de parte dos serviços e os terceiriza para instituições,
empresas privadas e prefeituras municipais. A descentralização per-
mite ao Estado assumir a função de articular, financiar, monitorar e
fiscalizar o serviço de ATER.
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Conforme Figura 1, a estratégia de gestão se expressa por meio


de um arranjo multirreferencial e descentralizado para todos os TI.
Nos SETAF a BAHIATER coordena ações de ATER executadas pelos
técnicos que constituem o quadro do Estado e ações executadas pe-
los técnicos das prefeituras conveniadas e instituições contratadas.
A descentralização do serviço possibilita que seja categorizado em
duas modalidades, denominadas de ATER direta e ATER indireta,
vinculadas à BAHIATER. Na modalidade ATER direta, os técnicos do
Estado executam os serviços em campo; na modalidade ATER indire-
ta, as prefeituras conveniadas e instituições contratadas são respon-
sáveis pela contração da equipe técnica para a execução dos serviços
(SILVA, 2020).
Na modalidade de ATER indireta o vínculo com o Estado é cons-
tituído por dois instrumentos legais: convênios e contratos. A aná-
lise desses instrumentos tornou-se relevante para se compreender
a estratégia de ATER adotada na Bahia. Especificamente dentre as
modalidades de ATER indireta analisaram-se os editais de chamada
pública divulgados pela BAHIATER, no período de 2015 a 2018 e ins-
trumentalizados na forma de contratos com as instituições prestado-
ras dos serviços. A análise dos editais que foi realizada observando
sua aderência aos princípios estabelecidos pela PNATER e PEATER
permite afirmar que todas as chamadas públicas foram realizadas
em consonância com os princípios das políticas e de forma democrá-
tica e participativa. No entanto as entrevistas com gestores públicos
revelaram conflitos ideológicos em torno da concepção e metodolo-
gia de ATER, aprofundados com a extinção da EBDA e institucionali-
zação da BAHIATER.

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Figura 1 – Arranjo institucional para execução do serviço de ATER na


Bahia

Fonte: Elaboração própria (2019)

Conforme Figura 1, identificaram-se também, sob coordenação


da CAR, instituições contratadas através de editais de chamada pú-
blica para executar serviço de ATER através dos projetos financiados
com recursos externos. Embora as instituições adotem os princípios
da PNATER e PEATER, nesse caso as ações de ATER são direciona-
das para atender as metas dos subprojetos aprovados. Esse formato
exige um certo grau de organização social das comunidades, acesso
à informação sobre os editais e qualificação técnica para escrever a
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proposta, o que sugere a demanda por assessoria anterior à execução


das ações. A ATER vinculada aos editais da CAR, além de ser especí-
fica, está circunscrita ao tempo do contrato estabelecido no proje-
to. Uma vez terminado o prazo do contrato, as famílias ficam sem a
assessoria.
De acordo com Silva (2020), as instituições selecionadas por meio
de editais atendem aos critérios estabelecidos e contam com uma
equipe técnica com referência na área da competência atribuída.
Os editais exigem que a equipe seja multidisciplinar, os profissio-
nais dos cargos de nível superior devem possuir formação nas áreas
agrárias, humanas, sociais e sociais aplicadas. A análise dos editais
mostra que os critérios definidos para a seleção das equipes técni-
cas são coerentes aos princípios estabelecidos nas políticas estadual
e federal de ATER. A possibilidade de selecionar a melhor equipe,
considerando os princípios da política para executar o serviço de
ATER, significa um avanço em relação ao perfil do extensionista con-
vencional. No entanto, vale lembrar que a formação da equipe e sua
concepção de mundo é em grande parte associada aos currículos das
disciplinas nas universidades, quase sempre restritos à concepção de
ciência instrumental e produtivista.

O serviço de ATER, mesmo sendo executado de forma híbrida


(instituições públicas e privadas), é restrito no que se refere ao núme-
ro de famílias atendidas. Essa limitação pode ser associada aos gas-
tos públicos definidos pelo Estado. De acordo com as informações da
BAHIATER, são atendidas através da ATER direta 28.738 famílias por
ano. Considerando as 3.720 famílias incorporadas, em 2018, pelo Pro-
jeto Dom Helder Câmara (PDHC), eleva-se para 32.458 famílias (EN-
TREVISTA, 2018). Embora o Estado da Bahia ainda execute de forma
direta o serviço de ATER na Unidade Produtiva Familiar (UPF)9, é na

9
UPF é definida como área agrícola onde as famílias realizam suas atividades produ-
tivas rurais com vistas à geração de renda, soberania alimentar, segurança alimentar
e nutricional (BAHIA, 2015; BAHIA, 2016).

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modalidade indireta (o Estado como financiador) que está centrado


o serviço de ATER.
Como pode ser visto no Gráfico 1, a ATER indireta coordenada
pela BAHIATER atende a 52.740 famílias. Os projetos vinculados à
CAR atendem a 36.259 famílias, sendo 21.915 através do Bahia Produ-
tiva e 14.344 através do Pró-semiárido (ENTREVISTA, 2018). Conside-
rando as ações da BAHIATER e CAR são 89.999 famílias atendidas.
Diante do número de estabelecimento categorizados como agricul-
tura familiar (593.411), o total de 121.457 famílias que acessam os ser-
viços de ATER é um número pouco expressivo. Entende-se que a es-
trutura e forma de execução da PEATER expressa a sua fragilidade e
limite, tanto na implantação quanto na execução da política, no que
se refere a tempo dos contratos e convênios, distribuição espacial e
volume de recursos.

Gráfico 1 – Número de famílias atendidas por modalidade de ATER

Fonte: Elaboração própria (2019)

O arranjo institucional criado para ofertar o serviço de ATER é


descentralizado e multirreferencial. Embora esteja em consonância
com os princípios da PEATER, revela-se frágil e limitado no tempo
e espaço. Uma mudança na conjuntura política e econômica pode
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comprometer a execução da política, que é embasada na oferta do


serviço por meio de editais. A oferta do serviço pode ser suspensa,
independentemente se as instituições executoras possuem ou não as
competências necessárias para executar as ações de ATER. O limite
pode ser observado tanto na definição do prazo do contrato, quan-
to pelo número de famílias atendido. Esses fatores estão intrinseca-
mente relacionados ao volume de recursos financeiros disponibili-
zados pelo Estado. É inegável que o Estado e as organizações sociais
avançaram na construção de uma política de ATER inclusiva e par-
ticipativa. Todavia as camadas populares seguem como classe do-
minada e qualquer mudança na correlação de forças no interior do
Estado que não as favoreça, pode restringir ou extinguir as suas con-
quistas. Ou seja, a autonomia relativa possibilita ao Estado inscrever
as demandas das camadas populares nos seus aparelhos e construir
uma estratégia de gestão limitada ao modelo neoliberal.

Considerações finais

A Bahia tem aproximadamente 594 mil estabelecimentos familia-


res, esse número justifica a criação de instituições que possam aten-
der às demandas populares, seja por considerar a questão do ponto
de vista econômico, ambiental ou social. O Estado da Bahia e as or-
ganizações sociais avançaram na construção de uma concepção de
uma política de ATER de forma democrática e participativa, referen-
ciada em princípios de base agroecológica, com vistas à promoção
do conhecimento conforme preconizado na PNATER. Conforme de-
finido na PEATER, para trabalhar com os segmentos populares ado-
tam-se os princípios de base agroecológica, as redes de produção e
comercialização solidárias, a gestão e o controle social das políticas
públicas, que exige um desenho institucional integrado.
No entanto, a estratégia de gestão de ATER adotada na Bahia ex-
pressa dupla fragilidade na condução PEATER: a) qualquer alteração
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O papel do Estado na extensão rural baiana
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

no cenário econômico ou político pode restringir a oferta dos ser-


viços, seja por meio de convênios ou de editais de chamada pública;
b) mesmo garantida por meio de um instrumento legal, como uma
política pública, a oferta do serviço pode sofrer restrição via orça-
mento público. Tem-se como exemplo a mudança na conjuntura
econômica e política que restringiu a oferta dos editais de chamada
pública no âmbito federal no período 2016-2019. Além disso, a natu-
reza da política é conflituosa ao se contrapor à concepção hegemô-
nica da ATER produtivista, ainda presente nos diversos aparelhos de
Estado. A consolidação da política exige dos movimentos e organi-
zações sociais rurais que a luta pela sua execução e ampliação seja
constante.

Referências

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em: 12 jun. 2018.

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Edna Maria Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
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Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Assistência técnica e extensão rural:


uma agenda para o desenvolvimento rural
sustentável

Marcio Caetano de Azevedo Lopes

Introdução

A temática da transição agroecológica para o desenvolvimento


rural sustentável tem sido exaustivamente debatida na literatura e
encontra favorável centralidade na agenda de muitos organismos
nacionais e internacionais e, portanto, cabe neste tema, observar-
mos algumas perspectivas para o alcance de uma proposta que esteja
ambientada sob o prisma da superação da problemática socioam-
biental que desafia a humanidade neste século.
O mundo globalizado trouxe efeitos irreversíveis e isto têm apon-
tado os limites ecológicos e sociais no planeta e, mais severamente,
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Lopes
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

em locais onde a população é mais vulnerável. No entanto, para am-


pliar o horizonte de respostas que busque soluções para o iminente
caos, é imprescindível buscar respaldo nos Objetivos do Desenvol-
vimento Sustentável (ODS), apoiados pela Organização das Nações
Unidas (ONU) e, neste sentido, cabe reforçar que este exame necessi-
ta perceber os efeitos das políticas públicas na sociedade e em seto-
res específicos, como na agricultura, bem como incorporar múltiplas
áreas das ciências a esse tipo de análise.
Caporal (2020) já alertava que a resposta à crise civilizatória exige
o surgimento de novas políticas para o desenvolvimento rural e da
necessidade de fortalecer uma transição para a agroecologia, con-
trastando com o peso da emissão de gases do efeito estufa que os con-
glomerados agroindustriais dissipam na atmosfera.
Não é de agora que a agricultura industrial brasileira tem sofrido
severas críticas em torno dos impactos ambientais, apesar da narra-
tiva que “os efeitos ambientais negativos seriam compensados por
efeitos positivos em indicadores econômicos e sociais” (FAVARETO
et al., 2022, p. 7). Ademais, impulsionado pela mídia e pelo Estado, é
crescente, por ora, o discurso que este setor “carrega o país nas cos-
tas” e ainda alimenta o país, mesmo reconhecendo que a expansão
da agricultura industrial é capitaneada pela exportação da soja e de
outras commodities para o mercado internacional.
Mesmo de forma concisa, entendemos que essa abordagem ini-
cial também situa o contexto do cenário ambiental e agrícola no
Brasil e por isso não podemos fragmentá-lo do importante papel da
agricultura familiar para fomentar o desenvolvimento rural susten-
tável. Não há dúvidas que esta categoria tem sido impactada profun-
damente, não só pelas pressões da agricultura patronal, mas sobre-
tudo, pelas mudanças climáticas e pela ausência da mão do Estado
neste setor. Este contexto também se vincula ao fim dos governos
progressistas, haja vista que “o impeachment de Dilma Rousseff de-
marca uma mudança na configuração política, caracterizada pela
hegemonização dos atores e do projeto neoliberal do agronegócio”
(DIESEL et al., 2021, p. 599).
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Assistência técnica e extensão rural
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Refletindo decisivamente nos agricultores familiares, a estratégia


neoliberal de desmantelamento de algumas políticas ainda repercu-
te numa série de problemas que vem se agravando nos últimos anos.
Consequência de uma agenda pública nociva à agricultura familiar,
a desidratação de muitas políticas - outrora institucionalizadas es-
pecificamente para a categoria -, têm provocado situações críticas e
sabemos que os resultados dessas iniciativas afetarão drasticamente
a agricultura de base familiar e a sociedade, agora e nos próximos
anos.
Entre essas políticas, a Assistência Técnica e Extensão Rural
(ATER) está no cerne das disputas conservadoras que sofre, com
frequência, redução orçamentária, bem como incisivos ataques
ideológicos promovidos pelo próprio Estado, com o propósito de
reestruturar, através do discurso, o escopo político-administrativo
das políticas de ATER (DIESEL et al., 2021). Desse modo, a atenção do
atual governo tem se voltado às práticas conservadoras prestigiadas
por governos militares à época da “revolução verde”.
Tendo em vista que a ATER é um importante instrumento políti-
co, ambiental, cultural e socioeconômico para a agricultura familiar
e, fundamentalmente, para estimular o desenvolvimento rural sus-
tentável, este capítulo busca colaborar com uma análise acerca da
importância da ATER para a promoção de uma proposta voltada ao
desenvolvimento rural sustentável. Propomos aqui um debate não
necessariamente empírico ou exclusivamente técnico-acadêmico,
mas reflexivo, uma vez que múltiplas dimensões coexistem para que
perspectivas concernentes ao desenvolvimento rural sustentável es-
tejam pautadas, a rigor, sob determinados paradigmas.

Política de Assistência Técnica e Extensão Rural: trajetória


recente, breve panorama e desafios

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No século 20, no Brasil, a Assistência Técnica e Extensão Rural


estava no centro das atenções de um Estado desenvolvimentista, in-
fluenciado por um modelo norte-americano de assistência técnica
e, ao longo dessa trajetória, o difusionismo1 esteve na pauta desta
agenda liberal, com vistas a atender aos interesses das indústrias de
tecnologia, sementes, fertilizantes, máquinas, implementos agríco-
las, entre outros. Ao longo dos anos, a ATER passa a ganhar novos
espaços, sobretudo, a partir da criação do Programa Nacional de For-
talecimento da Agricultura Familiar, o PRONAF, que inaugura um
importante marco político, institucional e democrático para esta ca-
tegoria social. Além disso, a “retomada” da ATER na agenda pública
do Estado é representada pela Política Nacional de Ater, criada em
2004.

Essa política estabeleceu que a extensão rural deveria ser voltada


prioritariamente para agricultores familiares, assentados, quilom-
bolas, pescadores artesanais e povos indígenas. O serviço de Ater pú-
blica deveria ter por orientação promover a inclusão social da popu-
lação rural mais pobre, tendo por base o respeito à pluralidade e às
diversidades sociais, econômicas, étnicas, culturais e ambientais do
país (PEREIRA; CASTRO, 2021, p. 13).

Reformulada em 2010, com a criação da Política Nacional de As-


sistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) e o Programa Nacional
de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e
na Reforma Agrária (PRONATER) (PEREIRA; CASTRO, 2021), a ATER
ganha novos contornos e passa a vislumbrar um modelo especifica-
mente voltado à preservação do meio ambiente, ao enfoque multi e
interdisciplinar, à equidade nas relações de gênero, à contribuição
para a soberania e segurança alimentar e nutricional, entre outros
(BRASIL, 2010).
Apesar de a PNATER apresentar uma oportunidade para guiar
novas e adequadas estratégias para o alcance de metas da Agenda

1
Ver Gonçalves, Ramirez e Santos (2016).

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2030, por exemplo, o marco de rompimento com algumas das polí-


ticas que contribuíram para legitimar a agricultura familiar, ocorre
a partir de 2016 com a extinção do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) e com as sucessivas reduções orçamentárias às diver-
sas políticas voltadas ao setor. Neste contexto, a coordenação da po-
lítica de ATER encontra-se “sob a responsabilidade da Secretaria de
Agricultura Familiar e Cooperativismo (SAF) do Mapa2, conforme o
Decreto nº 10.253, de 20 de fevereiro de 2020. Nesta Secretaria, o De-
partamento de Desenvolvimento Comunitário passou a ser respon-
sável pela coordenação da Pnater” (DIESEL et al., 2021, p. 603). Com
isso, coube ao MAPA a capitania das políticas voltadas à agricultura
familiar.
Há um notável avanço da agricultura industrial sobre boa parte
dos territórios rurais e uma miríade de estudos recentes demonstra
que o crescimento do setor também é fruto do forte investimento
por parte do Estado e do capital estrangeiro (FAVARETO et al., 2019;
KATO; LEITE, 2020; PLOEG, 2021; GRISA, 2021; FAVARETO et al.,
2022). Portanto, a crescente mercantilização dos recursos naturais, a
especulação e grilagem de terras e o desmatamento ilegal, conferem
ao Brasil uma combinação de graves eventos coexistentes eviden-
ciando a contramão que se encontra o país e os grandes desafios a
serem enfrentados.
Mas qual a posição que a ATER pode ocupar para (re)posicio-
nar a agricultura familiar de volta ao jogo? Ora, entendemos que a
ATER representa um conjunto de organizações, instituições e atores
capazes de reestabelecer novas frentes e elos a partir dos seus prin-
cípios, práticas e, fundamentalmente, por sua vocação em mobili-
zar lideranças, sujeitos e organizações nos territórios. Enfrentar os
desafios socioambientais anunciados, demanda, necessariamente,
uma ação coordenada dessas estruturas e a proposição de um novo

2
O Ministério da Agricultura e Abastecimento (MAPA), é responsável pela gestão das
políticas públicas de estímulo à agropecuária, pelo fomento do agronegócio e pela
regulação e normatização de serviços vinculados ao setor. Disponível em: <https://
www.gov.br/agricultura/pt-br>.

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paradigma que reestabeleça, sob diferentes níveis e dimensões, o


protagonismo da agricultura familiar na produção de alimentos via
agroecossistemas sustentáveis.
Não sejamos ingênuos e depositemos toda a responsabilidade na
ATER, até porque o seu importante papel está “na ponta”. A montan-
te, o financiamento por parte do Estado é indispensável para promo-
ver recursos visando orientar a conformação dos sistemas regionais
de soberania alimentar e desenvolvimento rural (RAMÍREZ-MIRAN-
DA; TORRES-RIVERA, 2021). Em tempo, não podemos esquecer que
o agravamento do atual cenário ultrapassa os limites políticos e se
vê intensificado por uma crise sanitária provocada pela pandemia
da Covid-19. Como destacado inicialmente, a pressão sofrida pelos
biomas, através dos sistemas convencionais de produção, tem esti-
mulado muitos cientistas a endossar a possibilidade de surgimento
de outras pandemias.
Dados do Censo Agropecuário realizado em 2017, demonstram
que os estabelecimentos rurais da agricultura familiar, das regiões
Norte e Nordeste, apresentam as menores médias quanto ao núme-
ro de estabelecimentos que receberam orientação técnica, 10% e
8%, respectivamente. Por outro lado, 66% (em média) da ATER que
chegou até os agricultores familiares destas regiões, tem origem de
governos (federal, estadual ou municipal). Os estados do Amapá e da
Paraíba, apresentam melhor desempenho nas regiões, consideran-
do que 14% e 17,7%, respectivamente, da agricultura familiar destes
estados acessou alguma forma de orientação técnica (ver Figura 1)
(IBGE, 2017).

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Figura 1. Estabelecimentos rurais familiares que receberam orientação


técnica e que receberam orientação técnica de governos - estados
brasileiros e Distrito Federal (2017)

Fonte: Elaborado pelo autor com base em IBGE (2017).

Já no caso dos estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste o


cenário se inverte. Nestas regiões, os estabelecimentos da agricultu-
ra familiar que receberam orientação técnica representam uma mé-
dia em torno de 49%, 25% e 29%, respectivamente, com expressivos
percentuais nos seguintes estados: Distrito Federal (77%), Santa Cata-
rina (54%), Rio Grande do Sul (50%), Paraná (44%) e São Paulo (35%).
Todavia, nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a média é de apro-
ximadamente 41% relativa à ATER que foi executada por governos,
contrastando com a realidade do Norte e Nordeste, que obtiveram
a maior parte das melhores médias quanto aos empreendimentos
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familiares que receberam ATER de governos, partindo de 45%, no


caso do estado da Bahia, até 87%, como no caso dos estados do Ceará
e Amapá (IBGE, 2017).
Uma questão que chama a atenção no Censo Agropecuário 2017,
trata-se do aumento da contratação de profissionais - por parte do
estabelecimento -, para receber orientação técnica e isso tem oco-
rrido em áreas que concentram as maiores propriedades. Esses per-
centuais são mais evidentes nas regiões Sudeste (28%), Centro-Oeste
(25%) e Nordeste (17%), seguidos pelas regiões Sul (15%) e Norte (13%)
(IBGE, 2017).
Por sua vez, as empresas integradoras (tradings) prestam orien-
tação técnica para uma fatia expressiva da agricultura familiar no
Brasil e isto requer atenção, uma vez que a orientação prestada por
essas empresas “aparece justamente na oferta de insumos, visto que
muitas destas atuam também no segmento de fertilizantes (...) atra-
vés de seus técnicos, que vão oferecer os produtos nas propriedades,
apresentam-se orientações técnicas sobre o uso de tais insumos” (PE-
REIRA; CASTRO, 2021, p. 40). Os agricultores familiares que mais têm
recebido orientação técnica através de empresas integradoras estão
na Região Sul: Santa Catarina (28%), Rio Grande do Sul (25%) e Para-
ná (18%), seguidos por estados que estão na Região Centro-Oeste, tais
como: Mato Grosso (8%), Mato Grosso do Sul (5%) e Goiás (4%). Já na
Região Sudoeste, São Paulo (7%), Espírito Santo (5%) e Minas Gerais
(4%) são os estados com os maiores percentuais. Por fim, no Norte
e Nordeste há um destaque para o estado do Pará (5%) e Bahia (4%),
respectivamente.
Cabe observar que a orientação técnica oferecida pelas empresas
integradoras “tem um caráter bem distinto da Ater pública, confi-
gurando mais um serviço terceirizado de controle produtivo” (PE-
REIRA; CASTRO, 2021, p. 39). Este tipo de orientação técnica carrega
padrões próprios dos complexos agroindustriais ao condicionarem
o serviço à aquisição de insumos, à padronização da produção e,
principalmente, à integração com outras grandes empresas, como
a Sadia, Cargill, entre outras. Desse modo, subordinam agricultores
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

menos capitalizados aos condicionantes mercantis das tradings,


“que controlam a comercialização e o processamento dos produtos
agrícolas (...) isso torna os produtores ainda mais vulneráveis às vi-
cissitudes da natureza e às flutuações dos mercados” (BUAINAIN,
2014, p. 225).
Em resumo, os percentuais quanto à origem da orientação técni-
ca recebida por agricultores familiares no Brasil, seguem da seguinte
forma: governo (federal, estadual ou municipal) (37,2%), Cooperati-
vas (22,1%), própria ou do próprio produtor (18,6%), empresas inte-
gradoras (13,7%), empresas privadas de planejamento (2,2%), organi-
zações não-governamentais (ONGs) (0,8%), Sistema S (0,6%) e outra
(4,4%) (IBGE, 2017). Os dados sugerem a necessidade de outras aná-
lises específicas a fim de observar se na prestação de serviços execu-
tados por cooperativas, por exemplo, existe financiamento ou apoio
público.
Uma outra questão que não podemos desconsiderar, reluz na Re-
gião Nordeste que concentra pouco mais de 47% de toda a agricultu-
ra familiar do país. Na Região, a agricultura familiar que mais rece-
beu ATER está nos estados da Paraíba (17,7%), Rio Grande do Norte
(14,9%), Ceará (11%), Sergipe (8%) e Bahia3 (7%). Nota-se que, onde a
presença dos governos é relativamente alta e ao mesmo tempo con-
centrada, o percentual de estabelecimentos que não acessam a ATER
também é expressivo.
Entendemos que - além da heterogeneidade própria da agricul-
tura familiar e independente dos fatores a serem observados -, os
policy makers devem levar em consideração métricas sociais, am-
bientais e econômicas de cada região e ponderar, sobretudo, que a
Região Nordeste demanda uma combinação ímpar de componentes

3
A Bahia detém o maior número de estabelecimento rurais familiares do país com
593.411 (IBGE, 2017) e está entre os estados com o menor percentual do país quanto ao
número de estabelecimentos familiares que receberam orientação técnica e a origem
da origem da orientação neste estado está distribuída da seguinte forma: governos
(45%), própria (17%), Cooperativas (16%), empresas integradoras (4%), empresas priva-
das e de planejamento (1%), ONGs (7%), Sistema S (1%) e outra (9%).

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socioprodutivos, ambientais e políticos para fortalecer a agricultura


familiar e a convivência com fatores edafoclimáticos adversos. Ploeg
(2021) reforça que a participação do Estado contribui para preencher
lacunas existentes entre múltiplos elementos e que os movimentos
do campo não podem solucionar essas questões por si próprios (mer-
cados, agroecologia, soberania alimentar etc.).
Se por um lado sobram investimentos para a agricultura indus-
trial - setor que tem impulsionado o PIB, mas não tem elevado os in-
dicadores de desenvolvimento, inclusive nos municípios onde con-
centram-se os maiores produtores de grãos (FAVARETO et al., 2022)
-, como ressurgir a ATER no Brasil e quais as novas faces para incor-
porar à política?

A Ater pública e ofertada atualmente no Brasil não possui a mesma


força quando da sua criação e disseminação, que contava com uma
estrutura robusta e abrangente. A sua situação alterou profunda-
mente ao longo dos anos, principalmente após a extinção da Embra-
ter nos anos 1990, que representou a redução expressiva dos recur-
sos e o sucateamento do serviço nos estados e municípios que não
conseguiram suprir a falta de recursos federais. Apesar da redução
da Ater pública, visível nos dados comparados entres os dois censos
agropecuários, essa fonte de orientação técnica é a mais abrangente,
capilarizada e apta para atender os pequenos produtores brasileiros
(PEREIRA; CASTRO, 2021, p. 46).

Notadamente, as estratégias de descentralização da ATER ocu-


pam um plano de ação importante. Porém, discordando de parte das
últimas linhas apresentadas por Pereira e Castro (2021, p. 46), a de-
legação dos serviços de ATER é um passo democrático fundamental
para prover maior abrangência aos serviços de extensão rural no
país e, ao mesmo tempo, uma maior integração das organizações te-
rritoriais às perspectivas locais. Peixoto (2014, p. 898) alerta que “a
perspectiva global sobre a extensão já não é a de um serviço unifica-
do do setor público, mas de uma rede multi-institucional de susten-
tação do conhecimento e da informação para as populações rurais”.
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A ATER precisa de uma agenda progressista, tal como a dos ODS e


para caminhar no sentido desta mudança, passa, necessariamente,
por um plano político arrojado, ambientalista e socialmente justo.
A propósito, é indiscutível a necessidade de apoiar Universidades,
Institutos e centros de ensino, pesquisa e extensão. Além de fortale-
cer o campo técnico, prático, pedagógico, político e socioprodutivo,
essas instituições têm um papel social e tecnológico fundamental
para o desenvolvimento rural sustentável. Para tanto, é oportuno
(e indispensável) uma reformulação nos currículos, sobretudo, nas
Ciências Agrárias, bem como institucionalizar uma cultura para a
interdisciplinaridade, tendo em vista que “a Agroecologia se abaste-
ce de teorias com os mais distintos campos do conhecimento, recon-
hecendo ainda a necessária articulação entre os saberes tácitos e os
acadêmico-científicos” (BECKER; SILVA, 2021, p. 276).
A seguir, abordaremos algumas questões intrínsecas à susten-
tabilidade, não como uma resposta única aos argumentos que são
recorrentes ao tema em questão, mas de alguma forma tentamos
estimular uma reflexão necessária sob uma tese que defende uma
profunda (re)articulação de múltiplos atores e instituições, através
de um projeto sintonizado com as demandas globais e preocupado
com aquilo que chamamos de relação tempo-ambiente-gerações.

Um contexto para o desenvolvimento rural sustentável:


transições, ATER e aportes teóricos

Cabe um questionamento inicial neste debate: sobre qual des-


envolvimento rural sustentável estamos falando? Talvez uma outra
pergunta, imediatamente, possa sugerir algumas reflexões: existe
um modelo para pensar o desenvolvimento rural sustentável? Uma
primeira questão, que logo precisamos responder, paira na comple-
xidade e heterogeneidade evidenciada nos espaços rurais, sobre-
tudo, da América Latina. Uma segunda questão se ambienta numa
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importante perspectiva para o desenvolvimento rural sustentável


neste continente: “No marco de uma nova articulação da agricultura
com o conjunto da reprodução social na escala das diferentes nações,
a América Latina conta com três vertentes amplas: a agroecologia,
a economia social e solidária e a educação popular”. (RAMÍREZ-MI-
RANDA; TORRES-RIVERA, 2021, p. 96, tradução do autor).
Neste campo, Costa (2009, p. 69) aponta que “a educação popular
é entendida como dimensão intrínseca da democracia na América
Latina e exige ampla participação de todos os setores sociais” e, por
isso, cabe refletir sobre as interfaces entre o Estado e a sociedade,
vislumbrando as instituições como um elo indispensável para essa
ampliação. Isso vai ao encontro das experiências em Economia So-
lidária, justamente por se aproximar de uma praxis territorial, ins-
truída a promover uma ação contra-hegemônica capaz de ajustar-se
às singularidades dos territórios e seus ecossistemas (SAQUET, 2019).

É sabido que a noção de desenvolvimento sustentável supõe o esta-


belecimento de estilos de agricultura sustentável que não podem ser
alcançados unicamente pela transferência de tecnologias. De fato,
a transição agroecológica em curso indica a necessidade de cons-
trução de conhecimentos sobre distintos agroecossistemas e varie-
dades de sistemas culturais e condições econômicas o que determina
que a extensão rural, como um dos instrumentos de apoio ao desen-
volvimento rural, adote objetivos, estratégias, metodologias e práti-
cas compatíveis com os requisitos desse novo processo (CAPORAL,
2003, p. 2).

Gliesmann e Rosemeyer (2010) reforçam o que outrora foi propos-


to por Hill (1998) e mais tarde por Gliesmann (2007), quando relem-
bram os quatro importantes níveis para iniciar a transição para a
agroecologia. O nível 1, preconiza o aumento da eficiência e eficácia
práticas convencionais para reduzir o uso e o consumo de insumos
escassos ou prejudiciais ao meio ambiente. No nível 2, trata-se da
substituição de insumos convencionais por práticas alternativas.
Já no nível 3, cabe redesenhar o agroecossistema para que funcione
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com base em um novo conjunto de processos e relacionamentos eco-


lógicos. Por fim, no nível 4, defende-se o restabelecimento de uma
conexão mais direta entre quem produz e quem consome, com o ob-
jetivo de restabelecer uma cultura de sustentabilidade que leva em
conta as interações entre todos os componentes do sistema alimen-
tar (GLIESMANN; ROSEMEYER, 2010)
São nessas escalas que se apresentam um conjunto de instrumen-
tos sócio-tecnológicos distintos, sistemáticos, multi e interdiscipli-
nares, compatíveis com a demanda global na busca de um equilíbrio
ecológico. Ploeg et al. (2019) apontam que existem três importantes
aspectos para caracterizar a agroecologia: prática, ciência e movi-
mento social. Os autores ainda inferem que esses aspectos podem
ocorrer sob distintos “pesos” em determinados lugares, a exemplo da
França, Alemanha e Brasil, respectivamente, e, ao mesmo tempo, de-
fendem que essas dimensões se articulem de forma integrada.

Há a necessidade de desenvolver as três dimensões de forma inte-


grada, especialmente para promover uma abordagem transdiscipli-
nar, sistêmica, com potencial para mudar os paradigmas agrícolas
atuais e apoiar a tão necessária transição sociotécnica para sistemas
alimentares mais sustentáveis (PLOEG et al., 2019, p. 2, tradução do
autor).

Somando-se a este debate, Díaz-Bonilla e Saravia-Matus (2019)


abordam sobre a necessidade de financiamento público e privado
para apoiar a construção de sistemas alimentares eficientes e sus-
tentáveis visando a consecução de metas para o alcance da Agenda
2030, os ODS, que carregam metas e componentes que, de alguma
forma, (direta ou indiretamente) se conectam com os alimentos e a
agricultura. Diante desta realidade, é preciso levar em consideração
a importância da agricultura familiar e o seu potencial contribuiti-
vo do local ao global. Para isto, é indispensável considerar as múlti-
plas dimensões que o tema do “desenvolvimento rural sustentável”
carrega e as especificidades territoriais, para assim, (r)estabelecer

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diretrizes político-institucionais inclinadas ao papel que as redes so-


ciais, políticas e organizacionais desempenham na esfera endógena.
Muitos são os desafios que coexistem neste século e cada vez
mais é urgente a necessidade de “virar a chave” ao encontro dos ODS,
haja vista a distância que se encontram os modelos dominantes do
sistema alimentar global desta Agenda, elevando os riscos desses sis-
temas aos ecossistemas (CLAPP et al., 2022). Esta dinâmica está visi-
velmente concentrada na internacionalização do sistema alimentar
que é marcada por “ciclos econômicos capitalistas de grande esca-
la que supõem, entre outros aspectos, a intensificação da produção
agrícola, a orientação da política de oferta e demanda de determina-
dos alimentos, a concentração dos negócios em empresas multina-
cionais” (ARNAIZ, 2005, p. 147).
Neste ponto, o que está em questão não se trata de iniciar uma
“guerra” contra esse sistema, altamente consolidado e globalizado.
Preferimos reforçar que múltiplos sistemas coexistirão e, tardiamen-
te ou não, os sistemas hegemônicos terão que se adaptar às “regras”.
Parte da sociedade e, sobretudo, o próprio meio ambiente já tem co-
brado, basta observar as frequentes estiagens em algumas regiões
e outros devastadores efeitos do clima que têm levado populações,
inclusive, à morte. Por sua vez, Uzêda e Cruz (2020) apontam que a
devastação dos ecossistemas propõe a necessidade de uma extensão
rural que incida sobre uma concepção para a sustentabilidade. Já
outros autores, como Silva et al. (2020), sugerem que essa (nova) ex-
tensão rural esteja plasmada aos ODS.

Reflete-se que o Objetivo Dois para o Desenvolvimento Sustentável


apresentado na Agenda 2030, que visa a erradicação da fome e agri-
cultura sustentável, só será alcançado por meio de atividades de ex-
tensão rural efetivas, que possibilitem que os produtores recebam
as informações corretas, por meio de intermediários capacitados, e
sempre levando em consideração os conhecimentos tradicionais, e
as especificidades regionais. Além disso, suportando e amparando os
produtores rurais no contexto de mudanças climáticas e adaptação
da agricultura aos desafios que irão surgir (SILVA et al., 2020, p. 19).
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Assistência técnica e extensão rural
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

A Assistência Técnica e Extensão Rural não é garantia de resul-


tados exitosos para uma proposta de desenvolvimento rural susten-
tável, embora apresente importantes atributos para tal. Transversa-
lizar a política pública de ATER com outros instrumentos políticos,
implica em convergir diferentes dimensões e estruturas sociopolíti-
cas que estejam comprometidas com indicadores e métricas orienta-
das à formulação de projetos públicos nas bases locais. Obviamente,
é preciso reivindicar propostas compatíveis com as realidades dos
grupos familiares e das dinâmicas locais, apoiando a inovação pro-
dutiva, as tecnologias sociais e a sustentabilidade socioeconômica,
ambiental e alimentar. Até porque, “diante dos desafios do desen-
volvimento sustentável, os aparatos públicos de extensão terão que
transformar sua prática convencional e introduzir outras mudanças
institucionais” (CAPORAL, 2003, p. 2).

Por isso, destaca-se a importância de fortalecer o Estado-social ao


invés de desmantela-lo, nisso fortalecer a ATER pública, aliada as
políticas de crédito e de perfil social (saúde, educação e saneamento
básico, energia elétrica e água), pode promover o desenvolvimento
das áreas rurais, transformando os agricultores marginalizados em
figuras capazes de se inserir no processo produtivo, e criar estraté-
gias para a melhoria das condições de vida da família e dar face ao
desenvolvimento rural (NASCIMENTO et al., 2019, p. 25).

Em The Conversion to Sustainable Agriculture Principles, Proces-


ses, and Practices, Gliesmann e Rosemeyer (2010) observaram nos
estudos apresentados que - de forma geral -, há um consenso entre
os autores sobre a importância das políticas públicas voltadas às
práticas sustentáveis e os efeitos positivos que essas políticas podem
reproduzir no sistema alimentar. Já em um estudo recente sobre o
financiamento da produção sustentável na agricultura familiar, es-
pecificamente sobre as “linhas verdes” do PRONAF, Lopes, Almassy
Júnior e Silva (2022) apresentam que essas linhas de crédito rural,
voltadas exclusivamente à produção sustentável, encontram-se
inertes e dependentes de melhor articulação, desde as agências que
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veiculam o PRONAF até a execução da política via ATER. É importan-


te reforçar que a transição para a agroecologia requer investimentos
maiores, sobretudo, nas fases de transição (WEID, 2007).

[...] faz-se necessário o estabelecimento de mecanismos de crédito


(custeio e investimento), associados à assistência técnica habilitada
em agroecologia e à viabilização de canais de comercialização para
uma produção agrícola diversificada (principalmente via mercado
local), voltados a atender, num processo de desenvolvimento rural
sustentável, às demandas de agricultores familiares descapitaliza-
dos, com baixo nível de informação, principalmente no caso de sim-
ples produtores de mercadorias ou semi-assalariados com frágil in-
serção no mercado ou produtores de subsistência (ASSIS, 2006, p.
83).

Para alguns estudiosos do desenvolvimento rural , há uma pro-


funda necessidade de rearticular múltiplas dimensões que podem
(re)assumir o compromisso de compor estratégias que estabeleçam
políticas para um desenvolvimento rural sustentável orientadas
para a agricultura familiar, as quais destacamos:
a) Mobilizar e fortalecer os condicionantes sociais e naturais, en-
quanto fatores imprescindíveis à manutenção da vida em comuni-
dades rurais, urbanas e periurbanas e para a superação das desigual-
dades, tais como renda, alimentação, educação, saúde, entre outros.
b) Estimular as relações entre o consumo e as formas de produção
sustentável, que contribuem desde a manutenção da biodiversi-
dade, à territorialização dos alimentos, às ações que buscam forta-
lecer laços de reciprocidade e a economia local, visando reduzir os
problemas de saúde, provocados, em grande medida, por alimentos
ultraprocessados.
c) Incorporar o debate dos sistemas alimentares sustentáveis às
políticas públicas, que surgem como questões plasmadas sob dinâ-
micas subnacionais (regiões/territórios/local) e necessitam de apor-
te de capital público para iniciar uma transição para a agroecologia
através da incorporação de uma “ATER Agroecológica” (CAPORAL,
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Assistência técnica e extensão rural
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

2020), visando o fortalecimento de sistemas de produção mais


sustentáveis.
Neste sentido, a Figura 2 apresenta alguns importantes vetores
que podem permitir vislumbrar com mais clareza esse horizonte. De
fato, não se trata de apresentar uma “fórmula pronta” e, tampouco,
adaptável a qualquer conjuntura política e espacial. Ademais, cada
território detém uma realidade, embora “os sistemas alimentares
também envolvem pessoas e instituições que iniciam ou inibem mu-
danças no sistema, assim como o ambiente sociopolítico, econômico
e tecnológico em que as atividades acontecem” (BARCELLOS, 2020,
p. 160).
Os instrumentos públicos contemplam uma gama de importan-
tes entradas capazes de estimular determinadas mudanças a partir:
i) do fortalecimento das capacidades (ATER), ao oportunizar cons-
truir novos campos de integração entre as ciências, incentivando a
transição para sistemas de produção sustentáveis, contribuindo so-
bre o uso adequado dos recursos naturais através de iniciativas cole-
tivas, entre outras; ii) da inserção às tecnologias sociais, como uma
oportunidade de convivência e reação às mudanças do clima; e iii) da
criação de redes e articulação de políticas nacionais e subnacionais
que são instrumentos indispensáveis para a legitimação das ações
que promovam a governança e o aporte de investimentos.

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Figura 2. Vetores e níveis de adaptação sociotécnica para uma agenda de


desenvolvimento rural sustentável

Fonte: Elaborado pelo autor.

Estes instrumentos possibilitam induzir (novas) ações sociopro-


dutivas e institucionais para iniciar a transição para a agroecologia,
atuando sob o prisma do cooperativismo, visando ampliar o horizon-
te de redes e mercados territoriais ao reduzir os espaços de disputas
que asseveram ainda mais as crises socioeconômicas entre os agen-
tes locais. Isto, caminha no sentido de contribuir para a adaptação a
um sistema alimentar sustentável e integrado ao território.
As entradas ilustradas na Figura 2 estão intimamente ligados aos
ODS e devem estar alicerçados na ideia de integração das políticas
públicas, como já observado anteriormente. Não será muito exitosa
uma política com foco na agricultura sustentável (ligada ao ODS 2)
que não contemple o suporte e a estruturação do serviço de Assis-
tência Técnica e Extensão Rural, que tem relação com o ODS 4, asse-
gurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade que promova
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Assistência técnica e extensão rural
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. Por


isso, “se faz necessário o desenvolvimento e aplicação de políticas
voltadas à capacitação dos agentes extensionistas com foco nos Ob-
jetivos do Desenvolvimento Sustentável” (SILVA et al., 2020, p. 19).
Não podemos negligenciar a magnitude do desafio de incorporar
a ATER à uma proposta voltada ao desenvolvimento rural sustentá-
vel. Portanto, cabem algumas notas:
a) A via é estrategicamente político-institucional e requer a ple-
na participação da sociedade civil organizada e dos atores que com-
põem este debate.
b) Fora da transição para sistemas de produção mais sustentáveis,
dificilmente as metas inclinadas aos ODS serão alcançadas e as ten-
tativas de mudanças serão frustradas e seguramente descontextua-
lizadas de uma concepção ecológica, socioeconomicamente justa,
viável e equilibrada.
c) Sozinho, dificilmente o Estado aumentará a capilaridade da
ATER pública no país, cabendo um esforço contínuo e ajustado às
organizações locais (como já ocorre em alguns estados, a exemplo da
Bahia) para ampliar a rede de atuação da ATER junto à agricultura
familiar.
d) Para a consecução das notas anteriores, a ATER demandará um
aparato orçamentário e institucional robusto.
Ainda, pouco provável que serão cumpridas mudanças profun-
das no campo da agricultura familiar e da sustentabilidade se ainda
persistem determinadas privações sociais provocadas pela pobreza,
fome, analfabetismo e seca, por exemplo, como ocorre em muitos
espaços rurais brasileiros e, mais rigorosamente, no semiárido da
Região Nordeste. Múltiplos eventos estão confluindo o tempo intei-
ro e essas dinâmicas são intensificadas à medida que as capacidades
também se encontram estagnadas em decorrência de tantas outras
privações (SEN, 2000).

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Considerações finais

O Brasil vive uma equivocada concepção de “desenvolvimento”.


Ainda fortalecem as velhas práticas agrícolas e enchem o prato da
população de veneno. Só nos últimos três anos, foram mais de 1.500
novos fertilizantes liberados pelo atual governo. Por ora, a inclinação
ideológica dos últimos governos, desde o golpe de 2016, tem camin-
hado na direção contrária ao meio ambiente e à agricultura de base
familiar, uma vez que a base governista atua no lobby do agronegó-
cio e com isso os desafios para o meio ambiente e para a sociedade se
multiplicam.
O enxugamento provocado na máquina pública - para as políti-
cas que se articulam com a agricultura familiar, a agroecologia e a
Assistência Técnica e Extensão Rural -, tem contribuído para mover
o país para o lado oposto da sustentabilidade e elevado o quadro de
devastação ambiental, como nunca visto antes. Os ecossistemas têm
dado sinais de esgotamento e temos uma população cada vez mais
urbanizada, desempregada, faminta e pobre. Será que vivemos a re-
produção de uma nova (e mais severa) revolução verde associada à
uma sindemia?
Guiar uma agenda para o desenvolvimento rural sustentável
implica, em primeiro lugar, legitimar a agroecologia no campo po-
lítico-institucional como um direito à vida saudável e sustentável a
todos. A ATER tem em si a possibilidade de orientar esse movimento,
obviamente, desde que amparada por um conjunto de poderes públi-
cos e privados descentralizados e coesos a um plano concreto de des-
envolvimento rural. É urgente a transição para sistemas de produção
mais sustentáveis. Entendemos que essa transição não ocorre rapi-
damente e, portanto, os níveis de sustentabilidade requerem etapas
sólidas e transversalizadas com outras políticas públicas que supor-
tem a ATER na esfera de múltiplas dimensões (e ações). Estamos fa-
lando de um Desenvolvimento Rural Sustentável endógeno, ou seja,

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de baixo para cima (bottom-up) e esses esforços devem garantir uma


relação multilateral e orgânica entre todos.
Evidentemente, este capítulo não esgota esta discussão, uma vez
que há uma importante e vasta agenda de pesquisa conectada a este
tema e isto reivindica um exaustivo debate em torno das variáveis
que o cercam. Sugerimos aqui outras análises que recorram aos efei-
tos das metodologias de ATER em regiões socioeconomicamente vul-
neráveis, a observação dos resultados dos investimentos públicos e
privados na ATER, a influência dos projetos de ATER nos sistemas
alimentares sustentáveis e mercados e, sobretudo, os efeitos dos pro-
jetos de ATER Agroecológica na vida das famílias agricultoras e no
local.

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Por que extensão rural?


Um debate para a formação da(o) extensionista1

Lilian Freitas Fernandes Uzêda e Danilo Uzêda da Cruz

“[...] Assistência técnica e extensão rural, para mim, são


sinônimos de libertação [...]” (Gusmão, Lourival Soares,
Depoimento, 2019).

1
Esse artigo é uma versão modificada de um dos capítulos do livro publicado pela
Pinaúna Editora, Extensão Rural no Brasil: percursos, metodologias e desafios (2020).
O livro, escrito pelos mesmos autores deste artigo, traz uma homenagem ao professor
Francisco Caporal, que renovamos aqui neste texto.

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Fernandes Uzêda e- Lúcia
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da Cruz
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[...] Com relação aos técnicos, muitos saem totalmente


despreparados, não sabem elaborar um projeto para acesso a
crédito, não conhecem as políticas públicas e nem como acessá-
la, como coordenadora tivemos muito trabalho para que essas
coisas fossem alinhadas [...] Daniela Freitas2, Engenheira
Agrônoma/FETAG, depoimento, 2019.

Introdução3

A extensão rural persiste como um dos desafios centrais entre as


estratégias de desenvolvimento sustentável, em qualquer projeto po-
lítico. O aparelho institucional público de extensão ainda insiste em
metodologias convencionais, não como alternativas à mão do exten-
sionista, mas como um roteiro a ser seguido4. Os agentes públicos
seguem com críticas ao modo de vida do agricultor, na tentativa de
persuadi-lo a “se modernizar”, para “não ficar para trás”. A transfor-
mação dos aparatos e arranjo institucional do sistema de assistência
técnica e extensão rural deverão, para mudar essa realidade, trans-
formar sua prática, hoje convencional, em uma prática dialética, que
amplie a escuta, oriente e redefina rumos do processo de extensão,
buscando colocar em diálogo novos e persistentes modos de ser e
existir da sociedade.

2
Daniela Freitas nos deixou prematuramente em abril de 2002. A ela dedicamos esse
artigo.
3
Em homenagem ao professor Francisco Caporal (in memoriam)
4
Infelizmente não somente as agências de Estado, mas também aquelas oriundas
de movimentos sociais, organizações comunitárias, etc. Permanece a concepção do
difusionismo verde, insistido em táticas de persuasão, mudando apenas o pacote tec-
nológico ofertado. Aqui agradecemos (in memoriam )os comentários sugeridos por
Caporal, a partir de seu próprio texto ainda no prelo.

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Por que extensão rural
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Parte da crise gerada por um certo modelo extensionista, que re-


sultou em ciclos de crises socioambientais5, hoje tem sequelas catas-
tróficas. A forma de relação com a natureza e inserção da produção
e da vida social apropriou e erodiu solos, vegetações, fauna e ecos-
sistemas inteiros, “como se não houvesse amanhã” (ZIZEK, 2012),
ampliando a fome, causando desertificação de territórios inteiros,
e inviabilizando a vida social nesses locais (SANTOS, 2005; MAZO-
YER e ROUDART, 2010). Em certa medida, a teoria da difusão das
inovações, o difusionismo, ou os pacotes tecnológicos emanados da
“revolução verde”, ampliaram enormemente a pobreza no campo, a
despeito de melhorias circunstanciais no modo de vida das pessoas6,
ou de sua inserção em sociedades de consumo, passando a ter acesso
a bens e serviços a partir da possibilidade de excedente em seu pro-
cesso produtivo. Portanto, a extensão rural volta-se para dois con-
textos muito particulares: superar um modelo de desenvolvimento
de projeto político societal e devolver as alternativas e estratégias de
desenvolvimento sustentável para as populações do campo.
O projeto político autoritário ou tecnocrático, ao prescindir dos
saberes e conhecimento das comunidades rurais, aliena o agricultor
familiar e o camponês de qualquer participação e integração com
o desenvolvimento. Torna-o receptáculo de técnicas, tecnologias e
modelos inadequados e distantes de sua dimensão e visão de mundo

5
É importante e crucial dividir a “culpa” pelos resultados desse modelo não com a
própria extensão e seus modelos convencionais difusionistas. Essa crise socioambien-
tal, e mesmo ecológica, que estamos salientando insere-se em um modelo de apro-
priação da natureza feita pelo modo capitalista de produzir e acumular, ainda que
tenhamos observado em outros sistemas político-econômicos socialistas modelos de
assistência técnica similares. Ou seja, o olhar sobre as populações do campo é que
continha do ponto de vista societal, uma posição de subalternidade e de “vontade ci-
vilizatória”.
6
É difícil matizar o que foi efetivamente uma melhoria geral da sociedade diante de
algum acúmulo e distribuição de resultados das tecnologias empregadas e o que foi
resultado da ação efetiva e emprego de tecnologias no campo. Em casos concretos
podemos observar de modo mais claro, porque a ausência de qualquer ação estatal
marginaliza as comunidades rurais de qualquer desenvolvimento societal.

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Fernandes Uzêda e- Lúcia
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histórico-cultural. Desterritorializa o sujeito transformando-o em


coisa.
A literatura vem consolidando modos alternativos de agricul-
tura sustentável, agroecológica e ecossistêmica que não têm técni-
cas pré-formatadas, e não podem auferir resultados somente com
a transferência de tecnologias alienadas da realidade concreta. Ao
contrário disso.
A inserção do desenvolvimento sustentável supõe que os agros-
sistemas se integrem em um processo construído dialogicamente,
inclusive conhecimentos e variedades de sistemas culturais, obser-
vando as condições mesmas das comunidades rurais à luz de suas
dimensões políticas, econômicas, culturais, ecológicas e sociais. A
extensão rural deve atuar no sentido de dar visibilidade e organi-
zar esses sistemas, em uma postura bem distinta daquela anterior
em que se impunha um modelo ou metodologia diante de um lugar
quase estático onde se posicionavam as políticas de ATER. São essas
condições encontradas que darão sentido as ações de extensão e não
o contrário. Essa estratégia busca dar subsídios em um outro nível
ao desenvolvimento rural, integrando-o aos processos de desenvol-
vimento mais amplos, com objetivos, estratégias e metodologias, as-
sociando os diversos saberes e formas de ser e existir do homem do
campo (?).
Os elementos para essa estratégia de desenvolvimento rural sus-
tentável, face as mudanças e sob determinação de um projeto polí-
tico não democrático7, ainda estão em aberto. A dinâmica ensejada
na PNATER oferece alguns elementos para pensarmos em conjunto
com o sistema de extensão rural e comunidades rurais no Brasil. A

7
O livro que deu origem a esse artigo foi escrito no momento em que as diversas po-
líticas de ATER são desmontadas, em conjunto com as ações do extinto Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA). Programas relevantes e já institucionalizados com o
PAA e o PNAE foram sendo desacreditados pelo governo, com o estrangulamento dos
orçamentos, até a extinção. O encerramento de políticas para a agricultura familiar e
assentamentos rurais, ultrapassa o corte orçamentário realizado pelo Governo Bolso-
naro, e sinaliza um horizonte de muita restrição para as populações do campo.

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Por que extensão rural
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

necessidade de ampliar a produção e distribuição de alimentos; a


geração e fomento à pluriatividade rural, ocupação agrícola e não
agrícola para a juventude; bem como o fortalecimento e aporte de re-
cursos qualificados para os setores menos dinâmicos do campo, com
políticas compensatórias e estruturantes. A efetividade de políticas
públicas para o campo deve estar combinada a um projeto político
democrático participativo que insira em sua proposição, de forma
estrutural, processos de transição agroecológica, e instrumentos que
viabilizem e ampliem a participação democrática dos grupos sociais
envolvidos.

Debates contemporâneos em torno da extensão rural

Autores como Peixoto (2008) argumentam que duas tendências


atuais estão presentes na lógica de políticas públicas para a agricul-
tura, a saber: uma ecotecnocrática da sustentabilidade, que defende
o otimismo tecnológico a partir de avanços da ciência e tecnologia,
substituindo a necessidade de ampliar padrões de defesa ambiental,
sugerindo que se amplie a produção em escalas industriais. Em sín-
tese, trata-se de uma nova “revolução verde”, com o predomínio de
grandes lavouras, plantações de commodities e monoculturas que
progressivamente ampliam os lucros dos empresários da monocul-
tura, prejudicando os ecossistemas e a saúde dos agricultores fami-
liares e outras populações do campo. Essa “revolução verde”, amplia
o uso de veneno e defensivos químicos, bem como consolida o uso
de sementes transgênicas como prática corriqueira, deixando de
lado qualquer necessidade de assistência técnica e extensão rural
pública. Insere-se em uma lógica perversa do capitalismo contem-
porâneo, aniquilando qualquer tentativa de proteção ecossistêmica.
Essa tendência compreende o aprimoramento tecnológico e tem
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como prioridade a agricultura empresarial que, não por coincidên-


cia, consegue estruturar blocos de poder dentro do sistema político,
fazendo confluir a maior parte dos recursos orçamentários para seus
empreendimentos. É um público que não necessita do aporte estatal
na forma de assistência técnica.
Dessa forma, o Estado volta-se por meio da ATER pública para o
atendimento de grupos sociais menos favorecidos que tenham como
horizonte a proteção social, ambiental e a promoção de desenvolvi-
mento sustentável, com a produção de alimentos limpos, orgânicos,
saudáveis, e ambientalmente sustentáveis.
Essa é, pois, a outra tendência anotada pelos estudos mais recen-
tes. O enfoque “conflitivista” ou ecosustentável do desenvolvimento
rural. Para esse enfoque, o desenvolvimento sustentável deve ultra-
passar a noção de que desenvolvimento é sinônimo de aumento da
produção e da produtividade. Outros elementos devem ser agrega-
dos para que o desenvolvimento rural sustentável possa alcançar
essas populações mais pobres ou sem acesso as políticas públicas.
Aqui concentram-se os esforços para aplicar os conceitos científicos
da agroecologia, em busca da equidade social, da inclusão social, sus-
tentabilidade ambiental e superação das desigualdades. As ações ex-
tensionistas, suas atividades e princípios éticos, são regidos por uma
lógica democrática, solidária e sustentável. Essa proposta metodoló-
gica segue associada aos pressupostos fundamentais do desenvolvi-
mento rural sustentável.
O conceito de desenvolvimento rural sustentável pressupõe
agrossistemas integrados, meio ambiente e seu processo de desen-
volvimento em conjunto com a sociedade, a compreensão e o recon-
hecimento dos diferentes sistemas sociais e culturais, bem como as
diversas possibilidades de produção e a relação com a biodiversida-
de. As iniciativas em torno das políticas públicas de desenvolvimen-
to rural sustentável, e consequente ação extensionista, devem con-
tribuir para que haja distribuição de riqueza e geração de renda de
forma equilibrada na sociedade.

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

A ação extensionista é, portanto, o diálogo de modos de vida


com os diversos agrossistemas, condicionado a projetos de desen-
volvimento societais, implicando uma necessária integração das di-
mensões da vida social: econômica, política, cultural, social, ambien-
tal e ética, no plano da sustentabilidade.
As possibilidades de “usos” ou de um determinado quantum de
utilização da natureza não deve fazer parte de um processo predató-
rio dos agrossistemas, vistos antes como parte de um todo que é inte-
grado. Qualquer ação da sociedade na natureza causa algum impac-
to. O que a ação extensionista deve pressupor e orientar é que esse
impacto seja minorado, com o compartilhamento de tecnologias e
metodologias que possibilitem as famílias rurais desenvolver-se de
forma alternativa, com bases em características espaciais, sociais e
tecnológicas em uma base renovada, promovendo a agroecologia e
democratização dos recursos.
A agroecologia como pressuposto epistêmico, é parte integran-
te da Nova ATER Pública. Esse pressuposto aliado a estratégias de
desenvolvimento, como todo projeto político de desenvolvimento,
convive com a agricultura empresarial que parece não abrir mão da
destruição ambiental, com o uso de veneno em suas lavouras, e com
o emprego de tecnologias devastadoras, tendo ainda no horizonte a
“nova revolução verde”. Essa estratégia persiste como dominante,
em parte, porque os poderes públicos não decidem sobre seus pro-
jetos políticos ou continuam tratando de forma ambígua a questão
rural. Hegemônica como projeto de desenvolvimento, a agricultura
empresarial e as derivações que dela decorre, impregna as ações ex-
tensionistas para os setores da agricultura familiar, mesmo aquelas
que não estão super-incluídas nos mercados. A ação extensionista
concorre para que esses agricultores observem o agricultor empre-
sarial como “modelo” de agricultura bem-sucedida. A inversão des-
sa metodologia, com a adoção de pressupostos agroecológicos, pode
dar um novo horizonte para a agricultura familiar e outras comuni-
dades rurais (SILVA, 2003; ALVES, et ali, 2008).

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Ao apresentar a Agroecologia como ciência, associam-se princí-


pios, conceitos e metodologias para seu emprego e estudo no desen-
ho e análise de agrossistemas sustentáveis. Essa análise científica ul-
trapassa a perspectiva restritiva da transferência de conhecimentos,
incorporando estratégias de desenvolvimento rural ao conhecimen-
to científico possibilitando a incorporação de estilos e abordagens
de agricultura. Stricto sensu, a agroecologia oferece um novo arca-
bouço metodológico aos extensionistas, tanto no que se compreende
por agrossistemas, quanto na perspectiva de sociedade como siste-
ma-mundo, repensando culturas, cultivos, sistemas alimentares,
etc, possibilitando a ampliação e aplicabilidade dialógica, buscando
o reconhecimento e resolução dos problemas ecológicos, sociais,
produtivos e tecnológicos dos agricultores. Os diversos processos de
transição para agrossistemas agroecológicos pressupõem um estilo
sustentável da produção, mas também a observação de suas tipolo-
gias que a sustentam cientificamente, ou seja, é preciso dar espaço
para as diversas dimensões como ferramentas orientadoras do pro-
cesso de extensão, cuidando para que o manejo agroecológico não
submeta os agrossistemas a condições perversas, e que contribua
para que as famílias rurais realizem o manejo ecológico dos recur-
sos naturais, e as metodologias favoreçam os processos coletivos,
democráticos e participativos da ação social. Alguns autores falam
inclusive da exacerbação do enfoque holístico como precondição
para a realização da agroecologia, como uma estratégia sistêmica.
A força incorporada nos processos agroecológicos diz respeito jus-
tamente a contraposição das estruturas degradantes e exploratórias
da natureza.
Subjaz a esse processo de interação para a promoção do desenvol-
vimento rural sustentável, a interlocução entre os processos globais
e suas transformações históricas e aqueles processos locais, confor-
mando assim uma prática que retrata um contexto glocal, como su-
gere Santos (2004).
Como um fio sem ponta, formar novos profissionais da extensão
tem sido uma das iniciativas dos centros acadêmicos, sobretudo no
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Nordeste. Na Bahia além das universidades federais e estaduais, há


uma boa iniciativa nos Institutos Federais e escolas da rede estadual.
Esse momento exige que tais centros acadêmicos, sob o risco de repe-
tir formações tradicionais da ciência, pense e reformule seus currí-
culos e propostas pedagógicas. A questão norteadora como dilema
epistemológico pode ser simples: quais e como serão formados os
novos profissionais de extensão?

A (O) profissional de extensão rural

Essa seção do nosso artigo não é propriamente um roteiro do que


poderia ser esse nova (o) profissional da extensão rural. Antes pelo
contrário. Procuramos aqui anotar algumas questões que dizem res-
peito ao processo formativo e a necessidade de superação do para-
digma tecnicista das formações acadêmicas, tensionando para que
a/a (o) profissional da extensão possa ler o mundo rural de forma
mais humanista, dialética e necessariamente dialógica. Isso porque
o enfrentamento a uma realidade historicamente adversa, e que
apresenta contornos conjunturais ainda mais complexos e difíceis
aliado ao modelo de extensão rural empreendido, combinado ao
projeto político de desenvolvimento, orienta o trabalho do extensio-
nista, reestabelecendo um novo paradigma da atividade de extensão,
e seu horizonte não é reifica-lo, e sim supera-lo a partir do diálogo
constante e ininterrupto com as comunidades e famílias rurais.
Entretanto, a (o) profissional da extensão rural esteve historica-
mente ligado às escolas de agronomia e de técnicas agrícolas, perce-
bendo-as como uma das atividades e tarefas de sua formação.
Os desafios já estabelecidos por uma legislação imprecisa ou pela
ausência de um arranjo institucional e administrativo que enxergas-
se o mundo rural, a diversidade de formas de ser e existir socialmente
de suas gentes, o extensionista como educador está no emaranhado

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das relações sociais, políticas, ambientais e culturais do tempo que


ele quer transformar.
As deformações ocasionadas por modelos de ATER tecnicistas,
da “modernização conservadora” e de modelos de desenvolvimento
que privilegiavam a agricultura de escala empresarial, afastou du-
rante alguns anos a formação pedagógica das escolas de agronomia
daquelas de formação de pedagogos e outras humanidades. Mais co-
rreto seria afirmar que, ambas as escolas sofreram com processo de
deformação, ao compreender o educando como receptáculo à quem
deveria ser transferido conhecimento. A formação acadêmica impôs
uma certa visão de mundo deturpada do mundo real, compartimen-
talizada e urbano-industrial.
A questão central insere-se na formação e disciplinarização das
universidades brasileiras, que adotaram modelos de ensino-aprendi-
zagem apartadas das necessidades sociais, compreendendo o conhe-
cimento e o saber emanados de um só lugar. Daqui derivam as con-
cepções das experiências difusionistas em extensão rural.
O objetivo da agricultura não é meramente a produção de bens,
muito menos de commodities. O mundo rural é muito mais denso e
extenso do que o que pretende esse olhar reducionista, produtivista
e exclusivista (CRUZ, 2016). A função de produzir bens é menor do
que aquela que compreende a família rural em seu agrossistema, na
sua relação com os ecossistemas e em sua relação em sociedade. A (o)
profissional da nova extensão deve ter esse olhar. Contudo, esse con-
ceito passou a integrar os currículos há poucas décadas e a formação
acadêmica ainda é compartimentalizada.
Outra questão está subjacente à formação interna das disciplinas
citadas acima. O distanciamento dos estudos sobre sociedade e for-
mas de organização social deformam a graduação do extensionista
rural, sobretudo por estar centrada no manejo de maquinário e insu-
mos, além dos recursos naturais. A visão de mundo do extensionis-
ta convencional não consegue comportar que aquele ecossistema é
um espaço de interação social. Ensinar agricultura nessa nova con-
cepção é maior do que ensinar técnicas agrícolas (CAPORAL, 2004).
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Quando o ensino ou as grades curriculares enfrentam o pro-


blema da formação, comumente o fazem oferecendo um manual
de metodologias e técnicas cumprindo a tarefa de “ensinar” uma
forma de interagir com populações rurais. Esse problema aparece
mormente quando a formação do extensionista é dissociada daque-
las disciplinas que buscam entender a vida social. Se, por um lado,
o distanciamento metodológico e curricular inviabiliza o conheci-
mento e reconhecimento das comunidades rurais como espaços de
sociabilidade, por outro lado, as implicações ideológicas desse apar-
tamento traduz em uma efetiva extinção da ação extensionista nas
universidades.
O agente de extensão tem, via de regra, na experiência pós-uni-
versitária a vivência de processo de extensão rural, como busca
política ou oferta de trabalho, sem a necessária formação inicial. O
distanciamento da universidade, como salientamos no capítulo in-
trodutório, traduz o modelo de profissional que a universidade busca
formar, ainda que outros modelos tenham caminhado em paralelo.
Estamos concluindo esse tópico acreditando que é possível for-
jar um nova (o) profissional de extensão rural, que tenha acesso a
conteúdos múltiplos e transversais além daqueles de sua formação
vertebral. Que a (o) profissional “normal” seja justamente aquele
que compreenda a diversidade e multidimensionalidade do mundo
e das pessoas. São valores e comportamento éticos frente ao outro,
que resistem e combatem a uniformidade do pensamento dominan-
te e encurtamenta (o) profissional. Mas que, principalmente, con-
cebe o conhecimento do outro como complementar e subsidiário a
qualquer conhecimento, na geração de novos conceitos, métodos e
ciência.
A (o) profissional de extensão rural tem, portanto, esse duplo de-
safio: sair de seu invólucro criado a partir de sua formação inicial, e
estar permeável e sensível as populações que mais precisam da po-
lítica pública. A (o) profissional de ATER deve identificar métodos e
metodologias que permeabilizem os desejos, anseios e necessidades
dessas populações, assumindo nesse termo os conceitos, valores e
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comportamentos necessários para a realização da práxis da ATER.


Não há neutralidade diante de situações de miséria e extrema pobre-
za. Não há neutralidade a ser solicitada ao extensionista diante da
adversidade econômica, social, cultural, ambiental ou a qualquer ne-
gação de direitos consignados à constituição. Antes pelo contrário,
é preciso exigir que a práxis extensionista seja aquela vinculada ao
fazer libertador, à pedagogia construtivista e libertária, para que as
populações possam desenvolver suas capacidades, incorporando no-
vos conhecimentos e saberes.
Ademais, não há neutralidade em método algum. São todos eles
fruto de contextos sociais e de opções teórico-políticas que consti-
tuem a (o) profissional desde sua formação, passando pelo empre-
go de tecnologias em detrimento de outras tantas. A Concepção de
Desenvolvimento Rural Sustentável é uma opção que retira qual-
quer possiblidade de neutralidade, porque enseja ela mesma em
um conjunto de ações, tecnologias e provisões necessárias para
implementação. O que é preciso garantir em qualquer processo de
ensino-aprendizagem é a capacidade de promover o pleno desenvol-
vimento das capacidades e habilidades das pessoas, a partir de um
amplo e democrático leque de possiblidades, assumindo cada um a
seu termo o seu quantum de responsabilidade.
A ATER deve existir como um projeto em constante experimen-
tação, aquela dialética que envolve um ir e vir pedagógico, garantin-
do o aprendizado dos envolvidos, inclusive do agente de extensão.
De tal modo, que a ação do extensionista se torne a ação dos benefi-
ciários e, a dos beneficiários a do agente de ATER.
Essa posição difere de forma substantiva da extensão rural con-
vencional, aquela que enxerga a família rural como espaço de testes
de suas tecnologias e conhecimentos, reduzindo de forma cartesiana
seus saberes. O extensionista convencional não o faz por mero ato de
crueldade ou de opção destrutiva das populações do campo. Trata-se
de um processo de deformação que passa ao longo de sua jornada
acadêmica, sendo conduzido a processos “modernizantes” do meio
rural, como forma de “desenvolver” as comunidades.
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A nova extensão rural não desconhece o papel do conhecimento


do especialista no decurso da ATER, antes pelo contrário, compreen-
de esse saber como um saber de extrema relevância para decifrar
complexos procedimentos da não menos complexa relação com a
natureza, ou dos sistemas produtivos e suas relações com os mer-
cados econômicos globais. O conhecimento do especialista, assim
como o conhecimento dos agentes de extensão rural devem, entre-
tanto, se colocar na perspectiva de participantes da ação extensio-
nista, ao contrário daquela que trata tais conhecimentos e saberes
como receitas, manuais, pacotes tecnológicos, etc. O agente de ATER
é antes um facilitador de processos sociais. Muito mais um mediador
do que um “conhecedor”.
Essa posição de facilitador de processos de extensão o coloca em
condições de pesquisar, investigar, identificar e agir em conjunto
com agricultores e suas famílias apresentando alternativas técnicas
e não técnicas que ajudem a resolver problemas produtivos e não
produtivos, internos e externos às necessidades dos beneficiários.
Como nos lembra Freire (1996), essa tarefa permite a criação de
um ambiente de libertação, de uma pedagogia da autonomia, por-
que não define, indica; não desautoriza os conhecimentos e saberes
das famílias agrícolas, enobrece. Provoca, como nos lembra o autor,
o conhecimento crítico, que é a antípoda da extensão difusionista. A
questão tecnológica, apontada pelos autores críticos a uma pedago-
gia construtivista, não se perde ao dialogarmos com metodologias
que envolvam a participação das famílias rurais. A compreensão das
técnicas como suportes e não como fim em si mesmo devem ser rela-
cionadas às diferentes racionalidades (HABERMAS, 2002), formas de
compreensão e a reflexão no agir cotidiano. Trata-se de devolver de
forma dialogada o conhecimento que é da sociedade e as tecnologias
que supram necessidades sem destruir a natureza e sua reprodução.
Com respeito aos beneficiários, todas as tendências indicam que
a realidade atual não recomenda que a extensão rural pública siga
mantendo uma posição neutra. A literatura consolidou no Brasil e
na América Latina que os serviços públicos de extensão rural devem
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da Cruz
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atender com exclusividade a agricultura familiar, dando prioridade


àquelas em situação de miséria e extrema pobreza. Entretanto, essa
perspectiva, ainda que renovada, parece fazer persistir o dilema da
produção, deixando de lado outras formas de existir socialmente no
mundo rural. Por exemplo, colocando em um mesmo campo meto-
dológico populações de comunidades tradicionais.
Diversas organizações da sociedade civil contribuíram para esse
nova (o) profissional de extensão. O pressuposto é a ATER pública e
gratuita, não havendo consenso sobre ser ela estatal ou não estatal.
O que está consignado à PNATER é a ATER pública, gratuita, estatal e
não estatal. Com exclusividade para a agricultura familiar e agricul-
tores assentados de reforma agrária.
O imperativo democrático da nova ATER possibilita refletir so-
bre novas formas e novos modelos, valendo-se de novas metodolo-
gias que viabilizem a ampla participação e o desenvolvimento rural
sustentável. Nesse contexto, o papel do extensionista-facilitador da
nova ATER é diametralmente oposta à extensão rural convencional.

Figura 1 - Quadro comparativo Difusionismo x ATER Agroecológica

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Fonte: Elaboração dos autores a partir de CAPORAL, 2009.

A atividade do extensionista nessa nova perspectiva é, portanto,


uma atividade de mediação de processos de ensino-aprendizagem
em que o agente de extensão deve se colocar como parte do processo
e não acima dele. Algumas estratégias são importantes para que essa
posição seja assumida sem prejuízos e com o maior aproveitamento
do tempo destinado às ações de ATER. Quais sejam:
a) O trabalho com famílias rurais tende a dispersar porque é ne-
cessário que se dê conta dos diversos problemas e situações do mun-
do empírico que a comunidade, grupo ou organização enfrentam em
seu cotidiano. O extensionista pode contribuir para a identificação
desse tema/problema a ser enfrentado. Será a partir do tema/proble-
ma que o grupo tomará decisões e encaminhará sua vida na unidade
familiar rural, contribuindo inclusive para a compreensão de sua in-
serção na comunidade. É crucial o momento de definição do tema/
problema por parte do grupo. O extensionista deve considerar as
diversas dinâmicas exteriores, buscando se concentrar na situação
concreta a ser superada/enfrentada, contribuindo para que a família
rural estabeleça suas prioridades e organize seu processo cotidiano.
As individualidades na forma de vontades particulares não devem
ser desprezadas ou minimizadas; contudo, elas não devem entrar
na pauta central – pode-se agendar a conversa para outro momento.
Caso seja uma situação-problema que interfira diretamente na vida
comunitária, deverá ser identificada pelo grupo/público participati-
vo como elemento a ser trabalhado durante o processo. O extensio-
nista pode ajudar a estabelecer esses parâmetros – o cenário, as fe-
rramentas – e mediar o processo de escolha/tomada de decisão, mas
a decisão e a delimitação serão dos agricultores.
Para que o extensionista consiga estabelecer essa relação próxi-
ma com seu público, a aproximação inicial deve ser pela via do con-
hecimento, se preparando para conhecer o público participativo
com o qual irá trabalhar. Alguns insumos são importantes: histórico,
relações institucionais, festejos e comemorações, aspectos culturais,
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hierarquias institucionais e arquitetura organizacional, metodo-


logias anteriormente utilizadas, e até planos e planejamentos exe-
cutados pelo público participativo. Esses insumos servirão para o
balizamento do facilitador/extensionista e para o reconhecimento
da comunidade/organização ou público participativo trabalhado.
(CRUZ, 2016 –b).
b) As relações comunitárias internas com a família rural e o fa-
cilitador deve priorizar o estabelecimento de regras e estratégias de
convivência. Os pactos firmados para que a interação aconteça não
são tácitos, devem ser construídos de modo a permitir um ambien-
te democrático. Essa relação, uma vez estabelecida, contribui para
a tomada de decisão relativa aos processos de trabalho e influencia
diretamente nos resultados e produtos das atividades. A família ru-
ral deve enxergar no facilitador-extensionista um mediador e co-
laborador com o processo, que ajuda na educação e no processo de
aprendizagem do grupo, sem interferência unilateral nas decisões. O
facilitador-extensionista, por sua vez, não deve sugerir o controle so-
bre o grupo, ou arrogar para si a decisão. Para que a ação de extensão
aconteça de forma efetiva e a democracia seja substantiva, o facilita-
dor-extensionista não deve ser a figura central na atividade, devendo
atuar, como dissemos acima, como organizador das informações e
de forma propositiva nos aspectos metodológicos junto com o grupo,
ampliando suas opções decisórias.
Os resultados concretos da ação extensionista devem ser observa-
dos no mundo concreto. Nunes (2010) apresenta a mudança de com-
portamento frente aos problemas como o mais relevante dos resul-
tados; a ação de extensão deve despertar o interesse das pessoas para
o interesse coletivo, o aprendizado e empreendimento de iniciativas
coletivas, a emergência de novas lideranças e a mudança de valores
na relação entre poderes públicos e organizações da sociedade civil.
c) A escolha de elementos comunicativos não é de somenos im-
portância. Como observaremos em sessões mais adiante, eles possi-
bilitam ou dificultam a interação e o processo dialógico e pode su-
cumbir a uma relação unilateral de transferência de recursos.
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O estabelecimento de elementos comunicativos claros, transpa-


rentes e inclusivos possibilitam ao facilitador-extensionista uma
avaliação no percurso das atividades e ações, das possibilidades e do
aprimoramento das metodologias utilizadas e técnicas empreendi-
das. Entretanto, a condição de facilitador-extensionista não lhe re-
tira a condição crítica, sob o risco de não conseguir colaborar com
o processo decisório da família rural, caso fique “à deriva” do ponto
de vista metodológico. A opção que o extensionista fez no princípio
dos trabalhos teve um objetivo definido; então, sua mudança deve
ocorrer para atender a outro objetivo, e não a vontades específicas
de interesses particulares que possam surgir no grupo, ou nas vozes
sobressalentes e culturalmente dominantes. A utilização de painéis
móveis, como veremos nas metodologias participativas, contribuem
durante as atividades e mesmo depois do encerramento delas, ser-
vindo de memória instantânea das famílias agrícolas. Também a uti-
lização de vídeos e músicas podem ajudar no processo comunicativo.
A responsabilidade do registro das atividades pode ser compartil-
hada com a comunidade e família, mas deve ser sempre daquele que
está ali para contribuir como agente externo. Esse relativo “distan-
ciamento” e controle da metodologia possibilita que os registros ten-
ham concatenação, historicidade e possibilite à comunidade e a ou-
tros agentes de extensão revisitar, revisar, entender e prosseguir na
colaboração junto ao projeto de desenvolvimento rural sustentável.
Considerações de percurso
O caminho a percorrer para a formação da ATER libertadora e
agroecológica passa pela formação de profissionais que nela atuam.
É a constituição de um ambiente institucional e cultural que a ATER
se transforma, por meio das políticas públicas e legislação inovadora
que garanta sua execução.
Em tempos de incerteza e de fenecimento das políticas para o
mundo rural, concentradas em um projeto político conservador
e ultra-direitista, a sociedade parece ter encontrado o caminho do
arrependimento e ensaia restituir a um projeto político democrático
anterior uma nova chance de gerenciar as coisas do Estado.
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Essa nova oportunidade, contudo, se ofertada como um “che-


que-em-branco ao portador” corre riscos para logo à frente, seja pela
correlação de forças nacionais ou por grupos políticos poderosos
que ainda situam-se no controle econômico e sistêmico.
É portanto preciso debater em profundidade nos diversos espaços
e instituições participativas, criando elos fortes com o Estado e seu
aparelho burocrático, para que a extensão seja homenageada em um
novo projeto político nacional, com orçamentos largos, apoio a pro-
jetos inovadores e de sustentabilidade, como também intercâmbios
profissionais para aprimoramentos de técnicas e tecnologias.
Por último, a nova ATER além de exigir mais conhecimento da(o)
profissional sobre temas variados da vida rural, compreendendo os
saberes específicos de disciplinas como história, sociologia, antropo-
logia, ciência política, pedagogia, etc. deverá reconhecer a importân-
cia da interseccionalidade dos sujeitos sociais e interdisciplinarida-
de nas práticas e metodologias. A nova ATER ou será multidisciplinar
ou não será.

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Entrevistas e Depoimentos

MENEZES, Adeodato. Entrevista concedida aos autores para fins exclusi-


vos dessa obra. A entrevista completa encontra-se no acervo dos autores.
Ibicoara. Setembro, 2019.

GUSMÃO, Lourival Soares. Entrevista. Entrevista concedida aos autores


para fins exclusivos dessa obra. A entrevista completa encontra-se no
acervo dos autores. Salvador. Junho, 2019.

FERNANDES, Daniela Freitas. Entrevista. Entrevista concedida aos auto-


res para fins exclusivos dessa obra. A entrevista completa encontra-se no
acervo dos autores. Via web. maio, 2019.

VELLOSO, Tatiana Ribeiro. Entrevista. Entrevista concedida aos autores


para fins exclusivos dessa obra. A entrevista completa encontra-se no
acervo dos autores. Via web. Junho/julho, 2019.

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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Educação ambiental e a transversalidade


do tema meio ambiente na prática
docente dos cursos de graduação
ofertados pela UNIVASF

Bruno Cezar Silva, Lucia Marisy Souza Ribeiro


de Oliveira e Marcia Bento Moreira

Introdução

A educação não pode permanecer alheia às novas condições de


seu entorno, que exigem dela respostas inovadoras e criativas que
permitam formar efetivamente o cidadão e a cidadã crítico (a), re-
flexivo (a) e participativo (a), apto (a) para a tomada de decisões, que
sejam condizentes com a consolidação de democracias verdadei-
ras e sem exclusão da maioria de seus membros (MEDINA E SAN-
TOS, 2000:46). Nesse sentido, a Universidade Federal do Vale do São
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Tatiana
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Silva, Lucia Velloso
Marisy- Souza
Lúcia Marisy
RibeiroSouza Ribeiro e- Lilian
de Oliveira Marcia Freitas
Bento Fernandes
Moreira Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

Francisco como espaço de sistematização de saberes científicos e cul-


turais adquiridos ao longo da história, pode se constituir como lócus
fundamental de reflexão e de construção de práticas que privilegiem
a formação de atores sociais que percebam que a questão ambiental
é também uma questão de valores, de cidadania, de alteridade.
A preocupação com a interferência do homem no meio ambiente
é antiga, apesar de só recentemente ter tomado maiores dimensões,
assumindo uma postura também social. Claro está que o incentivo
ao consumo desenfreado, prática de uma cultura capitalista, tem
deixado marcas profundas na Terra.
O homem sempre impactou o meio ambiente, porém a sua
atuação, nem sempre provocou modificações tão desastrosas nos
ambientes naturais. Por causa de um consumo exagerado e da fal-
ta de articulação política, social e econômica, os humanos têm sido
atores e espectadores da degradação ambiental, especialmente na
região do semiárido brasileiro, onde a UNIVASF se situa.
Com a obrigatoriedade da Educação Ambiental nas Instituições
de Ensino Superior, as suas bases conceituais foram estabelecidas
cabendo ressaltar que um dos seus principais objetivos consiste em
permitir que o ser humano compreenda a natureza complexa do
meio ambiente, resultante das interações dos seus aspectos biológi-
cos, físicos, sociais e culturais, tendo essa temática no currículo as
seguintes características:
a. Ser interdisciplinar e orientada para a resolução de
problemas;
b. Estar integrada com a comunidade e atuar de forma
continuada;
c. Não ser ministrada em forma de disciplina, recebendo con-
tribuições de diversas áreas;
d. Suscitar a participação da comunidade para resolver proble-
mas (DIAS, 2000).
Entretanto, o tema central da educação ambiental é contri-
buir para a formação de cidadãos e cidadãs conscientes, aptos (as)
a decidirem e a atuarem na realidade socio-ambiental de modo
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EducaçãoambientaleatransversalidadedotemameioambientenapráticadocentedoscursosdegraduaçãoofertadospelaUNIVASF
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da socieda-


de local e global. Para isso, é necessário que, mais do que informações
e conceitos, a academia se proponha a trabalhar com atitudes, com
formação de valores, com o ensino e a aprendizagem de habilidades
e procedimentos, ou seja, um currículo contextualizado no tempo e
no espaço (BRASIL, 1998).
Dentro dessa visão, a missão da educação ambiental se fundamen-
ta no desenvolvimento de ações que visam assegurar a integração
entre sustentabilidade e desenvolvimento, sendo suas diretrizes:
transversalidade e interdisciplinaridade; descentralização espacial
e institucional; sustentabilidade socioambiental; democracia e par-
ticipação social; aperfeiçoamento e fortalecimento dos sistemas de
ensino, meio ambiente e outros que tenham com ela interface.
Ainda de acordo com o texto em Brasil (2005:02), os princípios da
educação ambiental são: concepção de ambiente em sua totalidade,
considerando a interdependência sistêmica entre o meio natural e o
construído, o socioeconômico e o cultural, o físico e o espiritual, sob
o enfoque da sustentabilidade; abordagem articulada das questões
ambientais locais, regionais, nacionais, transfronteiriças e globais;
respeito à liberdade e à equidade de gênero; reconhecimento da di-
versidade cultural, étnica, racial, genética, de espécies e de ecossis-
temas; enfoque humanista, histórico, crítico, político, democrático,
participativo, inclusivo, dialógico, cooperativo e emancipatório;
compromisso com a cidadania ambiental; vinculação entre as dife-
rentes dimensões do conhecimento; entre os valores éticos e estéti-
cos; entre a educação, o trabalho, a cultura e as práticas sociais; de-
mocratização na produção e divulgação do conhecimento e fomento
à interatividade na informação; pluralismo de ideias e concepções
pedagógicas; garantia de continuidade e permanência do processo
educativo; permanente avaliação crítica e construtiva do proces-
so educativo; coerência entre o pensar, o falar, o sentir e o fazer;
transparência.
Trata-se de uma concepção avançada de currículo, embora quan-
do da sua operacionalidade, as práticas difundidas em sala de aula,
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Marisy- Souza
Lúcia Marisy
RibeiroSouza Ribeiro e- Lilian
de Oliveira Marcia Freitas
Bento Fernandes
Moreira Uzêda -
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por vezes, revelam a reprodução de paradigmas conservadores que


refletem a hegemonia de uma visão de mundo e reduzem as suas
possibilidades de contribuição para a superação dos problemas am-
bientais vividos pela sociedade, daí a importância de se discutir a cri-
se socioambiental, entendida como uma crise civilizatória, proble-
matizando as suas consequências (GUIMARÃES, 2009:74).
A pesquisa “CURRÍCULO, EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DESENVOL-
VIMENTO SUSTENTÁVEL: saberes necessários à formação humana
e cidadã de membros da academia”(SILVA, 2022), de onde buscou-se
fundamentação para este artigo a fim de encontrar respostas que
pudessem superar a fragmentação das relações de produção de con-
hecimento, possibilitou construir sentidos e significados, trazendo
como legado a ação emancipatória dos sujeitos aprendizes, que pela
reflexão crítica possam romper com o padrão vigente de sociedade e
de civilização, estabelecendo experiências formativas apoiadas em
contextos políticos. Pergunta-se: “é possível, através da educação
ambiental as instituições de ensino auxiliarem na solução e no al-
cance do desenvolvimento sustentável?”.
Certamente, resposta pronta para essa indagação não existe, mas
a principal característica de uma instituição de ensino que busca se
desenvolver como um espaço educador sustentável é, para além da
realização de práticas educativas ambientais, a intencionalidade pe-
dagógica de constituir-se como uma referência comunitária concre-
ta na área da sustentabilidade (TRAJBER & SATO, 2010:153).
Pavesi e Freitas (2013:114), afirmam que a transição das IES para
este tipo de espaço educador permeia a criação e o fortalecimento
de uma aprendizagem dialógica e de atividades práticas. No mesmo
sentido, Guerra e Figueiredo (2014:21), apontam que “o processo de
ambientalização curricular exige flexibilidade, diálogo de saberes,
socialização de conhecimentos de diferentes áreas, mudanças de ati-
tudes e estilos de vida e vivência de princípios e valores ambientais”.
Desta maneira, os processos de aprendizagem são mais profundos
e fundamentados em teorias que possam subsidiar a construção de

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ferramentas para responder as limitações e demandas locais (PAVE-


SI & FREITAS,
No Brasil, a inclusão da temática ambiental nos espaços formal e
não formal de ensino, ocorreu primeiro através da Lei nº 6.938, de 31
de outubro de 1981 que instituiu o PNMA – Plano Nacional de Meio
Ambiente (BRASIL, 1981), e após pela Constituição Federal de 1988
(SOUZA e NOVICKI, 2010:14). Quase duas décadas após, a Lei nº 9.795,
de 27 de abril de 1999, regulamentada pelo Decreto nº 4.281, de 25 de
junho de 2002, dispôs especificamente sobre a Educação Ambiental
e instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), como
componente essencial e permanente da educação nacional, devendo
estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades
de todo processo educativo, tornando-se um marco na construção de
novas relações entre a sociedade e a natureza.
O artigo 1º da Política Nacional de Educação Ambiental brasilei-
ra, operacionalizada pela Lei No 9795 de 1999, definiu a educação
ambiental como os processos por meio dos quais o indivíduo e a co-
letividade constroem valores sociais; conhecimentos; habilidades;
atitudes e competências voltadas para a conservação do meio am-
biente. Contudo, o objetivo fundamental da Educação Ambiental é “o
desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente
em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecoló-
gicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos,
culturais e éticos” (BRASIL, 1999:03).
No estudo realizado por Otero e Neiman (2015:38), no qual os
autores analisaram os avanços e desafios da educação ambiental
brasileira entre a Rio 92 e a Rio+20, observou-se a emergência e a
consolidação de várias práticas sociais e políticas a favor do desen-
volvimento da educação ambiental, influenciando o pensamento e a
vida dos brasileiros enquanto agentes transformadores da sociedade
(OTERO; NEIMAN, 2015:38).
Outro estudo realizado por Almeida (2013:32), mostrou a neces-
sidade e a urgência das medidas políticas voltadas para iniciativas

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mais proativas das pessoas, considerando que a educação ambiental


não é responsabilidade apenas do Estado.
Os resultados encontrados durante a revisão das publicações re-
lacionada aos avanços e desafios da educação ambiental, mostram
que os desafios são constantes, que a educação ambiental ainda está
em contínua transformação. Para o autor(2015:30), a educação am-
biental precisa ser desenvolvida, visando uma formação comprome-
tida com a sustentabilidade ambiental, e essa ação deve ser instituí-
da pelo governo.
Klein (2013:87), com seu estudo realizado em Recife-PE, conside-
ra que para a efetivação da sociedade nas conferências nacionais do
meio ambiente é de extrema importância a participação popular a
fim de que possam influenciar as ações dos programas governamen-
tais acerca da educação ambiental. Souza e Braz (2014:333), defendem
a tese de que formar uma geração sustentável é mais do que um desa-
fio para o governo, a sociedade, a escola e a família, pois a formação
de cidadãos preocupados com os problemas ambientais ainda possui
pouca relevância, e a educação ambiental é a ponte principal para o
acesso a informação, conhecimento e conscientização, práticas que
garantem a sustentabilidade responsável para a sociedade futura.
Segundo Brito et al. (2016:261), a educação ambiental nas IES é de
extrema importância para educar, conscientizar e incentivar alu-
nos e professores a pensar de forma responsável sobre as questões
ambientais e de sustentabilidade, pois de modo mais amplo, a sus-
tentabilidade ambiental pode ser também vista como um meio de
consertar mesmo lentamente os estragos provocados pelo desenvol-
vimento industrial.
Para Piccoli et al. (2015:04), a educação ambiental é uma estra-
tégia de mobilização social importante para o enfrentamento de
inúmeros danos naturais, como a escassez de água, desmatamento,
poluição dos rios, dentre outros, podendo ser considerada um dispo-
sitivo capaz de proporcionar mudanças institucionais, tendo um pa-
pel fundamental na execução de políticas de educação e para a sus-
tentabilidade e sensibilização das pessoas diante da necessidade de
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EducaçãoambientaleatransversalidadedotemameioambientenapráticadocentedoscursosdegraduaçãoofertadospelaUNIVASF
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construir uma geração mais crítica, ativa e preocupada com a preser-


vação e o cuidado com o meio ambiente (LEONARDELLI, 2014:05).
Venâncio (2015:12), traz que o homem é um componente do meio que
vive e dessa forma, a educação ambiental nasce do processo que ele
conduz em materializar os recursos do meio ambiente.
Os avanços científicos e tecnológicos incorporados ao sistema
capitalista ampliaram as possibilidades de mercantilizar progressi-
vamente tanto os bens da natureza quanto o trabalho humano, em
função do lucro. Para a superação dessa realidade se faz necessária
uma ação consistente de mulheres e homens e uma nova forma de
ser no mundo.
A Constituição Federal, no título VII “Da Ordem Social”, no ca-
pítulo VI “Do Meio Ambiente”, artigo 225 ressalta: todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações. No que se refere a Leis Ambientais, Art.
1o da Lei n° 9.795 de abril de 1999 diz:

Processo em que se busca despertar a preocupação individual e co-


letiva para a questão ambiental, garantindo o acesso à informação
em linguagem adequada, contribuindo para o desenvolvimento de
uma consciência crítica e estimulando o enfrentamento das ques-
tões ambientais e sociais. Desenvolve-se num contexto de comple-
xidade, procurando trabalhar não apenas a mudança cultural, mas
também à transformação social, assumindo a crise ambiental como
uma questão ética e política.

A Carta da Terra que equivale à Declaração Universal dos Direi-


tos Humanos, apropriados para os tempos atuais, é um documento
fundamentado na declaração de princípios éticos e valores essen-
ciais que guiarão pessoas, nações, estados, raças e culturas no que
se refere ao desenvolvimento sustentável com igualdade. Trata-se de
um documento internacional aprovado pela ONU em 2002, como
resultado de debates que envolveram 46 países, incluindo o Brasil.
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A sua elaboração contou com a participação de centros de pesqui-


sa, universidades e entidades religiosas, bem como de estudantes,
empresários e comunidades indígenas. Os seus princípios segundo
Krajewski (2005:18) são: respeitar e cuidar da comunidade da vida;
integridade ecológica; justiça social e econômica; democracia; não
violência; e paz.
A atual conjuntura de tensão social vivenciada pela globalização
e pelo modelo de desenvolvimento econômico atribuído aos países
no mundo, onde uns encontram-se cada vez mais ricos e outros
cada vez mais pobres, leva à compreensão de não ser mais possível
ignorar o meio ambiente, quando o mundo já vive problema de es-
cassez de água, fome, poluição do ar, envenenamento do solo pelo
uso excessivo de agroquímicos, mudanças climáticas que impactam
a saúde e a vida de todos os seres vivos na terra. Nesse sentido, é fun-
damental educar para transformar, alterando práticas de produção
e consumo, repensando os valores estabelecidos, incentivando as
tecnologias limpas e colocando mulheres e homens como parte do
ambiente.
Mesmo que a educação ambiental desde a década de 1970 já ven-
ha se consolidando como uma prática educativa que perpassa todas
as áreas do conhecimento, ainda são irrelevantes as atividades con-
textualizadas na UNIVASF.
Desde a Segunda Guerra Mundial, os problemas ambientais de
proporções mundiais vêm mostrando à sociedade a irracionalidade
da exploração da natureza. Em 1972, foi realizada a primeira Con-
ferência Mundial sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo na
Suécia, sendo considerada um marco para identificação dos proble-
mas ambientais e dando início ao debate de ações mundiais e nacio-
nais para resolvê-los. Nesta conferência foi concebido um plano de
ação mundial que deu origem ao Programa Internacional de Edu-
cação Ambiental (PIEA).
A Educação Ambiental, pelos conteúdos e conhecimentos so-
bre meio ambiente, é interdisciplinar e o modo como deve ser mi-
nistrada é através da transversalidade, perpassando as disciplinas
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curriculares, de acordo com as orientações dos Parâmetros Curricu-


lares Nacionais (MEC/SEF, 1998). Ambas apontam a complexidade
do real e a necessidade de se considerar a teia de relações entre os
seus diferentes e contraditórios aspectos, porém diferem uma da ou-
tra, uma vez que a interdisciplinaridade refere-se a uma abordagem
epistemológica dos objetos de conhecimento, enquanto a transver-
salidade diz respeito principalmente à dimensão da didática (LEFF,
2012:32).
Na concepção de Oliveira (2007:331), a transversalidade da ques-
tão ambiental é justificada pelo fato de que seus conteúdos, de ca-
ráter tanto conceituais como procedimentais e também atitudinais,
formam campos com determinadas características em comum com
repercussão direta na vida cotidiana. Com a transversalidade, bus-
ca-se um novo diálogo permanente em sala de aula e fora dela, onde
professores, estudantes e comunidade acadêmica criam um ambien-
te de educação conjunta sobre o meio ambiente e a necessidade de
preservação e respeito às diferentes formas de vida.
A globalização, elemento fundamental do modelo de produção
capitalista, e suas características, revolução técnica, atuação do
mercado global, dentre outras, contribuíram para o agravamento
da crise socioambiental, bem como aprofundou a dicotomia en-
tre a relação sociedade-natureza. Nessa perspectiva, ampliar a dis-
cussão sobre a questão do meio ambiente apresenta-se como forma
de enfrentar e superar os efeitos catastróficos da crise global, que de
acordo com Camargo (2003:33), corresponde a maior força desequili-
bradora do planeta, pois quatro fatores demonstram o caráter insus-
tentável da sociedade moderna: i) aumento populacional crescente,
cujas atividades econômicas se baseiam na exploração da natureza
gerando graves desequilíbrios; ii) esgotamento dos recursos naturais
provocados pela extração desenfreada em detrimento do respeito ao
tempo de renovação e recuperação dos ecossistemas naturais; iii) Au-
mento do consumo material e iv) utilização de sistemas produtivos
poluentes.

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Meio ambiente e crise civilizatória

Essa crise de civilização atinge o campo ambiental, mas se esten-


de a uma crise social e econômica, com reflexos no desemprego, au-
mento da subcontratação, aumento da economia informal, pobreza
e miséria, desigualdade de renda, acesso, liberdade, saúde, educação
dentre outras (ALVES, 2013:39). Assim, o meio ambiente segundo
esta visão, não é a sociedade nem a natureza, mas sim a interrelação
entre ambas. Vários autores como Santos (2009:14); Carvalho e Leff
(2012:37); definem a Educação Ambiental como a própria educação
de caráter interdisciplinar que propõe uma nova concepção de peda-
gogia vinculada à quebra de paradigmas, priorizando a participação,
a reapropriação da natureza, a qualidade de vida dessas e das futuras
gerações, como forma de mobilização dos sujeitos aprendizes nas to-
madas de decisões e nas transformações a partir de uma visão inte-
grada, holística e interdisciplinar.
Dessa forma, a IES é corresponsável pela promoção dessas mu-
danças, juntamente como o poder público por meio da legislação na
área ambiental, conduzindo a novas iniciativas, desenvolvendo no-
vos pensamentos e práticas, e promovendo a quebra de paradigmas
da sociedade, formando cidadãos conscientes e participativos nas
decisões coletivas. Contudo, muitos desafios precisam ser superados,
como, por exemplo, uma formação adequada do professor; (re)defi-
nição do papel institucional na sociedade atual e melhor abordagem
das questões ambientais dentro da Educação Ambiental no contexto
da universidade.
Não é raro, professores realizarem práticas de Educação Ambien-
tal como ações isoladas e desconectadas de significados científicos,
apesar da importância dessas ações. É relevante pontuar que muitos
dos objetos tratados na Educação Ambiental não são recentes. De
acordo com Alves (2013:03), desde o século XIX existiam legislações
que disciplinavam o meio ambiente. A Lei nº 1, de 01 de outubro de
1828, tecia considerações de cunho ambiental e atribuía à polícia o
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dever de zelar pelos poços, tanques, fontes, aquedutos, chafarizes e


quaisquer outras construções de benefício comum dos habitantes,
bem como a plantação de árvores para preservação de seus limites
à comodidade dos viajantes. Posteriormente foi sancionada a Lei nº
5.197, de 03 de janeiro de 1967, que “Dispõe sobre a Proteção à Fauna”,
trazendo em seu artigo 1º:

Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvol-


vimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo
a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros na-
turais, são propriedades do Estado, sendo proibido a sua utilização,
perseguição, destruição, caça ou apanha. (BRASIL, 1967).

Entretanto, apesar de leis e outras ações do Estado, Maglio e Phili-


ppi Jr. (2014), recordam que apenas na década de 80 foi fixada, de for-
ma plena, uma política nacional ambiental, mediante a Lei nº 6.938,
de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação” (BRA-
SIL,1981). Em seu Art. 2º:

A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preser-


vação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à
vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento
socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à pro-
teção da dignidade da vida humana (BRASIL, 1981).

No final da década de 90, foi sancionada a Lei nº 9.605, de 13 de fe-


vereiro de 1998, conhecida como de “Lei de Crimes Ambientais”, que
dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de con-
dutas e atividades lesivas ao meio ambiente (BRASIL, 1998). Esta lei
relaciona-se ao capítulo de meio ambiente da Constituição Federal
(CF) de 1988, principalmente no que se refere ao estabelecimento de
penalidades civis, administrativas e criminais para as condutas pre-
judiciais ao meio ambiente, de forma a uniformizar as penas, com
infrações claramente definidas.

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Em 27 de abril de 1999 foi sancionada a Lei nº 9.795 que “dispõe


sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação
Ambiental” apresenta, em seus dois primeiros artigos, pontos impor-
tantes como:

Art. 1º - Entendem-se por educação ambiental os processos por meio


dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para
a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essen-
cial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Art. 2º- A educação ambiental é um componente essencial e perma-


nente da educação nacional, devendo estar presente, de forma arti-
culada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em
caráter formal e não-formal. (BRASIL, 1999).

Dessa forma, a lei supracitada estabelece as diretrizes que defi-


nem o papel da Educação Ambiental na formação do cidadão, no
desenvolvimento de práticas capazes de contribuir para a preser-
vação do Meio Ambiente e na reflexão sobre a necessidade de se pen-
sar coletivamente, fortalecendo, assim, os valores sociais. É impor-
tante destacar que a Lei nº 9.795/99 explicita que todos têm direito
à Educação Ambiental, considerada como componente essencial e
permanente da educação nacional, que deve ser exercida de forma
articulada em todos os níveis e modalidades de ensino, sendo de
responsabilidade do SISNAMA, do Sistema Educacional, dos meios
de comunicação, do Poder Público e da sociedade em geral (BRASIL,
1999).
O distanciamento da humanidade em relação à natureza exige
respostas pedagógicas e políticas concretas para acabar com o pre-
domínio do antropocentrismo e desconstruir esta noção é um dos
princípios éticos da educação ambiental (SOUZA et al 2018:14). Os
problemas ambientais e de saúde assolam a sociedade contemporâ-
nea, sendo as atitudes humanas as principais responsáveis. Uma das
formas mais contundentes de promover mudanças substanciais nos
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hábitos das pessoas para adotarem atitudes responsáveis com o uso


dos recursos naturais é por meio da educação (SANTOS et al 2019:38).
Porém, a ânsia por crescimento e “desenvolvimento” tem deixado de
lado as questões ambientais, abrindo caminho para o surgimento de
diversos problemas ambientais, conforme Tenório (2018:85).
Na mesma direção (SOUZA et al. 2018:44), defendem que, para a
educação ambiental contribuir com a construção de valores de uma
nova cidadania pautada no respeito ao ambiente, é preciso que ela
assuma uma abordagem mais ampla, incorporando uma reflexão
crítica sobre os fatores de conformação da crise ambiental, tendo as
IES enormes possibilidades de contribuir para essa proposta.
Assim, o debate educacional sobre as questões ambientais deve
incluir, entre as suas finalidades, a reorientação de valores e a cons-
trução de fundamentos sobre ética e política que possam sustentar
formas de ativismo, a fim de desafiar as práticas de exploração capi-
talista das populações e do ambiente onde habitam.
É muito difícil retroceder nesse processo incessante de consumo
e de exploração do meio ambiente sem uma intervenção educativa
planejada e sistemática que possa gestar, através dos processos de
aprendizagem, uma forma mais competente de análise da realidade
e assim instrumentalizar o olhar para compreender como e para que
se constroem determinadas necessidades já que, os processos tecno-
lógicos que determinam o progresso conduzem o mundo a níveis de
contaminação e poluição, onde os recursos naturais estão se tornan-
do escassos e a degradação vem aumentando assustadoramente.
A LDB, no seu Art. 13, diz:

Os docentes incumbir-se-ão de: 1. Participar da elaboração da propos-


ta pedagógica do estabelecimento de ensino; 2. Elaborar e cumprir
plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimen-
to de ensino; 3. Zelar pela aprendizagem dos alunos; 4. Estabelecer es-
tratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; 5. Mi-
nistrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar
integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação

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e ao desenvolvimento profissional; 6. Colaborar com as atividades de


articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Como pode ser visto, esse artigo da LDB apresenta o docente


como sendo aquele a quem incumbe zelar pela aprendizagem do
aluno – inclusive daqueles com ritmos diferentes de aprendizagem,
tomando como referência, na definição de suas competências profis-
sionais, o direito de aprender do aluno, o que reforça a sua respon-
sabilidade com a proposta pedagógica do curso, possibilitando que
o aprendiz se relacione com o objeto na sua totalidade, num movi-
mento dinâmico entre teoria-prática, prática-teoria, desenvolvendo
as capacidades cognitivas, afetivas e psicomotoras relativas ao tra-
balho intelectual, sempre articulado, mas não reduzido ao mundo
do trabalho e das relações sociais. Na verdade, a prática pedagógica
só se aperfeiçoa por quem a realiza, a partir da sua história de vida,
expectativas e aspirações.
Sobre o assunto, Kunzer (2013:109) afirma:

O trabalho teórico, que por sua vez não prescinde da prática, é que
determinará a diferença entre prática enquanto repetição reiterada
de ações que deixam tudo como está e práxis enquanto processo re-
sultante do contínuo movimento entre teoria e prática, entre pensa-
mento e ação, entre velho e novo, entre sujeito e objeto, entre razão
e emoção, entre homem e humanidade, que produz conhecimento,
e por isto revoluciona o que está dado, transformando a realidade.

O texto constitucional também traça a amplitude do ato de edu-


car que se traduz em investimento no desenvolvimento pessoal e pro-
fissional, colaborando para que os sujeitos envolvidos no processo
educacional se constituam cidadãos críticos, politizados e compro-
metidos com o desenvolvimento da sociedade. Há um entendimento
de que é pela educação que homens e mulheres se desenvolvem, daí
a sua relevância como um processo permanente na vida dos sujei-
tos. Ensinar, portanto, é proporcionar ao aluno o conhecimento da

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existência e do manuseio do máximo de ferramentas possível e fim


de levá-lo a construir o seu conhecimento.
A postura docente não deve ser a de “ensinante” nem a de trei-
nador, mas a de “estar com” os alunos, trabalhar com eles, para que
o ensinar seja algo vivo e estimulante. Pensar o ensinar desta for-
ma deve estimular os alunos, mas igualmente ao docente, pois ele
também, precisa se sentir vivo, fazedor de atividades que lhe tragam
prazer e realização pessoal, e não apenas um cumpridor de regras do
espaço onde trabalha ou repetidor de métodos aprendidos quando
ele próprio era aluno do ensino superior (VERAS, 2011:02).
A universidade é, segundo Demo (1999:317), um clássico pensador
dessa instituição, sobretudo, sinônimo de mutações, desafios, ad-
versidades e confrontos com o mundo real. A formação pedagógica,
pensada em termos acadêmicos e didáticos, surge num panorama de
compreensão sobre qualidade do trabalho docente no recinto da sala
de aula, que não se restringe aos saberes, mas à sua capacidade de
agir em circunstâncias previstas ou não em seu plano de ação. Hoje,
o docente é um facilitador no processo de ensino e aprendizagem,
cuja atividade principal é ajudar o aluno a pensar, a questionar, a
ler a realidade do mundo e a construir opiniões próprias. Deve ele
aceitar a evidência de já não ser a única fonte de informações do alu-
no e, assim, explorar com ele outros ambientes de aprendizagem, va-
lorizando então o processo coletivo, que consiste em aprender com
outros alunos, com outros professores de outras áreas e com profis-
sionais não acadêmicos, estendendo o ambiente de aprendizagem
para a sociedade de modo geral. A isto se chama comportamento
interdisciplinar.
A experiência adquirida na minha prática como coordenador do
Programa UNIVASF SUSTENTÉVEL contribuiu para a construção
desta pesquisa, a qual é norteada pela consciência de que o agir no
campo da educação é um potencial transformador da realidade
e surge como uma alternativa para fugir do conformismo que cer-
ca a sociedade frente às problemáticas ambientais. Dessa forma se
reforça a ideia de ser necessário transformar as pessoas em atores
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sociais para que possam se sentir co-responsáveis pela melhoria da


qualidade de vida, que sem uma mudança de paradigmas frente à
hegemonia social, não será possível.

Material e métodos

Para este estudo foram consideradas as variáveis meio ambiente,


educação ambiental, temas transversais, prática docente, PDI – Pla-
no de Desenvolvimento Institucional, dentro do procedimento me-
todológico da pesquisa quanti-qualitativa e, como técnica de coleta
de dados, recorreu-se à análise dos PPC – Projetos Pedagógicos dos
Cursos de Graduação ofertados pela UNIVASF nos seus seis cam-
pi. A opção por esse caminho metodológico justifica-se, pela opor-
tunidade de se considerar não só o sistema de relações no qual os
aprendizes estão inseridos, mas também as representações sociais
que constituem a vivência do seu cotidiano e das suas relações com
a sociedade. Como informam Gamboa & Santos Filho, as duas di-
mensões não se opõem, mas se interrelacionam como duas faces do
real num movimento cumulativo e transformador, de tal maneira
que não é possível concebê-las uma sem a outra, nem uma separada
da outra (GAMBOA, S.S. & SANTOS FILHO, 1996:36).
Também fundamentado em Minayo (2016:18), essa pesquisa pre-
ocupou-se com a dimensão sociocultural, crenças, valores, opiniões,
representações, formas de relação, usos, costumes e comportamen-
tos, como processo que auxiliou na compreensão das relações gera-
das pelos seres humanos na interpretação da realidade. Na busca
pelo conhecimento dos significados sobre educação ambiental e as
práticas docentes vivenciadas em sala de aula ou fora dela, a pesqui-
sa quanti-qualitativa foi aplicada a fim de trabalhar o subjetivo e o
objetivo, os atores sociais, os fatos e os seus significados, bem como,
a ordem o os conflitos.

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Com a mesma visão, Rodrigues (2007:03), anuncia a pesquisa


quanti-qualitativa como aquela que, predominantemente, analisa,
avalia e interpreta dados relativos à natureza dos fenômenos, sem a
sobreposição de um aspecto sobre o outro. Portanto, é a pesquisa que
aborda e se faz valer da razão discursiva apoiada na interpretação
dos fenômenos, de maneira tal, que permita considerar suas subje-
tividades, como campo interdisciplinar e transdisciplinar que atra-
vessa as ciências físicas e humanas, não dispondo de um conjunto
fechado de metodologias próprias.
Após ser coletada a documentação, foi realizada uma categori-
zação e análise dos projetos pedagógicos dos cursos e os planos de
ensino, a fim de investigar como as disciplinas estão organizadas.
Posteriormente, os programas das disciplinas foram analisados e
toda a documentação foi comparada com dois outros documentos
norteadores, com a intenção de averiguar se os cursos de graduação
da Univasf contemplam o artigo 7 do PDI – Plano de Desenvolvimen-
to Institucional, no que se refere à educação ambiental na perspecti-
va do desenvolvimento sustentável.
Para a análise dos PPC e dos programas das disciplinas (PD), foi
inicialmente realizada uma leitura atenta e minuciosa dos referidos
documentos e, a partir dela, foi estabelecida a codificação das unida-
des de análise e as categorizações que se fizeram necessárias, sendo
a seguir registrados os dados coletados em formulário específico,
criado para este fim. As disciplinas foram organizadas em catego-
rias e, quando necessário foram propostas subcategorias de análise,
tudo isso a partir do estudo minucioso dos documentos (PPC, PD,
PDI).Também foi realizada a comparação entre a matriz curricular
presente no PPC com a que foi extraída da página do curso, no in-
tuito de verificar se existem ou não divergências em relação a estes
documentos.
Para a análise dos resultados foi empregada a análise de conteú-
do de documentos conforme sugerido por Sá-Silva, Almeida, Guin-
dani (2009:89). Na análise e discussão dos dados foi utilizada como

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perspectiva teórico-metodológica a abordagem analítica do Ciclo de


Políticas de Ball (apud MAINARDES, 2006:35).
A pesquisa abordou 100% dos cursos existentes, avaliando-se o
conteúdo do projeto pedagógico dos mesmos, abrangendo as disci-
plinas obrigatórias e optativas, através das ementas e bibliografia
das disciplinas, a fim de identificar a abordagem do conteúdo pre-
conizado pelo PDI e pela Política nacional de Educação Ambiental.
Além destes, buscou-se materiais, conteúdo de sites e mídias digitais
e, consulta a publicações que tratam do assunto, nos meios impresso
e/ou eletrônico da UNIVASF, através dos seus colegiados de cursos.
Os dados coletados, foram analisados com o auxílio do software
SAS (Statistical Analysis Sistem), onde as variáveis foram colocadas
nas colunas e as observações nas linhas. O Softwear SAS, é uma téc-
nica de modelação generalizada, utilizada para testar a validade de
modelos teóricos que definem relações causais, hipotéticas, entre
variáveis. Estas relações são representadas por parâmetros que in-
dicam a magnitude do efeito que as variáveis ditas independentes
apresentam sobre outras variáveis ditas dependentes, relacionadas a
padrões de associações entre as variáveis no modelo. Tabelas e gráfi-
cos personalizáveis integrados garantem resultados estatísticos cla-
ros e consistentes, para que os resultados da análise sejam de fácil
compreensão, tendo a sua fidedignidade atestada pelo teste do Qui
Quadrado.

Resultados e discussões

O Colegiado de Ciências Biológicas, localizado no CCA – Centro de


Ciências Agrárias, apresentou 22 disciplinas obrigatórias no curso
que abordam a temática do desenvolvimento sustentável e da pre-
servação ambiental, sendo seguido pelos cursos, Ecologia, abordan-
do a temática em 21 disciplinas obrigatórias e transversalizando a te-
mática em 80% das disciplinas. Em ordem decrescente, os colegiados
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dos cursos de Engenharia Agrícola e Ambiental; Engenharia Agronô-


mica; Ciências da Natureza do campus Senhor do Bonfim; Medici-
na Veterinária; Zootecnia; Geografia, Arqueologia, Preservação Pa-
trimonial; Farmácia; Engenharia Elétrica; e Ciências da Natureza
do campus Serra da Capivara no município São Raimundo Nonato
– Piaui.
Nesses colegiados de cursos, mesmo de forma diferenciada, as
discussões sobre preservação ambiental e sustentabilidade, per-
meiam muitas disciplinas, assegurando o cumprimento das exigên-
cias legais estabelecidas nos documentos institucionais.
Os cursos de Medicina, localizado no município de Paulo Afon-
so - Bahia; Psicologia e Enfermagem,localizados no campus sede no
município de Petrolina e Ciência da Computação e Artes visuais,
localizados no campus de Juazeiro - Bahia, não possuem nenhuma
disciplina obrigatória ou optativa cujos temas meio ambiente e des-
envolvimento sustentável sejam abordados. Os demais cursos pos-
suem pelo menos 01 disciplina obrigatória ou optativa que aborda a
questão ambiental.
O modelo de currículo tomado na pesquisa como referência foi o
Reconstrucionista Social, que foca as suas ações na formação crítica
do sujeito, onde humanos e natureza se fundem, permitindo que os
estudantes adquiram consciência da realidade sociocultural, trans-
formando-a, por entender que a universidade deve ser esse espaço de
liberdade que instiga o pensar e o agir em função das minorias, que-
brando as estruturas desumanizantes que controlam o status quo;
mantendo os sistemas estabelecidos pelas elites políticas e econômi-
cas do país. Os estudantes precisam acreditar que podem conduzir as
suas vidas, pelo aprendizado que a universidade lhes oportunizou.
Como bem informa Freire (1967:27) no seu livro “Educação como
Prática de Liberdade”, o objetivo da educação não consiste na aco-
modação ou ajustamento dos alunos ao sistema social, mas em sua
libertação da aderência servil a este. Nessa perspectiva, os cursos cu-
jos currículos não abordam a temática da sustentabilidade ambien-
tal, além de descumprirem uma exigência do PDI, empobrecem a
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formação dos estudantes, subtraindo dos mesmos a compreensão de


que a educação ambiental e sustentável é um ato político, que quan-
do exercitada com enfoque interdisciplinar e holístico, pode formar
sujeitos críticos e inovadores, capazes de se mobilizarem por uma so-
ciedade socialmente mais justa.
Portanto, a universidade não pode se furtar a essa verdade, cons-
truindo com os seus jovens uma ética de valorização e respeito à
diversidade e ao fortalecimento da democracia, da cidadania e to-
mando posição em favor da preservação da natureza como bem cole-
tivo. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,1997),
determinam que o aluno deve perceber-se integrante, dependente e
agente transformador do ambiente. Como conseguir essa atitude,
sem que a instituição de ensino atue nesse sentido, valendo aqui re-
lembrar que na Rio + 20, o governo brasileiro apresentou uma pro-
posta que contou com o apoio da ONU, de que a sociedade como um
todo precisa se comprometer com a sustentabilidade ambiental, a
fim de se construir um mundo novo, para estas e as futuras gerações.
O fato do Brasil ser signatário dessa conferência e ter assumido
compromissos em zerar o desmatamento e as queimadas; restaurar
áreas degradadas; colocar a educação ambiental em todos os currí-
culos dos cursos de todos os níveis, não garante a sua efetividade a
curto prazo, o que torna a Educação Ambiental via tema transversal
nas disciplinas, uma ferramenta importante para preparar o aluno
para o futuro, levando em consideração o seu principal foco que é a
sustentabilidade.
Para tanto, a sólida formação docente pautada nos princípios e
fundamentos da educação ambiental sustentável, incluindo relações
sociais aplicadas à sociedade é fundamental, a fim de que possa ele
apresentar domínio do conteúdo baseado na realidade do cotidiano
dos alunos a ser com eles discutido.
Sem essa condição, surge a pergunta: como as IES poderão propor-
cionar um ensino-aprendizagem interdisciplinar que garanta o des-
envolvimento da prática de conservação do meio ambiente? Como
discutir com os estudantes a coleta seletiva do lixo; a reciclagem do
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lixo para a formação de novos produtos e materiais; o desperdício; o


consumo exacerbado e desnecessário; as vantagens de conservar os
rios, mares, oceanos; a importância dos cuidados com o ar; a impor-
tância da produção agroecológica destituída de agroquímicos; a in-
clusão das comunidades pobres no sistema produtivo para a geração
de trabalho e renda; a educação como ferramenta para a elevação da
qualidade de vida de populações vulneráveis e outros assuntos?
Essa reflexão traz preocupação com o fato de 25,17% dos cursos de
graduação ofertados pela UNIVASF não trabalharem as questões de
sustentabilidade ambiental, já que, o principal pressuposto do currí-
culo é confrontar o aluno com o conjunto de problemas enfrentados
pela humanidade e como solucioná-los.
O último Relatório do IPCC – Painel Intergovernamental de Mu-
danças Climáticas, do qual participaram cerca de 100 cientistas que
analisaram como o mundo pode cumprir a meta de 1,5˚C, assim como
os impactos associados ao aumento na temperatura, deixa claro que
as atividades humanas são responsáveis pelas transformações do
planeta, o que requer dos tomadores de decisão implementar planos
de emissão zero líquido se quisermos parar o aquecimento.
Na atual conjuntura, segundo o relatório, apenas 54% das
emissões são absorvidas por sumidouros naturais, deixando o res-
tante para ser removido por tecnologias de remoção de dióxido de
carbono, portanto, é vital que não se acrescente mais emissões para
as gerações futuras e, nessa perspectiva, é a mudança de paradigmas
na produção e no consumo que poderá frear o aquecimento global.
Nessa perspectiva, são as instituições de ensino que terão as con-
dições ideais para incutir na juventude a urgência de se criar novos
padrões de comportamento diante da vida, pela solidariedade, hu-
manidadas e responsabilidade social com a coletividade.

Considerações finais

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O agravamento dos problemas ambientais tem trazido como


consequências desastres ecológicos de gravidade jamais identifica-
dos na história recente da humanidade, revelando a perversidade do
sistema capítalista hegemônico, que na busca pelo lucro a qualquer
preço, degrada os recursos naturais de modo intenso, atuando com
base na apropriação e exploração indevida da natureza, criando ne-
cessidade de consumo propagada pela mídia como satisfação huma-
na, excluindo os vulneráveis e gerando uma crise civilizatória sem
precedentes entre nações ricas e pobres e entre as populações dos
próprios países.
Nesse contexto, surge a importância da Educação Ambiental
como mecanismo eficaz para alterar essa situação, implementan-
do-se estudos e programas de formação continuada para os docen-
tes, cuja maioria atuando hoje como educadores e educadoras, não
tiveram oportunidade de, quando estudantes, discutirem as temá-
ticas ambientais e de desenvolvimento sustentável nos seus cursos.
Portanto, formar os formadores para enfrentarem os desafios reque-
ridos para a transformação de concepções, valores, padrões de con-
sumo e bem - estar na relação sociedade – natureza, é algo a princípio
por demais complexo, entretanto, é uma causa a ser assumida pela
academia, fundamentada na compreensão de que é possível ressig-
nificar o currículo das instituições de ensino, reorganizando a sua
matriz muitas vezes tecnicista para uma proposta de currículo mul-
ticultural, direcionando as práticas pedagógicas para a superação
da descontextualização, das iniquidades, das injustiças sociais e das
desigualdades, entre as quais estão as relacionadas com os proble-
mas ambientais.
Não é incomum docentes se manifestarem de forma acrítica e
fragmentada sobre o currículo implementado nas suas IES, enten-
dendo que o importante é a transmissão do conhecimento, descon-
siderando o contexto sócio-político-econômico e cultural da ins-
tituição e da comunidade que a integra, resultando dessa atitude
ingênua e omissa, prejuízos para a formação do estudante, que perde

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a oportunidade de compreender os acontecimentos de uma forma


concreta sobre a realidade que se interpõe entre ele e a sociedade.
Certamente o acatamento a regras e a regulamentos vindos da es-
trutura de poder, norteiam tais comportamentos, daí que a inserção
da universidade na formação de professores pode, como insinua
Kant (2005:09), trazer para discussão o esclarecimento acerca do
mundo, afastando do pensamento a ideia do outro, passando a ado-
tar a sua liberdade de escolha, ou seja, seu próprio pensamento. Com
isso, os profissionais da educação e do currículo poderão lançar-se
ao debate para construir um novo conceito de educação, onde as prá-
ticas pedagógicas ultrapassem o ensinar e o aprender, tornando-se
ações libertadoras capazes de fazer dos sujeitos agentes políticos
que pensam, agem e usam a palavra e o conhecimento adquiridos
como forma para transformar o mundo. Nesse contexto, a formação
docente e o currículo praticado nas IES precisam estar interligados,
articulando pensar e agir, para a transformação desejada.
As correntes filosóficas que dão sustentação a essa teoria de cu-
rrículo são múltiplas, todas surgidas do pensamento dito pós moder-
no, exatamente porquê, diante dos novos tempos que produz outras
subjetividades, os velhos moldes do pensamento curricular já não
dão conta dos fenômenos educacionais que emergem do mundo vi-
vido pelas novas gerações ( SILVA et al, 2019:03).
São as novas tecnologias que forçam uma ressignificação especí-
fica do espaço do ensinar e do aprender, onde o currículo ganha uma
velocidade compatível com as novas velocidades que emergem desse
mundo da informação. Assim, sob o ponto de vista da filosofia do cu-
rrículo, a tendência contemporânea é a de que ele nos conduza pelo
intrincado mundo envolto por dentro e por fora pela microfísica de
inumeráveis micropoderes, do celular, dos tablets, dos computado-
res (SILVA et al, 2019:115). É esse tipo de sociedade e esse tipo de sujei-
tos que o currículo contemporâneo tem de dar conta. onde qualquer
tentativa de pensamento unilinear não satisfará as expectativas
que o currículo da atualidade se ocupa ( SOUSA, MELO E SANTOS,
2017:157).
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Como pode ser observado, as características do contexto tra-


dicional em que se enquadram o currículo deixam de ser reconheci-
das. Na nova modelagem, outras possibilidades e equivalências são
criadas, não perdendo de vista que ao implantar redes tecnológicas,
as IES também se propõem ao desafio de construir redes de colabo-
ração, cooperação descentralizada que possam interagir com outras
redes de unidades, a fim de melhor aproveitar o potencial existen-
te (NASCIMENTO et al, 2019: 19).Ainda, segundo o autor, para que o
sujeito possa produzir conhecimento é importante que o ambiente,
seja ele presencial ou virtual, possibilite a construção de saberes e
não a reprodução de informações produzidas por outrem. Os sujei-
tos precisam imergir com autonomia e sapiência (NASCIMENTO et
al, 2019:21).
Os resultados obtidos neste estudo, apontam, ainda que de forma
indireta, para a necessidade da UNIVASF investir na formação pe-
dagógica docente, tendo em vista que grande parte dos professores
/ pesquisadores dado a sua formação tecnicista, demonstram pouca
familiaridade com as questões pedagógicas e de currículo, não trans-
versalizando nos conteúdos das suas disciplinas, informações outras
que possam contribuir para a formação integral do estudante, pres-
suposto constatado em relação a educação ambientel, onde mais de
20% deles sequer mencionam essa temática como conteúdo das suas
práticas. Entretanto, a educação ambiental tem o papel de despertar
nos estudantes a competência de perceber, avaliar e refletir sobre o
ambiente que o cerca, contribuindo para a formação de um cidadão
mais atuante.
Pelo histórico dos docentes da UNIVASF, como naturalmente a
de outras universidades, especialmente daqueles cuja formação
obedeceu a critérios cartesianos, disciplinares, observa-se que esta
influencia diretamente a sua prática pedagógica, o que é preocu-
pante, tendo em vista que são as ações interdisciplinares no ensino
superior que torna possível a concretização da educação contextua-
lizada, ensinando o estudante a aprender, a respeitar o próximo e a
natureza, a ser ético e a praticar a cidadania, preparando-o para o
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desenvolvimento sustentável, que na visão de Silva et al (2019:14), im-


plica em mudança do seu cotidiano, como controlar os desperdícios
de água, de energia, de consumo, de agressão da natureza, com vistas
a um novo proceder, sempre buscando respostas para as indagações:
1. Qual é o meu direito em satisfazer certas necessidades quan-
do isso pode afetar a vida de outro?
2. Que padrão societário pode garantir uma vida humana dig-
na, sem destruir as possibilidades de reprodução das demais espé-
cies que co-habitam o planeta?
3. Qual é o sentido da existência humana?
4. Como produzir respeitando os ciclos naturais e satisfazendo
as necessidades vitais humanas?
Essas preocupações são recentes, podendo-se afirmar pelos le-
vantamentos feitos nessa pesquisa, que datam do final dos anos
90, quando o MEC passou a promover iniciativas para a formação
de professores atuarem na educação ambiental. Porém, a partir dos
anos 2000, com o surgimento da legislação que regula as questões
ambientais, instituiu-se os parâmetros Curriculares Nacionais que
trouxe no seu bojo o tema transversal meio ambiente. A partir daí,
o MEC e as organizações internacionais, colocam essa temática em
todos os níveis de ensino.
A despeito da lei, a proposta longe está de ser efetivada nas ins-
tituições de ensino. Na UNIVASF, são elevados os números de cur-
sos de graduação que ignoram a exigência de transversalizar essa
temática nos conteúdos das suas práticas pedagógicas. Problemas
de caráter socio-ambiental como erosão dos solos, desmatamento,
queimadas, poluição do ar, contaminação dos recursos hídricos, ex-
tinção das espécies da fauna e flora, pobreza, exclusão, ausência de
escolaridade, direitos, cidadania, gênero, raça e etnia, dentre outros,
não são abordados com a profundidade necessária.
Na verdade, foi só após a Rio 92 que grande contingente de inte-
lectuais e professores passaram a se envolver com o tema de forma
mais contundente, mas os movimentos sociais de há muito já pau-
tavam a prioridade que deveria ser dada à causa, considerando que
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o modo de produção capitalista aliado à visão linear em relação à


exploração e ao uso dos recursos naturais, acarretam uma alteração
de valores nas pessoas que, por sua vez, acabam tendo um comporta-
mento de alienação em relação ao meio ambiente.
Não é demais rememorar que a educação ambiental é um ins-
trumento de prevenção e recuperação de áreas degradadas que pelo
seu compromisso com o desenvolvimento humano sustentável gera
harmonia entre o homem, o meio ambiente e o desenvolvimento
global. Nessa lógica, fica evidenciado pela pesquisa realizada, que
a educação ambiental na UNIVASF é necessária para todos e todas,
docentes, discentes e técnicos, a fim de que soluções eficazes possam
ser propostas e realizadas, para a sustentabilidade das suas ações.
Não qualquer proposta de educação ambiental, mas uma educação
ambiental crítica e reflexiva, que possa conduzir a academia e espe-
cialmente os estudantes à ações cidadãs.
Em relação ao desenvolvimento sustentável, as recomendações
se repetem quanto às necessidades básicas da população, tais como,
educação, saúde, habitação, transporte, lazer, justiça social, cidada-
nia, solidariedade, direitos e, em síntese, felicidade, aqui compreen-
dida como a possibilidade de fazer escolhas para a sua vida. O ideal é
que nessa possibilidade de escolha, a preservação do meio ambiente
e do desenvolvimento sustentável, estejam inseridas, com emprego
e renda, água nas torneiras dos domicílios, saneamento básico, pa-
vimentação nas ruas, ar despoluído, respeito à diversidade étnica e
religiosa, valorização das culturas tradicionais e, na região do Vale,
o Rio São Francisco despoluído de coliforme fecais, metais pesados
e o lixo doméstico nele depositado, na clareza de que os recursos na-
turais são finitos.
Educadores, como influenciadores do ser, podem utilizar-se da
educação ambiental para trazer um novo conhecimento sobre o
desenvolvimento sustentável que seja capaz de apreender o valor
intrínseco do patrimônio natural, sem abandonar o interesse para
o progresso da humanidade. Ao proteger a natureza, o homem está
protegendo a si mesmo.
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Quando as instituições de ensino superior como a UNIVASF,


realizam intervenções que as coloquem como instrumento de sus-
tentabilidade, sempre promovem uma revolução ambiental, já que
é em meio real que as transformações ocorrem, interferindo nos
problemas.

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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

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Centros Públicos de Economia Solidária


na Bahia:
avanços, limites e desafios de uma década de ação
governamental de assistência técnica a empreendi-
mentos populares

Silvia Maria Bahia Martins

Introdução

O incentivo a empreendimentos de economia solidária por meio


de políticas públicas tem se apresentado como fenômeno novo no
quadro da administração pública brasileira contemporânea. Expe-
riências municipais, como as de Porto Alegre (1993-2004), São Paulo
(2001-2004), Recife (2001–2004) e, a estadual, como a do Rio Grande
do Sul (que entre 1998 e 2002 enfatizou ações de desenvolvimento
econômico voltadas para a economia popular) foram pioneiras na
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abordagem de ações programáticas de geração de trabalho e renda,


bem como no apoio à capacitação de grupos produtivos associativos.
No âmbito nacional, a criação da Secretaria Nacional de Economia
Solidária (2003-2018) tornou-se um marco histórico-institucional em
função de ter inaugurado uma nova forma de intervenção do Estado
nas políticas de geração de trabalho e renda, as quais assumiram ofi-
cialmente o trabalho associativo como estratégia de enfrentamento
ao desemprego para além da relação assalariada (FRANÇA FILHO,
2006). E é na Bahia que a entrada da economia solidária na agenda
governamental assumiu contornos singulares.
O alcance geográfico, o volume de recursos investidos, a regu-
lamentação de leis estaduais específicas voltadas para a economia
solidária e o cooperativismo, a constituição de equipamentos de as-
sistência técnica, como os Centros Públicos de Economia Solidária
(Cesols), fazem da política estadual algo sem precedentes no país. E
é sobre os Cesols que este relato de experiência vai se ater, tratando
o percurso da ação governamental e apresentando os avanços, desa-
fios e os limites por que passou em uma década de implementação.
A estrutura do artigo compreende oito partes, quais sejam: a intro-
dução; a orientação metodológica; dois tópicos de contextualização
dos principais temas que direcionam o artigo – políticas públicas e
assistência técnica gerencial; uma seção de cunho tendencialmente
descritivo sobre Cesol; um tópico que contempla reflexões sobre as
repercussões de uma década de Cesol; em seguida, as considerações
finais e as referências bibliográficas fecham o texto.

Metodologia

Para esse texto, compreende-se que a análise de políticas públi-


cas é um campo multidisciplinar e multidimensional, sendo um
tema controverso e com diferentes vertentes (SOUZA, 2006). Par-
te-se do clássico conceito de Dye (1976), que busca descobrir o que os
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

governos fazem, porque fazem e que diferença isto faz. Esse perfil de
análise lida com papel importante: amplia o conhecimento da ação
do governo (visão descritiva) e pode ajudar os tomadores de decisão
(policy makers, no original) a qualificar as políticas públicas (visão
prescritiva) (DAGNINO, 2015). Tal perspectiva é convergente com a
de Celina Souza (2006), que compreende as políticas públicas como
“campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o
governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente)
e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas
ações (variável dependente)”(SOUZA, 2006, p.26). Para esta autora,
as políticas públicas, em grande medida, traduzem as plataformas
eleitorais em planos, programas, projetos, os quais produzirão resul-
tados e mudanças objetivas na realidade. Ela também pontua os seus
elementos constituintes – as políticas públicas envolvem diversos
atores, são abrangentes, lidam com ação intencional, são de longo
prazo, implicam implementação e avaliação, e há a distinção entre o
que o governo pretende fazer e o que realmente faz.
A análise da ação governamental aqui proposta está calçada na
concepção de ciclo desenvolvido por Rua (2014), a qual compreende a
política pública como resultante de atividades políticas que formam
um processo político não linear, em que o ponto de partida não está
claramente definido, as etapas podem ou ocorrer simultaneamente
ou se apresentar superpostas. Para tanto, a abordagem lida com a
identificação do ciclo de operação dos Cesols, no período entre 2008
e 2020, com base no modelo teórico de fases proposto pela autora,
qual seja: a) a formação da agenda, quando uma situação qualquer
passa a ser percebida como problema político enquanto tal; b) a for-
mação das alternativas, que ocorre quando o problema é incluído na
agenda governamental, e os atores envolvidos começam a apresen-
tar propostas para sua resolução, combinando interesses diversos
até a chegada de uma solução aceitável e que envolve c) a tomada
de decisão sobre qual rumo tomar; d) a implementação da política
é a fase na qual as intenções deixam se ser intenções e são converti-
das em intervenções na realidade; o monitoramento é o mecanismo
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pelo qual se acompanha a execução das políticas públicas e tem con-


dições de apreciar os processos, os resultados e o comportamento do
ambiente da política; e) e a avaliação, que tem a função de julgar, por
meio de critérios, os resultados da política; ela, juntamente com o
monitoramento, permite ajustar o percurso, subsidiando os tomado-
res de decisões de informações úteis.
Optou-se para esse artigo por uma breve perspectiva descritiva
da análise do ciclo da ação dos Cesols, a qual transita sobre conteú-
dos de funcionamento da estrutura administrativa e de aspectos do
processo de tomada de decisão, percebendo-os inter-relacionados.
Trata-se de um estudo de natureza exploratória já que proporciona
uma visão geral acerca de um tema ainda genérico, criando as con-
dições aproximativas ao tema, que é ainda pouco explorado (GIL,
2016). Recorre-se, assim, ao levantamento bibliográfico e à análise
documental.
A partir daqui são salientadas limitações específicas por que pas-
sa essa análise. Uma delas é decorrente da distância mínima da pes-
quisadora, que também é integrante do corpo técnico que monitora
o objeto de estudo. Tal condição implica, em termos epistemológicos,
um tipo de movimento sujeito-objeto relacionado a distanciamento
e aproximação, característica essa que pode trazer vantagens e pre-
juízos à pesquisa. Aqui, parte-se da hipótese que acionar a posição
de técnica1 e todo o repertório acumulado ao longo de anos permite
trânsitos que talvez outra posição social não o fizesse, considerando
que a pesquisa nunca é um processo neutro ou imparcial. E como
“só existe objeto em relação a um sujeito (que observa, isola, define,
pensa) e só há um sujeito em relação a um meio ambiente objetivo
(que lhe permite reconhecer-se, definir-se, pensar-se, etc., mas tam-
bém existir)” (MORIN, 2005, p. 41), não se pode negar a visita, em

1
A servidora atua na Sesol desde 2009. Entre 2009 e 2013, esteve atrelada à operação
do Cesol Estadual, implementado pela administração direta; a partir de 2016 até o
presente momento faz parte da Comissão de Acompanhamento, Monitoramento e
Avaliação dos contratos de gestão dos Cesols operados por Organizações Sociais.

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momentos do texto, ao lugar de participante, a qual se atenta a ele-


mentos da memória pessoal, da observação, de entrada no campo
empírico.
A outra limitação é que embora o Cesol seja uma ação progra-
mática, compreendida ao longo de anos sob a guarda de Programas
com nomenclaturas e fontes orçamentárias diferentes, sua análi-
se, no presente artigo, será guiada pelo repertório da noção de po-
lítica pública. A envergadura, a escala territorial, o investimento, a
quantidade de pessoas que arregimenta, sua projeção são elemen-
tos que justificam essa escolha que, apesar de intencional, lida com
parcialidades.

Contextualização

Assistência Técnica Gerencial

Assistência técnica não é um termo autoexplicativo. Seu signifi-


cado depende, em grande medida, do complemento que a expressão
venha a agregar. Além da semântica, há questões sobre o campo que
a ronda: qual seria o seu limiar diante de conceitos como assessoria,
intervenção, extensão? Em termos gerais, o uso da terminologia está
atrelado a outra denominação, que é a extensão rural. No Brasil, a
origem dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural - Ater
situa-se no final dos anos 1940, quando o empresário estadunidense
Rockeffeller recomendou ao governo mineiro a criação de instituição
que atuasse em prol da melhoria das condições sociais e econômicas
do meio rural (CASTRO; PEREIRA, 2017). Estava em pauta a difusão
de um determinado modelo de desenvolvimento que privilegiava o
processo de transferência de tecnologias, máquinas e insumos agrí-
colas importados dos países centrais do capitalismo, com atenção aos
Estados Unidos, e acolhidos pelos governos e instituições de ensino,
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em especial, da agronomia, nos países periféricos sob o discurso de


modernização agrícola com vistas a interferir na ampliação da base
de produção de alimentos. De um lado, multinacionais ampliaram
seu escopo de negócio – uso de sementes aperfeiçoadas (que depois
desencadearam os transgênicos) e agrotóxicos – e de perspectiva: im-
plantação de receituário da monocultura, do agronegócio, tornando
a agricultura uma atividade dependente de insumos e tecnologias
externos. À época, ascendeu um modo específico de proceder do/a
profissional extensionista junto aos/às agricultores/as. Revolução
Verde foi o nome dado a todo esse movimento. O governo brasileiro,
em paralelo, subsidiou o crédito rural como instrumento de “tirar a
agricultura do atraso”, principalmente entre os anos 1960 e 1986. O
que fica evidente é que nesse período o Estado centralizou a política
agrícola por meio da institucionalização de órgãos públicos, dentro
de uma perspectiva desenvolvimentista, importada e subordinada a
grandes conglomerados.
Diante desse quadro, Paulo Freire posicionou-se com a obra
“Extensão ou Comunicação?”, no final dos anos 1960. A acepção
“extensão” indicava, para Freire (1977), uma ação de estender algo
a alguém, o que leva a refletir sobre práticas de transmissão de um
conhecimento do sujeito superior ativo, aquele que estende, para um
sujeito inferior passivo, o qual é recipiente do conteúdo. E, assim,
Freire chegou à conclusão que o conceito de extensão não corres-
pondia a um que-fazer educativo-libertador. Ele então sugere ao/à
educadora assumir o conceito de comunicação, o qual “se recusa à
‘domesticação’ dos homens” (FREIRE, 1977, p.24), alcançando uma
busca permanente de seu Ser Mais por meio de educação como prá-
tica de liberdade. Desse modo, qual seria o caminho para uma edu-
cação de cunho técnico e viés humanista, a ser percorrido por um/a
profissional como o extensionista? “Não há técnica neutra, assexua-
da”, afirma Freire (1977, p.34). E aponta: “a assistência técnica, que é
indispensável, qualquer que seja o seu domínio, só é válida na medi-
da em que o seu programa, nascendo da pesquisa do ‘tema gerador’
do povo, vá mais além do puro treinamento técnico” (FREIRE, 1977,
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p.88). E isto implica questionar e compreender criticamente as impli-


cações da técnica e do seu uso, bem como partir do nível em que os/
as educandos/as se encontram e não daquele em que o/a educador/a
julgue que deveriam estar.
Com a crise fiscal dos anos 1980, a oferta de Ater por organis-
mos públicos passou a ser reduzida, extinta ou a sofrer contínuos
desmontes. Quando os governos diminuíram sua atuação nessa
área, algumas das atividades foram ressignificadas e assumidas por
empresas e indústrias, as quais passaram a realizar treinamentos
e vendas de equipamentos e insumos agrícolas. Em outros termos:
o mercado privado passou a prover serviços a agricultores/as mais
tecnificados/as e capitalizados/as (PEIXOTO, 2008). Os/as pequenos/
as produtores/as rurais tornaram-se, portanto, os/as mais prejudi-
cados/as, não supridos/as de serviços públicos gratuitos. Somente
em meados dos anos 1990, após disputas no âmbito da sociedade
civil e poder público, o governo federal criou o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, voltado para o
segmento da agricultura familiar. Seu objetivo era conciliar crédito e
apoio institucional para os pequenos produtores rurais. Os avanços,
as lacunas e as contradições advindas com a introdução do Pronaf
abriram caminhos para o debate acerca do modelo da oferta dos ser-
viços de assistência técnica. Nos anos 2000, o retorno do debate em
torno do desenvolvimento rural (CASTRO; PEREIRA, 2017) implicou
a busca por um novo modelo de Ater pública. Tal movimento, orques-
trado por atores públicos e da sociedade civil, alavancou a assunção
da Política Nacional de Ater, que ganhou força com a publicação da
lei2; esta promove a pauta da sustentabilidade, aliada da produção de
base agroecológica e da gestão democrática e com controle social. A
partir de então, a Ater pública passou a ser destinada exclusivamen-
te para a agricultura familiar. Organizações estatais e não estatais

2
Lei nº 12.188, de 11 de janeiro de 2010.

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foram incluídos no rol dos atores que passaram a implementar tais


serviços, viabilizadas por diversas formas de financiamento3.
O que fica evidenciado, nesse breve histórico, é que o termo “assis-
tência técnica” lida com usos diversos e até controversos. Já a assis-
tência técnica gerencial é um perfil de serviço neófito, que desbrava
uma discussão recente e não consolidada, inclusive para os movi-
mentos sociais. No âmbito do governo da Bahia, eis aqui o texto se-
minal, constante no primeiro termo de referência voltado à implan-
tação de Cesol por meio de contrato de gestão:

A assistência técnica gerencial é aqui considerada como um proces-


so educativo de difusão de tecnologias adequadas às características
organizacionais dos empreendimentos associativos populares e soli-
dários e apropriadas ao seu desenvolvimento e fortalecimento. Visa à
universalização do conhecimento e a disponibilização de ferramen-
tas de gestão, culminando na inclusão socioprodutiva dos/as bene-
ficiários/as. A abordagem da assistência técnica pelo Cesol, assim,
intenciona criar as condições para a autodeterminação dos públicos
beneficiários pela via do trabalho associado.

O fim colimado pelas atividades de Assistência Técnica é a exe-


cução de uma ação estruturante, com base no conhecimento
e valorização das potencialidades locais, da organização dos
trabalhadores e trabalhadoras numa perspectiva emancipató-
ria, visando resultados que compreendem a formação políti-
ca, gerencial e técnica e o fomento às ações sócio-produtivas,
geradoras de trabalho e renda, voltadas para os grupos produ-
tivos; a articulação entre diversos atores públicos e privados;
e a construção de outro modelo de desenvolvimento (BAHIA,
2012).

3
Governos, companhias comerciais, associação de produtores rurais, organizações
da sociedade civil, empresas de consultoria (CASTRO; PEREIRA, 2017).

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Se a Ater convencional prima pelo atendimento aos pequenos


produtores e à propriedade rural no que tange às atividades agríco-
las/produtivas ali desenvolvidas, à assistência técnica gerencial pro-
põe-se investir esforços em torno do fortalecimento de grupos produ-
tivos e do aperfeiçoamento das atividades não agrícolas, a exemplo
da gestão, comercialização, inserção de produtos nos mercados,
fortalecimento de vínculos grupais, aprimoramento de processos e
produtos, articulação interinstitucional. Esse foi o esforço inicial no
âmbito da política de inclusão socioprodutiva para criar repertório e
assim viabilizar mecanismos voltados ao atendimento específico de
grupos produtivos vulneráveis nos centros urbanos.

Política pública de economia solidária na Bahia

Definir o que é (e o que não é) economia solidária é motivo de


negociação e disputa entre os seus diversos praticantes e pesquisa-
dores/as. Não caberia defini-la de modo meramente prescritivo, e se
assim o fizesse, poder-se-ia cair numa armadilha. O que aparenta
consenso é que a terminologia busca prover nome ao fenômeno que
assumiu renovada projeção nas áreas política, social e econômica, e
que passa a ser identificado/reconhecido por e a (auto) identificar/
reconhecer diversidade de manifestações de associativismo econô-
mico no Brasil, “seja pela recriação de práticas tradicionais, seja pela
emergência de formas inovadoras” (CUNHA; SANTOS, 2011). Ao mes-
mo tempo, a acepção indica movimento, prática, conceito, modo de
gestão, o que demonstra o quanto o campo é dinâmico, lida com (des)
continuidades, imprecisões, “que não está pronta ainda; está em pro-
cesso” (CORAGGIO, 2003, p.36).
Já de antemão se percebe que a economia solidária é caracteri-
zada pela multiplicidade de atores, advindos de diversos segmen-
tos, e que se expressam na diversidade de iniciativas e experiências,
além de ser um campo teórico-experimental, organizacional e aca-
dêmico, no qual as concepções e os sentidos convivem, convergem,
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se chocam. Para esse momento, é importante anunciar que uma de


suas principais finalidades é a geração de trabalho e renda.
Quanto à política pública na Bahia, a Superintendência de Eco-
nomia Solidária e Cooperativismo (Sesol) da Bahia, implantada
em 2007 no âmbito da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e
Esporte (Setre), foi uma resposta às reivindicações de setores popu-
lares organizados: em 2006, carta foi encaminhada ao governador
recém-eleito, o mesmo que quando ministro do Trabalho e Emprego
(MTE), em 2003, foi provocado pelo movimento social e instituiu, na
esfera federal, a hoje extinta Secretaria Nacional de Economia Soli-
dária – Senaes4.
À época do início das atividades da Sesol, como é próprio do rito
da administração pública, estava em vigência Plano Plurianual
– PPA, 2004-2007, elaborado pelo corpo funcional da gestão prece-
dente. Este, portanto, não versava sobre diretrizes e destinação de
orçamento para a pasta da economia solidária. Ainda assim, no ano
de 2007, foram arregimentados R$ 215 mil para organização da equi-
pe, planejamento e estruturação das ações, bem como articulação
de parcerias. Com a deflagração do PPA 2008 – 2011, a Sesol contou
com previsão orçamentária e elenco de diretrizes e ações. Neste ín-
terim, R$ 17.610.769,47 foram empenhados pela Setre para execução
da política pública de economia solidária, sob a guarda do Progra-
ma Bahia Solidária. Neste lapso temporal, foram sancionadas a Lei
Estadual nº 11.362/2009 (BAHIA, 2009), que criou a Política Estadual
de Apoio ao Cooperativismo, e a Lei Estadual de Economia Solidária
nº 12.368/2011 (BAHIA, 2011), que dispõe sobre a Política Estadual de
Fomento à Economia Solidária no Estado da Bahia e do Conselho Es-
tadual de Economia Solidária. Até aqui, o direcionamento das ações

4
A estrutura da Senaes manteve-se de 2003 a 2018, doze desses anos dirigido pelo
economista e sociólogo Paul Singer; a Secretaria, que ocupava o antigo Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE), foi extinta no governo Temer. Quando da transição
ministerial gestão 2019 – 2022 e também extinção do MTE, as atividades a ela vincu-
ladas foram dispersas em diversos Ministérios, em especial, o da Cidadania, restritas
à política de assistência social.

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era voltado à criação de estratégias de incubação5 de empreendimen-


tos, implantação de Cesols pela via da administração direta, fortale-
cimento de finanças solidárias e microcrédito (como os Programas
CrediBahia e CrediSol, este último criado em 2009 e voltado para fi-
nanciamento de associações e cooperativas), promoção de eventos
de grande monta (como mostras nacionais e feiras estaduais), além
de apoio direto às organizações produtivas com especial ênfase na
Ação Bahia Solidária, uma articulação com a Companhia de Desen-
volvimento e Ação Regional – CAR, que atuou junto aos Conselhos
Municipais de Desenvolvimento.
No PPA 2012 – 2015, a economia solidária tornou-se um dos ei-
xos do macro e intersetorial Programa Vida Melhor, que pautou a
inclusão socioprodutiva como via de inserção laboral para pessoas
empobrecidas. Tal proposta foi ancorada em aporte significativo de
recursos do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza do Esta-
do da Bahia (FUNCEP). Neste período, ações e parcerias inovadoras
foram desenvolvidas, como a deflagração de editais, a exemplo do
apoio a projetos produtivos para mulheres rurais (edital 01/2012 em
parceria com duas outras secretarias de governo), o de apoio a reci-
clagem (edital 08/2012), o dois editais de redes de economia solidária
(edital 01/2012 e 01/2013), a seleção de projetos voltada para em-
preendimentos de matriz africana (edital 01/2014). Houve também
parcerias com a Senaes, no governo federal, que concentrou ações de
combate ao racismo institucional, apoio aos Cesols (já sob os moldes
da administração indireta) e estruturação de rede de catadores de
resíduos sólidos na Bahia.
Durante a vigência do PPA 2016-2019, os efeitos da crise conjun-
tural motivaram sucessivos contingenciamentos de recursos do
erário, o que causou bruscas mudanças no quadro orçamentário

5
Incubação é, ao mesmo tempo, um perfil de metodologia de trabalho e um processo
educativo que visa dar suporte e acompanhamento sistemático a empreendimentos.
No caso da economia solidária, ela foi/tem sido desenvolvida predominantemente
por instituições de ensino, especialmente por meio das Incubadoras Tecnológicas de
Cooperativas Populares – ITCPs.

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inicialmente previsto. Ainda assim, a Sesol manteve as atividades


de assistência técnica, de microcrédito, de promoção de eventos e de
acompanhamento dos convênios e contratos.
A propósito, a Sesol, desde a última alteração regimental da Setre,
em 2017, é constituída por cinco coordenações – Coordenação de Fo-
mento e Inovação (Cofes), Coordenação de Microcrédito e Finanças
Solidárias (Comfis), Coordenação de Formação e Divulgação (COFD),
Coordenação de Assistência Técnica e Inclusão Socioprodutiva (Ca-
tis), Coordenação de Informações Estratégicas, Monitoramento e
Avaliação (Ciema) – as quais estão com a incumbência de dar segui-
mento às ações dos eixos orientadores da política governamental.
Ademais, duas Conferências Públicas de Economia Solidária,
anos 2010 e 2014, foram realizadas em conjunto com a sociedade ci-
vil, sob a regência do Conselho Estadual de Economia Solidária. Em
períodos intercalados, a Sesol tornou-se responsável por funções
na Rede Nacional de Gestores de Políticas Públicas de Economia
Solidária. Entre 2007 e 2013, a execução da despesa orçamentária
da Sesol foi de R$ 45.325.734,75 (BAHIA, 2014); entre 2014 e 2019, R$
104.684.131 foram investidos nas iniciativas por meio de contratos e
convênios.

Centros públicos de economia solidária - CESOL

Nas próximas seções, abordar-se-á o ciclo do Cesol, evidenciando


os formatos administrativos e a tomada de decisões no decurso dos
doze anos da ação governamental.

CESOLS operados pela administração direta

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Centros Públicos de Economia Solidária na Bahia
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A Carta do Fórum Baiano de Economia Solidária, como ficou con-


hecido o documento endereçado a Jacques Wagner e que elenca as
reivindicações do movimento para a construção da política estadual,
já identificava a baixa qualificação de segmentos vulneráveis para
enfrentar as complexidades do mundo do trabalho contemporâneo
e nominou os Centros Públicos de Economia Solidária como alterna-
tiva. A menção fazia referência aos pioneiros equipamentos homôni-
mos instalados pela Senaes, de forma predominante em municípios
do Sul e do Sudeste do país. Aqui é inaugurada a apresentação do
ciclo do Cesol na Bahia, quando o movimento social influencia a for-
mação de agenda em torno de processos formativos e de capacitação
para empreendimentos produtivos.
Até 2007, não havia dados suficientes para compreender o fenô-
meno associativo em suas diversas faces6. Se já se observava a baixa
longevidade dos pequenos negócios empresariais (BRASÍLIA, 2004)7,
os quais lidavam com organismos de referência, supunha-se cenário
mais árido enfrentado por empreendimentos populares, que não
contavam, em sua grande maioria, com qualquer apoio institucio-
nal. A escassez e/ou inadequação de acompanhamento técnico de
iniciativas populares era percebida como fator que impactava na
sobrevida dos grupos; outras variáveis combinadas como a carên-
cia de formação técnica e sociopolítica, as dificuldades de acesso a
crédito ajustados ao perfil dos segmentos, o baixo acesso a tecnolo-
gias apropriadas de gestão e de produção, a dificuldade de acesso a
mercados só potencializavam o quadro macro. O reconhecimento
das condições gerais de sustentabilidade dos negócios associativos

6
A Senaes promoveu dois mapeamentos nacionais, em 2007 e 2013, os quais busca-
ram identificar os perfis de iniciativas e empreendimentos constituintes do movimen-
to de economia solidária. No primeiro, foram mapeados 1.611 empreendimentos na
Bahia; no segundo, foram coletados dados de 1.456.
7
Estudos do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas apontavam que o micro
e pequeno negócio tendia a sucumbir em 5 anos quando não havia planejamento pré-
vio, gestão do negócio e políticas governamentais de apoio (BRASILIA, 2004).

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Bahia Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
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corroborou para a implantação dos Cesols e viabilizou a formação


de alternativa.
Diante deste cenário, o Cesol foi planejado como espaço multi-
funcional que dispunha de base de serviços voltados para as especi-
ficidades dos empreendimentos, desde estrutura física de formação
em comercialização (Espaço Solidário) e de capacitação no mundo
digital (parceria com a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia),
de ambiente propício para realização de eventos, comerciais e de ar-
ticulação. Na Bahia, a fase de implementação do Cesol foi iniciada
em 2008 e foi operada, inicialmente, pela administração direta. Nes-
se modelo, duas modalidades foram desenvolvidas: Cesol de abran-
gência estadual, com sede em Salvador, e Cesols Territoriais, lotados
nos territórios de Feira de Santana e Vitória da Conquista8.
A metodologia proposta era formada por atendimentos, que
eram iniciados pelo agente de desenvolvimento, profissional de nível
médio que confeccionava diagnóstico socioeconômico do empreen-
dimento; este/a técnico/a registrava num documento o perfil das
demandas e das reivindicações para, posteriormente, deflagrar as
consultorias especializadas, a serem ministradas por outros trabal-
hadores do Cesol, composto por profissionais com formações acadê-
micas específicas. As atividades desenvolvidas pela equipe estavam
atreladas ao fortalecimento dos vínculos interpessoais; à orientação
jurídica, gerencial, contábil, em design e comunicação dos produtos;
à formação em comercialização e técnicas de vendas; à orientação de
acesso ao crédito.
Os públicos atendidos pelos Cesols eram os empreendimentos
coletivos populares. Desse modo, associações, cooperativas, redes de
economia solidária e comércio justo, grupos informais podiam soli-
citar visitas técnicas (atendimento sob demanda). Quando possível,
ocorria a busca ativa, ou seja, a equipe Cesol ia a campo, identifica-
va as necessidades e intervinha junto aos empreendimentos. Esses

8
Hoje, pela revisão da política de territórios de identidade, Vitória da Conquista pas-
sou a ser tratado como Sudoeste Baiano, e Feira de Santana como Portal do Sertão.

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Centros Públicos de Economia Solidária na Bahia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

estavam inseridos nos mais diversos sistemas produtivos, a exem-


plo dos ramos da alimentação, dos resíduos sólidos, de prestação de
serviços, da agricultura familiar, com maior incidência na seara das
manualidades, confecções e decoração.
Como experiência primeva no âmbito do governo do estado, os
Cesols operados via administração direta tornaram-se modelo no
que tange à configuração de metodologia de trabalho, à condução de
atividades de formação, à formatação do Espaço Solidário – ambien-
te físico dentro da estrutura do Cesol destinado à experimentação e à
formação em comercialização, como uma espécie de laboratório, no
qual os/as representantes dos empreendimentos ali aperfeiçoavam
competências e se instrumentalizavam nas comissões instituídas
– financeira, comunicação, articulação, formação. Como atividade
finalística, os Cesols aproximaram-se de seu público prioritário, e
atores da economia solidária passaram a identificá-los como equipa-
mentos públicos de formação. Todo o processo de atendimento, en-
tretanto, apresentava-se fragmentado, protocolar e pouco aderente
com a realidade vivida pelos/as trabalhadores/as. Como não havia
controle quali-quantitativo adequado do percurso formativo desen-
volvido com cada grupo, e as visitas in loco tendiam a lidar com des-
continuidades e lacunas metodológicas, o monitoramento das ações
realizadas com os grupos apresentava debilidades. Além disso, havia
as próprias dificuldades de operação do serviço por parte da admi-
nistração centralizada – dificuldades de promover capacitações para
além daquelas especialidades já disponíveis no quadro funcional e
de deslocamento das equipes diante da abrangência da ação, para
citar alguns exemplos. A promessa de inaugurar trinta Cesols não
perseverou, e a Setre chegou em 2014 com o fechamento das três uni-
dades da administração direta até então instaladas.

CESOLS sob a guarda dos contratos de gestão

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Em meados de 2011, a Setre aderiu ao chamado da Casa Civil de


compor o quadro de Secretarias de Estado que atuavam com ações
de combate à pobreza em torno de um único programa, com perfil
estratégico de inclusão socioprodutiva e de maior robustez financei-
ra, denominado Vida Melhor. Um dos objetivos principais era criar
condições para atuação intersetorial. A Sesol então elegeu a assistên-
cia técnica voltada para empreendimentos coletivos como um dos
serviços a ser ofertado no escopo do programa, o que propiciou a re-
vitalização da estratégia de Centro Público de Economia Solidária.
Dessa maneira, houve revisão da formação de alternativa, acordada
entre instâncias políticas e técnicas das pastas setoriais. Para tanto,
outro formato organizacional e aparato legal-administrativo foi avo-
cado – o contrato de gestão, operacionalizado por Organizações So-
ciais qualificadas pelo Estado; tal condição gerou uma nova tomada
de decisão no ciclo do Cesol. Entende-se como Organização Social
(O.S.) toda entidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,
que, mediante qualificação e contrato de gestão celebrado com o po-
der público, passa a gerenciar atividades/serviços de interesse públi-
co no âmbito do Programa Estadual de Organizações Sociais (SAEB,
2016).
O contrato de gestão foi incorporado à feição da administração
pública brasileira no final da década de 1990, no encalço do princípio
da eficiência, disposto na Constituição Federal. Percebido como me-
canismo de modernização, ele é balizado e persegue critérios de efi-
ciência, eficácia, qualidade com foco da prestação de serviço na/o ci-
dadã/ao, na redução de formalidades burocráticas, na conformação
de mecanismos de monitoramento e avaliação. É tratado como ins-
trumento que regula a relação entre a Organização Social e o Estado
com o fito de viabilizar as parcerias do setor público com o privado,
transferindo a execução de serviços públicos permanentes não ex-
clusivos. Nesta modalidade, o Estado passa de executor ou prestador
direto de serviços para se tornar regulador, provedor ou promotor
destes, principalmente dos serviços de interesse público atinentes à
ação social, à cultura, ao trabalho (SAEB, 2016).
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Centros Públicos de Economia Solidária na Bahia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Considerando os elementos supra, ampla e minuciosa investi-


gação acerca do serviço nos campos administrativo, jurídico, ope-
racional, financeiro foi desenvolvida pela equipe técnica da Sesol,
havendo novamente a identificação do problema no ciclo da ação
governamental. Grupos de trabalho intra e interinstitucional foram
criados para estudar o dispositivo contrato de gestão e as possibi-
lidades de interseção com o campo da economia solidária. E neste
âmbito, foram concebidos conceitos, indicadores e peças de apoio,
mecanismos de monitoramento, negociados o novo arranjo e a nova
linguagem com a alta direção e com a equipe interna, provisionados
recursos. Após longos meses de maturação, os primeiros documen-
tos – termo de referência e edital de seleção pública – foram publica-
dos em 20129. Neles constavam as diretrizes do serviço a ser desem-
penhado pelos Cesols. Apresentavam-se assim as características da
nova tomada de decisão quanto ao novo escopo do serviço, denomi-
nado assistência técnica gerencial, a ser operado pelas Organizações
Sociais.
Para o edital, adotou-se a distribuição dos contratos por lotes em
uma perspectiva territorial e regionalizada10. A definição da quan-
tidade e da localização deles baseou-se em dados advindos do ma-
peamento de economia solidária promovido pela Senaes, na identi-
ficação de disseminada rede de organizações da sociedade civil para
interlocução, nas definições político-administrativas do governo, na
previsão orçamentário-financeira, na capacidade de a equipe técnica

9
Edital 09/2012, destinado à seleção de entidade de direito privado sem fins lucra-
tivos, qualificada ou que pretenda qualificar-se como organização social, para pres-
tação do serviço de assistência técnica a empreendimentos de economia solidária e
rede de economia solidária e de comércio justo e solidário, por meio de implantação
de centro público de economia solidária (BAHIA, 2012).
10
O Governo da Bahia, a partir de 2014, reconheceu a existência de territórios de iden-
tidade, os quais foram constituídos com base no sentimento de pertencimento a par-
tir de escuta popular. Na atualidade, o estado conta com 27 deles. Em alguns lotes de
Cesols, a política territorial foi o parâmetro adotado; em outros, ao território foram
acrescidos municípios, o que configura atuação regionalizada.

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da Sesol incorporar, gradativamente, conhecimentos e adequar pro-


cedimentos para o acompanhamento dos contratos.
Publicizado o certame, as organizações sociais submeteram à Se-
sol sua metodologia de trabalho, as comprovações técnicas e docu-
mentais, os quadros orçamentários visando atender aos requisitos
dispostos. Selecionadas, classificadas e devidamente contratadas, as
organizações sociais assumiam as condições de instalar o Cesol nos
respectivos territórios a que haviam direcionado proposta; à época,
cada organização poderia desenvolver atividades em, no máximo,
dois lotes, desde que alcançasse aprovação em ambos. E eis que se
inicia a fase de implementação. No primeiro momento, o funcio-
namento do Cesol estava atrelado ao compromisso de selecionar e
contratar quadro funcional, bem como estruturar o espaço físico de
trabalho. Há que se mencionar que nesta nova proposta foi mantida
a iniciativa de Espaço Solidário, agora voltada para comercialização
propriamente dita de produtos e serviços. Logo em seguida, já com
os profissionais contratados, era realizado diagnóstico e análise do
contexto socioprodutivo territorial, documento este que versava so-
bre as vocações e potencialidades locais, bem como sinalização de
possíveis limitações de atuação. De posse deste documento, a equipe
técnica dos Cesols passava a realizar busca ativa, formato este que
lidava com a identificação, o cadastramento e a caracterização dos
empreendimentos a partir de visitas técnicas de campo. A partir daí
era constituída uma agenda de visitas para elaboração do Estudo de
Viabilidade Econômica (EVE), o qual envolve formulação de planil-
has de custo, de investimento para a produção, de receitas geradas,
de margem de contribuição por tipo de produto produzido no em-
preendimento, de identificação do ponto de equilíbrio. A partir da
elaboração desta peça de trabalho, eram indicadas propostas de in-
tervenção da assistência técnica nos campos gerencial, socioprodu-
tivo, comercial. As demais metas comportavam formação sociopo-
lítica, capacitação técnica, melhoria de instrumentos de gestão e de
processos produtivos, incremento de estratégias comerciais. Todo
esse elenco de metas, ancorado em indicadores, meios de verificação,
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modos de aferição de desempenho, deveriam ter seu cumprimento


comprovado pela O.S. por meio da confecção de relatório de pres-
tação de contas, remetido trimestralmente para a Comissão de Moni-
toramento e Avaliação.
A prestação de serviço de assistência técnica se dava de modo
cumulativo, ou seja, o atendimento ao quantitativo de empreendi-
mentos ocorria de modo progressivo a cada trimestre, havendo de
cada Cesol iniciar o relacionamento com uma média de 18 empreen-
dimentos. Até o 24º mês, os Cesols chegavam à capacidade máxima
de operação, ou seja, 128 empreendimentos com o EVE elaborado.
O primeiro chamamento público para contratação de Organi-
zações Sociais, o edital 009/2012, efetivou 08 (oito) Contratos de Ges-
tão dentre os 10 (dez) lotes publicados, dando cobertura de atendi-
mentos à Região Metropolitana de Salvador, com 03 (três) Cesol, e a
outros 05 (cinco) Territórios de Identidade, sendo eles: Sertão Produ-
tivo; Sertão do São Francisco; Litoral Sul; Bacia de Jacuípe e Recônca-
vo, tendo 01 (um) Cesol em cada. No ano seguinte, o edital foi repu-
blicado, 003/2013, e efetivou mais 09 (nove) contratos para os lotes
Portal do Sertão; Irecê; Bacia do Rio Grande; Itaparica e Semiárido
Nordeste I; Piemonte Norte do Itapicuru e Piemonte da Diamantina;
Médio Rio de Contas e Baixo Sul; Vitória da Conquista e município
de Itapetinga; Chapada Diamantina; e Litoral Norte e Agreste de Ala-
goinhas. Posteriormente, alguns dos lotes supramencionados foram
cancelados ou rescindidos11. Cada contrato de dois anos podia alçar
recursos de R$ 3.200.000, como teto máximo.
Ao final de 2016 chegou-se ao final da vigência dos contratos su-
pramencionados. A Setre, objetivando assegurar a continuidade do
serviço prestado aos empreendimentos, acionou as instâncias com-
petentes. E, após tratativas junto à Procuradoria Geral do Estado, a
Sesol orquestrou meios de estabelecer os primeiros contratos emer-
genciais no campo da assistência técnica gerencial, algo inédito no
governo da Bahia. Tal estratagema foi lançado enquanto se construía

11
Por motivação jurídica e/ou administrativa.

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novo processo seletivo. Nesta modelagem, oito Cesols tiveram a exe-


cução ampliada a partir de dois contratos emergenciais, cada um
com duração de 180 dias – territórios Irecê, Sertão Produtivo, Portal
do Sertão, Metropolitano, Bacia do Jacuípe, Sertão do São Francisco,
Piemonte Norte Itapicuru, Litoral Sul – com ações voltadas para o
fortalecimento da comercialização dos empreendimentos.
Com recursos oriundos do Funcep, do tesouro do Governo da Ba-
hia e do Governo Federal, a Setre repassou o montante de R$ 53 mil-
hões para as organizações sociais contratadas entre 2013 e 2017.
A mudança regimental da Setre, em 2017, fez com que se alças-
se uma coordenação específica para tratar de assistência técnica e
inclusão socioprodutiva, a Catis, que envolve a Comissão de Acom-
panhamento, Monitoramento e Avaliação dos contratos. Conside-
rando a experiência acumulada dos Centros Públicos no campo da
assistência técnica gerencial e da articulação assumida junto aos
empreendimentos, a Sesol adequou as metas do novo edital. Entre
2018 e 2019, foram lançados os editais 06/2018 e 01/2019, os quais
continuaram a versar sobre o serviço de assistência técnica, agora
sob a égide da agregação de valor, da comercialização e do acesso
a mercados diversificados, pautando novo perfil de implementação.
Como é perceptível, o grau de complexidade dos indicadores é di-
ferente daquele até então veiculado pela estratégia governamental.
Por outro lado, o valor do contrato caiu pela metade, no máximo, R$
1.600.000 por lote12. Estima-se que nos dois anos de vigência do con-
trato sejam investidos cerca de R$ 18 milhões nos Cesols.
Assim como nas primeiras versões de 2012 e 2013, os editais em
operação até 2020 lidavam com atendimentos cumulativos, inicia-
dos em 32 e mantidos em 128 empreendimentos ao longo do segun-
do ano de contrato. Duas modalidades de contrato foram disponi-
bilizadas, a de manutenção, para aqueles lotes que estiveram em

12
Com exceção dos dois lotes constantes na modalidade B, tipo implantação, nos
quais o valor é de R$ 800.000.

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funcionamento no decorrer do contrato emergencial, e a de implan-


tação, para localidades que tiveram trabalhos do Cesol encetados.
A etapa do monitoramento, como ação permanente e continua-
da de observação sobre metas e categorias de interesse durante o in-
tervalo do contrato, é definida pela Secretaria de Administração do
Estado da Bahia13 (SAEB, 2014) em duas frentes: o monitoramento,
que se dá por meio de visitas técnicas in loco, enquanto que o acom-
panhamento é a averiguação de documentos e de tratos administra-
tivos. Na atualidade, o primeiro tende a ser mais precário14 conside-
rando a concentração das atividades administrativo-burocráticas
da Comissão de Monitoramento e Avaliação na capital, Salvador, e
a dispersão geográfica em 13 lotes de Cesol no estado; além disso, a
quantidade de profissionais disponíveis para este fim está aquém das
necessidades acionadas por cada contrato de gestão.
Por fim, há rito administrativo realizado tanto por parte dos ór-
gãos internos da O.S. e do arranjo institucional – Congeos, Secretaria
de Administração, Tribunal de Contas, Comissão de Monitoramento
e Avaliação – para averiguar as condições de qualidade da oferta do
serviço e da regularidade do repasse dos recursos; e eles se atêm à
aferição de resultados.

13
A Saeb, por meio da Coordenação de Modelos de Parcerias de Gestão, assessora as
Secretarias que tenham interesse em implantar processos de publicização de contra-
tos. É ela também a que secretaria o Conselho de Gestão das Organizações Sociais
– Congeos, órgão consultivo, deliberativo e de supervisão dos contratos de gestão no
governo da Bahia (SAEB, 2016).
14
Ademais, em tempos de pandemia do novo coronavírus, que se alongou por quase
todo o ano de 2020 e cobriu metade do período contratual, o acompanhamento, ex-
presso em visitas técnicas, ficou prejudicado ou praticamente inexistente.

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Avanços, Desafios e limites

O que se percebe é que o equipamento público Centro Público


de Economia Solidária é uma conquista em diversas frentes. Alguns
avanços merecem destaque.
Os Cesols sobreviveram às mudanças de gestão governamental,
aos critérios políticos e às idiossincrasias pessoais dos gestores pú-
blicos que passaram pela pasta no governo do estado. Dois governa-
dores e cinco secretários/a do trabalho mantiveram a ação governa-
mental e patrocinaram as descontinuidades derivadas da passagem
de operação pela administração direta para a de contratos de gestão
executados por organizações da sociedade civil. Ainda que a passa-
gem de poder tenha se dado no mesmo espectro ideológico do go-
verno de coalizão, a ação assumiu importância e gerou condições,
inclusive, jurídicas e orçamentário-financeiras para continuidade. A
longevidade da ação governamental na Bahia se afirma, apesar do
desmantelamento da política nacional com a dissolução das ativida-
des da Senaes.
Desde a implantação dos Cesols em 2008, o percurso da ação go-
vernamental demonstra ampliação dos serviços ofertados: dos três
Cesols inicialmente operados pela administração direta chegou-se
ao auge de dezessete unidades implantadas, entre os anos de 2013
e 2015, por meio de contratos de gestão; estavam em vigência treze
até 2020. Houve, assim, um aumento significativo de escala e de
capilaridade.
Ademais, as ações desenvolvidas pelos Centros Públicos de Econo-
mia Solidária possibilitaram a identificação e o atendimento de ne-
cessidades de cerca de 1500 empreendimentos, o aumento da quan-
tidade das redes territoriais (no mínimo, 13), o aperfeiçoamento de
aspectos gerenciais, o incremento da produção e da comercialização,
o melhoramento dos produtos por meio da elaboração de identidade
visual, do estudo de marca e de embalagens adequadas, da pesquisa
sobre informações de conformidade com parâmetros fitossanitários
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e nutricionais para produtos alimentícios, além de apoio para aces-


sar certificações, selos e registros (salienta-se que algumas destas
ações não se faziam ancorar nas metas estabelecidas nos primeiros
editais dos Cesol). Ao mesmo tempo, interações sociais, maior auto-
estima, relações com a comunidade e potencialização de cidadania
podem ser percebidos como resultados (ROMEIRO et al, 2020). A
consolidação dos Espaços Solidários talvez seja uma das respostas
mais vivazes da política de economia solidária, quando consegue
congregar atores de diversos territórios, propiciar intercâmbios de
produtos, viabilizar renda para os/as trabalhadores/as com apresen-
tação de faturamento bruto de mais de R$ 1.100.000 – somente no
ano de 2016.
O alcance da estratégia escolhida pela SETRE lida também com
limitações e desafios, alguns deles efeitos também dos avanços,
próprio de um movimento dialético.
Tentativas de articulação e cooperação com demais agências de
governo foram propostas ao longo da existência dos Cesols, com-
preendendo que a atuação unilateral de um único agente não é pa-
naceia para trato de questões socioeconômicas. No entanto, elas
tenderam a ocorrer de forma pontual. Então, não se pode negar a
existência de “competições interburocráticas”, superposições e frag-
mentação (RUA, 2014) ao longo dos últimos anos.
Quanto ao monitoramento, são reveladas variáveis necessárias
de abordagem: a) a constância e a sinuosidade de desempenho das
organizações (as quais não serão foco da análise desse artigo e, por
isso, hipóteses não serão levantadas); b) o foco do contrato privilegia
a eficiência (em especial, no campo dos investimentos e dos custos
– pilar da economicidade) e a eficácia (comparação entre o previs-
to e o realizado, conforme chamamento público), mas a efetividade
tende a ser ainda lacunosa em termos de levantamento e análise de
dados; não é possível conhecer o alcance, os benefícios, as vantagens
e os efeitos das intervenções junto aos empreendimentos (SANTOS,
2019), já que em grande medida, os referidos documentos lidam com
dados numéricos, não pontuando o estágio de atendimento de cada
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empreendimento. Ainda que práticas e instrumentos de monitora-


mento e acompanhamento estejam estabelecidos por força dos mar-
cos regulatórios, em particular a lei nº. 8.647/2003 (BAHIA, 2003),
eles não são suficientemente adequados para materializar, viabilizar
informações acerca daquilo que o movimento de economia solidária
pauta como sustentabilidade, a qual perpassa, na economia soli-
dária, por dimensões econômica, social, política, gerencial, cultural,
ambiental (REIS, 2005), além dos efeitos da política de geração de tra-
balho e renda frente ao multifacetado conceito de pobreza.
Tem ocorrido esforço de atores externos, em especial da acade-
mia, em torno da análise da ação governamental dos Centros Pú-
blicos de Economia Solidária na Bahia (SANTOS, 2019; BORGES,
BORGES e MATURINO, 2019). Essa inclinação não tem encontrado
a mesma repercussão no ambiente interno da política institucional.
Tal movimento corrobora com o que RUA (2014) aponta de que na
maior parte das vezes os instrumentos de avaliação são inadequa-
dos, incipientes ou inexistentes. A avaliação que sirva não somente
para construir um juízo de valor, mas para criar oportunidades de
aprendizagem organizacional, tende a não ser cumprida quando a
gestão pública não supera o estigma da avaliação como última etapa
do processo de intervenção social (BOULLOSA, 2017).

Considerações finais

O ciclo de política pública tornou-se modelo útil e didático para


a compreensão contextualizada do Cesol, que se trata de ação de
governo, de caráter distributivo, com características inovadoras
na relação Estado-sociedade, que avança para a descentralização a
partir da entrada de atores não estatais na operação dos serviços.
Aqui, assume-se que as versões formuladas e desenvolvidas de Ce-
sol foram aquelas as quais os patrocinadores tiveram melhor per-
formance, considerando o contexto social, histórico, econômico,
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ideológico-partidário, a capacidade argumentativa e cognitiva de


estes atores apresentarem temas “pautáveis” e de vincular as pautas
com a capacidade e a discricionariedade do corpo funcional envol-
vido. Aqui a não ação e a tão difundida, porém abstrata, expressão
“vontade política” também são compreendidas como componentes
da análise, posto que materializam níveis de tomada de decisão. Não
menos importante nesse quadro é que o governo desenhou os con-
tornos da ação a partir das condições de governabilidade dentro de
quadros de coalizão, os quais contemplam matizes político-progra-
mático os mais diversos.
O Cesol apresenta-se como equipamento público que expressa
reivindicações e necessidades de um segmento social com direito a
políticas específicas. O governo dá sinais de se posicionar como ani-
mador de processos de interação com novos exercícios políticos, de-
flagrados pela assunção de novos atores na esfera pública. Mas para
que haja a passagem das políticas herdadas para as políticas neces-
sárias (DAGNINO, 2014), há que viabilizar e manter mecanismos de
participação e controle social, o que perpassa necessariamente pelo
fortalecimento de instâncias consultivas e deliberativas, como os
fóruns e os conselhos, hoje desmobilizados.
A experiência de implantação de Centros Públicos, sob o marco
do contrato de gestão, é fenômeno recente e inédito na adminis-
tração pública no Brasil. O Cesol abre espaço e intencionalmente
demarca mudança na gestão de equipamentos públicos, operados
por privados sem fins lucrativos. Aqui é evidenciado um novo uso
de tal dispositivo, próprio do modelo gerencialista de Estado e que
tem suas bases fincadas na lógica de performance da iniciativa priva-
da, e que foi reapropriado para produzir a disseminação de Centros
Públicos, voltados a promover novo tipo de relações, de produção,
de distribuição e de consumo. A execução da ação pública de Cesols
por meio dos contratos de gestão gera expectativas e atrai por suas
potencialidades, mas ainda precisa de mais estudos para ser avaliada
em seus limites, tudo para que não se perca o senso de oportunidade
e não se desperdice a experiência (SANTOS, 2000).
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Já a assistência técnica gerencial pode ser percebida como uma


invenção dentro desse quadro maior de engenharia institucional.
O esforço empreendido para a conformação do objeto do contrato
de gestão fez com que emergisse uma ecologia, ancorada no que a
extensão rural já fazia, mas a partir de uma lógica específica – ge-
rencial. No entanto, as fronteiras da assistência técnica gerencial
parecem ainda difusas e sua consistência conceitual pouco desenvol-
vida e sem elementos que a validem. Está aqui um objeto passível de
investigação pelo campo dos estudos organizacionais em pesquisas
futuras.
Autores/as até a década passada apontavam a tendência da re-
lação entre a expansão da economia solidária e a implementação de
políticas públicas específicas (ALCÂNTARA, 2014; BARBOSA, 2007).
A economia solidária foi agendada no seio da política governamen-
tal, entretanto, muito tem a percorrer no que tange à sustentabilida-
de da institucionalização. No plano nacional, com os eventos do im-
peachment, em 2016, e a assunção de governos conservadores, desde
então o agendamento político da economia solidária entrou em con-
trafluxo. O seu presente depende, em grande medida, de como o mo-
vimento se (re)organiza.

Referências

ALCÂNTARA, Fernanda Henrique Cupertino. Políticas públicas munici-


pais e economia solidária. Revista Interações, Campo Grande, v.15, n.1,
p.135-145, jan/jun2014.

BAHIA (Estado). Lei no 12.368, de 13 de dezembro de 2011. Dispõe sobre a


criação da Política Estadual de Fomento à Economia Solidária no Estado
da Bahia e do Conselho Estadual de Economia Solidária. Bahia, 2011.
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Centros Públicos de Economia Solidária na Bahia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

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Refletindo sobre educação do campo


através perspectiva associativa:
contribuições da Refaisa

Alane Amorim Barbosa Dias, Anderson Moreira de Jesus, Bruno dos


Santos Silva, Seonária Costa Santana, Lucas Santos Caetano

Introdução

Uma educação digna para o homem do campo é um assunto que


vem sendo discutido desde a década de 1930, e infelizmente ainda
não conseguiu obter o resultado esperado. Vários programas foram
criados, leis foram sancionadas com o objetivo de oferecer para os
rurícolas uma opção concreta para o seu desenvolvimento pessoal,
socioeconômico e cultural.
A educação rural é hoje, uma das prioridades no quadro rela-
cionado à educação popular. Antes de ser priorizada e reconhecida
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Santos
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como um direito do homem e da mulher do campo, além de dever


do Estado, a população campestre tiveram muitos entraves para al-
cançar esse patamar, situação ainda aquém e ainda requer muitas
outras demandas necessárias para que a educação do campo se en-
quadre como uma educação básica necessária, adaptada a realidade
vivida no campo e aplicada por profissionais da educação capacitada
para tal função e que compreendam tal especificidade.
É visível a necessidade que a população do campo tem referente
ao seu bem-estar educacional. Não é somente o querer que predomi-
na, mas o dever dos órgãos públicos de lhes oferecer aquilo que lhe
é direito: uma educação digna a todo e qualquer cidadão, indepen-
dente de sua raça, classe social, etnia e origem. Assim como a saúde é
uma demanda fundamental, requerida da e para a população, a edu-
cação não deve ser negada a nenhum individuo, pois esta apresenta a
todos a possibilidade de se tornar melhor.
A educação do campo tem sido evidenciada nos últimos anos e
ganho uma roupagem consolidada, baseando-se de forma prioritária
nas discussões apresentadas por Paulo Freire e suas contribuições
na construção na pedagogia da alternância. Nessa perspectiva, a al-
ternância vem com seus princípios conciliar a educação como forma
de aprender dentro da realidade, experimentando-a, vivenciando-a e
pondo em prática tudo àquilo que for teorizado.
A ação das organizações associativas vem nesse sentindo, conso-
lidar a organicidade apresentada pela proposta da educação do cam-
po, ressaltando que a evidência de sua importância, ganha destaque
através das diversas manifestações dos movimentos sociais. Logo,
as ações combinadas, conscientes e implicadas dos indivíduos, cul-
minam na proposição da interação humana, baseado em aspectos
comuns.
A criação da Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do
Semiárido – REFAISA se evidencia da necessidade de organização
das escolas famílias agrícolas em realizar atividades em comum,
visando á parceria, participação e envolvimento das famílias e das
comunidades rurais na gestão da Escola através de uma Associação.
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Refletindo sobre educação do campo através perspectiva associativa
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

O interesse pela discussão da temática embasa-se no envolvi-


mento dos autores no debate e reflexão sobre a educação do cam-
po nas escolas famílias agrícola e ou importância de se pensar uma
educação contextualizada nos espaços compartilhados de poder, a
citarem-se, associações.
Nesse sentindo, este trabalho tem como objetivo analisar a
contribuição das organizações associativas na construção da edu-
cação do campo, através da atuação da REFAISA.
A problemática que embasa essa discussão, parte do seguinte
pressuposto: De que forma a organização associativa, Rede das esco-
las famílias agrícolas integradas do semiárido tem contribuído para
a construção da educação do campo? A discussão proposta, parte da
pesquisa empírica e observação dialética dos fatos. Para embasar a
construção desse diálogo, utilizou-se a metodologia qualitativa, visto
que esta toma como base a problematização e a reflexão de causas
que evidenciam cunho subjetivo de discussão. Como técnica de cole-
ta das reflexões, adota-se a pesquisa bibliográfica.
A discussão estrutura-se em quarto partes: no primeiro tópico,
abordagem das principais discussões que se apresentam sobre a con-
cepção/construção das organizações associativas; o segundo tópico,
apresenta a definição da educação do campo e da educação rural e
relata sobre as 2 organizações educacionais formalizadas que se ba-
seiam na perspectiva na pedagogia da alternância; o terceiro tópico
relata sobre a atuação da rede de escolas famílias agrícolas integra-
das do semiárido; o quarto tópico evidencia a discussão do pressu-
posto organizativo e da participação na consolidação da REFAISA e
sua implicação na educação do campo.
Pensar a educação do campo a partir da premissa das orga-
nizações associativas embasam a manifestação de um dos princípios
norteadores dessas instituições: a educação. Logo, ambas atuam de
forma combinada e em relações de interesse, produzindo entre si
cooperação e a compreensão da complexa relação humana, através
dos processos educativos.

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Organizações associativas e suas contribuições na sociedade

As organizações associativas derivam dos movimentos sociais,


tendo maior abrangência pós-período de implementação do Estado
Democrático de Direito, década de 90, sendo os movimentos sociais
responsáveis por tencionar a necessidade de pautar-se um novo esti-
lo de governo de Estado que promovesse uma inclusão populacional
ao pensar-se às medidas e pautas da sociedade.
A efervescência dos movimentos sociais (MS) apresenta-se como
necessidade de elencar as prioridades dispares e que andam conjun-
tamente com o trabalho. Conforme a perspectiva do ideal neoliberal,
o Estado deve atuar frente à sua população, visando minimizar os
custos efetivo Estatal e promovendo o enxugamento dos custos para
o Governo. Assim, o Estado diminui sua atenção para às questões so-
ciais, passando tal responsabilidade para os indivíduos e demanda
um processo de responsabilização de outros atores, sendo estas no
geral, as organizações associativas.
Mocelin (2018, p. 66) define movimentos sociais “[...] como ações
coletivas orientadas para a promoção de mudanças, no todo ou em
parte, em instituições, condições ou relações sociais.”. Assim, os par-
ticipantes deste atuam, visando dar notoriedade aos projetos iden-
titários da sociedade e são mobilizados por símbolos e significados
que compõem sua estrutura social.
O papel dos movimentos sociais na apropriação do regime de-
mocrático é de fundamental importância e de inegável atuação. De
acordo Maria Gohn (2013), os movimentos sociais agiram na com-
posição do pensamento democrático, principalmente, através de 4
vias: pensando a via de cultura local e pautando-a como via de re-
cuperação do desgaste apresentado pela globalização, tencionando
assim, a retomada da operacionalização das coisas públicas pelo
povo local; orientando a população sobre a necessidade de si pautar
ética na politica e uma vigilância constante sobre os seus direitos e
os desvios aplicados a estes; evidenciando características subjetivas
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do povo nos debates e questões públicas, peculiaridade anteriormen-


te deixada de lado; e apresentando uma nova compreensão de auto-
nomia, elencada nos anos 80, utilizando deste principio para pensar
sob perspectivas diferentes e amplas, aplicando propostas a estas.
Logo, o principio da autonomia é o pilar que permeia ainda as re-
lações dos movimentos sociais e das organizações que atuam emba-
sadas nos MS, possibilitando que este seja um espaço público de de-
bate e luta do povo contra as forças opressoras. Para Gohn (2013) esta
autonomia evidenciada pelos movimentos sociais definia-se como

[...] ter projetos e pensar os interesses dos grupos envolvidos com au-
todeterminação; é ter planejamento estratégico em termos de metas
e programas; é ter a crítica, mas também a proposta de resolução
para o conflito que está envolvido; é ser flexível para incorporar os
que ainda não participam, mas tem o desejo de participar, de mudar
as coisas e os acontecimentos da forma como estão; é tentar sempre
dar universalidade às demandas particulares, fazer política vencen-
do os desafios dos localismos; ter autonomia é priorizar a cidadania:
construindo-a onde não existe, resgatando-a onde foi corrompida [...]
(GOHN, 2013, p. 239)

No constructo da ação coletiva organizada, vale ainda destacar o


papel dos movimentos sociais rurais que conseguiram enfatizar e co-
locar em pauta as necessidades especificas do rural como valoração
a ser desmitificada, considerando ainda que o Brasil é em geral, mais
rural do que urbano. As efervescências dos movimentos sociais ru-
rais ocorrem no século XX e inicio do século XXI.
Mocelin (2018, p.66) afirma que os diversos segmentos de MS são
“[...] constituídos por atores sociais distintos, possuem identidades
diferenciadas, interesses particulares, mas expressam algum inte-
resse mútuo [...]”. Nessa interim é valido lembrar também, das mani-
festações das Organizações Associativas que se consolidam burocra-
ticamente, visando atuar de forma especifica socioeconomicamente
em demandas comuns apresentadas por determinado grupo popu-
lacional. De forma ampla, individuo e socialmente, pertencemos a
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organizações associativas nas dimensões religiosas, politicas, cul-


turais, econômicas, acadêmicas, dentre outras. Destarte, estas pos-
suem como finalidade primordial, o agrupamento de pessoas com
objetivos comuns que buscam solução e/ou melhoramento de deter-
minada situação(ões).
As organizações associativas derivam da pratica associativa, ou
seja, da união de similares em prol da defesa de ideários comuns, to-
mando como base principalmente o ideário politico e social, visando
atingir situações mais complexas e universais.
A pratica associativa é gerida por princípios que norteiam suas
ações, sendo estes: ajuda-mútua, solidariedade, democracia, igualda-
de, participação, equidade, democracia, autonomia, independência e
autogestão. Algumas das exemplificações de organizações mais con-
hecidas no cotidiano são as associações, sindicatos e cooperativas.
Estas organizações têm contribuído ao longo dos anos na construção
de ideários que tomam o povo como base e ator nos mais diversos
setores (educação, indústria, cultura, ambiental, dentre outros), con-
siderando ainda as mais diversas contrariedades e particularidades
regional, cultural e econômica.
Por associação compreende-se a iniciativa formal ou informal de
pessoas com interesse comum e que visam gerar benefícios/bem-es-
tar a seus associados. Estas podem se manifestar em diversas formas
de intervenção: associação de bairro, associação de trabalhadores,
associação de profissionais de áreas especificas, associação rural ou
de produtores rurais, dentre outras.
Conforme Mocelin (2018, p.57) as associações atuam como pers-
pectivas estratégicas de caminho para mudanças, sendo estas “[...]
no âmbito de forma de produção, manejo e distribuição, de finan-
ciamento, ou mesmo de reorientação da cultura produtiva, pois as
dificuldades e os sucessos são compartilhados. Operacionaliza-se o
dito popular de que “a união faz a força”.
As cooperativas atuam na mesma lógica incitada pelas asso-
ciações, mas estas possuem um cunho econômico e visam a in-
serção/ampliação econômica dos seus cooperados. Esta toma como
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base histórica de atuação, os paradigmas apontados pela Revolução


Industrial e o desenfreado desemprego apresentado por este. Consi-
derando seu cunho econômico e sua forma de atuação, o cooperati-
vismo, atua em mais de 11 ramos, podendo citar-se: Educação, saúde,
trabalho, crédito, consumo, dentre outros.
Por sindicatos, compreende-se a representação de indivíduos
com atuação social por categoria na busca pela representatividade
e defesa dos seus direitos. De forma ampla, este envolvem atores so-
ciais que possuem perspectivas ideológicas e politicas similares. “Os
interesses compartilhados no sindicato estão diretamente ligados
à busca de direitos, de legitimidade, de reconhecimento e de valori-
zação de um dado grupo social.” (MOCELIN, 2018, p. 60)
Pensar as organizações associativas por intermédio da educação
rural é fortalecer todo conhecimento, ideológico e conjuntural que
envolve os atores do processo. É uma forma de impulsionar respon-
sabilidade social nos envolvidos e produzir a sistematização de ideais
políticos, pessoais e sociais. De acordo, Frantz (2012, p. 85) “trata-se,
pois, da institucionalização de um processo de produção de conhe-
cimento e de conscientização política, no sentido da construção de
novos espaços de vida, a partir de práticas cooperativas, atividades e
práticas escolares de educação.”.
Parafraseando Frantz (2012), a manifestação da educação por in-
termédio dos princípios que norteiam às organizações associativas,
em xeque a educação, é estimular esta na sua dimensão pedagógica,
politica e ideológica, através de sujeitos que construam uma socieda-
de democrática, livre e justa. “Constitui-se igualmente em construção
de um espaço de poder. A organização de espaços de poder é funda-
mental ao desejo, aos interesses e às necessidades de mudanças ou
transformações da realidade social.” (FRANTZ, 2012, p. 85).

Sobre o processo de educação, seu lugar social, seu uso social, seu
significado, sua produção e natureza, existem muitas teorias, opi-
niões e explicações. Isso expressa, certamente, também a origem de
crises e conflitos na área da educação e que tem a ver, especialmente,

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com o seu uso social ou com o sentido de sua dimensão pedagógica.


(FRANTZ, 2012, p. 85).

Logo, as organizações associativas na somada à educação do cam-


po possuem um papel crucial na construção desse espaço dialético de
diálogo e poder. A soma dos indivíduos neste constructo, representa
a percepção de um novo ambiente para concepção coletiva de poder,
implementando um novo espaço de socialização, através do ensi-
no-aprendizagem de forma concomitante, através da cooperação de
forma organizada, conhecimento, aprendizagem e socialização.

Educação do campo e implicações de envolvimento

Pensar sobre Educação rural parte-se do pressuposto da desigual-


dade social, que predomina em nosso país. Acredita-se que desde o
início da civilização a educação rural aparecia na história esquecida
ou até mesmo ignorada como se a população campestre não fizes-
se parte dessa realidade. Para se referir ao rurícola, à discriminação
vinha em primeiro lugar e acabavam sendo vistos como marginali-
zados que deveriam viver isolados da sociedade e privados de adqui-
rir conhecimentos básicos para a sua vida cotidiana. Cabe salientar,
que o Brasil era um país claramente rural e assim foi até a década de
1920, mas a cada tempo a tendência irreversível de urbanização foi
aumentando e gradativamente diminuindo a população campestre.
Com o avanço progressista da economia e as junções tecnológi-
cas, o país foi se tornando cada vez mais complexo e mais urbano
e, obviamente, a educação também foi se ajustando a esses padrões
econômicos e sociais brasileiros. Acompanhando todo esse processo
de evolução juntamente com a industrialização do país, a escola da
cidade vai se estabelecendo e se enquadrando a esse sistema, passan-
do a ser valorizada pelos poderes públicos e pela iniciativa privada,
já que o estado brasileiro precisava ter um melhor padrão para saber
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lidar com a concorrência no mercado de trabalho, assim, iniciou-se,


a necessidade da melhor leitura e escrita para a população urbana.
Segundo Stephanou (2005, p.185) os novos parâmetros culturais
identificados como a modernização, pela via da industrialização, co-
locam o mundo urbano como condutor, onde as decisões políticas e
econômicas passam a ser tomadas e assim se constroem novas refe-
rencias culturais.
Nesse interim, os trabalhadores rurais se afastam de suas ativi-
dades originais do campo, migrando para a cidade na expectativa de
obter as mesmas oportunidades concedidas ao povo da cidade. Con-
tudo, nas primeiras décadas do século XX, o país sofreu uma fase
de hiperurbanização, devido a uma desenfreada migração, situação
essa que não acompanhava o processo de industrialização porque o
país não disponibilizava de condições e preparo para receber naque-
les instantes: inúmeras pessoas abandonaram seu habitat natural
para arriscar uma nova vida na cidade.
A exclusão social foi um dos fatores que os impossibilitou de inte-
grarem efetivamente a realidade urbana, permanecendo-os isentos
dos processos produtivos no local onde passaram a viver. Sem a ca-
pacitação adequada não competiam às oportunidades ofertadas no
mercado de trabalho da cidade, com isso não conseguiam ocupação,
frustrados, restavam a apenas a exclusão associada à marginalização.
A Educação do Campo, do ponto de vista histórico e conceitual
teve seu processo de evolução marcado por períodos de resistên-
cia, desde a sua concepção de campo. Por muito tempo, ela foi vista
pela elite como um “lugar de atraso”, até os dias atuais. O conceito e
a discussão a respeito da Educação do campo passaram a ter maior
repercussão, ainda no final da década de 1990, mais precisamente
em 1998, com a 1ª Conferência Nacional por uma educação Básica
do campo, ocorrida em Luziania-GO, organizado pelo MST e apoiado
pela Universidade de Brasília-UnB, dentre outras entidades. O pro-
cesso de introdução de novas práticas educativas, fundamentado
nos princípios da Educação do campo, possibilita uma reinvenção da
escola do campo. Nesse sentido, o efeito dessas práticas mediatizadas
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pelo exercício da docência nesse espaço de construção de saberes


constitui uma educação dedicada à reflexão sobre a importância da
valorização da cultura local e da identidade campesina. (CALDART;
MOLINA, 2004)
De acordo com Fernandes e Molina (2004, p.41): “enquanto a Edu-
cação Rural é um projeto externo ao campesinato, a Educação do
Campo nasce das experiências camponesas de resistência em seus
territórios”. Assim sendo, a educação rural se configura como uma
proposta elaborada no meio urbano para o meio rural, sem conside-
rar os saberes, os sujeitos e as especificidades rurais, enquanto que a
educação do campo assume a coletividade respeitando as diferenças,
as diversidades, as individualidades, as vivências e as necessidades
dos sujeitos do campo. Desta forma, não é uma proposta para o cam-
po, mas produzida no campo, pelos sujeitos do campo.
Arroyo afirma em seus estudos “ser esse momento do batismo
coletivo de um novo jeito de lutar e pensar a educação para o povo
brasileiro que vive e trabalha no e do campo”. E continua: Educação
do campo e não mais educação rural ou educação para o meio rural.
A proposta é pensar a educação do campo como processo de cons-
trução de um projeto de educação dos trabalhadores do campo ges-
tado desde o ponto de vista dos camponeses e trajetória de lutas de
suas organizações. (ARROYO, 2012, p.153).
Através da Pedagogia da Alternância, uma metodologia de ensi-
no adotada por instituições como a Casa Familiar Rural-CFR e Es-
cola Família Agrícola-EFA, que entre si integram a teoria e a prática
como forma de melhorar a vivência dos rurícolas na comunidade
onde mora, a educação do campo tem si efetivado. Isso significa que
a educação em alternância propicia para a população do campo uma
oportunidade de inovar e dar significado para a vida educacional,
social e econômica.
A Pedagogia da Alternância é uma alternativa para a Educação
no campo, já que o ensino tradicional, nesse contexto não contempla
as especificidades e as necessidades da população que vive no meio
rural.
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A Pedagogia da Alternância é uma proposta diferenciada e alternati-


va que se constitui no universo pedagógico como sendo uma pedago-
gia da resistência cultural em relação à forte hegemonia neoliberal
presente na educação brasileira, principalmente, a partir da década
de 90 em diante. (NASCIMENTO, 2003, p.245).

De maneira geral, a Pedagogia da Alternância trabalha com a ex-


periência concreta do aluno, com o conhecimento empírico e a tro-
ca de conhecimento com atores do sistema tradicional de educação,
e também, com membros da família e da comunidade na qual vive
o aluno e que podem fornecer-lhe ensinamentos sobre a realidade.
Destarte, corrobora na congruência dos princípios apresentados
pela educação do campo, integrando a comunidade, a família, o alu-
no e a educação contextualizada para o mundo.

Compreendendo a rede das escolas de famílias agrícolas


integradas do Semiárido - REFAISA

A Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido -


REFAISA surge a partir da constatação que várias Escolas Famílias
Agrícolas estavam nascendo em várias partes geográficas da Bahia,
principalmente na região Norte do estado ou na parte mais ao Norte
de Feira de Santana. Dentre essas surgiram a Escola Família Agríco-
la da região de Alagoinhas, a Escola Família Agrícola de Ribeira do
Pombal e a Escola Família Agrícola de Sobradinho. A Escola Família
Agrícola de Monte Santo estava iniciando com uma equipe já for-
mada, então havia um movimento de surgimento, de nascimento
de novas Escolas Famílias Agrícolas nessa região da Bahia. O fato é
que muitas escolas estavam isoladas, com pouco contato das outras
Escolas Famílias Agrícolas que já tinham experiência e alguns anos
de trabalho na base. Este fenômeno não aconteceu somente na Ba-
hia, aconteceu também em outros estados do Nordeste, onde escolas
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nasciam e muitas vezes não dialogavam entre si, pouco intercambia-


vam. Eram escolas isoladas, fechadas sobre si, não se abrindo para o
mundo, não podendo comunicar, trocar ideias, se conhecer melhor
(Burghgrave, 2003).
Ainda segundo Burghgrave (2018), feita essa constatação na Ba-
hia, surgiu então a partir da Escola Família Agrícola da região de
Alagoinhas a ideia de juntar essas novas experiências que estavam
nascendo numa rede, para permitir justamente esse intercâmbio, vi-
sando enriquecer a formação principalmente dos/as monitores/as,
das famílias parceiras, das associações, dos parceiros das Escolas Fa-
mílias Agrícolas. Assim, nasce a Rede das Escolas Famílias Agrícolas
Integradas do Semiárido - REFAISA.
É interessante notar que a REFAISA não nasceu somente com es-
colas baianas, pois há uma experiência que nasceu no estado de Ser-
gipe que desde o início fez parte da REFAISA. Há uma escola do Rio
Grande do Norte que também fez parte da REFAISA, então na sigla
da REFAISA o “I” integrada e o “SA” Semiárido, não é só próprio da
Bahia, é de todo o Nordeste. Em 1994 algumas representantes das Es-
colas Famílias Agrícolas - EFA’s e projetos de EFA’s em implantação
se reúnem em Alagoinhas para estudar a possibilidade de trabalhar
em conjunto.
De acordo com Costa (2018), a Pedagogia da Alternância com os
seus instrumentos didáticos específicos adaptados ao campo e a
formação integral dos jovens visa o desenvolvimento sustentável e
solidário do meio rural. Este trabalho inicial da rede, coordenado
por um assessor pedagógico com ampla experiência e oriundo do
próprio movimento, foi feito de maneira informal, com o mínimo
de infraestrutura a fim de deixar o máximo de autonomia às Asso-
ciações filiadas. Só em 1997 surgiu a necessidade de legalizar a Rede,
dando-lhe estatuto e diretoria, mas guardando o espírito inicial da
experiência, ou seja, preservando a liberdade de ação das filiadas e
incentivando a participação responsável no meio.
Almejando responder às necessidades básicas, a Rede foi organi-
zada, através de sua Assessoria, e em estreita ligação com a Diretoria
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Refletindo sobre educação do campo através perspectiva associativa
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Executiva e com a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas –


UNEFAB, onde a rede passou a realizar cursos de formação inicial
e permanente de monitores, seminários anuais de formação conti-
nuada para agricultores familiares/dirigentes de Associação, e aju-
dar na elaboração de Projetos Político Pedagógicos coerentes com a
Pedagogia da Alternância, além de realizar visitas técnicas pedagógi-
cas nas EFA’s (COSTA, 2018). De outro lado, a Rede articula contatos
com órgãos públicos e privados no intuito de tornar as EFA’s mais
conhecidas e facilitar a assinatura de projetos e convênios, visando
a sua sustentabilidade econômica, interação social e fundamentação
pedagógica.
A área de atuação da REFAISA se dá principalmente nos municí-
pios situados na região semiárida do estado da Bahia e de Sergipe. A
rede conta com 12 (doze) EFA´s filiadas, sendo 11 (onze) no Estado da
Bahia, e 1 (uma) no Estado de Sergipe, distribuídas da seguinte forma:
no Estado da Bahia nos municípios de Alagoinhas, Antônio Gonçal-
ves, Brotas de Macaúbas, Correntina, Irará, Itiúba, Monte Santo, Ri-
beira do Pombal, Rio Real, Sobradinho, Valente, e no Estado de Sergi-
pe no município de Japoatã.
A REFAISA é constituída juridicamente como sociedade civil,
uma organização social, não tem fins lucrativos, com sede e foro na
cidade de Feira de Santana-BA e, visa á promoção e o desenvolvimen-
to integral da pessoa humana no meio rural, através da formação e
num espírito de solidariedade. Nesse sentido, melhorar a qualidade
do ensino, bem como o nível formação dos educadores/as (monito-
res/as, professores/as, gestores, mestres de estágios, estudantes e das
famílias), é uma das grandes preocupações da Rede das Escolas Famí-
lias Agrícolas Integradas do Semiárido - REFAISA. Além disso, a rede
trabalha tendo em vista o tipo de homem e de mulher que se quer
formar: um indivíduo novo, sujeito de sua história, comprometido
com o campo e com o futuro da sua região e, sobretudo, uma pessoa
e profissional exemplar na sociedade. (COSTA, 2018).
Segundo o Estatuto Social da REFAISA, a rede tem como objetivos
de atuação: Reunir as associações mantenedoras das EFA’s fiéis aos
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princípios metodológicos, filosóficos e fundamentais da Pedagogia


da Alternância; Assessorar as Escolas Famílias Agrícolas - EFA’s nos
aspectos pedagógicos, metodológicos, administrativos e técnicos;
Proporcionar aos adolescentes e jovens do campo uma formação
integral, que os ajudem a responder aos desafios do mundo que o
cercam; Assegurar formação inicial e continuada dos educadores/
as (monitores/as, professores/as, gestores e equipes de apoio) e dire-
torias das Associações Mantenedoras; Representar as EFA’s na rede
nacional e internacional; Difundir a Pedagogia da Alternância com
seus instrumentos pedagógicos; Propiciar assessoria pedagógica
continuada; Incentivar os agentes educacionais das EFA’s, a terem
amor a terra, às plantas e aos animais, visando encontrar no meio
ambiente condições dignas de sobrevivência, os trabalhos e as ati-
vidades desenvolvidas; Produzir materiais didáticos e paradidáticos
contextualizados com a realidade para promoção da educação con-
textualizada; Fomentar e firmar parcerias com os poderes públicos,
que beneficiem as EFA’s; Participar ativamente, representando as
EFA’s, de fóruns, redes, conselhos, comitês, dentre outros espaços;
Incidir politicamente as esferas públicas: estadual e federal.
Os órgãos da REFAISA são a Assembleia Geral, a Diretoria Execu-
tiva e o Conselho Fiscal. Em todos estes órgãos é assegurada a maio-
ria de vagas para agricultores e agricultoras, bem como, monitores/
as e ex-alunos/as das EFA’s que representa cada EFA filiada. A REFAI-
SA deverá, na medida de suas forças, realizar: seminários; encontros;
cursos; reuniões; visitas de assessoria; visitas técnicas, intercâmbio
de pessoas, materiais e experiências; avaliação e planejamento; ela-
boração de projetos; audiências e, a participação em eventos. Da mes-
ma forma poderá integrar quadro de participantes de organizações
ou entidades afins, nacionais ou internacionais.
Segundo Costa (2016), a REFAISA e suas Associações Mante-
nedoras se identificam por 10 diretrizes, tais como: O trabalho de
base contínua desde antes da implantação da EFA; A gestão parti-
cipativa e democrática da EFA pelas comunidades de agricultores/
as; A organização social e articulação com movimentos sociais e
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Refletindo sobre educação do campo através perspectiva associativa
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

entidades populares na luta pelos direitos dos (as) trabalhadores


(as); A educação crítica e libertadora, para o trabalho de modo que
o trabalho faça do campo um bom lugar para se viver; O estabeleci-
mento de parcerias com instituições públicas, ONG’s, movimentos e
participação em conselho para o desenvolvimento local desde que
preservando a autonomia política na EFA e das comunidades; A prio-
rização e o sentir-se parte da natureza e da cultura do campo; A for-
mação técnica, política e social dos jovens, agricultores/as famílias
e comunidades, visando o fortalecimento da agricultura familiar e
o desenvolvimento comunitário, pautado em princípios éticos e so-
lidários; O diálogo teoria-prática aprofundando a compreensão da
realidade e ação para as necessidades locais; O desenvolvimento de
técnicas apropriadas às necessidades e ao ambiente tendo a experi-
mentação como eixo pedagógico; A troca de experiências e saberes
entre os diferentes atores e parceiros da Pedagogia da Alternância na
construção do conhecimento.

A importância da gestão participativa para a construção


de um novo paradigma organizativo para as associações de
escolas família agrícola que compõem a REFAISA

A partir do momento que pensamos a Educação do campo como


uma estratégia viável na construção de uma modelo de desenvol-
vimento, pautando as necessidades das comunidades rurais que se
encontram em diferentes polos de uma macro região, a gestão par-
ticipativa das escolas famílias agrícolas, englobando uma rede pas-
sa a ser um dos seus pilares fundamentais. Considerando o enorme
potencial que pode ser agregado ao somar todo essa capital social
regional, o que corrobora (PUTMAN, 1996), capital social está conec-
tado a um conjunto de associações entre sujeitos por meio de redes
sociais, salientando as relações de confiança, reciprocidade, normas

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associadas e valores, que põem em ação um efeito sobre o bem viver


da comunidade.
Assim diversos autores e autoras de uma mesma demanda popu-
lar, baseando-se em formas independentes e autônomas de organi-
zação, conseguem gerar pressões populares significativas, fazendo a
rede equivalerem-se aos movimentos sociais, associações de mora-
dores, movimentos sindicais de grupos das classes populares. A par-
ticipação popular corresponde às formas de luta mais diretas do que
a participação social, por meio de ocupações, marchas, lutas comu-
nitárias etc, (REZENDE, et.al 2010). Mesmo esse diálogo acontecendo
de forma pontual com os governos, essa forma de organização não
atuará dentro de agendas políticas nem mesmo irão se subordinar as
suas regras e regulamentos.
Essa sólida organização se dará a partir da lógica dos trabalhos
coletivos e auto-organização de um regimento para todas as escolas
envolvidas, traduzem uma grande riqueza de práticas educacionais
visando à emancipação dos educandos, valorização dos saberes em
perspectiva formal e informal, não escondendo a politicidade da
educação. Acontecendo o que há de melhor na educação popular, do
campo, social e comunitária. Elas se situam no mesmo campo de sig-
nificação pedagógica, o campo democrático e popular, esta afinidade
ideológica constroem um mosaico de experiências, teorias e práticas
compõem esse campo de enfrentamento coletivo (GADOTTI, 2012).
Pensando a ideia das escolas sob sua forma de atuação em rede,
pode citar-se a REAFAISA. Nesse sentido, a Rede esta organizada em
estreita ligação com os Fóruns Nacionais e Estaduais de Educação
do Campo, buscando realizar suas atividades a partir das Diretrizes
Operacionais de Educação do Campo, articulando e fazendo parce-
rias com outras instituições e órgãos públicos e privados no intuito
de buscar reconhecimento e políticas públicas para educação dife-
renciada e contextualizada no campo e para o campo, assim como
contribuir para a inclusão social no meio rural.
Essas escolas que compõem a rede apesar de serem organizadas,
ainda tem menor acesso aos serviços públicos. Mesmo ancoradas na
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Refletindo sobre educação do campo através perspectiva associativa
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

educação com base comunitária, que visam um desenvolvimento re-


gional, unidas por um alicerce de demandas comuns, debatidas em
assembleias deliberativas, essas demandas ainda são negligenciadas
pelo poder público. Por isso a necessidade da criação de grandes blo-
cos, ou seja, rede de associações como alternativas de produção de
conhecimento e vivências, vinculando aprendizagem com alternati-
vas de produção (GOLDENBERG, 1990).
A educação popular comunitária, trabalhando com a categoria
"produção" (associada à categoria "conscientização+organização")
busca formas de "aprender produzindo", levando em conta a reali-
dade das populações marginalizadas, excluídas do próprio modo de
produção dominante (GADOTTI E GUTIÉRREZ, 1993), as classes po-
pulares têm que se educar enquanto lutam para sobreviver.
A utilização da ferramenta de mobilização da rede é um fator
fundamental para o engajamento nas lutas enfrentadas por essas
associações de escolas. Já que a mobilização social comunitária con-
tribui para o desenvolvimento local sustentável, agindo com um ob-
jetivo comum para alcançar o resultado desejado por todos (TORO,
et all, 1997).
Com base neste debate, enfatiza-se que a REFAISA constituiu-se
com a missão de oferecer a essas escolas que seriam o Sistema de
Educação EFA, entre outras coisas, a formação sobre a pedagogia da
alternância e sobre o associativismo, através da comunicação pelos
agricultores/as, e oferecer a essas experiências o intercâmbio, e tam-
bém havia outro motivo para congregar que era a representatividade
desse movimento frente às autoridades governamentais, pois uma
escola só é uma coisa, agora dez, quinze, vinte escolas reunidas re-
presenta uma outra força para reivindicar do governo uma política
pública para beneficiar as Escolas Famílias Agrícola e para a Edu-
cação diferenciada e Contextualizada do/no campo (BURGHGRAVE,
2018).
Compreendendo esse paradigma da gestão comunitária, obvia-
mente utilizando o modelo de gestão democrática, anti-totalitária,
que possibilite ao ambiente da rede um clima de familiaridade e
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cooperação. Deve-se considerar que esse tipo de participação carac-


teriza-se por uma força de atuação crítica e consciente de cada indi-
víduo, que unidos em prol de um objetivo comum podem influenciar
positivamente no contexto de que fazem parte (LÜCK et al, 2009).
Desta forma a Educação do Campo será a principal ferramen-
ta na construção dessa macro organização formando a rede. Mais
do que disciplinas específicas incluídas nos currículos escolares, a
unificação das ferramentas pedagógicas formais e informais, expe-
riências estimuladas pela educação contextualizada em cada comu-
nidade de raio de atuação das escolas, a produção escolar se tornará
laboratórios vivos que muito contribuirá para o estabelecimento das
novas bases do Desenvolvimento Sustentável nesse mundo em cons-
tante transformação.
Levando também em consideração que a gestão participativa que
aqui se pretende conceitualmente resgatar refere-se à participação
efetiva dos funcionários e professores, dos pais, dos alunos e demais
membros da comunidade.

Assim, em se tratando da temática referente à gestão escolar, há que


se considerar alguns aspectos principiológicos em cujo conteúdo
se desvela a concepção “ideal” de ação daquele que a leva a cabo no
cotidiano. Isto que postulamos aqui, pois, desemboca naquilo que
nestas linhas denominamos gestão comunitária da escola, passan-
do-se aqui à inauguração de um novo paradigma gestor. Um primei-
ro princípio, nesse sentido, pode ser localizado na importância de se
ter por base a necessidade de se construir um processo de gestão que
se funde na ideia de democratização e/ou participatividade em seu
interior (LIMA, 2010).

A possibilidade de unificação das escolas família agrícola que


compõe a REFAISA, fazem das ações construídas dentro desse bloco
ter um efeito muito mais consistente, não só para uma pauta unifi-
cada na perspectiva da própria consolidação da educação do campo
rumo a um desenvolvimento rural sustentável, mas para todo o po-
tencial que a gestão comunitária participativa pode dar no processo
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de emancipação das comunidades rurais envolvidas e o próprio pro-


cesso de gestão territorial. Agregar culturas, saberes, comunidades,
numa ferramenta assertiva de educação contextualizada, para as
diferentes ruralidades envolvidas no território dos sertões, é um ca-
minho revolucionário vindo do povo para o povo do campo.

Conclusão

As vivências associativas com base firme nos princípios que as


norteiam, constroem uma possibilidade poderosa de gestão a partir
da horizontalidade democrática, evidenciando a força do povo como
unidade organizada. Pratica historicamente empregada nas lutas
sociais organizadas nos mais diversos setores, proporcionando o
bem-estar das pessoas que a compõem e benefícios para as organi-
zações criadas em alicerces de particularidades regionais, culturais
e econômicas; Se tornando uma ferramenta de intervenção social
eficiente no espaço rural.
Esta capacidade associativa quando integrada a ferramenta
emancipadora da educação, pode resultar numa perspectiva bastan-
te qualitativa para o desenvolvimento comunitário e regional. As-
sim, considerando a Educação do Campo como vetor primordial de
um modelo desenvolvimentista compatível a ideologia de sua base
comunitária, também tem o papel primordial na formação dos pro-
fissionais da educação. Já que o enfrentamento que tem o objetivo
de construir uma nova óptica, adequa o conhecimento científico ao
espaço rural, através da educação contextualizada, e o constante de-
safio da nova política da sustentabilidade ambiental, social, econô-
mica para todo o público envolvido direta e indiretamente no raio de
atuação das escolas família agrícola.
A educação contextualizada proposta, pode ser entendida como
umas das expressões da educação popular, formada pela base das co-
munidades e movimentos populares, pilar para a construção de cada
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escola família em grupos representantes das comunidades rurais.


Impulsionando a organização regional em municípios, comunida-
des, espaços esquecidos pelo poder público que agora a partir de uma
rede de associações, estabelece uma relação de poder muito maior,
garantida pela unificação de pautas, convergência de estratégias e
acúmulo de ferramentas pedagógicas difundidas em diferentes es-
paços da rede.
As EFA´s e seu conjunto de ferramentas metodológicas e inter-
disciplinares conjuntamente com a pedagogia da alternância con-
seguem proporcionar uma formação muito qualificada a seus edu-
candos, base de um pensamento crítico e político. Pedagogia capaz
de facilitar a compreensão holística desse público, que é convocado
a pensar sua realidade num confronto teórico e prático diário, na
busca do desenvolvimento rural. Contribuindo com a organização
das próprias comunidades envolvidas em suas bases, fortalecendo
os laços de solidariedade entre populações fragilizadas e esquecidas
pelo poder público.
Assim, a REFAISA, uma rede dessas associações como objetivo de
assessoria, desempenha um importante papel, tomando como base
princípios metodológicos, filosóficos, além de garantir a formação
continuada de monitores e monitoras, professores e professoras,
gestores e equipe de apoio, garantindo a gestão participativa e de-
mocrática dessa rede que busca melhoria nos processos pedagógicos
e comunitários. Elaborando estratégia de empoderamento social e
evolutivo dessa rede, formando uma gestão que criam, implemen-
tam e vivem nessas ilhas de sustentabilidade instaladas em diferen-
tes micro-regiões de atuação da REFAISA.
Este grande bloco criado por diversas associações na base co-
munitária, passa a ter um poder muito mais significativo. Logo, as-
sociações de associações passam a ser uma estratégia viável de so-
brevivência e avanço em busca das pautas unificadas por princípios
sólidos que emanam verdadeiramente do povo do campo. O grande
desafio da gestão comunitária através da educação emancipadora
no campo é um horizonte que traz acalanto para a realidade dessas
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comunidades decididas a não mais esperar pela boa vontade da ges-


tão pública e que agora possuem a possibilidade de transformar sua
própria história através da organização social de base comunitária
em blocos para além de uma só associação.

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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

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Agricultura familiar:
cultura e saberes populares na comunidade do ca-
beça, Serra de Itiúba, Bahia

Raimunda Pereira da Silva, Antônio Domingos Moreira e Ramofly Bicalho

Introdução

A presente pesquisa teve como princípio analisar os saberes po-


pulares e a agricultura familiar presente na comunidade do Cabeça,
na Serra que pertence ao município de Itiúba, no estado da Bahia.
Essa comunidade destaca a importância da agricultura familiar a
partir de um dado momento, que as famílias conseguiram se orga-
nizar e estabelecer nesses espaços formativos e construtivos, um for-
mato de trabalho para produzir alimentos para o sustento.
Segundo Neves (2012), nos chama a atenção que o termo agricul-
tura familiar, corresponde a múltiplas conotações e relações na sua
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RaimundaTatiana
PereiraRibeiro Velloso
da Silva, - Lúcia
Antônio Marisy Souza
Domingos Ribeiro
Moreira - Lilian Freitas
e Ramofly BicalhoFernandes Uzêda -
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diversidade. Apresenta-se como categoria analítica, segundo sig-


nificados construídos no campo acadêmico; como categoria de de-
signação politicamente diferenciadora da agricultura patronal e da
agricultura camponesa.
Nesse sentido, o trabalho na comunidade do Cabeça, vem desen-
volvendo a partir da agricultura familiar camponesa, pelo fato de
grande parte das famílias agricultoras utilizar predominantemente,
a mão-de-obra advindo de suas propriedades agrícolas, na unidade
produtiva e por apresentar número significativo de agricultoras que
realizam tanto o trabalho reprodutivo como o trabalho produtivo, o
que realmente despertou o interesse em compreender a importância
dessa organização na comunidade, e como esta é vista/reconhecida
pela família agricultora.
Outro aspecto relevante é o saber popular e o cultivo de plantas
nessa comunidade, um vínculo forte e cultural pelas famílias campo-
nesas. Importante destacar que as práticas culturais adquiridas pelo
homem desde os tempos primórdios, utilizada para suprir sua neces-
sidade energética, pois algumas plantas têm valores nutritivos que
ajudam no desenvolvimento humano de forma geral. A princípio o
plantio de algumas culturas como a do o feijão, o milho e a mandioca
exercem uma função indispensável na alimentação e apresenta um
papel essencial para a agricultura familiar que tem a cultura de pro-
duzir esses alimentos para o próprio consumo.
Partindo do pressuposto de que a agricultura familiar é o berço
de cultura destas plantas, uma vez que já foi constatado que elas têm
valores nutricionais essenciais ao desenvolvimento humano, o feijão
é rico em proteína, o milho é uma importante fonte de energia e a
mandioca é provida de amido, visto que podem atuar em conjunto
com outros alimentos trazendo benesses para a saúde humana.
Nesse sentido, entende-se que o Food and Agriculture Organiza-
tion/Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - FAO/
INCRA (1996), afirma que a agricultura familiar deve atender a duas
condições: a) a direção dos trabalhos do estabelecimento é exer-
cida pelo produtor, e b) o trabalho familiar é superior ao trabalho
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Agricultura familiar
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contratado. Ou seja, a agricultura familiar é uma forma de produção


através da interação entre gestão e trabalho; são os próprios agricul-
tores que dirigem o processo produtivo, trabalhando com a diversifi-
cação e utilizando o trabalho familiar, eventualmente complementa-
do pelo trabalho assalariado.
Posto isto, esta pesquisa tem o intuito de averiguar como são cul-
tivados o feijão, o milho e a mandioca pelos povos da comunidade do
Cabeça, Serra de Itiúba, Bahia. Nesse sentido, para adentrar na cultu-
ra acometida nesses espaços, o pesquisador necessita estar disposto
a (re)aprender, (re)construir conhecimentos e, principalmente, se en-
cantar. Essas são ferramentas que estão além daquelas padronizadas
por tantos autores da nossa literatura, pois este é um trabalho feito
através das reminiscências das pessoas da comunidade, as formas de
cultivos dessas plantas que para elas são sinônimo de sobrevivência.
Como um dos integrantes da pesquisa, que é oriundo da comuni-
dade da Serra, vivenciou a infância, metade da adolescência, plan-
tando e colhendo feijão, milho e observando o plantio de mandioca,
algumas vezes participando das colheitas e colaborando com a trans-
formação da mandioca nas casas de farinha, contudo, atualmente é
pesquisadora.
Diante das leituras e discussões na universidade (primeiro/a
autor/a), especificamente na disciplina de cultivos adequados ao
Semiárido, do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural pela
Universidade Federal do Vale do São Francisco – PPGExR/UNIVASF,
em nível de mestrado, é que pôde aprimorar a percepção de que essa
práxis cultural é também um espaço de interação social, cultural,
histórico e econômico, pois as relações e o trabalho nesses ambientes
tinham seus momentos atrativos, porém não tivera conhecimento
suficiente para desenvolver um trabalho científico, a respeito de uma
tarefa intensa e estratégica que é tão mecânica quão subjetiva, como
a incidida ali e que ainda permanece envolvendo a todos os morado-
res das comunidades circunvizinhas.
Logo, o exercício de desenvolver esta pesquisa, além de contribuir
significativamente para o meio acadêmico e social, também envolve
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lembranças, todavia, trazem conhecimentos sobre as relações desen-


volvidas, os saberes populares e o teor das atividades que as pessoas
realizam no processo de cultivo dessas plantas, documentados por
meio de escritos minuciosos que cuidam para manter a fidedignida-
de dos fatos, pois há possibilidade de que esses sirvam de auxílio a
outros pesquisadores.

A Agricultura Familiar e suas nuances

Apesar dos autores brasileiros utilizarem também as denomi-


nações camponês e pequenos produtores, constata-se a predominân-
cia de agricultura familiar nos últimos anos, demarcado pelo sur-
gimento do Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF)
no início de 1990. Cada uma destas denominações está intimamente
associada a um contexto e ao papel que era relegado a estes atores
nos diferentes modelos de desenvolvimento da sociedade brasileira.
A agricultura familiar não é propriamente um termo novo, mas
seu uso é recente, apresentando, inclusive, diferentes interpretações
e definições sobre o seu significado e amplitude, com ampla pene-
tração nos meios acadêmicos, nas políticas de governo e nos movi-
mentos sociais, e assim adquire novas significações (ALTAFIN, 2007).
Isso porque a agricultura familiar é a principal fonte de ocupação
de força de trabalho no meio rural brasileiro e grande parte da pro-
dução de alimentos no Brasil advém da agricultura familiar.
O Portal Planalto de 05/06/2012, com o título “Agricultura fami-
liar já produz 70% dos alimentos consumidos no mercado interno do
País, informa Pepe Vargas”. Na ocasião, Pepe Vargas era o ministro
do Desenvolvimento Agrário, e essa notícia viralizou entre os noti-
ciários e no meio acadêmico. Esse dado foi baseado em uma pesquisa
realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, atualmente
extinto, e exprime até hoje, o papel fundamental para a produção de
alimentos para o mercado nacional que este setor representa.
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Na região Nordeste, por exemplo, 82,9% da força de trabalho na


agricultura está ocupada na agricultura familiar (GUANZIROLI et al.,
2001) e possivelmente a porcentagem de alimentos produzidos pela
Agricultura Familiar seja até maior que a estimativa nacional. Mes-
mo assim, a área que os agricultores familiares ocupam do território
seja muito menor, se comparada com as áreas dos grandes produto-
res agrícolas. Ademais, a renda total média das famílias apresente
índices bastante baixos (GUANZIROLI et al., 2001)

Metodologia da Pesquisa

Para a realização desse estudo, no que se refere ao método da


pesquisa, aprofundamos as análises a partir de estudos bibliográfi-
cos que segundo Marconi e Lakatos (1992), a pesquisa bibliográfica
é o levantamento de toda a bibliografia já publicada, em forma de
livros, revistas, publicações avulsas e imprensa escrita. A sua fina-
lidade é fazer com que o pesquisador entre em contato direto com
todo o material escrito sobre um determinado assunto, auxiliando o
pesquisador na análise de suas pesquisas ou na manipulação de suas
informações.
Nessa vertente, nos levou a busca informações através de pesqui-
sa qualitativa que aborda vivencias de sujeitos e permitem estabele-
cer relações subjetivas e coletivas. Segundo Denzin e Lincoln (2006),
a pesquisa qualitativa envolve uma abordagem interpretativa do
mundo, o que significa que seus pesquisadores estudam as coisas em
seus cenários naturais, tentando entender os fenômenos em termos
dos significados que as pessoas a eles conferem.
Sendo assim, foi elaborada uma entrevista semiestruturada para
a interlocução com quatro famílias camponesas que produzem seus
alimentos a partir da agricultura familiar e do saber do campesina-
to na comunidade do Cabeça da serra, em Itiúba, Bahia. Elas trazem
relatos valiosos sobre as práticas culturais de cultivo do feijão, milho
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e mandioca, que estão descritos neste trabalho e nos propõem a re-


fletir sobre a importância dos saberes populares, tanto para a cultura
de um determinado povo quanto para a humanidade.
Nesse sentido, fez-se necessário o deslocamento até a comunida-
de dos agricultores que participaram da coleta de dados, sendo que
contabiliza uma distância de nove quilômetros até a cidade de Itiú-
ba, Bahia. De acordo com os procedimentos da pesquisa cientifica
para ter acesso ao conhecimento empírico, é indispensável que o pes-
quisador tenha noção de sua tarefa. Uma demanda que incube com-
preender todas as nuances que estão em volta ao objeto de pesquisa.
É válido ressaltar que a pesquisa aqui abordada é qualitativa, pois ela
é caracterizada por um prisma de método e técnica que se molda em
investigar a realidade dos sujeitos pesquisados.
O estudo de caso dentro dessa pesquisa foi visto como uma forma
peculiar no momento de estudar a comunidade e analisar os fatos,
uma vez que ele é procedimental e ao mesmo tempo ancora o pes-
quisador, auxiliando-o em todo processo. Como afirma Gil, (2008)
apud Sakamoto (2014, p.54) “O estudo de caso é uma modalidade de
pesquisa que se apoia na investigação de alguns casos particulares,
porém representativos, que possibilitam elaborar hipóteses válidas,
fundamentadas em construções teóricas plausíveis”. As respostas
para as hipóteses elaboradas precisam de uma visão científica, consi-
deradas partes relevantes um estudo de caso.
A saber, essa pesquisa também tem um viés descritivo, já que des-
creve alguns dos traços da comunidade, especialmente os processos
que envolvem os cultivos de feijão, milho e a produção de mandioca.
Segundo Gil, (2008) apud Sakamoto (2014, p.50):

A pesquisa descritiva é uma modalidade de estudo que busca des-


crever o Objeto para dar a conhecer o que se pretende pesquisar; o
conhecimento é fruto da observação e detalhada apresentação de
elementos pertinentes ao observado.

A entrevista semiestruturada foi gravada no final do mês de


novembro de 2019, com o consentimento das quatro famílias
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

agricultoras, sendo esclarecido todos procedimentos da coleta de


dados. Assim sendo, foi utilizado aparelho móvel, transcrita fidedig-
namente a fala dos entrevistados de forma informal, que foram tra-
tados da seguinte maneira nas informações dos dados: (Família P1,
2019; Família P2, 2019; Família P3, 2019 e Família P4, 2019). Os dados
colhidos foram trazidos nesse texto com o intuito de originar uma
possível reflexão sobre a utilização dos saberes populares para o cul-
tivo do feijão, milho e mandioca, plantas julgadas pela comunidade
como basilares na alimentação.

Leis e conquistas na Agricultura Familiar

A partir desta discussão, o governo brasileiro regulamenta e esta-


belece, oficialmente, as diretrizes para a Agricultura Familiar. Uma
das primeiras que trata do tema, é a Lei nº 11.326, de 24 de julho de
2006, que estabelece as diretrizes para a formulação da Política Na-
cional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Ru-
rais (BRASIL, 2006), determina que para se enquadrar na categoria
de agricultor ou agricultora familiar, empreendedor ou empreen-
dedora familiar rural, aquele que pratica atividades no meio rural,
atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos:
I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro)
módulos fiscais; Este item é aquele que define o tamanho do esta-
belecimento e ele é medido por uma unidade chamada de módulos
fiscais. Módulo fiscal é uma unidade de medida, em hectares, cujo
valor é fixado pelo INCRA para cada município. Por meio dela, po-
de-se enquadrar uma propriedade como pequena, média ou grande,
e é fundamental para definir o tamanho das áreas de Reserva Legal
e áreas de preservação. Para determinar o tamanho de um módulo o
INCRA leva em conta: o tipo de cultura agrícola cultivada majorita-
riamente naquele município; a renda que se pode obter pelo plantio
da determinada cultura agrícola; A distância dos grandes centros
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urbanos e outras explorações existentes no município que, embora


não predominantes, sejam expressivas em função da renda ou da
área utilizada.
Essa medida está pré-fixada e a sua dimensão varia de município
para município, observando as características de onde está locali-
zada uma propriedade rural. No Brasil, o valor de um módulo fiscal
varia de 5 a 110 hectares. No site do INCRA, há uma listagem do valor
atribuído para cada município.

II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas


atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimen-
to; Isso significa que as pessoas da família devem estar envolvidas
e exerçam alguma atividade no estabelecimento. Não há exigência
de que, necessariamente, todas as pessoas que compõem o núcleo
familiar estejam exercendo atividade na propriedade. Essa ativida-
de pode ser na agricultura, na comercialização ou processamento ou
outra atividade que esteja relacionada com a produção agrícola ou
não, no caso de atividades como turismo, por exemplo.

III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de ativi-


dades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na
forma definida pelo Poder Executivo; Este item refere-se à renda ob-
tida a partir do trabalho advindo das atividades praticadas na pro-
priedade. Sobretudo, funciona para garantir que a propriedade seja
economicamente ativa a partir de atividades vindas do local.

IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua famí-


lia, ou seja, gerem as atividades da propriedade. Em 2014 a Organi-
zação das Nações Unidas (ONU), na Assembleia Geral, em dezembro
de 2011, instituiu o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF)
2014. O objetivo da entidade, com o ano comemorativo, é reposicio-
nar a agricultura familiar no centro das políticas agrícolas, ambien-
tais e sociais nas agendas nacionais.

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Além disso, a ONU quer aumentar a visibilidade do papel do seg-


mento na erradicação da fome e pobreza, provisão de segurança ali-
mentar e nutricional, melhora dos meios de subsistência, gestão dos
recursos naturais, proteção do meio ambiente e no desenvolvimento
sustentável, particularmente nas áreas rurais. No Brasil, uma série
de atividades foram realizadas para celebrar o AIAF, ampliando a vi-
sibilidade da agricultura familiar e a sua contribuição para o desen-
volvimento econômico do País.
Atualmente, a discussão sobre a agricultura familiar vem gan-
hando legitimidade social, política e acadêmica no Brasil, passando
a ser utilizada com mais frequência nos discursos dos movimentos
sociais rurais, pelos órgãos governamentais e pela academia (SCH-
NEIDER, 1999; 2009).
As temáticas estão mais frequentes, a partir da institucionali-
zação da agricultura familiar, são a sustentabilidade e as questões
ambientais relacionadas com a produção agrícola, tema este que
será abordado na unidade com maior ênfase. Outro elemento é o
avanço das políticas públicas para o setor, que possibilitou a consoli-
dação da classe no Brasil.
Segundo Graziano (1999) ao analisar o que se denominou de
“novo rural brasileiro”, em alusão à emergência expressiva das ati-
vidades rurais não-agrícolas e da pluriatividade no meio rural bra-
sileiro (GRAZIANO, 1999). A pluriatividade está relacionada com as
múltiplas atividades que os agricultores desempenham e que, mui-
tas vezes, são tão ou mais importantes que a própria atividade agrí-
cola em si. Em conectividade com Sacco dos Anjos (2003), afirma que
pluriatividade é um processo de diversificação produtiva de outras
atividades não agrícolas, como a prestação de serviços a outros agri-
cultores, na industrialização em nível de propriedade, no artesanato,
no turismo rural e que conjuntamente impliquem no aproveitamen-
to das potencialidades e mão de obra existente na propriedade.
Conforme os estudos de Schneider (2001) o termo pluriatividade
tem o mérito de incorporar tanto as características da noção de agri-
cultura em tempo-parcial (unidades onde os moradores não utilizam
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todo seu tempo de trabalho nas atividades agrícolas) como àqueles


agroecossistemas que combinam muitas formas de rendimento.
Além disso, esse termo abarca as atividades que não são pagas com
dinheiro em espécie, mas pela troca ou por serviços prestados. Estas
atividades sempre fizeram parte da vida dos agricultores, pois está
intrínseco ao modo de vida das sociedades rurais e sua reprodução
social.
As sociedades rurais não seguem uma estrutura rígida da divisão
do trabalho e portanto, toda essa diversificação das formas de trabal-
ho, pode estar contemplada no termo pluriatividade da agricultura
familiar. Essa multiplicidade de usos da força de trabalho dos mem-
bros da família apontam o surgimento de um conjunto de novas ati-
vidades no meio rural.
Outro detalhe importante foi o sistema de pesquisa agropecuária
brasileira, que passou a ter uma nova forma de geração da tecnologia
com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EM-
BRAPA). Foram criados centros nacionais de pesquisa agropecuária
voltada para a geração de tecnologias de determinados produtos
agropecuários, as quais seriam adotadas pelos agricultores. Para dar
uma maior funcionalidade, o sistema de extensão rural, foi incorpo-
rado ao Estado brasileiro com a criação da Empresa Brasileira de As-
sistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER). A EMBRATER coor-
denava o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural
(SIBRATER) e atuava em consonância com as empresas estaduais de
extensão rural, denominadas de EMATER. Esse sistema possuía um
triplo financiamento: em nível Federal, Estadual e Municipal.
A partir do ocaso dos governos militares de 1964 e a emergência
da “Nova República” em 1985, como em outros setores da sociedade
brasileira, houve uma avaliação da atuação do serviço de ATER no
Brasil. Após reflexões em um processo denominado o “Repensar da
Extensão Rural”, havia uma compressão de que o modelo difusionis-
ta de extensão rural já não era mais adequado para a nova realidade
que o Brasil estava começando a vivenciar (CAPORAL; COSTABEBER,

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1994). Assim, valores como a democracia e a participação eram con-


siderados indispensáveis em um novo modelo de extensão rural

Os saberes populares: a cultura presente

Os saberes populares são constituídos nos diversos processos cul-


turais de desenvolvimento e aprendizagem que diferenciam e clas-
sificam um povo. Oliveira (2015) em sua colocação, amplia o debate
apresentando novas ideias a respeito desses saberes, destacando-os
como, corpo de saberes transmitido às diversas camadas sociais e
gerações distintas, criando um verdadeiro patrimônio cultural do
senso comum, constituindo assim a sabedoria popular de um povo
(OLIVEIRA, 2015, p.2).
Pode-se dizer que eles dão o tom, a cor a uma determinada socie-
dade e ressaltam o modo de vida das pessoas que dela fazem parte.
Além disso, é por meio desses saberes que as pessoas se organizam
enquanto membros de grupos, através da formação de sua identida-
de cultural, possibilitando a convivência e sua permanência nessa
coletividade (GONDIN, 2007).
Nada é tão influente para o homem quanto à cultura Hall (1997)
da qual emergem os saberes populares que nutrem o “conhecimen-
to” e as observações que são feitas de longas gerações permitem
pontuar que esta sabedoria é de uma riqueza incalculável e é uma
subjetividade que faz parte do patrimônio sócio-histórico-cultural
de um povo. Porquanto, é indispensável à literatura registrar esses
fenômenos dotados de significados.
É inviável falar de saberes populares sem mencionar a cultura,
pois todas as formas de conhecimentos populares são cultura e ela é
parte indispensável ao homem, mesmo inconscientemente ele a (re)
produz através de atos, palavras, gestos, é impossível se desassociar
desse vínculo que antecede a vida humana e permeia todo o ser.

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O ser humano, desde suas origens, produziu cultura. Sua história é


uma história de cultura, na medida em que tudo o que faz está inse-
rido num contexto cultural, produzindo e reproduzindo cultura. O
conceito de cultura é aqui entendido como produto da sociedade, da
coletividade à qual os indivíduos pertencem, antecedendo-os e trans-
cendendo-os (BRASIL, 1997, p. 23).

As tradições culturais são umas das principais marcas perpetua-


das na história de um povo. A simbologia, visualizada a partir das
práticas culturais, influenciam diretamente nas formas de sobrevi-
vência e desenvolvimento, um processo marcado possivelmente por
feitorias de grandes significados. É interessante ressaltar que mesmo
nascendo num contexto cultural os saberes populares precisam ser
divulgados em vários espaços para identificar as tradições, as ori-
gens e implicando na (re) construção dos conhecimentos que podem
ajudar no processo de convivência social humana.

Mudanças no campo em decorrência do capitalismo

Atualmente, o campo está perdendo as características que lhe


eram tidas como, o lugar do atraso, do povo invisibilizado do homem
matuto que pudera ser identificado através de suas vestes, seu jeito
de falar, as intentas particularidades que só homem roceiro tivera.
‘Em meio a tantas evoluções globais, o campo se modificou, o pro-
gresso chegou à roça e base da agricultura familiar se modificou,
dando origem aí a novas estratégias de produção. Para acompanhar
os diversos setores introduzidos no campo e a ampliação de outras
tarefas, os antigos métodos foram repaginados, assim como também
a forma de produção que outrora servia apenas para alimentar a fa-
mília e agora é produzida também para a comercialização. Confor-
me Graziano & Del Grossi (1998, p.165):

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Essas transformações já têm surtido efeito nas áreas rurais, não so-
mente com a elevação da produtividade do trabalho nas tarefas agro-
pecuárias, mas também com a emergência de agências prestadoras
dos mais diversos serviços especializados, como preparo do solo, col-
heita, pulverizações, inseminações, entre tantas outras tarefas.

As atividades que antes eram da incumbência de todos os mem-


bros da família e da solidariedade da comunidade, hoje precisam de
investimentos capitalistas e metades das pessoas da família podem
ser dispensadas para outras atividades. Graziano & Del Grossi, sa-
lientam que: “A pluriatividade tornou-se permanente nas unidades
familiares rurais, tendo em vista o novo ambiente social e econômico
vigente (1998, p. 166)”. As atividades que antes eram de incumbência
familiar, compreendem agora uma logística que muitas vezes visam
parcialmente atender ao mercado. Logo, Graziano (1997, p. 1) ressalta
o seguinte:

Em poucas palavras, pode-se dizer que o meio rural brasileiro se ur-


banizou nas duas últimas décadas, como resultado do processo de in-
dustrialização da agricultura, de um lado, e, de outro, do transborda-
mento do mundo urbano naquele espaço que tradicionalmente era
definido como rural. Como resultado desse duplo processo de trans-
formação, a agricultura - que antes podia ser caracterizada como um
setor produtivo relativamente autárquico, com seu próprio mercado
de trabalho e equilíbrio interno - se integrou no restante da econo-
mia a ponto de não mais poder ser separada dos setores que lhe for-
necem insumos e/ou compram seus produtos.

Olhando pelo lado do capitalismo, de certa forma, essa alteri-


dade não foi ruim, já que o tempo gasto para a produção diminuiu
significativamente, assim como também é possível uma redução da
emissão dos gases carbônicos que eram gerados com as queimadas
durante a preparação do solo, visto que essa mudança desencadeou a
adequação de novas estratégias de convivência e a ideia de sustenta-
bilidade acrescida, de modo que dá pra utilizar os recursos naturais
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não renováveis sem negligenciá-los e certamente, fazendo reaprovei-


tamento do que for possível. E, apesar das fragilidades a agricultura
familiar continua sendo um dos principais meios sociais e econômi-
cos de grande importância para geração de renda e trabalho.
Opinar sobre essas transformações que vem ocorrendo no cam-
po, no setor agrícola e seus efeitos transversais sem um estudo
aprofundado é um paradoxo que vai de encontro aos propósitos da
globalização. Contudo, apesar dessas alteridades, percebe-se que as
práticas tradicionais ainda permeiam os cultivos das plantações do
homem do campo, tem alguns produtores que não aceitam muito
bem a tecnologia e não conseguem acompanhar certas modificações,
insistindo nos saberes populares e tradicionais que também são va-
lidados como imprescindíveis e aliados do conhecimento científico e
tecnológico. Uma dessas práticas é o consórcio de culturas (SANTOS,
1998).
O consórcio de culturas é uma prática comum, uma tradição cul-
tural benéfica tanto para o setor ambiental quanto para o econômi-
co, já que uma planta pode subsidiar a outra no processo de desen-
volvimento. É caracterizado pelo plantio de duas ou mais espécies
no mesmo espaço. O produtor utiliza essa prática muitas vezes para
o próprio subsídio e quando há excedentes faz a comercialização
(RICE, 1984).
É válido ressaltar que essa forma de plantio pode ser realizada
por qualquer produtor. Além disso, já existem diversos estudos sobre
essa estratégia que discorrem sobre sua finalidade, entretanto, ela
deveria ser adotada nas cooperativas e grandes empresas agrícolas,
uma vez que essas instituições dispõem de mão de obra abundante e
a produção consorciada pode favorecer aos trabalhadores (VIEIRA,
1989; MULLER et al., 1998; CAETANO et al. 1999).
No Brasil é muito corriqueiro plantar milho e feijão juntos, às
vezes adicionam mandioca a esse consórcio também, essa é prova-
velmente umas das práticas mais antigas e que consiste na plantação
para o próprio consumo e vender o excesso se houver. Geralmente

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nessas atividades de planta e colheita o agricultor tem o auxílio dos


familiares (KOLMANS & VÁSQUEZ, 1999).

Resultados da pesquisa

A presente pesquisa buscou sistematizar a importância da agri-


cultura familiar na comunidade do Cabeça, através dos saberes
populares e culturais. Os resultados abordam os relatos de quatro
famílias camponesas que residentes na comunidade do Cabeça, lo-
calizada na Serra de Itiúba, no estado da Bahia. Elas trazem consi-
derações acerca dos cultivos do feijão, milho e da mandioca, através
das tradições culturais de plantio e colheita que se perpetuam na lo-
calidade descrevem as práticas utilizadas nessas tarefas, caracteriza-
das como saberes populares.
O cultivo de feijão, milho e mandioca na comunidade do Cabeça é
realizado anualmente. O feijão e o milho, muitas vezes os moradores
plantam numa terra doada por latifundiários, pois não dispõem de
solo suficiente para a quantidade que desejam plantar. Nessa tarefa,
os doadores têm como benefício o aproveitamento das palhas do mil-
ho e a terra limpa para a inserção de capins para os seus animais. A
primeira família responde: “Deixa lá mesmo né. Que ninguém quei-
ma. Fica lá pra adubo mesmo (Família P1, 2019)”. Já a mandioca é
cultivada na roça do agricultor, pois essa leva bem mais tempo entre
o plantio e a colheita, além disso, necessita de um processo minucio-
so como uma casa de farinha e mais tempo para o beneficiamento.
Dessa forma, o cultivo de consórcio entre o feijão e o milho é
uma tradição dos moradores que implica na agricultura destinada
à alimentação da família. Nesse sentido a segunda família aborda,
“é cultural aqui né, cultural. Por que nos grandes produtores é sepa-
rado né, mas nos pequenos agricultores, a agricultura familiar, por
exemplo, é uma das, planta feijão e milho juntos. O agricultor fami-
liar (Família P2, 2019)”.
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O ato de cultivar milho e feijão juntos é uma prática que vem


dos antepassados e certamente se propagará por gerações, pois es-
ses grãos fazem parte da nutrição dos povos das comunidades que
compõem a Serra, e no Cabeça o feijão exerce a função de um dos
principais alimentos nas refeições. De acordo com os moradores o
ano que o plantio de feijão e milho não é bom, a situação da família
não é muito boa, pois para eles, plantar e poder colher uma boa safra
é sinônimo de abundância.
Sendo assim, é valido enfatizar que para ter sucesso na colheita
os agricultores da comunidade dependem das chuvas, portanto, é
importante saber qual a época propícia ao plantio, uma vez que se
houver deficiência de umidade no solo corre o risco de afetar seria-
mente a colheita. Ao abordar sobre o período de planta, a terceira
família afirma: “Abril e maio, limpar com a enxada... limpou ciscou e
plantou (Família P3, 2019)”. Já quarta família diz que,

“Abril e maio, na minha vez eu acho melhor em maio, porque ói... e


também pra nós colher repare, o feijão de abril não cai as folhas de
jeito nenhum e maio você planta feijão na época de bater ta peladin-
ho, já cai a folha. Na última vez plantei uns feijãozinho, pouquinho
assim na época de abril, mas era pra da trabaio, eu botava na laje
catava aquela folha toda, muita folha pá poder bater, então eu acho
melhor em maio (Família P4, 2019)”.

Para eles, esses são os meses que antecedem o inverno lá na Serra,


a qual detém um microclima que é bastante chuvoso em alguns anos,
totalmente diferenciado do que do que se está acostumado a outras
localidades do município e no Nordeste em geral que dispõe de um
clima com baixa pluviosidade. Para que a colheita seja boa são neces-
sárias boas chuvas e sol na medida correta, além disso, tem o cuidado
com o plantio, “nasceu capinar. Esse aí é o principal cuidado, nasceu
da uma capinada nele pra limpar. Dá terra né. Pulverização a gente
se submete a perder mais não pulveriza. Aqui é orgânico né (Família
P1, 2019)”.

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Pode haver problemas com as pragas, que nesse caso eles utili-
zam, um dos agricultores responde,

“tem. Lagarta é uma das coisas quí... formiga, lesma. O combate, bom
aqui a gente não faz pulverização. Aqui não tem pulverização, aqui é
tudo orgânico (Família P2, 2019)”.

As pragas são controladas de forma natural, no caso do milho são


colocados espantalhos na roça para que os pássaros os confundam
com pessoas, assim não cheguem perto do cultivo. No feijão podem
ocorrer queimaduras (as folhas ficam amarelas sem o feijão estar
maduro e caem antes do tempo correto) com a passagem de eclipses
solares, para a prevenção é colocado um litro de vidro, transparente
cheio de água no meio da roça, assim dizem que se o fenômeno suce-
der a colheita estará protegida.

Procedimentos de plantio do feijão, milho e a mandioca

Para os agricultores da comunidade a estratégia de plantar milho


e feijão juntos é comum e para isso eles não tiveram ainda nenhuma
espécie de assistência técnica e/ou extensão rural. Justificaram que,
“não, assistência técnica nenhuma ainda aqui, ninguém aqui teve. O
único lugar que não tem assistência técnica plantada é aqui na serra.
(o conhecimento vem de geração e geração) (Família P3, 2019)”.
Sendo assim, os saberes utilizados nos procedimentos de plan-
tio e colheita são totalmente populares. Segundo eles tem toda uma
“ciência” no plantio, o espaçamento das covas do feijão é diferente
das do milho. Nas covas do milho o espaçamento é maior e ele plan-
tado anterior ao feijão, mais ou menos cinco dias antes, as covas são
cavadas com a enxada, instrumento utilizado para limpar o solo,
umas das maneiras de preparação antes do plantio. São colocados
cinco grãos de milho dentro das covas e aterrados com o pé. Por
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conseguinte, com o feijão, as covas são juntas e a quantidade de grão


é igual a três. Ultrapassando esses procedimentos, especialmente os
de quantia, existe uma enorme probabilidade de prejudicar o cultivo,
pois colocando grãos em abundância ou minguados nas covas, eles
certamente vão ter dificuldade no desenvolvimento implicando na
qualidade da colheita.
Esses processos dispõem de tempo e força física, assim toda a fa-
mília participa, incluindo todos os membros da comunidade que não
tem outros compromissos no dia do plantio, visto que formam um
mutirão e o trabalho que provavelmente durariam semanas pode ser
feito em um ou dois dias. Eles têm a prática de cooperar uns com os
outros em diversos momentos. A colheita, por exemplo, é uma ação
que de colaboração entre as famílias, o arranque de feijão e depois a
bata que é a debulha dos grãos já secos, o feijão é arrancado da terra
espalhado numa laje ou uma parte do solo limpa e varrida, onde é
feito uma ruma de feijão que fica em formato de círculo e geralmen-
te os homens pegam um pedaço de pau grosso, sem angulações e o
batem formando uma sincronia de sons e gestos, só param quando o
feijão está todo debulhado.
Seguindo, tem o procedimento de limpeza no qual as mulheres o
colocam numa peneira e ficam do lado oposto ao vento fazendo mo-
vimentos de fazer de jogá-lo para cima e aparar com a peneira, nesse
traquejo o bagaço sai e o feijão é ensacado e carrego pelos animais
até a casa do agricultor. Para guardar eles utilizam umas dornas de
óleo que comportam até cento e cinquenta quilos de feijão e são com-
pradas no varejo, antes de armazená-lo os grãos precisam secar e de-
pois de adicionados os recipientes são lacrados com cera de abelha
passada na tampa para que entre ar e consequentemente não criem
gorgulhos, praga desenvolvida no próprio do grão de feijão.
Enquanto o isso o milho que foi plantado primeiro, provavelmen-
te tem algumas espigas maduras, servindo apenas para o consumo
e/ou para a comercialização, o que fica na roça é colhido depois de
seco, uma colheita feita de forma simples. Logo depois debulhado e

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Agricultura familiar
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as sementes são guardadas para o próximo plantio em vasos de refri-


gerantes reciclados.
Na Serra o plantio da mandioca é comum nas comunidades, às fa-
mílias plantam para o próprio subsídio. A plantação tem maior inci-
dência em épocas de chuvas, como no inverno, uma vez que a Serra é
privilegiada por uma espécie de microclima que é denominado frio,
por ser uma região chuvosa e com muita neblina o desenvolvimento
da mandioca é significativo.
Para a plantação de mandioca os pais de família cavam a terra,
fofando ela, fazendo o que eles chamam de cova de mandioca, um
processo muito parecido com o plantio de batatas doces, só que as
covas da batata precisam ser menores. A família P4 afirma que, “mui-
tos plantam de cova virada, que é como nós chama, e outros plantam
com cova de buraco. Corta a maniva e planta. Planta com a bana-
neira, pode ser misturado, que aqui a cultura é essa né (Família P4,
2019)”.
Durante a colheita para arrancá-la da terra, carece às vezes muita
força e saber pegar na parte visível da mandioca que serve para se-
gurar as folhas e é chamada de maniva, pois esse componente do pé
de mandioca vai ser cortado em pedaços semelhantes e colocado em
cima das covas para gerar outros pés de mandioca. Sendo assim, o
ato de colheita e plantio, exigem habilidade como, cuidado e respeito
pela planta e pela Terra.
No processo de colheita, todos da família têm suas tarefas: os ho-
mens arrancam a mandioca da terra, as mulheres ou ficam em casa
cozinhando ou vão juntar, fazendo uma ruma num único local para
que a mandioca não fique espalhada pelo meio da roça, as crianças
vão separar a mandioca da maniva, ou seja, a raiz do caule, os ani-
mais servem de transportes para que a mandioca chegue até a casa
de farinha.
Geralmente essas atividades ocorrem na parte da manhã para
que a tarde a mandioca já esteja na casa de farinha para ser raspa-
da (descascada), exercício mecânico que é feito por todos da comu-
nidade, com suas facas afiadas, exceto as crianças, aquelas que se
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dispõem a fazer esse serviço só podem tirar os capotes, pois podem se


acidentar com as facas.
Antes de a mandioca chegar, a casa de farinha precisa ser prepa-
rada, toda varrida, os materiais todos limpos, um espaço apropriado
para colocar a mandioca que vai sendo raspada e precisa ficar perto
do local de sevar. Esse é forrado com palhas de licurizeiro ou se bana-
neiras, plantas que podem ser encontradas aos arredores das casas
de farinha.
Os locais que produzem farinha através da matéria prima da
mandioca no Brasil são denominados como ‘casas de farinhas’ recin-
tos onde se têm aparatos suficientes para a produção desse alimento
que faz parte da pirâmide alimentar de alguns brasileiros.
Geralmente as casas de farinha são construídas em locais estraté-
gicos para que todos os camponeses e agricultores possam compar-
tilhá-la. Elas se constituem num ambiente de trabalho sob o qual as
famílias se reúnem e fazem desse um grande evento. Sendo assim,
no processo da ‘farinhada’ as relações de sociabilidade envolvem a
divisão do trabalho, ou seja, há uma tarefa para cada membro da
família e eles vão se auxiliando para a concretização das atividades
(FRAXE, 2004) que culminam em várias etapas, envolvendo: a retira-
da da mandioca da terra, onde ela estivera a se desenvolver; descas-
cá-la e levá-la ao sovamento, depois ser prensada, peneirada para ir
ao forno e finalmente virar farinha. É claro que esse processamento
pode ter suas próprias peculiaridades em algumas localidades, mas
em todos, o produto final é a farinha
A grande maioria das casas de farinha da Serra é feitas de adobos,
uma espécie de bloco produzido a partir do barro e água com uma
fôrma retangular feita de tábuas de madeira, eram cobertas com tel-
has compradas na cidade sob encomenda, transportadas por auto-
móveis até o Adro de São Gonçalo ou até meados da estrada quando
o carro não conseguia subir a ladeira da montanha, daí eram levadas
pelos animais, jegues ou burros arreiados com cangaias e caçuás. As
madeiras que compõem o telhado eram retiradas de um determina-
do local onde havia possibilidade de encontrá-las em quantidade. As
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casas de farinha têm duas portas e uma janela. Em seu interior essas
casas de farinha abrigavam: o forno e o rodo; a roda e a bola; os co-
xos e gamelas; a prensa e a peneira. Na comunidade do Cabeça não
há casa de farinha, então quando realizam farinhadas os moradores
precisam se deslocar para a da comunidade mais próxima.
Atualmente algumas casas de farinhas dessa região já estão mo-
dernizadas, uma vez que chegou energia elétrica em diversas locali-
dades, porém houve um declínio da produção de mandioca e aquelas
que passaram muito tempo fechadas caíram.

Considerações finais

Os saberes populares a partir da produção da agricultura familiar


e do campesinato na comunidade do Cabeça que pertente ao muni-
cípio de Itiúba na Bahia, são partes indispensáveis na cultura local e
das famílias pertencentes àqueles espaços. A grande maioria dessas
famílias procuram desenvolver suas estratégias de plantio e colheita
por meio do que aprendeu com seus ancestrais num processo de prá-
tica e/ou de observação, visto que nas comunidades é comum que os
mais novos observem os mais velhos e até participem de algum tipo
de tarefa.
A agricultura familiar compreende boa parte do território brasi-
leiro e desencadeia atividades diversas como o plantio por meio de
consórcios, visto que essa estratégia é benéfica tanto para a agricul-
tura como o agricultor que planta para a sobrevivência e quando col-
he em abundância vende os excedentes.
O beneficiamento da mandioca para produzir a farinha necessita
de cuidados amplos, tanto ligados ao cultivo como a plantação, as-
sim como, os procedimentos seguidos devem ser os mais qualitati-
vos possíveis, já que as casas de farinhas são os locais de onde saem
um produto apreciado em vários países. Por conseguinte, deve ter

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referentes, como o sabor, coloração, consistência e em menor escala


o aroma.
Perante as ponderações aqui explicitadas sobre a Agricultura Fa-
miliar e do campesinato na comunidade do Cabeça em Itiúba, com
a participação de entrevistas semiestruturadas com quatro famí-
lias que mais aproximasse dos questionamentos da pesquisa, ficou
visível que o plantio do feijão, milho e mandioca estão carregados
de saberes populares que provavelmente se perpetuarão pelas novas
gerações. Levando em consideração que o trabalho depende de mui-
ta força física, podemos classificá-lo como árduo, contudo, pode-se
identificar um capital social já que os processos produtivos são dota-
dos de solidariedade e de certa forma diversão.
Considerando a estrutura para o processamento da farinha em
detalhe, é possível observar que as casas de farinhas podem ser vistas
como um patrimônio público e cultural e a partir daí sejam capazes
de estabelecer melhorias através da implementação de políticas pú-
blicas assertivas que condicionem a adoção de técnicas e manejo de
produção que visem qualificar a fabricação da farinha e o cultivo da
mandioca.
A memória foi o suporte indispensável para que essas pessoas
pudessem compartilhar suas vivências conosco, descrevendo com
uma riqueza de detalhes tão precisos que são capazes de nos reportar
para essas épocas de plantio e colheita, nos fazendo perceber como
são fortes a relações dos moradores com a natureza e com a terra,
embora, não disponham de conhecimento científico conseguem um
bom desempenho nessas atividades e os locais de plantio e colheita
enquanto espaços físicos são agentes transformadores da vida socio-
cultural e histórica dessa comunidade. Fica aqui o nosso respaldo
através desse trabalho para pesquisas futuras.

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Escola Família Agrícola do Sertão:


contribuição no processo organizativo do extrativis-
mo sustentável do Licuri

Gilmar dos Santos Andrade, Jardel Luís Félix Pacheco, Helder


Ribeiro Freitas e Luciano Sérgio Ventin Bomfim

Introdução

A educação de jovens originários de comunidades rurais neces-


sita ser baseada nas vivências cotidianas desses sujeitos, o que deve
ser garantido em todos os espaços. Contudo, a formação ofertada
pelo Estado adota métodos pedagógicos convencionais e descontex-
tualizados. Como proposta de uma nova formação, surge a educação
do campo como projeto educacional voltado para debate, estudo e
correlação com a vida cotidiana dos(as) jovens do campo, atrelada
ao conhecimento científico, o que possibilita a construção de uma
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ciência que objetiva resolver os reais problemas da sociedade. Atra-


vés da formação integral, de caráter transformador, e conectada às
demandas das comunidades e à convivência com o semiárido, as
Escolas Família Agrícola (EFA) têm construído um enfrentamento
de classe no campo da formação da juventude no semiárido. A for-
mação por alternância, além de promover uma proposta educativa
contextualizada, possibilita o acesso e a permanência dos(as) jovens
camponeses(as) em um ensino fundamental e técnico em agrope-
cuária, com ênfase na agroecologia.
O movimento das EFA demonstra grande importância organiza-
cional na construção de uma educação do campo proposta por cam-
poneses(as), que insere a contextualização do meio rural, a convivên-
cia com o semiárido, e se centra, principalmente, no aproveitamento
das potencialidades da Caatinga como ferramenta de reconhecimen-
to identitário e na construção da transição agroecológica, resultante
de um projeto de transformação social. Em suma, as EFA fomentam
a transição agroecológica por meio de tecnologias sociais que racio-
nalizam a utilização de recursos, aproveitando o potencial do ecos-
sistema de maneira ampla, além de possibilitarem todas as formas
de trabalho sociopolítico necessárias à organização das comunida-
des, tanto para gerirem sua produção quanto para organizarem suas
lutas, inclusive a defesa da terra e da vida plena.
Nesse sentido, o presente artigo objetiva apresentar a contri-
buição da Escola Família Agrícola do Sertão (EFASE) para a orga-
nização de famílias e comunidades na promoção do extrativismo
sustentável do licuri (Syagrus coronata). Julgamos de extrema rele-
vância abordar uma ação que tanto valoriza e conserva o bioma Ca-
atinga como contribui para a segurança e a soberania alimentar de
famílias sertanejas e sua geração de renda. Entretanto, pela ampla
dimensão da temática, não será possível expor em detalhes todo o
processo organizativo da cadeia produtiva dessa cultura. Sendo as-
sim, optamos por apresentar as linhas gerais da convivência com o
semiárido, a ênfase na agroecologia e as inovações e tecnologias em
curso para o melhor aproveitamento do licuri.
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O sistema produtivo do licuri ainda é muito fragmentado e fragi-


lizado. Além de enfrentar sérios desafios, desde a conscientização, a
valorização da palmeira e a exploração dos extrativistas pelos atra-
vessadores, os estudos aplicados sobre o assunto ainda são poucos
e as tecnologias apropriadas desenvolvidas nas comunidades neces-
sitam de aperfeiçoamento. Na prática, essas preocupações visam a
atender aos diversos elos contemplados pelo agroextrativismo sus-
tentável do licuri, tendo em vista a conservação do licurizeiro en-
quanto meio de geração de renda e garantia de manutenção da socio-
biodiversidade local, que se refere à relação entre os bens e serviços
a partir de recursos naturais com as cadeias produtivas de interesse
das comunidades tradicionais e agricultores familiares (SANTOS,
2019). O projeto em curso, desenvolvido pela EFASE, constitui um im-
portante passo na reorganização do sistema de produção do licuri e
no empoderamento das famílias e comunidades extrativistas.

Contribuição das Escolas Família Agrícola na “construção” da


Convivência com o Semiárido

As Escolas Famílias Agrícolas (EFA’s), são instituições educacio-


nais do campo de caráter comunitário com trajetória de existência
há quase 90 anos, presente em mais de 40 países. No Brasil existem
155 EFA’s, das quais 28 encontram-se no estado da Bahia, articuladas
em duas redes (Figura I): Associação das Escolas das Comunidades e
Famílias Agrícolas da Bahia (AECOFABA) Rede das Escolas Família
Agrícolas Integradas no Semiárido (REFAISA). As EFA’s construíram
um legado pedagógico, de organização do processo ensino-apren-
dizagem, que é Pedagogia da Alternância (PA), ou seja, o estudante
permanece um tempo na escola (TE) e um tempo na família/comuni-
dade (TC) ou em atividades didaticamente apropriadas fora da escola
(NOSELA, 2013). As EFA’s constituem uma realidade exitosa na Edu-
cação do Campo.
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Figura 1. Localização das Escolas Famílias Agrícolas no estado da Bahia e


Sergipe

Fonte: Elaboração dos autores, 2021.

A Educação do Campo deve ser compreendida como um espaço


aberto ao povo, que promova a criatividade de seus/suas alunos/as
e que não seja desvinculado da realidade, fomentando o desenvol-
vimento sustentável do meio rural, através da formação dos/das jo-
vens, num espírito de solidariedade (AREFASE, 2012). Nessa perspec-
tiva a Educação do Campo não é somente a luta pela educação, e sim
um projeto contra hegemônico, que reconhece e trabalha o modo de
vida dos sujeitos reafirmando a identidade de classes, como demons-
tra Caldart (2012), a educação campesina propõe ainda um debate
holístico sobre questões agrárias, sociais e ambientais, no âmbito da
produção agrícola, matriz tecnológica e organização do trabalho e
relacionamento entre o meio rural e a cidade. É nesta perspectiva em
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que as EFA’s têm construído historicamente um enfrentamento de


classe no campo em vista da formação da juventude no semiárido,
através de uma proposta educativa contextualizada, traz a possibi-
lidade de acesso e permanência dos jovens camponeses a um ensino
técnico e profissional em agropecuária, com ênfase na convivência
com o semiárido na perspectiva agroecologia.
Portanto o projeto das EFA’s é estruturado por instrumentos
pedagógicos que colocam os jovens camponeses/as para atuarem
diretamente em suas comunidades, os/as educandos/as das EFA’s
encontram no campo desafios de toda ordem, em sua maioria rela-
cionada à adaptação das atividades agropastoris e agroextrativistas
tradicionalmente realizadas nos territórios de modo a construir es-
tratégias mais apropriadas de manejo produtivo em cada bioma que
esteja inserido, por meio de tecnologias sociais que aperfeiçoem a
utilização de recursos, aproveitando as potencialidades locais e mel-
horando as capacidades sociopolíticas necessárias à organização das
comunidades. Como caracteriza Lima (2011), para se construir uma
reflexão e conhecimento, no caso do Semiárido, é preciso levar em
consideração os saberes milenares construídos e experimentados
por várias gerações, transformados em sabedoria popular. Assim, na
perspectiva da escola campesina, o conhecimento popular deve ser
integrado ao científico, objetivando soluções inovadoras que possam
contribuir para a promoção da sustentabilidade e do fortalecimento
da agricultura familiar (VALADÃO, 2009).
Na construção do desenvolvimento sustentável, a agroecologia se
destaca como um projeto de sociedade plenamente resiliente, pois
propõem transformações nas diversas dimensões estruturantes e
ultrapassam o mero discurso do conservacionismo ambiental, enal-
tecendo a equidade social e a valorização cultural. Pois, caso con-
trário, se estará apenas mitigando as externalidades deste modelo
de produção em escala, enquanto precisa-se buscar alternativas para
que as necessidades das gerações atuais sejam atendidas sem com-
prometer as gerações futuras, com responsabilidade e justiça social
(REIS, 2020). Corroborando assim com a necessidade emergente de
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transformação sociopolítica e ambiental da sociedade, expressado


no IPCC (2018), a humanidade deve passar por uma transformação
profunda e urgente, saindo de uma sociedade degradadora e explo-
rada, para uma sociedade sustentável e justa. O desenvolvimento
sustentável objetiva equilibrar o bem-estar social, prosperidade
econômica e a conservação e proteção ambiental, tendo como metas
a erradicação da pobreza, redução de desigualdades e ação climática.
Dessa forma a agroecologia, pode ser compreendida como um
projeto de sociedade contra hegemônico que articula a ciência com
os movimentos sociais, a partir da interdisciplinar, integrando dife-
rentes dimensões éticas, científicas das diversas áreas com os saber
popular, na construção do bem-estar social, ambientalmente sus-
tentável, justa equitativa em um sistema complexo, com diretriz de
políticas governamentais e educacionais na perspectiva holística,
pluralista e dialética (GAZZANO, 2021; REIS, 2020; NORDER, 2016).
No sertão, a agroecologia se constitui amplamente nos processos
e debates sobre Convivência com o Semiárido como fundamento de
desenvolvimento rural nesta região, para Silva (2003), a construção
da convivência com o Semiárido implica em um processo cultural,
educacional e de uma nova aprendizagem sobre o meio ambiente,
observando os seus limites e potencialidades. Nessa perspectiva da
convivência com o Semiárido, as EFA’s, vêm pautando na formação
pedagógica no âmbito teórico quanto prático, a partir da educação
agroecológica transformadora da mente e do chão. No dizer de Melo
(2016), o papel pedagógico das práticas agroecológicas no ensino
básico, superam os modelos unilaterais e fragmentados do conheci-
mento, pois a partir de tal análise, estabelece um diálogo entre Agro-
ecologia e Educação do Campo, ambas, como práticas pedagógicas e
sociais nas escolas.

EFASE e a Convivência com o Semiárido

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Grande parte do território Nordestino do Brasil é ocupada pelo


semiárido, que apresenta características de baixa incidência plu-
viométrica e altas temperaturas e evaporação, tendo o bioma pre-
dominante a Caatinga composta por uma grande diversidade de
fauna e flora adaptada às condições edafoclimáticas. O semiárido
brasileiro possui área de 1,03 milhões Km2, correspondendo a 12% do
território nacional e 85% do Nordeste, abrangendo 1.262 municípios
situados nos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraí-
ba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Minas Gerais, onde habitam
aproximadamente 27 milhões de pessoas, dessas 22 milhões vivem
na zona rural (ASA, 2022).
De acordo com dados de Gama (2021); Giulietti (2004); Drummond
(2000) e Gariglio (2010), a flora da Caatinga é estimada em 4.753 es-
pécies fanerogâmicas (distribuídas em 1.226 gêneros e 173 famílias),
com 18 gêneros e 318 espécies endêmicas, pertencentes a 42 famílias,
sendo as famílias Fabaceae, Asteraceae e Rubiaceae as maiores em
riqueza, dentre as quais 18,64% são espécies arbóreas. Além de 348
espécies de aves registradas, das quais 15 espécies e 45 subespécies
foram identificadas como endêmicas; 100 a 200 espécies de inver-
tebrados, sendo apenas 10 a 20 espécies conhecidas; 240 espécies de
peixes distribuídas em 111 gêneros endêmicas da Caatinga; 44 espé-
cies de lagartos, 10 espécies de anfisbenídeos, 52 espécies de serpen-
tes, quatro quelônios, três crocodilianos, 48 anfíbios anuros e três
gimnofionos, e no mínimo 148 espécies de mamíferos registradas
no bioma Caatinga (SILVA, 2004; ALBUQUERQUE, 2010; OLIVEIRA,
2004; BRANDÃO, 2004; GARIGLIO, 2010; ROSA, 2004; RODRIGUES,
2004; YAMAMOTO, 2004).
Apesar das multifuncionalidades que abrangem as dimensões
sociais, ambientais, econômicas e culturais, o bioma Caatinga vem
sofrendo grandes pressões no consumo de seus recursos, devido às
crescentes demanda por recursos florestais, além de prejudicar o
ecossistema através da extração irregular dos recursos madeireiros,
promovendo a redução da biodiversidade e exposição dos solos aos
agentes erosivos, aumentando a vulnerabilidade do bioma frente às
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mudanças climáticas, sobretudo nos processos de desertificação (GA-


RIGLIO, 2010; RIEGELHAUPT, 2008; PRIMAVESI, 2016). Albuquerque
(2010), Riegelhaupt (2010) e Brand (2017), estimam que 0,5 a 1% de
toda a vegetação da Caatinga seja retirada anualmente apenas para
uso como lenha e carvão nos setores industriais, comerciais e do-
miciliares, demandando 63,3 milhões de ésteres por ano. Conforme
dados do Mapbiomas (2019), a Caatinga teve sua vegetação reduzida
pela metade, correspondendo atualmente a cerca de 520 mil ha, devi-
do ao desmatamento para implantação de atividades agropecuárias.
A partir da elevação dos preços aos combustíveis fósseis, aumen-
ta-se a pressão e exploração sobre os ecossistemas, pois estas são
fontes “baratas” de matéria prima energética, como salienta Garcia
(2003, p.116).

No nordeste e especialmente no semiárido, a agricultura familiar


vem se mantendo, nos últimos trinta anos, ao custo de uma pressão
crescente sobre os recursos naturais. Isso ocorre, principalmente, de-
vido ao peso do subdesenvolvimento que obriga as populações locais
a conviverem com limitações, as quais contribuem diretamente para
a degradação dos recursos naturais. São limitações como a pressão
fundiária e o pequeno tamanho de grande parte das propriedades; a
pobreza e a falta de oportunidade de geração de renda, em mercados
pouco dinâmicos; e a manutenção de práticas predatórias de uso do
solo e de outros recursos e bens de consumo com preços elevados.

Para diminuir a pressão sobre a caatinga, precisam-se criar es-


tratégias de convivência com o semiárido, aproveitando as potencia-
lidades dos recursos nativos, incentivando e realizando a transição
agroecológica, através de tecnologias sociais agroecológicas adapta-
das à realidade sertaneja, que segundo Gushiken (2004) e Dagnino
(2010), devem-se preconizar o envolvimento e empoderamento dos
atores englobados, por meio de métodos dinâmicos simultâneos do
social e técnica, criando e inovando tecnologias aproveitando das po-
tencialidades locais, sociais que sejam de fácil aplicabilidade e gran-
de impacto social, contribuindo para a superação da pobreza.
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Escola Família Agrícola do Sertão
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Uma alternativa para melhorar a sustentabilidade e a convivên-


cia no semiárido são as práticas agrossilvipastoris, integrando a pe-
cuária e agricultura com a vegetação nativa adaptada às secas, des-
tacando a rica biodiversidade das cactáceas na alimentação animal
para os rebanhos dos sertanejos (ARAÚJO FILHO, 2013; CORDEIRO,
2015). O Nordeste se destaca na pecuária de pequeno e médio porte,
tornando essa uma importante atividade econômica regional, tendo
a caprinovinocultura que tem um papel importante no desenvolvi-
mento socioeconômico. De acordo com Magalhães (2018), o Nordeste
concentra 92,8% do rebanho de caprinos, contabilizando 7.660.173
animais dos 8.252.706 a nível nacional e 65,6% do rebanho ovino
9.032.19 animais dos 13.770.344 nacional, que são criados em proprie-
dades com menos de 10 ha.
Além da caprinovinocultura, a caatinga demonstra uma gran-
de potencialidade na atividade apícola e melipona, de acordo com
Maia-Silva (2012) na caatinga são conhecidas 187 espécies de abelhas,
pertencentes a 77 gêneros, sendo a maioria delas considerada como
espécies raras e, em média 61 espécies de plantas que dependem da
polinização por abelhas para se reproduzirem (ZANELLA, 2003).
Outra estratégia importante na construção da convivência com o
semiárido e a utilização de produtos ou subprodutos, oriundos de
beneficiamento dos frutos da caatinga, como é o caso da casca (meso-
carpo) do licuri, de acordo com estudos de Reis (2019), apresentou o
mesmo teor calorífico de lenha de pau-de-rato jurema (Mimosa te-
nuiflora (Willd. Poir), e o pau-de-colher (Maytenus rigida Mart), são
as plantas mais utilizadas como material energético, nos domicílios,
restaurantes e casas de farinhas (Tabela 1).

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Tabela 1- Comparação do poder calorífico de fontes energéticas no


município de Monte Santo – BA, 2019.

Fonte: Reis, 2019.

No sertão, a agroecologia se constitui amplamente nos processos


e debates sobre a Convivência com o Semiárido como fundamento de
desenvolvimento rural nesta região. Para Silva (2003), a construção
da convivência com o Semiárido implica em um processo cultural,
educacional e de uma nova aprendizagem sobre o meio ambiente,
observando os seus limites e potencialidades. Nesse sentido, desta-
ca-se a experiência da Escola Família Agrícola do Sertão - EFASE, lo-
calizada no município de Monte Santo, tanto na parte educacional,
quanto na parte técnica-produtiva.
Resultante da organização das comunidades camponesas, articu-
ladas principalmente pelas Comunidades Eclesiais de Bases – CEBs
da Igreja Católica, fundam entre os anos de 1995 á 1997, a Associação
Regional da Escola Família Agrícola do Sertão – AREFASE, entida-
de mantenedora e representação jurídica da EFASE, que em 1998 é
fundada e tem suas primeiras atividades e aulas no ensino funda-
mental realizadas em salas de aulas improvisadas na sede da Asso-
ciação Comunitária da Lagoa do Saco. Devido a problemas no âmbi-
to de convivência e educacionais, a escola instala-se em um terreno
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Escola Família Agrícola do Sertão
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

cedido pelas comunidades do Fundo de Pasto Varjão Terra Livre e


da Capivara, território esse que foi conquistado arduamente na luta
pela terra contra grileiros do município de Monte Santo, a escola foi
construída especificamente na estrada aberta pelo grileiro na área
de uso comum dos (as) camponeses (as), e fica próximo do local onde
ocorreu a “guerra” pela terra entre os (as) camponeses (as) e jagunços
do fazendeiro. Assim a EFASE demarcar mais uma vez a resistência
e a conquista da terra através da luta e organização popular, a cons-
trução de projeto político pautada na convivência com o semiárido.

Projeto do Licuri : Organização do extrativismo sustentável


do Licuri

O bioma Caatinga possui uma grande diversidade de frutas e


frutos que são extrativizados, e utilizados na produção de deriva-
dos como: polpas, geleias, doces, cervejas, licores, conservas, biscoi-
tos e tantos outros produtos e receitas. Dentre os mais conhecidos
encontra-se o umbu (Spondia tuberosa), licuri (Syagrus coronata) e
maracujá da caatinga ou do mato (Passiflora cincinnata), sobre este
último já se encontra cultivo em vários agroecossistemas familiares,
pois é de ciclo curto e fácil de produzir.
No Semiárido brasileiro o extrativismo sempre constituiu par-
te significativa da segurança e soberania alimentar, especialmente
para os camponeses, agricultores familiares e comunidades tradi-
cionais indígenas, quilombolas e fundo de pasto. Entretanto, dois
fatores impõem limites a esta prática, o primeiro é o desmatamento
da Caatinga, que de acordo com o Centro de Pesquisas Ambientais
do Nordeste já superou 40%. Os dados também apontam que 20% de
todo o bioma está em processo ou susceptível à desertificação (CE-
PAN, 2022), causando uma brusca redução das espécies. O segundo
limite ao extrativismo é a concentração fundiária, que impede as co-
munidades sertanejas de terem acesso a este recurso. De acordo com
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o Censo Agropecuário 2017 do IBGE, dos 2.322.719 estabelecimentos


rurais no Nordeste, 1.838.846 (79,2%) são agricultores familiares, en-
tretanto à área ocupada por esses estabelecimentos é de somen-
te 36,6% da área, enquanto isso, o setor patronal, representado por
apenas 20,8% dos produtores recenseados, ocupa 63,4% da área total,
indicando uma acentuada desigualdade na distribuição dos recur-
sos naturais associados à posse da terra (AQUINO, ALVES e VIDAL,
2020). Diante das condições impostas, às famílias que fazem uso
do extrativismo do licuri vê reduzidas as possibilidades de ampliar
a obtenção dos frutos e refletindo na geração de renda. Somam-se
também práticas insustentáveis que agravam o problema, como as
queimadas e a derrubada dos licurizais (CARVALHO, FERREIRA, AL-
VES, 2016).
Espécie endêmica da Caatinga a palmeira do licurizeiro (Syagrus
coronata), pode chegar a 10 metros de altura, é uma planta adaptada
ao clima quente e seco e capaz de suportar grandes períodos de estia-
gem e seca, demonstrando estratégias de resistência às adversidades
climáticas do Semiárido, da qual obtemos o fruto licuri. A espécie
produz na superfície dos seus folíolos uma fina crosta de cera, que
permite a passagem de raios solares, para assimilação pela clorofi-
la, porém evita a perda de água da planta para o ambiente (DRUM-
MOND, 2007). A palmeira apresenta uma capacidade de armazenar
água no estipe e no denso e esponjoso sistema radicular, o que permi-
te sobreviver por vários anos sem chuvas intensas e têm uma grande
importância ambiental, sendo apontada como um forófito impor-
tante para epífitas vasculares (OLIVEIRA et al. 2015), destaque para
bromélias e orquídeas. A amêndoa é alimento para aves, como ara-
ra-azul-de lear (Anodorhynchus leari), qual encontra-se na lista de
animais ameaçados de extinção, tanto pela captura de filhotes, mas
fundamentalmente por depender da amêndoa para sua alimentação
e como há uma redução da palmeira no Raso da Catarina, região de
sua ocorrência, torna-se um agravante para sua existência na natu-
reza sem a interferência humana em vista de garantir as condições
de sua reprodução.
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

O licurizeiro também possui uma importância cultural, social e


econômica para as famílias que vivem no Semiárido, é um patrimô-
nio biocultural, já que envolve particularidades quanto sua utili-
zação, confecção de produtos (artesanato, culinária, expressão mu-
sical, dizeres populares, etc, conferindo traços identitários dos povos
das caatingas). Em contraste com a relevância do licuri, o agroextra-
tivismo por décadas ficou restrito à venda, principalmente in natura
nas feiras livres ou para atravessadores que pagavam preços irrisó-
rios, desvalorizando o produto e desestimulando a prática extrativis-
ta e a conservação da espécie.
É neste contexto que a EFASE, no ano de 2006, inicia um processo
organizativo e formativo com famílias e comunidades nos municí-
pios de Monte Santo, Cansanção e Itiúba, visando maior valorização
e conservação do licuri, da criação de novos produtos e agregação
valor e também o desenvolvimento de tecnologias sociais que au-
mentasse a produtividade e possibilitasse reduzir a penosidade do
trabalho, especialmente das mulheres na extração da amêndoa, a
qual tradicionalmente é realizada manualmente com auxílio de pe-
dra, sendo regionalmente conhecidas como as “quebradeiras de coco
ou licuri”.
O projeto propunha a inserção de egressos da EFASE na mobili-
zação e na atuação no que se denominou “Projeto do Licuri”. Vale
destacar que o Projeto do Licuri, em um primeiro momento, contou
exclusivamente com a participação de egressos (as), estudantes e mo-
nitores (as) da EFA, mas com o aumento da demanda de trabalho e a
abrangência territorial1 e a diversificação das ações, outros sujeitos
e coletivos foram sendo incorporados como parceiros, dentre eles
a Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda
(ARESOL), Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STRs) e a Coope-
rativa Regional de Agricultores/as Familiares e Extrativistas da

1
Atualmente o projeto envolve diretamente mais de 300 famílias, de 20 comunida-
des nos municípios de Monte Santo, Cansanção, Itiúba, Nordestina, Queimadas, Se-
rrolândia e Capim Grosso.

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Economia Popular e Solidária (COOPERSABOR). Os objetivos ini-


ciais do projeto consistiam em: realizar formação nas comunidades
sobre preservação/conservação da caatinga e dos licurizeiros; for-
mar núcleos de extrativistas por comunidade e municípios; articular
a compra de amêndoas para a Unidade de Beneficiamento do Licuri
e organizar o uso das máquinas.
No espaço da escola foi construída a Unidade de Beneficiamento
do Licuri com a finalidade de extrair o óleo, produzir azeite, doces,
cocadas, biscoitos e torta para alimentação animal, com uma estru-
tura relativamente modesta, composta por apenas 03 cômodos em
64m², mas que foi suficiente para o início do beneficiamento do li-
curi. Simultaneamente foram desenvolvidas duas máquinas para
realizar o beneficiamento do licuri sendo a: despeladeira e a quebra-
deira (figura 2). A despeladeira, como o próprio nome já sugere, tem
a função de retirar o mesocarpo, conhecido como “pele do licuri”. A
pele é a polpa desidratada, a qual é utilizada na composição de ração
para caprinos, ovinos e suínos, por ser rica em fibras, açúcares e mi-
nerais, além de ser utilizada como matéria orgânica na produção
agrícola (CARVALHO, FERREIRA, ALVES, 2016). A despeladeira tem
uma capacidade de despelar / produzir 500 kg/h, atualmente a EFA-
SE dispõe de 14 máquinas despeladeiras, que estão distribuídas nas
comunidades envolvidas com a organização do extrativismo do licu-
ri. Vale destacar que a despeladeira é uma inovação tecnológica pro-
jetada pela EFASE com o IFBAIANO e a Cooperativa de Produção da
Região do Piemonte da Diamantina (COOPES), elaboraram um pro-
tótipo e posteriormente confeccionaram outros exemplares. Após a
sua efetivação de uso, foi solicitada a patente mista junto ao Institu-
to Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a fim de assegurar que
esta inovação fique disponível às famílias e comunidades que trabal-
ham com o extrativismo do licuri.
O segundo maquinário produzido para atender as famílias e
comunidades extrativistas é a quebradeira de licuri. Como foi dito
anteriormente, a quebra do coco realizada manualmente com o uso
de pedra, tanto torna o trabalho exaustivo como apresenta baixa
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produtividade, onde uma pessoa acostumada com a quebra produz


em torno de 6 a 7 kg de amêndoa por dia, pelo método tradicional,
Atualmente a escola dispõe de 10 máquinas, com capacidade de que-
brar 1000 kg/h cada uma.

Figura 2. Máquina despeladeira e quebradeira de licuri nas instalações


da EFASE - Monte Santo, Bahia.

Fonte: Arquivo EFASE, 2021. A) Despeladeira e B) Quebradeira

Algumas máquinas foram projetadas e/ou adaptadas para possi-


bilitar tanto o deslocamento entre comunidades ou mesmo entre as
famílias, assim como para atender a demanda da Unidade de Bene-
ficiamento do Licuri. No primeiro caso foi acoplado pneus para faci-
litar na transferência de locais, já no segundo caso para permanecer
fixa na Unidade (figura 3).

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Figura 3. Máquina quebradeira de licuri adaptadas para locomoção na


comunidades

Fonte: Arquivo EFASE, 2021. A) Despeladeira adaptada para locomoção e B) Que-


bradeira adaptada para locomoção.

As etapas de beneficiamento do licuri, inicia-se na colheita, onde


são preferencialmente coletados frutos “ainda no pé”, evitando os
frutos do chão, após essa etapa, os frutos são postos para secagem
em locais adequados para o licuri. Isso porque em muitas comunida-
des ainda prevalece à prática tradicional de secar nos “terreiros do
licuri”, ou seja, espaço utilizado para a secagem do coco, que em sua
maioria é nas proximidades dos licurizais ou das residências. Essa
forma de secagem permite o desenvolvimento de microorganismos
na polpa do fruto, acelerando o processo de fermentação e com isso
reduz a qualidade e a vida útil da amêndoa. Atualmente há um in-
centivo para a construção de locais específicos para a secagem, como
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

área com cimento ou jirau suspenso (figura 4), o que permite contro-
le higiênico e durabilidade nos produtos.

Figura 4. Jirau do projeto Aió da Sociobiodiversidade (A) protótipo (B)


construção

Fonte: Arquivo EFASE (2021).

Após a secagem dos frutos, estes são levados para a máquina des-
peladeira onde perdem todo pelo, depois, os licuris despelados são
colocados na quebradeira, nessa etapa a amêndoa é separada da
casca, em seguida as amêndoas são separadas manualmente quan-
do possível, porém em alguns momentos é utilizada o método de flo-
tação, que consiste na imersão do produto em água, assim a casca
que apresenta maior densidade afunda e a amêndoa flutua, ficando
disponível para recolhimento, entretanto, o contato da amêndoa
com a água eleva a rancificação2 do produto, que gera um óleo não

2
Rancificação é a oxidação completa e/ou incompleta ou a hidrólise de gorduras
e óleos quando expostos ao ar, luz, umidade ou por ação bacteriana, reações essas,
ocasionada pela ação de enzimas como a lipase ou agentes químicos que rompem a
ligação éster dos lipídeos, modificando-se a quantidade de ácidos graxos livres, sa-
turados e insaturados, dos triglicerídeos, que são componentes primaciais dos óleos
vegetais, acarretando na alteração das características organolépticas, gerando mu-
danças no sabor, aroma e qualidade nutricional dos óleos (FUENTES, 2011; DA LUZ,
2014; RAMOS, 2021).

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nobre de baixa qualidade e acaba sendo comercializado para fábri-


cas de sabão. Já as amêndoas separadas manualmente passam pelo
processo de prensagem extrusora de óleo a frio, resultando na pro-
dução do azeite de licuri e outros produtos para alimentação huma-
na e cosméticos, findada a extração do óleo é obtido o subproduto
chamado torta de licuri, destinado para alimentação animal (figura
5).

Figura 5 - Fluxograma do processo de extrativismo e beneficiamento do


Licuri na EFASE, Monte Santo - Bahia.

Fonte: Autores, 2022.

Do licurizeiro tudo se aproveita, entretanto é importante deixar


claro que é se trata de potencial e o que ocorre na realidade. Existem
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subprodutos do beneficiamento, que ainda são subutilizados, como


exemplo a casca de licuri, apontado por Reis (2019) e exposto an-
teriormente neste trabalho, a figura 6, elaborada por Ferreira et al
(2016), descreve a perda de biomassa nas diferentes etapas do

Figura 6. Fluxograma com síntese do balanço de massas do


processamento/beneficiamento do licuri.

Fo n t e :

Ferreira et al, 2016.

Além do desenvolvimento de maquinário, há diversas pesquisas


em andamento no sentido de melhorar as práticas de manejo dos
licurizais e dos produtos, tanto nas universidades como na EFASE,
como tratamentos pré-germinativos para a superação de dormência
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em sementes de licuri (SANTOS, 2019); a influência dos diferen-


tes métodos de secagem na qualidade do pelo e da amêndoa (CON-
CEIÇÃO, 2021); o potencial da casca do licuri na substituição da lenha
no processo de combustão e energia térmica (REIS, 2019) e implan-
tação de sistemas agroflorestais focados nas lavouras do licuri. Os
resultados destas pesquisas, a construção das tecnologias sociais e
o uso do maquinário são elementos presentes nos momentos de for-
mação e capacitação nas comunidades (Figura 7).

Figura 7. Capacitação sobre o uso da despeladeira e acompanhamento


técnico às comunidades.

Fonte: Arquivo EFASE, 2021.

Promover o extrativismo sustentável do licuri, vai além do que


realizar processo formativos, preservar a palmeira, desenvolver tec-
nologias sociais, elaborar produtos que agreguem valor, restabelecer
o orgulho das famílias extrativistas. Exigem também ações que pres-
sionem o Estado em ampliar as políticas públicas para a agricultura
familiar, estruturar um sistema produtivo do licuri que envolva des-
de o desenvolvimento de cultivos (lavouras) à comercialização, sob a
condução das organizações sociais.
No último ano, os (as) agentes que atuam no processo de orga-
nização do extrativismo sustentável do licuri e conjuntamente com
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a Coopersabor, estabeleceram como meta para o ano 2022 realizar


audiências públicas sobre a construção de leis municipais de preser-
vação e valorização do licuri. As audiências inicialmente visam sen-
sibilizar o poder legislativo dos municípios do Território do Sisal a
estabelecer leis que promovam a preservação e proíbam a derrubada
de licurizeiros, a exemplo da lei estadual nº 13.908, de 29 de janeiro
de 2018 (ALBA, 2018) que confere ao licuri, ariri (S. vagans) e ao umbu
o status de patrimônio biocultural do povo baiano. A criação da lei é
um avanço, entretanto, a efetiva preservação e valorização do licuri-
zeiro não se garante com um ato do legislativo ou do executivo, mas
fundamentalmente quando as famílias e comunidades extrativistas
conseguirem melhorar as condições de vida a partir do manejo sus-
tentável da Caatinga.
As reivindicações e pressões políticas têm surtido efeito, em 2021,
com apoio do Bahia Produtiva, iniciaram a implantação de 4 uni-
dades de pré-beneficiamento de licuri em 4 comunidades3: Rio Pe-
queno, Boqueirão e Genipapo de Cima (Monte Santo) e em Tucano.
Nas referidas unidades serão realizadas: secagem; retirada do pelo;
quebra do licuri; retirada da amêndoa e sua classificação (flotação
ou catação). Por esse mesmo convênio com o Governo do Estado da
Bahia, está em curso a ampliação da Unidade de Beneficiamento do
Licuri na EFASE, que terá capacidade de extrair 60 toneladas/ano de
óleo e de produzir 35 toneladas/ano de torta. A ampliação da infraes-
trutura e dos maquinários certamente ampliarão a capacidade de
aproveitamento do licuri nas comunidades já envolvidas e demanda-
rá articular outras localidades para manter a capacidade produtiva
das unidades em níveis satisfatório que permita uma rentabilidade,
obviamente, para isso será necessário ampliar o acesso a mercados
dos produtos do extrativismo do licuri.

3
As comunidades de Três Ladeiras (Itiúba) e Tanques (Queimadas) também possuem
unidades de pré-beneficiamento, construídas anteriormente ao Bahia Produtiva.

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Considerações finais

A convivência com o semiárido está pautada no manejo susten-


tável e no aproveitamento das potencialidades locais, propiciando
maior autonomia econômica, social, alimentar e política às comuni-
dades. Nessa perspectiva, o Projeto do Licuri, executado pela EFASE,
demonstra um papel importante na valorização do extrativismo do
licuri, a partir de resultados promissores nos âmbitos de formação,
acompanhamento às famílias e comunidades e desenvolvimento
tecnológico, que têm proporcionado o aumento na produtividade e
a redução na penosidade do trabalho. A cadeia produtiva do licuri,
contudo, ainda apresenta grandes desafios nos aspectos financeiros,
tecnológicos e ecoprodutivos. Como descrito por Aroucha (2013), a
reestruturação do sistema de produção do licuri ainda deve perco-
rrer: a utilização sustentável da palha e dos frutos; a valorização do
licuri como alimento; a ampliação da pesquisa, capacitação e disse-
minação de informações referentes à qualidade alimentar, medici-
nal e cosmética; o apoio aos saberes tradicionais e aos conhecimen-
tos para a conservação da palmeira.

Referências

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regional. In: IPEA. Boletim regional, urbano e ambiental, n. 23. Edição
Especial Agricultura 2020.
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Escola Família Agrícola do Sertão
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ARAÚJO FILHO, J. A. Manejo pastoril sustentável da Caatinga. Recife:


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www.legislabahia.ba.gov.br/documentos/lei-no-13908-de-29-de-janeiro-
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Educação popular e agroecologia:


um projeto social na comunidade de Pau Branco -
município de Riacho de Santana/Ba

Antônio Domingos Moreira e Arlete Ramos dos Santos

Introdução

A pesquisa apresenta reflexões sobre a “Agroecologia e a Edu-


cação Popular” dentro do associativismo na comunidade dos Pe-
quenos Produtores Rurais de Pau Branco - APAB no Município de
Riacho de Santana – BA, a mesma faz parte da pesquisa concluída
no mestrado acadêmico na Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB). O foco da abordagem recai sobre associativismo com
a seguinte temática da dissertação: “A Educação Não Formal na As-
sociação dos Pequenos Produtores Rurais de Pau Branco – APAB, no
Município de Riacho de Santana – BA”, na perspectiva de analisar o
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Moreira - Lúcia
e Arlete Marisydos
Ramos Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Santos
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trabalho que os sujeitos desenvolveram ao longo da última década,


através das políticas públicas e organização popular e coletiva.
A forma como foi conduzido o trabalho via o associativismo na
Comunidade de Pau Branco, foi fundamental para que a saia do ano-
nimato e passe a ter maior expressão social, política, ambiental e
econômica. É por meio de uma associação que a comunidade se for-
talece e tem grandes chances de alcançar os objetivos comuns e po-
líticas públicas nesses espaços. O Associativismo é fruto da luta pela
sobrevivência e pela melhoria das condições de vida dos associados e
toda comunidade. Importante destacar que a Associação é uma pes-
soa jurídica, devidamente registrada em cartório e constituída livre-
mente pela união de pessoas. Essa união acontece para a melhoria
das condições de vida do grupo e da comunidade. A participação, a
solidariedade, a cooperação em torno de objetivos comuns, têm sido
fundamentais para assegurar melhores condições de vida das comu-
nidades. Essa prática, mais do que uma forma de organização, é uma
construção e uma conquista social.
Busca-se uma nova forma de educar dentro do associativismo
que leve em consideração a identidade cultural dos sujeitos que ali
vivem. Por isso, os protagonistas na dinâmica da educação popular
e não formal, são considerados sujeitos em construção e evolução
para a emancipação. No entanto, aos sujeitos é cabível a prerrogativa
de perguntar quem são as pessoas com as quais compartilham expe-
riências de vida durante esse trabalho coletivo/formativo, haja vista
que esses sujeitos têm sua identidade e sua história também. Por isso
que esses pequenos produtores e agricultores que produzem a partir
de forma agroecológica no associativismo, devem perceber o quanto
é importante assumir sua história para que então, possam descobrir
a pessoa que está por trás desse trabalho como princípio educativo,
conheçam sua história, respeitem suas diversidades e seus direitos
(ARROYO; CALDART; MOLINA, 2011).
A concepção de associativismo se deu com os interesses comuns
a partir de iniciativas de cooperação, esse sistema de trabalho cole-
tivo, porém, somente a partir de 1990 é que as discussões ganharam
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Educação popular e agroecologia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

consistência através da perspectiva do desenvolvimento local e social


sob novas concepções e ideias as quais emergiram da concepção de
sustentabilidade. Ou seja, o conceito tradicional de desenvolvimento
deu lugar ao conceito de desenvolvimento local, associado aos adjeti-
vos de integrado e sustentável. Os fatores responsáveis por esta mu-
dança de paradigma são múltiplos e estão situados tanto no contexto
nacional como no internacional, abrangendo variáveis econômicas,
culturais, políticas, sociais e ambientais.
Frantz (2002) afirma que o associativismo é caminho para des-
envolver ações coletivas em prol dos benefícios sociais, não signifi-
ca seguir um rumo previamente inscrito na vida social, mas exige a
construção das próprias condições dessa vida pelo trabalho desen-
volvido na comunidade. No processo do desenvolvimento local é im-
prescindível o reconhecimento da multiplicidade e diversidade das
potencialidades humanas.
E, ao associar o debate relacionado à educação aos problemas e
necessidades presentes no conjunto da sociedade, sobretudo entre os
trabalhadores, isto produz entre os mesmos um novo entendimento
relacionado à educação, pois ela passa a ser vista também como pos-
sibilidade de tencionar a realidade objetiva no sentido de construir
os questionamentos capazes de compreender a educação como prá-
tica social. Prática esta que, conforme Paludo (2001), está inserida e
tem seus vínculos com o contexto geral, mas se faz no cotidiano vi-
vido pelas pessoas concretas. A educação como prática social estabe-
lecida, é um espaço fundamental de produção individual e coletiva
de significados que tenham como perspectivas a intervenção na vida
objetiva e subjetiva dos homens, servindo como instrumento de lei-
tura, análise e intervenção na realidade, concretizando no cotidiano
vivido a formação do homem omnilateral e de uma outra concepção
de mundo.
O associativismo na comunidade de Pau Branco, começou a des-
encadear, de fato, a partir de 2008 com a participação coletiva dos
associados ao acessarem o Programa de Aquisição de Alimentos –
PAA, também o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE
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e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –


PRONAF. Com esses programas na Associação dos Pequenos Produ-
tores Rurais de Pau Branco – APAB, Moreira (2019, p. 10) afirma que,

A emancipação política de uma sociedade tem tornado atores impor-


tantes para cobrar dos governantes a inserção de políticas públicas
voltadas para a agricultura familiar e para os aspectos de uma pro-
dução agroecológica que contribua para a cultura desses pequenos
produtores que residem naquele local.

Diante do atual contexto, o associativismo é uma porta de entra-


da para o fortalecimento da agricultura familiar no país, por reduzir
custos, beneficiar a logística e o acesso ao mercado consumidor de
forma democrática e solidária. E, se no campo a união faz a força no
campo, essa relevância é ainda maior em trabalhos coletivos. Nessa
primazia, a APAB, vem acessando as políticas públicas e um trabalho
de sócios que sabem organizar o tempo na associação e dentro da
programação familiar que tem sido importante na renda, na capaci-
tação e formação dessas pessoas e visando também uma comunida-
de coletiva, mais humana e igualitária.
O surgimento da APAB deu-se quando um grupo de pessoas da
comunidade, ao sentir a necessidade de criar a Associação, reuniu-se
em 13 de maio de 1989, na escola da referida comunidade para dis-
cutir e fundá-la na comunidade. Nesse mesmo dia foi registrada a
Ata da primeira Assembleia Geral de fundação e, posteriormente,
a eleição para a diretoria e o Conselho Fiscal da APAB (MOREIRA,
2019).
Atualmente, a Associação possui 105 integrantes vinculados às
atividades desta. As principais fontes de renda das famílias se cons-
tituem na base da pecuária, agricultura e beneficiamento de alimen-
tos, os produtos são derivados da horticultura como cebolinha, rú-
cula, coentro e alface, além de doces, bolos de mandioca, bolos de
milho, pão, biscoitos, polpas de frutas e farinha, de base agroecoló-
gica. O trabalho organizado na cooperação gera um mecanismo de-
mocrático e autogerenciado por interesses sociais e emancipatórios.
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Educação popular e agroecologia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Com isso, conclui que nunca foi fácil e nunca será, mas as organi-
zações coletivas demostram potencial de desorganizar a estrutura
dos interesses exploratórios do capitalismo.

Caminhos metodológicos da pesquisa

Para a realização dessa pesquisa, partimos dos pressupostos e da


linha de pensamento do método Materialismo Histórico Dialético –
MHD, e sobre isto Spirkine; Yakhot (1975b, p. 9) afirmam que “A his-
tória da sociedade se distingue da história da natureza, em primeiro
lugar, pelo facto de que a primeira é feita pelos homens enquanto
ninguém faz a segunda”. Às análises dos dados da pesquisa, conside-
ra-se que a “essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo in-
adequado, parcial ou apenas sob ângulos e aspectos. O fenômeno in-
dica algo que não é ele mesmo e vive apenas graças a seu contrário”,
considerando o fato que de “a essência se manifesta no fenômeno”
(KOSIK, 1997, p. 11).
A APAB está localizada na comunidade de Pau Branco, no muni-
cípio de Riacho de Santana - BA, no Território de Identidade Velho
Chico - Oeste baiano. A comunidade de Pau Branco está, aproxima-
damente a 15 km de distância da sede do município. Suas ações se
norteiam principalmente em atividades advindas da criação bovina,
da agricultura familiar e os trabalhos desenvolvidos nos espaços da
APAB se organizam em torno da defesa dos direitos sociais dos pe-
quenos agricultores e associados. A primeira reunião da APAB para
discutir a sua fundação aconteceu no dia 13 de maio de 1989, na es-
cola da comunidade de Pau Branco. Diante dos fatos, no mesmo dia
foi registrada a Ata da primeira Assembleia Geral de fundação e, pos-
teriormente, a eleição para a diretoria e o Conselho Fiscal da APAB.
Após a fundação da APAB, sua organicidade e gerenciamento
partiu dos seguintes princípios: atender as necessidades dos peque-
nos produtores e das famílias para possibilitar acesso as Políticas
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Públicas como o PAA e o PNAE, para o crescimento e os avanços dos


associados daquela localidade, considerando a diversidade cultural,
econômica e social, sem se falar das experiências e as especificida-
des de organizações coletivas, e contribuindo para o processo de
formação e das capacitações adquiridas em grupos sociais, as pro-
duções agroecológicas, as lutas pelos movimentos sociais e a edu-
cação popular.
A presente pesquisa se fundamentou na abordagem metodológi-
ca qualiquanti e teve como objetivos, a princípio, a aquisição de da-
dos e, a posteriori o seu entendimento, a fim de expandir novos olha-
res e possíveis descobertas. Segundo Andrade (1999), a metodologia é
o conjunto de métodos ou caminhos que são percorridos na busca do
conhecimento. Partindo desse pensamento, é visto que a pesquisa é
compreendida como uma maneira de se estudar com mais afinco a
questão focada neste trabalho
Segundo Gil (2007, p. 17), pesquisa é definida como o

[...] procedimento racional e sistemático que tem como objetivo pro-


porcionar respostas aos problemas que são propostos. A pesquisa
desenvolve-se por um processo constituído de várias fases, desde a
formulação do problema até a apresentação e discussão dos resul-
tados.

As coletas de dados ocorreram por meio de questionário com só-


cios projetistas, a fim de identificar as práticas coletivas a partir de
um viés agroecológico e a educação popular na APAB, do município
de Riacho de Santana-BA e teve como objetivos:
01) Analisar práticas coletivas e educativas na APAB;
02) Observar a organicidade das famílias em relação ao trabalho
na Associação;
03) Identificar as práticas populares e na perspectiva da agroeco-
logia; e
04) Verificar as vivências/experiências desses sujeitos no
associativismo.

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Educação popular e agroecologia
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O referido estudo, teve como partícipes, os(as) sujeitos envolvi-


dos(as) na formação, política, coletiva e humana no espaço da APAB
no município de Riacho de Santana, Bahia. Na Tabela 1, abaixo, segue
o perfil breve dos(as) respondentes:

Tabela 1. Perfil dos(as) entrevistados(as)

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados da APAB, 2019.

Diante das informações dos sujeitos na Tabela 1, é importante sa-


lientar que o questionário é um instrumento composto de um con-
junto de perguntas ordenadas de acordo com um critério predeter-
minado, que deve ser respondido sem a presença do entrevistador
(MARCONI; LAKATOS, 1999, p. 100), e que tem por objetivo coletar
dados de um grupo de respondentes.

Educação do Campo e Educação Popular: Um projeto social

No Brasil, a Educação Popular é evidenciada mais fortemente a


partir do pensamento de Paulo Freire, porém ela é marca das resis-
tências populares ao longo dos tempos como bem enfatiza Paludo
(2001). A autora assevera que a resistência pode ser ressaltada desde
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as revoltas dos escravos na luta por libertação, as resistências cam-


ponesas, as experiências comunistas e anarquistas, enfim, até vários
processos de lutas sociais. Desse modo, concebemos que essa con-
cepção de educação está presente em vários espaços populares, com
enfoques diferenciados no Movimento de Mulheres Camponesas,
embora, talvez não se teorize muito sobre o assunto.
A Educação do Campo e Popular, neste contexto, encontra cam-
po fecundo para constituir-se como teoria social, tendo o educador
Paulo Freire papel fundamental na sistematização de tal concepção,
que conforme Saviani (2008, p. 319), constituiu-se como “A expressão
mais acabada da orientação seguida por esses movimentos e que
maior repercussão teve no país e no exterior [...]”. Apontado a indisso-
ciabilidade entre o político e o pedagógico; a não neutralidade; a não
ingenuidade; a sua característica histórica; a sua vinculação com um
projeto de desenvolvimento nacional e popular; apostando na orga-
nização popular como campo de atuação.
Em meados da década de 1980, a Educação Popular alcança seu
auge como concepção pedagógica, assume o método de Paulo Freire
como método de trabalho, com o qual as pastorais progressistas da
Igreja, Organizações Não Governamentais – ONG‐s, Sindicatos, Par-
tidos de Esquerda e Movimentos Sociais Populares comprometidos
com a transformação, buscam na efetivação prática, a partir da re-
flexão, contribuir para a solução dos problemas sociais.
O momento histórico de luta pela redemocratização também
impulsionou a ampliação da Educação Popular. Em 1989, com as
eleições presidenciais diretas, na qual a classe trabalhadora, identi-
ficando aqui, todas as forças populares que desde a Proclamação da
República vinham trabalhando na perspectiva de um projeto nacio-
nal popular de desenvolvimento, unifica-se sob a égide da estrela do
Partido dos Trabalhadores para a concretização de tal projeto.
Essas questões remetem a diferentes formas de sobrevivência e
uma delas é o associativismo como garantia de direitos sociais fun-
damentais e de extrema relevância no mundo contemporâneo. Con-
siderando a configuração histórica da Educação Popular no Brasil, e
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Educação popular e agroecologia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

sua condição de concepção pedagógica, pode-se constatar conforme


considerações de Paludo (2001, p. 85) que:

A emergência da concepção de Educação Popular pode e deve ser as-


sociada ao fato de as classes populares existirem e às suas condições
de vida; às opções que as elites tiveram de rumos para o desenvol-
vimento do Brasil; ao movimento internacional dos trabalhadores;
às ideias pedagógicas predominantes num determinado período; ao
desejo e esperança de construção de um mundo melhor; e às possibi-
lidades de, via educação, contribuir para a emancipação das classes
subalternas e para a sua entrada no cenário político.

Ao resgatar o contexto de constituição da Educação Popular como


concepção pedagógica, busca-se identificar uma possível vinculação
desta com a luta por uma Educação do Campo. O que permitirá com-
preender os princípios da Educação Popular como determinantes
da luta e constituição da Educação do Campo, pois ao assumirem tal
demanda, os povos do campo, através dos Movimentos Sociais Popu-
lares do Campo, firmam-se em suas diversas experiências formativas
no sentido de se contraporem à Educação Rural, vinculando à dis-
cussão do direito à educação, a necessidade também de discutir qual
educação seria esta.
Sendo assim, está posto um importante marco para compreender
a constituição da luta por uma Educação do Campo no Brasil. Esse
marco gira em torno da questão: qual educação está sendo pleiteada
pelos povos do campo? Sendo que as diferentes experiências que, no
final da década de 1990, dão fôlego para que os Movimentos Sociais
Populares do Campo se articulem e pautem a Educação do Campo na
agenda educacional brasileira, como identificado, vêm se construin-
do historicamente, com uma vinculação intrínseca à concepção de
Educação Popular.
A gênese da Educação Popular está nos movimentos operários do
início do século XX; nas mobilizações e nos movimentos de massas
quando da possibilidade de reformas estruturais de base; sob os di-
tames dos governos militares, durante a articulação de resistência e
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confronto ao regime ditatorial; no movimento de redemocratização,


que possibilita a retomada do sindicalismo combativo e o surgimen-
to dos Movimentos Sociais Populares comprometidos com a trans-
formação, que intensificam sua atuação também no campo da edu-
cação, a partir da formação e escolarização de seus quadros e de suas
bases. Sendo que essa atuação está intimamente ligada aos processos
desenvolvidos no âmbito da Educação Popular.
O movimento pela Educação Popular e do Campo nasce a partir
das condições de “desumanização” no modo de vida desse espaço,
em que “em que o homem simples, minimizado e sem consciência
desta minimização, era (é) mais ‘coisa’ que homem mesmo” (FREIRE,
1999, p. 43).
Essa proposta de educação vislumbra a valorização dos sujeitos
e de suas culturas por ser uma proposta que transcende a questão
da localização geográfica, pois de acordo com Fernandes (ARROYO,
CALDART, MOLINA, 2009), é um conceito cunhado com a preocu-
pação de se delimitar um território teórico e prático de defesa do
direito que uma população tem de pensar o mundo a partir do seu
lugar, de suas práticas e de suas relações, reconhecendo suas especi-
ficidades. É uma proposta de educação pensada desde o ponto de vis-
ta dos camponeses, enquanto processo universal de formação huma-
na, na particularidade, mediante a realidade de sujeitos específicos,
em tempo e espaço definidos, uma educação construída mediante a
realidade objetiva e simbólica de seus agentes.
Desta forma, pode-se afirmar a possibilidade da Educação do
Campo, na perspectiva da Educação Popular, ser considerada no sen-
tido de uma educação do povo, pelo povo e para o povo (SAVIANI,
2008). Essa afirmação leva-nos a compreender a Educação do Cam-
po como uma prática educativa que se propõem a ser diferenciada,
isto é, compromissada com os interesses e a emancipação das classes
subalternas (PALUDO, 2001), neste caso, a classe trabalhadora que
vive no campo, e tem sofrido na pele as marcas da opressão, discri-
minação e exploração impostas pelo capital, também e inclusive, no
que se refere ao seu não acesso à educação.
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Educação popular e agroecologia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

A educação moderna produzida pela burguesia está reduzida aos


processos escolares, negando os aprendizados da experiência, da
cultura e do trabalho coletivo de um povo lutador. A finalidade a que
nos propomos é levantar elementos para construir a concepção de
educação não formal resgatando sua relação com o mundo do tra-
balho, no qual se constituem esses sujeitos politizados que, nas suas
práticas sociais e pedagógicas (MOREIRA, 2019).
Sendo assim, pode-se fixar como marco, o vínculo intrínseco en-
tre a luta por uma Educação do Campo e a Educação Popular. Pois a
Educação do Campo vem se materializando como uma maneira de
ocupar espaços de educação formal. Tendo por base a concepção e
o fazer educativo da Educação Popular, avançando e tencionando
a esfera da política pública, tanto no aspecto político, assim como,
no didático-pedagógico, e através dele, garantindo sua incidência de
forma direta em processos educativos formais.

Agricultura Familiar e Agroecologia: Políticas Públicas na


APAB

Quanto as Políticas Públicas na APAB do município de Riacho de


Santana vêm se desenvolvendo no seu planejamento e organicidade,
é necessário compreender que os programas PAA e PNAE estão dire-
tamente ligados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agri-
cultura Familiar (PRONAF).
Com o PRONAF, as políticas voltadas para a agricultura fami-
liar experimentaram crescimento expressivo, ampliando seu es-
copo e escala (SANTOS, 2011). Nesse momento ocorreram também
importantes conquistas institucionais, principalmente a partir da
criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em 1999.
Nos governos Lula (2003-2010) foram criadas várias políticas sociais
articuladas com outros ministérios, ganhando destaque o PAA, a

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reformulação do PNAE, e outras ações de desenvolvimento rural que


buscam o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar.
Diante de tal contexto, Abramovay (2006) afirma que a valo-
rização da agricultura familiar no país foi pautada a partir de três
planos distintos. O primeiro diz respeito ao plano intelectual, devido
ao surgimento de diversos estudos e pesquisas que permitiram estra-
tificar e capturar toda a heterogeneidade da agricultura familiar no
país, bem como avaliar a sua relevância socioeconômica. O segundo
plano é o das políticas públicas, principalmente após o lançamento
do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar -
PRONAF e a intensificação dos projetos de assentamentos de refor-
ma agrária durante a década de 1990.
Estas e outras políticas foram responsáveis pela geração de novas
oportunidades de ocupação e negócios no campo a milhares de famí-
lias. No plano social, por último, a agricultura familiar corresponde
a um conjunto de forças organizadas em movimentos sociais e sin-
dicatos cuja principal bandeira de luta é a afirmação da viabilidade
econômica da produção familiar.
O PRONAF, instituído em 1996 por meio do Decreto nº 1.946, foi
planejado e implementado com base em uma discussão na qual se
inseriu uma ampla rede de organizações, envolvendo diversas esca-
las governamentais, organizações não governamentais (ONGs), mo-
vimentos sociais, dentre outros atores. Em seu desenho institucional
inicial, o PRONAF foi organizado em três linhas distintas: i) Crédito,
linha esta que, desde o início do programa, foi a principal em ter-
mos de volume de recursos (mais de 90% do total); ii) Infraestrutura
e Serviços Municipais, que a partir de 2003 passou a ser deliberada
em âmbito territorial; e iii) Capacitação, que perdeu sua importância
atualmente.
O PAA foi criado em 2003 por meio da Lei nº. 10.696, com a fi-
nalidade de incentivar a agricultura familiar, compreendendo ações
vinculadas à distribuição de produtos agropecuários para pessoas
em situação de insegurança alimentar e à formação de estoques es-
tratégicos. Esse representou uma oportunidade para os agricultores
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Educação popular e agroecologia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

familiares comercializarem a produção ao preço normalmente pago


pelos equipamentos públicos (escolas, hospitais, etc.) aos interme-
diários, eliminando esse agente. Há diversos estudos que relatam a
inclusão de atores sociais mais excluídos como assentados de refor-
ma agrária no PAA, ou seja, é uma política que tem uma função de
fornecer renda aos agricultores familiares, especialmente aos excluí-
dos dos mercados.
A Lei nº. 11.947/2009 determina que 30% dos recursos repassados
pelo Governo Federal por meio do Fundo Nacional de Desenvolvi-
mento da Educação (FNDE) devem ser utilizados para compras da
agricultura familiar. No Brasil, os 30% representam cerca de 1 bilhão
de reais. As compras, em grande parte, são realizadas pelos estados
e municípios por meio das chamadas públicas com preços defini-
dos nos mercados locais. Isso representa uma grande oportunidade
de inserção dos agricultores familiares nos mercados locais, assim
como, nas grandes cidades.

Associativismo e Autogestão

Para conceituar o associativismo e sua organicidade, a autogestão


tem sido exposta com bastante precisão na literatura (GUILLERM;
BOURDET, 1976), indicando suas características essenciais ou deter-
minantes. A definição de autogestão deve ser compreendida, neste
sentido, não em sua concretude empírica, mas como negação da he-
terogestão. No entanto, o conceito de autogestão vem sendo aplicado
indistintamente para referir processos de gestão que, embora ten-
ham determinadas características autogestionárias, não observam
completamente todos os elementos constitutivos essenciais de uma
autogestão, ou seja, não se constituem em negação absoluta da hete-
rogestão, em sua oposição (MOREIRA; SANTOS; LUCENA, 2021).
É necessário compreender que a autogestão no associativismo, é
um projeto de superação do modo capitalista de produção, destrói a
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noção de economia atrelada ao lucro, à exploração e à dominação


(MOREIRA; SANTOS; LUCENA, 2021). A autogestão social não é nem
uma mera extensão da democracia representativa formal a todas as
esferas da sociedade, nem uma democracia ou gestão participativa,
tampouco uma correção dos princípios centralizadores da democra-
cia popular (FARIA, 2009).
Nessa perspectiva sobre a organização do trabalho associado,
conforme afirma Marx (1977), a forma particular e singular de or-
ganizar coletivamente e de maneira associada à produção de mer-
cadorias que circularão no mercado capitalista. Quando inserida no
modo de produção capitalista, as associações do município de Ria-
cho de Santana se estruturam na direção contrária às formas hetero-
geridas da organização capitalista de trabalho.
Diante do atual contexto hegemônico atual, marcado pela simul-
taneidade de um expressivo avanço tecnológico ao lado de um con-
junto de desafios societais - estes advindos de uma produção proble-
mática de riqueza, na qual persistem a desigualdade social, as crises
econômicas, o desperdício mercantil e a degradação dos ecossiste-
mas - a construção de alternativas sistêmico-organizacionais que
possibilitam reverter esse quadro torna-se uma necessidade cada vez
mais evidente, possibilitando assim o funcionamento efetivamen-
te sustentável e durador do metabolismo social entre os humanos
(MÉSZÁROS, 2002; HARVEY, 2011).

Análises dos dados da pesquisa

Para compreender e analisar a Agroecologia e a Educação Po-


pular em consonância com o Associativismo, a partir de sua orga-
nicidade como a importância do trabalho coletivo/cooperativo em
um novo conceito de educar na comunidade de Pau Branco no mu-
nicípio de Riacho de Santana - BA, a coleta de dados da pesquisa se
deu por questionário com a direção, três famílias selecionadas que
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conhece todo processo histórico da Associação, de sua fundação aos


dias atuais, duas representantes da sociedade civil de Riacho de San-
tana e o elaborador de projetos que elaborou as propostas para exe-
cução de alguns programas como o PAA e o PNAE. A pesquisa teve
um recorte de 2015 a 2019 para analisar as ações do trabalho coope-
rativo/coletividade e o gerenciamento desse trabalho em grupo.
Importante destacar que o associativismo na APAB e o conceito
de educar como um projeto novo, na perspectiva da produção coleti-
va e solidária, ao confrontá-lo com o conceito de economia solidária,
autointitulado como uma nova forma de produzir, na perspectiva da
sustentabilidade, da agroecologia e da educação do campo como um
viés voltado para a agricultura familiar e o pequeno produtor que
trabalha no campo. Para isso, o trabalhador do campo propôs a ado-
tar práticas que envolvam a sociedade e que estes estejam dispostos a
lutar ao lado dos povos do campo por melhores condições de vida no
campo (GHEDIN; NASCIMENTO; SANTOS, 2012).
O caráter associativo desses empreendimentos não confere qual-
quer garantia de contraposição às regras operacionais da estrutura
capitalista (MÉSZÁROS, 2002). Nesse sentido, a APAB vem articulan-
do dentro do seu espaço o conceito de associativismo que está rela-
cionado à utilização de métodos e técnicas específicas de trabalho
capazes de estimular a cooperação, coletividade, autoconfiança,
exercitar a ajuda mútua entre os participantes, estimular a parceria,
fortalecer o capital humano, melhorar a qualidade de vida, apoiar
ações de produção e comercialização coletivas, o saber popular, a
educação não formal e outras características que incorporam dentro
da APAB.

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Quadro 1 - Informações básicas sobre a Associação de Pau Branco

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados da Gestão APAB, (2019).

As análises dos dados no contexto da APAB evidenciam que o


protagonismo feminino tem destaque forte pela prestação de ser-
viço com qualidade, pois elas passaram a se dedicar diretamente aos
projetos que visam o desenvolvimento social e humano, por meio de
ações que promovem a autoestima, autonomia, melhores condições
de vida, cidadania, respeito à pluralidade, igualdade de oportunida-
des e inclusão social. Foi uma conquista importante das mulheres
na APAB, uma vez que elas mostraram o potencial adquirido nas di-
versas atividades que foram aparecendo ao longo dos anos na APAB.

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Tabela 2. Dados sobre o PAA na APAB

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados da Gestão APAB (2019).

Quanto ao que se refere as políticas públicas e o Programa


de Aquisição de Alimentos – PAA, que foi aprovado em 2015 na APAB,
os números apresentam um valor considerável do projeto aprova-
do e executado pela associação. É importante frisar que foi um ano
em que APAB teve o maior projeto aprovado financeiramente, isso
mostra como o associativismo foi fundamental para a referida as-
sociação da comunidade de Pau Branco que ajudou na renda fami-
liar desses pequenos agricultores e emanciparam nas suas ativida-
des organizativas e produzindo os alimentos de forma sustentável e
agroecológica.

Dados da pesquisa coletados por meio dos questionários


aplicados na APAB

Algumas associações têm sido destaque no município de Riacho


de Santana pelo trabalho que a população vem desenvolvendo, com
um viés para a educação não formal de forma solidária, um projeto
social. Ao investigarmos a organicidade da Associação dos Pequenos
Produtores Rurais de Pau Branco – APAB, percebemos que nos últi-
mos anos, esta Associação tem sido destaque no município de Ria-
cho de Santana, de modo a gerir e organizar esse trabalho popular e
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social, garantindo a permanência dos seus membros nesses espaços.


Partindo dessas premissas, além da APAB, algumas pessoas da so-
ciedade civil se dedicam para que esse trabalho que tem ajudado a
comunidade de Pau Branco aconteça, a exemplo do projetista que
elabora os projetos da associação mais uma vereadora do município
de Riacho de Santana/BA e também uma funcionária da Secretária
de Desenvolvimento Rural – SDR da Bahia.
Quando questionamos a direção sobre o trabalho que vem con-
duzindo, além das responsabilidades com seus associados, “Quais
foram as maiores conquistas que associação teve nos últimos anos?”
a presidente que atuou em 2018 respondeu:

Podemos observar que nos últimos 5 anos, as maiores conquistas


foram: construção da fábrica com parte do recurso federal e outra
parte de recurso próprio da instituição; aquisição de trator e imple-
mentos agrícolas; vendas para o PNAE, PAA, prefeitura de Riacho de
Santana e fomos contemplados nos últimos meses com projetos da
Bahia Produtiva pelo governo do estado da Bahia (PRESIDENTE DA
APAB, GESTÃO DE 2019).

Outra questão foi a feita uma vereadora municipal: Qual é a ma-


neira mais eficaz você deixa para que as associações possam desen-
volver significativamente no sentido de contribuir para a formação
humana dos sócios, bem como, ajudar na renda familiar? A verea-
dora do município de Riacho de Santana respondeu da seguinte
maneira:

Em primeiro lugar que todos(as) associados(as) passem por uma


formação para que compreendam o associativismo e vivam o sen-
timento de pertença. Depois passem a desenvolver atividades cole-
tivas como hortas comunitárias, ainda que para o consumo, criação
de galinhas, viveiros comunitários, mutirões para trabalharem as
lavouras como antes faziam, creio que são ações que fortalecerão o
associativismo local ajudando também na renda familiar. Só para
ilustrar, em reunião com a associação de Paus Preto de Vesperina no
sábado 16 de fevereiro 2019, às pessoas cobraram o trabalho coletivo
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que a Associação deixou de fazer (VEREADORA DO MUNICÍPIO DE


RIACHO DE SANTANA, 2019).

É perceptível a diversidade dos produtos oriundos da agricultura


familiar das propriedades do campo/local e a capacidade de trabal-
har de forma coletiva e estratégica, permitem que os sócios projetis-
tas da APAB possam produzir de forma expressiva e de qualidade
os alimentos para serem entregues às entidades do município de
Riacho de Santana, via PAA e PNAE. Lembrando que uma boa as-
sociação é atribuída esse espaço para o exercício da democracia, de
conquista de direitos, da mesma forma que a fábrica foi o espaço de
luta e conquista dos direitos sociais dos trabalhadores.
Já a secretaria da SDR, disse a seguinte mensagem sobre a APAB:

Um outro ciclo que culminou na constituição de um grande número


de associações (na década de 1990 a 2000 mais ou menos), foi com a
expansão da política de crédito rural, com financiamento pelo Ban-
co do Nordeste, de projetos produtivos para associações rurais. Com
isso foi liderado no município, um grande movimento para a criação
de associações de produtores rurais com a finalidade exclusiva (com
raras exceções), de acesso aos financiamentos de crédito rural. Vale
ressaltar que devido a falta de objetivos claros e maior solidez no pro-
cesso de constituição dessas associações, a maioria acessaram os cré-
ditos, e sem experiência em gestão (de associativismo ou do próprio
crédito), não evoluíram, não aplicaram de forma adequada os em-
préstimos, se endividaram juntamente com seus sócios, vindo diluir
posteriormente (FUNCIONÁRIA SDR, 2019).

Importante destacar que os associados na APAB, tiveram mais


facilidade de acessar os créditos nos bancos a partir do documento
de comprovação de pertencimento a Associação, uma vez que estas
instituições financeiras entendem que as pessoas vinculadas a um
órgão importante que são as associações, potencializam e fortale-
cem os investimentos na agricultura familiar e nas propriedades
agrícolas.
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Já quando consultamos o Elaborador de Projetos (2019), como


funciona o associativismo e metas para o crescimento, ele ressaltou:
“definir como estratégia empreendedora, visão e negócio dentro das
ações focadas na sustentabilidade, com base nos princípios da Agro-
ecologia, Economia Solidária e se articulando em redes solidárias de
comercialização dentro do município”. Nessa análise, a construção
de uma cultura cívica parece tencionar e motivar a participação da
sociedade civil nas questões públicas e, por conseguinte, a melhoria
do desempenho dos governos.
Ao perguntar as famílias da APAB sobre o trabalho desenvolvidos
a partir da agricultura familiar, agroecologia e os programas do Go-
verno Federal, estas responderam:

Como a base do sustento das famílias da região é através da agricul-


tura familiar, o que ganhamos na APAB é para o sustento e o pouco
que sobra é para investimos nas nossas propriedades que trabalho
que é na perspectiva da agricultura familiar, na produção de horta-
liças, de frutas e também nós criamos de animais [sic] em específi-
co, os bovinos (FAMÍLIA B, 2019). As motivações dos produtores
para a permanência na associação são a sobrevivência das
rendas via grupo e a conquista de financiamentos facilita-
dos pelo Governo Federal quando feitos coletivamente. Outro
aspecto importante também é a existência de uma educação
não formal e com a preocupação ambiental entre os associa-
dos, sendo esta uma das pautas da associação e de sua cultura
local. No entanto, verificou-se que a maior parte dos produ-
tores-associados, produzem alimentos agroecológicos, sem o
uso de agrotóxicos e as atividades participativas/coletivas da
associação e a representação que os indivíduos têm de si mes-
mo e de suas práticas (FAMÍLIA A, 2019).

Percebemos várias conquistas e os avanços através das famílias


que trabalham na APAB, a partir do saber popular, de uma pro-
dução agroecológica e sustentável. Diante das constatações, bus-
camos compreender como a Associação vem se organizando e se
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autogerindo com as implementações do PAA, PNAE e PRONAF junto


ao Poder Público. Nesse tocante, a organização da APAB funciona
como alternativa de produção sustentável nesses espaços coopera-
tivos e, por conseguinte, um componente das estratégias da repro-
dução social dos pequenos produtores rurais que têm o trabalho fa-
miliar como centralidade da condução do processo (re)produção das
condições materiais de sua existência no espaço do campo de forma
solidária (MOREIRA; SANTOS; LUCENA, 2021).
No desenvolvimento das experiências do saber popular e agro-
ecológicas na APAB, foi possível examinar a reapropriação dos sa-
beres na medida em que os associados coletivamente vão se dando
conta de que fazendo juntas as ações, ou debatendo sobre e no deco-
rrer das práticas conseguem, não apenas (re)lembrar muitas coisas
que até então, pareciam esquecidas, a exemplo da apropriação dos
saberes implícitos no fazer. Além disso, conseguem perceber que não
é um só jeito que funciona na agroecologia, é nessa reapropriação e
reinvenção que está a riqueza da continuidade das práticas com as
atividades agrícolas na comunidade.
As práticas agroecológicas contrastam com a forma “convencio-
nal” de fazer agricultura, pois não são compatíveis, visto que os sis-
temas agroecológicos não se viabilizam em solos contaminados com
adubos químicos e agrotóxicos, necessitando de persistência para a
recuperação do solo e das águas já contaminadas. Desse modo, os as-
sociados investigados persistiram em fazer e comprovar a potência
do trabalho local, que ainda se pode desenvolver aquilo que a maio-
ria diz não ser viável, tratando‐se de uma cultura rebelde, para pa-
rafrasear Brandão e Assumpção (2009). A pesquisa indicou que em
seus fazeres e saberes culturais, os agricultores/camponeses davam
conta de que tais práticas não são românticas, fáceis e sem contra-
dições enfrentadas muitas vezes na vizinhança, na relação com com-
panheiros ou nas próprias famílias em alguns casos.

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Considerações Finais

O presente estudo buscou analisar a Educação Popular e Agroeco-


logia dentro da comunidade do Pau Branco, através das ações que
associação dos Pequenos Produtores rurais desenvolve na comuni-
dade. A referida associação foi fundada em 13 de maio de 1989, na
escola de Pau Branco, tendo como objetivos e reflexões a educação
não formal, as práticas formativas, as organizações e as relações de
trabalho e a relação popular e social.
A Educação Popular e a Agroecologia resgatam a relação dos agri-
cultores com os saberes culturais, já que os sistemas agrícolas estão
fortemente entrelaçados às questões ambientais, à organização so-
cial, valores, crenças, tecnologias disponíveis e percepções ambien-
tais dos atores/agentes/sujeitos envolvidos na APAB. Constatou-se,
ainda, que os entrevistados percebem os avanços das políticas públi-
cas envolvidos com a produção agroecológica, especialmente com as
práticas educativas de inserção diferenciada no processo de desen-
volvimento local mantendo a identidade das famílias agricultoras.
A meta maior dessa pesquisa foi salientar o potencial do associa-
tivismo e da Agroecologia, como elementos estimuladores ao desen-
volvimento na comunidade local e aptidões agropecuárias. Ainda
assim, buscamos discutir como a Associação vem se organizando
e autogerindo com as implementações dos principais programas
como o PAA, PNAE e PRONAF de 2015 a 2019 junto ao estado.
Nessa vertente, o planejamento, as ações do associativismo como
alternativa de produção sustentável e agroecológica nesses espaços
cooperativos e, por conseguinte, um componente estratégico de re-
produção social na comunidade e com centralidade da condução do
processo (re)produção das condições materiais de sua existência no
espaço do campo de coletiva e emancipatória.
Portanto, a APAB tem sido referência no âmbito local e regional
pelo trabalho desenvolvido nos últimos anos. O associativismo se
constitui uma força estratégica capaz de melhorar as condições de
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vida das pessoas, viabilizando maior participação social e estreitan-


do os laços entre a sociedade organizada e o poder público, sob todas
as suas dimensões, sendo assim, consideramos que o mesmo se inse-
re como alternativa da participação popular para o desenvolvimento
local e contribuindo para geração de emprego e renda desses peque-
nos produtores/agricultores.

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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

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A pandemia da Covid-19 nas Cooperativas


agropecuárias da Bahia

Gisélia Silva Leonardo e Alynson dos Santos Rocha

Introdução

Este capitulo tem como objetivo identificar e analisar impactos


da COVID-19 em cooperativas agropecuárias do estado da Bahia em
2021. Tais impactos são investigados a partir de um grupo de coope-
rativas selecionadas e atuantes no estado, uma vez que a COVID-19
trouxe mudanças em todos os setores da economia mundial, brasi-
leira e baiana, nos setores urbano e rural.
Inicialmente apresenta-se um breve retrospecto histórico e os no-
vos desafios do cooperativismo no mundo e no Brasil, centrando-se
na vertente agropecuária da atividade. Importante aqui reforçar
as peculiaridades geográficas, econômicas, sociais e culturais das
regiões brasileiras. Neste sentido, diante dessas particularidades
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regionais que explicam quase a totalidade dos diferentes tipos e


atuações das cooperativas, os dados sobre os diferentes ramos de
cooperativas no Brasil tornam clara a dimensão e a importância da
atividade no país. Tem-se a análise dos ramos de cooperativas por
região, tornando possível notar suas maiores concentrações. Para
além desses números, é de suma importância apresentar, também,
quais as áreas de atuação e subgrupos da atividade. Destaca-se neste
ponto as cooperativas agropecuárias em escala nacional, regional e
na Bahia, discorrendo sobre as especificidades da atividade nas dife-
rentes escalas.
Foram selecionadas quatro cooperativas em regiões distintas do
estado da Bahia, buscando observar como a diversidade e a especi-
ficidade regional e de atuação refletiram nos efeitos da pandemia.
Incorporam-se depoimentos de gestores e demais informantes-cha-
ve das cooperativas, sobre os respectivos processos comerciais e as
relações de trabalho, traçando pontos que vão desde a relação com
o produtor até as medidas adotadas para o enfrentamento a pande-
mia. Ao explanar as maneiras como a pandemia alterou as rotinas
de trabalho das cooperativas, se fez necessário explicar como a ati-
vidade funciona de maneira prática, tendo como referência uma das
cooperativas analisadas.
A parcela investigativa do conteúdo apresentado neste trabalho
foi realizada por meio de questionário composto por 6 (seis) pergun-
tas norteadoras diretamente relacionadas às atividades comerciais,
histórico das instituições e os efeitosefeitosda COVID-19 nas suas
respetivas rotinas de trabalho: 1) Quando e por que nasceu a coopera-
tiva? Havia algum objetivo central? 2) O que a cooperativa comercia-
liza e por quê comercializam?; 3) Antes da fundação da cooperativa,
qual era o destino (o que era feito) com a matéria prima utilizada
no produto que comercializado hoje?; 4) Sobre as técnicas e padrões
utilizados para a comercialização, de que forma funcionam? Qual
o destino dos produtos? Feiras, mercados, exportação?; 5) Durante
a pandemia de COVID-19, as técnicas utilizadas na comercialização
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A pandemia da Covid-19 nas Cooperativas agropecuárias da Bahia
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

mudaram? Se sim, de que forma?; 6) Quais as novas técnicas adota-


das para a comercialização diante da pandemia?
As questões foram respondidas de forma remota, uma vez que os
próprios deslocamentos pelo estado da Bahia estavam restringidos
ou mesmo impedidos pelas autoridades governamentais estaduais,
em virtude do agravamento da pandemia COVID-19 em 2021.
A intenção inicial, na etapa concernente à aplicação do ques-
tionário, era de realização das visitas in loco, contudo, as recomen-
dações no combate a pandemia, orientadas pela OMS, no período
que compreende o início e o final da pesquisa, restringiram essas
possibilidades, tornando inviável o deslocamento até as regiões.
Vale destacar, que as respostas apresentam pouca semelhança
entre si, bem como o condensado de informações, haja vista que os
integrantes da pesquisa, possuem diferentes áreas de formação e de
atuação dentro das instituições, bem como o tempo de experiência
profissional na cooperativa e, o mais importante, a distinção entre
cada uma das cooperativas investigadas.
Sendo assim, os impactos da pandemia observados apresentam
também especificidades de acordo com as diferentes localizações,
formas de atuação, produção e composição do quadro de cooperados
e de funcionários.
Entretanto pode-se afirmar que todas as cooperativas investiga-
das relataram alterações na condução de suas atividades, particular-
mente a etapa de comercialização, pela redução da base de clientes,
em virtude do encerramento de atividades desses pela pandemia.
Outras alterações versam sobre a utilização de tecnologias de comu-
nicação para a continuidade de parte dos trabalhos. Maior uso da in-
ternet, jornadas em home office e aplicativos de comunicação foram
as respostas mais comuns.

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Breve histórico: cooperativismo como atividade econômica e


social

O cooperativismo tem seus contornos definidos ainda no sécu-


lo XVIII na primeira fase da Revolução Industrial, a partir de ideais
propagados por Louis Blanc, Robert Owen, Charles Fourier, dentre
outros. O ideário inicial era de ajuda mútua, associativismo, autoges-
tão e igualdade. A partir do século XIX, o cooperativismo espalha-se
pelo continente europeu; só no período de 1826 a 1835, surgiram pelo
menos 250 cooperativas de consumo, das quais 50, só em Londres,
chegando em 1835 a um total de 300 cooperativas (OLIVEIRA; SAN-
TOS, 2012).
A primeira cooperativa criada no século XIX no subúrbio de Ro-
chdale no distrito de Manchester na Inglaterra (A Sociedade de Pro-
bos de Pioneiros de Rochdale ou Rochdale Quitable Pioneers Society
Limited, em inglês), nasce como alternativa às empresas capitalistas
e o regime exploratório de trabalho então vigente. Nesse regime,
para sobreviver, as famílias ofertantes da força de trabalho subme-
tiam-se a jornadas de trabalho exaustivas, em péssimas condições
de segurança e com salários o suficiente apenas para a subsistência.
Dessa forma, o movimento cooperativista surge a partir dos desdo-
bramentos da expansão do modo de produção capitalista.
O cooperativismo de acordo com os seus ideais, portanto, não
seria uma atividade com viés ideológico socialista e muito menos
capitalista, seria uma alternativa de organização da sociedade, onde
todos os integrantes possuem a mesma importância dentro da pro-
dução e que não se admite hierarquização. O formato inicial consti-
tui-se em modelo de organização de compra e venda (para consumo)
de mercadorias, que estocadas em grande quantidade poderiam ser
consumidas a preços mais acessíveis pelos cooperados. Ou seja, tra-
ta-se de uma nova forma de luta dos trabalhadores, de minimização
dos efeitosefeitosdiante das transformações sociais, econômicas e

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

mesmo culturais que o mundo atravessava, como afirma Schneider


(1999).
Em 1835 em Genebra, Suíça, realizou-se o movimento Aliança
Cooperativa que fortaleceu os preceitos do cooperativismo, dentre
eles a gestão democrática, a adesão voluntária e livre dos seus inte-
grantes, a educação e formação dos cooperados, participação econô-
mica dos cooperados na criação e no controle o capital. São preceitos
que perduram ao longo das décadas, presentes em diversas coopera-
tivas no século XXI.
É interessante notar que o cooperativismo constitui-se em uma
nova etapa do processo de desenvolvimento das forças sociais e
econômicas que o mundo passava em finais do século XVIII. A eco-
nomia na Idade Média pré-capitalista, então corporativista, com as
famosas corporações de ofício, cede espaço para a apropriação dos
meios de produção pelo empresário capitalista. No seu intuito de
maiores lucros, segue-se a exploração crescente dos trabalhadores.
Estes reagem, buscando alternativas e o enfrentamento dessa si-
tuação adversa. Emerge o cooperativismo (SOUZA et al., 2007).
Note-se que, embora de origem essencialmente urbana (ligada
aos desdobramentos do processo de industrialização crescente) o
movimento cooperativista também se torna essencial nas atividades
rurais. No entanto, no campo, as cooperativas ganham espaço ini-
cialmente como proposição de grandes proprietários das unidades
produtivas, em virtude do desconhecimento, desarticulação e não
organização política do camponês. Importante frisar que, para os
agricultores, o cooperativismo pode ser o contraponto à trajetória
geralmente seguida pelo capital no mundo rural, que inicialmente
privilegia segmentos à montante e à jusante da produção primária
(lavouras e criações). Destacam-se a produção de insumos, máqui-
nas e equipamentos, como segmento à montante; a logística, distri-
buição e comercialização dos produtos, como segmentos à jusante
da produção primária. O cooperativismo assume um caráter de re-
sistência do agricultor diante desses e de outros desafios estruturais
– concepção, ideologização e tendências – da atividade produtiva. É
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uma forma de convivência e não antagonismo com o capitalismo


vigente, buscando incrementar a produtividade (notadamente nas
unidades de natureza camponesa e/ou familiar) e de integração pro-
dutiva (LAUSCHNER, 1994).
Dessa forma, a cooperativa agropecuária reforça as prerrogati-
vas de eliminação do caráter exploratório da força de trabalho nas
unidades produtivas; de compra e venda em conjunto da produção,
ampliando a capacidade de negociação e dos termos de troca; e de re-
partição dos resultados em benefício do cooperado e de sua família.
Predomina o caráter solidário nas relações e, a partir dessa premis-
sa, a cooperativa proporciona as condições para o enfrentamento
da concorrência em seus respectivos ramos de atividade no mundo
rural. Essas últimas, não raro apresentam-se em oligopólios, com ca-
nais de logística e comercialização dominados por médios e grandes
capitais em escala regional, nacional e global.

O cooperativismo no Brasil

No Brasil, o movimento cooperativista oficialmente inicia-se em


1889, em Minas Gerais, com a fundação da Cooperativa Econômica
dos Funcionários Públicos de Ouro Preto, cujo foco era o consumo
de produtos agrícolas. Até as primeiras décadas do século XX o coo-
perativismo no Brasil caminhava a passos lentos. A crise de 1929 es-
timulava o surgimento de cooperativas especialmente na região Sul
do país. A regulamentação da atividade pelo então presidente Getú-
lio Vargas em 1932 também estimulou a constituição de novas coo-
perativas. O reconhecimento da capacidade do cooperativismo em
reestruturar atividades, especialmente as agrícolas, e a definição de
regras de funcionamento e especificidades diante de outras formas
de associação, tornam-se marco importante para a atividade (SILVA,
2003). O cooperativismo no Brasil está amparado legalmente pela Lei
nº 5.764 de 16 de dezembro de 1971, tendo como órgão representativo
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máximo a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras). Em esca-


la estadual tem-se a Organização Estadual de Cooperativas (OCEB)
(OCB, 2020).
No Capítulo II da referida Lei – Das Sociedades Cooperativas – no
Artigo 4º está definido que: “As cooperativas são sociedades de pes-
soas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não
sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associa-
dos(...)”. Segue-se então um conjunto de 11 características definidoras
das cooperativas que versam desde o processo (voluntário) de adesão
dos cooperados até procedimentos básicos para o funcionamento
das cooperativas (BRASIL, 2021). As Figuras de 1 a 3 mostram um pa-
norama do cooperativismo no Brasil, segundo a OCB (OCB, 2020).
A extensão do território nacional e suas especificidades geográfi-
cas, históricas, sociais e econômicas repercutem em diferentes olha-
res para o cooperativismo no Brasil. Soma-se à amplamente conheci-
da deficiência de políticas estatais na promoção do desenvolvimento
e o aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas ao lon-
go de décadas. Dessa forma, é impossível fazer a abordagem de um
único cooperativismo no Brasil. Na Região Norte, por exemplo, des-
tacam-se cooperativas ligadas à atividade extrativista vegetal (borra-
cha, castanhas, madeiras, etc.) e/ou mineral (ouro e pedras preciosas,
entre outros); no Nordeste, as cooperativas agropecuárias enfrentam
o quadro de concentração fundiária e das grandes agriculturas e pe-
cuárias voltadas a grandes mercados regionais, nacional e interna-
cional. Quadro semelhante quando se observa a dinâmica das coope-
rativas agropecuárias na Região Centro-Oeste (SILVA, 2003).

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Figuras 1 e 2. Alguns números do cooperativismo brasileiro, 20201

Fonte: OCB, 2020.

Figura 3. Cooperativas agropecuárias no Brasil, 2020.

Fonte: OCB, 2020.

1
Segundo a OCB, a redução do número de cooperativas em 2020 deve-se ao processo
de otimização de custos e escalas produtivas, culminando em estratégias de fusões e
incorporações entre as unidades (OCB, 2020).

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Na Região Sudeste, o crescimento econômico acelerado viabili-


zou um modelo de exportação de commodities com capitalização de
produtores rurais, aprofundamento de atividades urbanas, estabele-
cendo, assim, a base da industrialização brasileira. Nesse ambiente
as cooperativas ganharam espaço em vários segmentos. A prática
na região consolida-se após os anos 1930, a partir de isenções fiscais
e creditícias na sequência da regulamentação da atividade. Nos anos
1970 observa-se expansão do capitalismo no campo, muito devido
aos crescentes incentivos estatais à época. O cooperativismo é visto
como instrumento modernizador da agricultura, consequentemente
levando a concentração atividade no setor agropecuário, sobretudo
no estado de São Paulo. A crise dos anos 1980 estimulou o surgimen-
to de cooperativas em diversos ramos, como o trabalhista, de trabal-
hadores sem terra e aquelas ligadas a empresas familiares (SILVA,
2003).
Na Região Sul a prática cooperativista encontrou mais espaço
para o seu desenvolvimento. Justifica-se pela pluralidade de práti-
cas associativistas desembarcadas juntamente com os imigrantes
(alemães, italianos, etc.) que ao propor uma determinada autonomia
social, compartilhavam, no Brasil, as experiências vividas na Eu-
ropa. O cooperativismo no Sul ocorreu de modo muito particular,
quando comparado às demais regiões brasileiras. O processo se deu
em duas dimensões: a primeira como resultado de ações e práticas
mais sociais, mais coletivas e plurais; e a segunda teve seu início no
Estado, diretamente ligada a uma política de governo (isenções fis-
cais, creditícias e políticas de apoio). A participação do Estado apare-
ce como elemento importante para o cooperativismo, especialmente
o agrícola, na Região Sul (SILVA, 2003).
No Nordeste, a convivência de situações de pobreza extrema,
típicas de países subdesenvolvidos com níveis de produção e con-
sumo semelhantes aos países de capitalismo avançado reproduz,
inevitavelmente, um modelo de instituição que tem na concentração
fundiária e na exportação, a fundamentação da sua base. Esse for-
mato, consequentemente estimulou o surgimento de cooperativas
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comandadas por grupos de indivíduos a favor da ampla maioria dos


associados, que, por sua vez, devido à vulnerabilidade socioeconômi-
ca, optavam por aceitar as orientações determinadas pelo grupo do-
minante. Isso explica porque, o cooperativismo nordestino foi iden-
tificado como instrumento de controle, tendo servido, muitas vezes,
como intermediário na transferência de recursos financeiros para os
produtores (SILVA, 2003).
A partir dos anos 2000, as cooperativas agropecuárias no Brasil
ganharam nova dinâmica, inaugurada com o período de recupe-
ração econômica vivido pelo país (expansão do consumo interno, in-
vestimentos em infraestrutura e disponibilidade de linhas de crédito
rural para as cooperativas). Tem-se um resumo dessa retomada, em
Padilha e Espíndola (2020).

“De 2000 a 2018, o número de cooperativas agropecuárias no Brasil


cresceu de 1.411 para 1.613; o número de produtores sócios aumentou
de 831 mil para 1.021 mil; e o número de empregados saltou de 108 mil
para 209 mil. A participação das cooperativas no PIB agropecuário
evoluiu de 38,4% em 2007 para 48% em 2015. No mercado externo,
as exportações do ramo cresceram de US$ 7,8 bilhões na década de
1990 para US$ 22,4 bilhões na de 2000 e atingiu US$ 50 bilhões em
2010–2018 (...). Os dados do Censo Agropecuário 2017 indicam a con-
tinuidade da expansão produtiva das cooperativas, que já respon-
dem por cerca de 48% de tudo que é produzido no campo brasileiro”.
(PADILHA; ESPÍNDOLA, 2020, p. 103).

As observações feitas permitem identificar a importância das


cooperativas como alternativa aos desafios impostos pelo sistema
capitalista cuja tendência segue pela concentração de recursos, des-
igualdades e exclusões sociais e econômicas. Tais desafios impõem o
fortalecimento do caráter solidário das cooperativas seja na geração
de ocupações nos diversos ramos da atividade, seja na busca pela dis-
tribuição dos resultados da produção de forma mais equitativa entre
os cooperados, ou mesmo proporcionando o acesso a benefícios so-
ciais (saúde, educação, cidadania) não proporcionados pelo modelo
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hegemônico. Dessa forma, a cooperativa, particularmente no ramo


agropecuário, transcende a atividade econômica (produção, logís-
tica, comercialização), transformando-se em modo de organização
social, que não se opõe ao capitalismo vigente, mas busca a convi-
vência extraindo os melhores resultados para seus membros. São
premissas reforçadas diante de um novo desafio imposto à economia
em geral, mas às cooperativas em particular, a partir de 2020: a che-
gada e expansão da pandemia do vírus SARS-COV-2, conhecida como
pandemia da COVID-19.

As cooperativas agropecuárias na Bahia e a COVID-19

Em 2020 ainda não estavam disponíveis dados da Organização


das Cooperativas do Estado da Bahia (OCEB) informações que men-
suraram ou quantificaram os prejuízos causados pela COVID-19 no
cooperativismo agropecuário baiano. Por exemplo, se cooperativas
foram fechadas, se o número de cooperados e/ou funcionários foi
alterado. Porém alterações nas rotinas de trabalho definitivamente
ocorreram e serão apresentadas adiante.
Com o objetivo de investigar mudanças no período, tendo como
base relatos e informações que pudessem demonstrar e explicar se,
e de que forma as rotinas nas cooperativas foram alteradas durante
a pandemia do coronavírus, foram selecionadas 4 (quatro) coopera-
tivas em quatro territórios identidade diferentes, apresentadas na
Figura 4.
a) Cooperativa Agrícola de Formosa do Rio Preto (COAFOR);
b) Cooperativa Agroindustrial de Itaberaba (COOPAITA);
c) Cooperativa Agrícola Gandu Ltda (COOPAG);
d) Cooperativa dos Produtores de Leite e Derivados em Jequié
(COOPEDILJ).

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Figura 04. Cooperativas Agropecuárias selecionadas na Bahia em


2020

Fonte: Sites institucionais, 2020

a) COAFOR

O município de Formosa do Rio Preto, aproximadamente 1.020


km de Salvador, é integrante do Território de Identidade da Bacia do
Rio Grande. De acordo com a estimativa do IBGE (2020), sua popu-
lação é de 25.591 mil habitantes e sua principal atividade econômica
é a agricultura, com destaque para produção de grãos em áreas de
cerrado especialmente para a exportação. O município está entre os
cinco principais maiores produtores de soja do Brasil (1,62 milhão
de toneladas em 2020), é o maior produtor de soja e de algodão do
estado (IBGE, 2020).
Segundo informações fornecidas pela COAFOR, a cooperativa
está localizada dentro de uma comunidade de produtores rurais de
origem coreana. Trata-se de uma cooperativa jovem, que teve o iní-
cio das suas atividades em 2017, a partir da necessidade de oferecer
suporte ao grupo de produtores integrantes da comunidade, organi-
zando e otimizando os processos.
A produção é fundamentalmente de grãos orgânicos em geral
(arroz, soja, milho, gergelim, etc.). Segundo a instituição, o motivo
que justifica a produção e comercialização de grãos é a crescente
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demanda no mercado de alimentos, sobretudo orgânicos, ou seja, a


principal motivação está em produzir de modo sustentável, preser-
vando o meio ambiente sem esquecer da saúde.
Por se localizar em uma comunidade de produtores, o principal
objetivo ao produzir inicialmente era alimentar a própria comuni-
dade. A partir do momento em que a produção passou a crescer, foi
necessário estabelecer uma forma de se organizar que pudesse viabi-
lizar a comercialização do excedente, foi a vez então da cooperativa
atuar. A instituição, portanto, oferece suporte aos produtores (pro-
dução e distribuição), comercializa negociando o excedente de ce-
rais e sementes diretamente com compradores de grãos e beneficia
realizando a limpeza, secagem e o armazenamento dos grãos. Toda a
produção é destinada ao mercado interno.
Sobre os efeitosefeitosda COVID-19 na comunidade onde está
instalada a cooperativa, as informações fornecidas apontam que a
agricultura da região foi minimamente impactada pelo SARS-COV-2.
Em nenhum momento as atividades foram paralisadas. Houve mu-
dança na dinâmica de funcionamento como funcionários tralhando
em home office e de maneira híbrida, mas sem grandes alterações
nas suas rotinas.

Os funcionários que ficaram híbridos e em home office aqui, tinham


todo um cuidado e como eles são orientais, são coreanos, eles já tin-
ham estabelecido; já era estabelecido um regime de higiene, distan-
ciamento social, não tem essa coisa do brasileiro de estar se tocando
se abraçando e os poucos funcionários que ficaram híbridos como eu
[administrador da cooperativa], e alguns aqui como tratorista e ma-
quinários; a gente seguiu um protocolo de segurança sanitário que
funcionou.

Como já foi dito no relato acima, a comunidade é composta quase


que na sua totalidade por coreanos, que já haviam estabelecido na
rotina das práticas exercidas, protocolos com a higiene, controle de
acesso (funcionários que precisavam sair para compra de insumos),
distanciamento social (comum na da própria cultura), dentre outros.
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O resultado segundo as informações é que a comunidade conseguiu


se isolar, ninguém na cooperativa se contaminou. Vale sublinhar que
são poucas pessoas que respeitaram a principal medida tomada na
comunidade, em nossa abordagem o isolamento social, por signifi-
car de forma objetiva o afastamento da possibilidade de contágio. As
informações prestadas enfatizaram que , foi possível se isolar e por
isso não registraram nenhum caso de COVID-19 dentro de uma co-
munidade de quase 700 pessoas.

A vivência da pandemia no interior da Bahia é muito diferente das


capitais. Aqui quando veio chegar a subir o número de casos, o Brasil
todo já estava todo contaminado, entendeu? Então, aqui pra gente
chegou por último, em Formosa do Rio Preto, os casos de COVID-19
quando vieram chegar aqui, já estava matando aí fora e o número de
casos daqui não foi tão grande por ser interior, por ser muito longe
da capital. Então foi uma dinâmica bem diferente então a convivên-
cia nossa com COVID-19 foi bem diferente mesmo. Eu acho que do
resto do mundo mesmo.

b) COOPAITA

A Cooperativa Agroindustrial de Itaberaba (COOPAITA) está Lo-


calizada no município de Itaberaba. O nome da cidade tem origem
na junção do termo tupi (ita) e (beraba) que significa “pedra brilhan-
te”. A cidade está a 275 km de Salvador no Território de Identidade
Piemonte do Paraguaçu, na região semiárida do estado.
Segundo estimativa do IBGE (2020), o município possui cerca
de 64.646 habitantes (IBGE, 2020). Itaberaba, por possuir um forte
comércio com indústrias de móveis, calçados, alimentos etc., e por-
tanto, é considerado um dos principais centros comerciais da Bahia.
A agricultura também se faz presente, mas devido ao clima da re-
gião (semiárido) com altas temperaturas, escassez e irregularidades
na frequência de chuva, cultivar não é uma tarefa simples. Por essa
razão, mais precisamente até a década de 1980, a tradição econômica
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do município estava centrada na pecuária de caprinos, ovinos e a pe-


cuária de corte bovina extensiva. Ainda durante a mesma década a
pecuária passou por um forte declínio e a produção de abacaxi (Ana-
nas comosus) foi introduzida para arrefecer os efeitos negativos na
pecuária. Em pouco tempo, a cidade tornou-se referência estadual
no cultivo do fruto com participação ativa da COOPAITA (ITABERA-
BA, 2021; EMBRAPA, 2021).
Com suas atividades iniciadas em 2001, a cooperativa foi criada a
partir da união de um grupo de produtores com um objetivo central:
organizar e fortalecer a produção e a comercialização de abacaxi da
espécie pérola produzido por agricultores familiares locais. A Coo-
perativa comercializa o abacaxi e possui unidade de desidratação de
frutas que absorve a produção de agricultores familiares da região.
De acordo com informações fornecidas, a COOPAITA possui uma
estrutura de atendimento nacional e internacional de maneira in-
direta (indústrias que adquirem, processam e exportam para vários
países) caso haja necessidade. Além disso, são atuantes e participam
frequentemente de grandes feiras de negócios em todo o país.
Com a chegada da pandemia da COVID-19, a cooperativa precisou
se reinventar. Com o fechamento de grande parte do comércio, mui-
tos dos seus clientes, sobretudo, lojas de produtos naturais, a Coope-
rativa se viu obrigada a reduzir seus custos de modo geral e passou a
realizar estudos de viabilidade de negócio. Mas não foi somente isso,
novas técnicas de comercialização foram adotadas. As ferramentas
fundamentais nesse processo foi a internet para a utilização de ser-
viço remoto, bem como para promover a comercialização dos seus
produtos on line e via aplicativo de mensagens, através doWhatsApp.
O foco da COOPAITA está na recuperação dos parceiros comerciais
“perdidos” durante a pandemia a fim de retomar o crescimento.

c) COOPAG

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O território de Baixo Sul está situado na região nordeste do esta-


do e é composto por 14 cidades, dentre elas Gandu. O município dista
290 km da capital Salvador e, de acordo com o IBGE (2020), possui
32.778 habitantes. O comércio e o cultivo do cacau são as principais
fontes de renda local.
Pouco antes dos anos 1980, o município foi fortemente abalado
economicamente devido à crise do cacau e encontrou no cooperati-
vismo a alternativa organizacional para enfrentar as adversidades,
contornar a crise e retomar a economia da região. A Cooperativa
Agrícola Gandu (COOPAG) é a principal cooperativa da região e tem
como principal atividade a compra e venda de amêndoas de cacau e
insumos agrícolas.
Fundada em 13 de maio de 1985, a cooperativa foi criada a partir
do inconformismo de um grupo de 21 produtores de cacau, diante
do mecanismo de venda da produção. Na prática os produtores se
viam excluídos dos resultados gerados nesse processo e com isso
buscaram formas de pudessem viabilizar o então objetivo: eliminar
atravessadores/intermediários da cadeia de distribuição do produto
(amêndoa de cacau). Além desse objetivo, existia um outro não me-
nos importante: permitir a compra de insumos agropecuários como
por exemplo adubos a preços reduzidos a partir momento em que se
comprava em grande quantidade.
Segundo as informações fornecidas pela instituição, os destinos
das amêndoas de cacau são para 03 (três) indústrias moageiras mul-
tinacionais: Barry Callebeaut, Cargill e Olam. Essas empresas estão
entre as líderes do mercado de cacau nacional e internacional. Além
do cacau, a Cooperativa comercializa insumos (adubos) e ferramen-
tas em geral, utilizadas pelos produtores da região.
Referente aos padrões utilizados na comercialização, a coope-
rativa recebe o cacau apenas dos cooperados e, após a devida con-
ferência dos dados e informações do cooperado, o cacau é auto-
maticamente lançado no sistema. Esse processo é chamado pela
cooperativa de “cacau balança”. Existem ainda outras formas de co-
mercialização: o cooperado pode optar em deixar as amêndoas de
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

cacau na cooperativa como se fosse uma opção de armazenamento,


que não seja necessariamente a sua propriedade e realizar a venda
no momento da sua preferência. Essa técnica é chamada de “cacau à
ordem”, porque o cooperado dessa forma possui a ordem que autori-
za a venda do cacau. A terceira forma de comercialização ocorre por
meio de contrato para entrega futura, no qual o produtor, solicita
crédito adiantado em valor correspondente à(s) saca(s) de cacau. Esse
valor é então cedido ao produtor, que o devolve em cacau no momen-
to da colheita.
A pandemia da COVID-19 alterou e impactou de muitas formas o
cotidiano da COOPAG.

A Pandemia foi um momento difícil para gente porque a cidade aqui,


como várias outras no país tinha barreira fitossanitária. As barreiras
fitossanitárias são barreiras não tarifárias implantadas pelas autori-
dades sanitárias da Bahia, sobre os produtos importados, impedindo
a entrada, justificada pela possibilidade contaminação biológica de
plantas e ou animais através de insetos, bactérias, fungos, etc.

Diante do exposto, é possível descrever como o enfrentamento


da COVID-19 mudou as técnicas de comercialização da cooperativa
em questão. O governo do estado, juntamente com as prefeituras dos
municípios do território baiano estabeleceram o uso de barreiras fi-
tossanitárias, a fim de evitar a proliferação do coronavírus pela po-
pulação. A medida buscava impedir que os habitantes pudessem cir-
cular entre os municípios, principalmente através da suspensão da
circulação dos ônibus intermunicipais. A COOPAG precisou adotar
novos métodos para evitar a suspensão total das atividades.
A gente conseguiu junto à prefeitura por exemplo e aos órgãos
competentes com relação a vigilância sanitária que, o cooperado por
exemplo, que viesse com cacau, aguardasse na fronteira da cidade e
eu ia até a margem da BR com o carro pegava esse Cacau e trazia até
a cooperativa já que a gente ficou um período fechado também. Nos
casos onde a demanda era algum produto, eles ligavam pra loja (coo-
perativa) faziam o pedido e eu fazia a entrega ou, outro funcionário,
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a gente fazia a entrega, porque normalmente a gente não entrega a


mercadoria, o produtor é quem compra e leva. Porém na pandemia, o
produtor tinha a opção de comprar por telefone e, em 90% dos casos
95% talvez até 100%, eu ia até a barreira fitossanitária e entregava os
produtos.
Durante o período de pandemia, com diversos estabelecimentos
comerciais fechados na região, a cooperativa estabeleceu regime de
funcionamento especial, e reduziu pela metade a carga horária dos
funcionários, atendendo a medida provisória do governo federal que
autorizava as instituições empregadoras, o pagamento de metade
do salário e a outra parte ficava a cargo do governo. Então foi um
momento difícil, nós ficamos uns 3 ou 4 meses nessa situação, mas
graças a Deus a pandemia passou tudo voltou a normalidade, passou
não, está passando e as coisas estão voltando a normalidade.
Após a chegada da pandemia, novas técnicas foram adotadas a
fim de facilitar e tornar mais viável a comercialização. A internet
passou a ser a principal ferramenta utilizada para este fim. O uso
da rede social Instagram e do aplicativo de mensagens WhatsApp se
tornaram os principais instrumentos de divulgação dos produtos,
promoções e de suporte aos produtores.
Hoje basicamente qualquer zona rural, tem internet. Então o
cooperado, ele vai lá (no aplicativo) para saber informação do preço
do cacau, alguma promoção que tem na cooperativa, de adubo por
exemplo, e aí ele vai liga, reserva o produto dele, quando ele vier até a
rua (centro da cidade) no final de semana, geralmente produtor vem
até a cidade ás sextas e sábados, então ele vai retirar sua compra.

d) COOPEDILJ

Jequié vem do tupi jequi, cesto com formato de funil utilizado


como armadilha para peixes, também podendo ser chamado de je-
quiá, jiqui, juquiá ou simplesmente jequié. O município de Jequié está
localizado no território identidade do Médio Rio de Contas, na região
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

sudoeste (entre a zona da mata e a caatinga) do estado da Bahia a 365


km de Salvador. Conforme dados do IBGE (2020), sua população con-
siste em 156.277 mil habitantes. A base econômica do município está
na agropecuária. Jequié possui uma diversidade produtiva a partir
da produção de café, cana-de-açúcar, frutas e sobretudo cacau. Na
pecuária, destacam-se bovinos e caprinos, utilizados principalmente
na produção do leite seus derivados (JEQUIÉ, 2021).
A Cooperativa dos Produtores de Leite e Derivados em Jequié
(COOPEDILJ), foi fundada em janeiro de 1999 a partir de uma necessi-
dade: a não comercialização do leite in natura, ou seja, sem o proces-
so de pasteurização. A principal atividade da COOPEDILJ, portanto,
é a comercialização do leite pasteurizado e semidesnatado. Os prin-
cipais destinos do leite processado pela Cooperativa são os mercados
de alimentação e de confeitaria, escolas (através de programas do go-
verno), fábricas e sorveterias da própria região.
Durante a pandemia da COVID-19, conforme informações for-
necidas pela Cooperativa, as técnicas utilizadas na comercialização
não mudaram. Entretanto, houve uma queda expressiva na deman-
da pelo produto, acarretando na redução do volume vendido quando
comparado com períodos anteriores. Contudo, a instituição não rela-
tou ter havido, perdas ou desperdícios do produto diante da queda da
procura pelo alimento. Ainda segundo as informações coletadas, não
houve nenhum novo tipo de técnica adota para a comercialização do
produto, frente às mudanças causadas pela pandemia.

Considerações finais

Reafirma-se a importância das cooperativas como alternativas ao


modelo de produção e comercialização vigente, cujos resultados não
raros tendem à concentração de recursos e à exclusão social e/ou
econômica de produtores. Nesse sentido, os ideais primordiais de so-
lidariedade, promoção da igualdade e acesso a benefícios econômicos
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e sociais entre cooperados e suas famílias são fortemente reivindica-


dos, em virtude dos desafios a serem enfrentados e das estratégias
de convivência (e sobrevivência) a serem construídas, adaptadas e
executadas diante dos cenários. Aparentemente, tais premissas são
reforçadas com a expansão e agravamento da pandemia COVID-19
que, direta ou indiretamente, afetou a economia em escalas mun-
dial, nacional, regional e estadual. Portanto, paras as cooperativas,
particularmente, as do ramo agropecuário, não seria diferente.
Nota-se que o Brasil, é um pais de dimensões continentais. As cin-
co regiões brasileiras, possuem diferentes geografias, economias e
aspectos socioculturais. Também pode-se citar diferentes níveis de
atuação do poder público. Consequentemente, existem diferentes
atuações de cooperativas. E a pandemia em 2020 permitiu obser-
var algumas dessas peculiaridades. Assim, neste trabalho buscou-se
identificar e analisar efeitosefeitosda pandemia em cooperativas
agropecuárias na Bahia, selecionado para isso um pequeno grupo de
cooperativas em diversas regiões do estado. Tenta-se captar, na diver-
sidade geográfica/produtiva/econômica das cooperativas, as especi-
ficidades de enfrentamento da pandemia.
Observa-se que as cooperativas foram impactadas pela pande-
mia COVID-19. Contudo em diferentes proporções, principalmente
devido às diferenças existentes de atuação, desde o tipo de cultivo
até o contingente de cooperados e corpo funcional. Vale destacar que
o nível e a qualidade das informações fornecidas, influenciaram na
investigação. A variação dos efeitosefeitostambém se deu de acordo
com a região do estado onde a cooperativa está situada, ou seja, as
cooperativas localizadas nas regiões distantes dos grandes centros
tiveram menor impacto especialmente devido às restrições de deslo-
camento impostas para conter o SARS-COV-2.
Das cooperativas selecionadas para a investigação, nenhuma
relatou perdas ou prejuízos com relação a produção, contudo, hou-
ve unanimidade quanto à dificuldade de adaptação às rotinas de
trabalho, seguindo os protocolos estabelecidos pela Organização
Mundial de Saúde (OMS). Os maiores efeitosefeitosrelatados pelas
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cooperativas referem-se ao segmento de comercialização dos seus


produtos. Cita-se a perda de clientes, aos quais era destinada a pro-
dução, uma vez que esses encerraram atividades diante dos prejuí-
zos financeiros decorrentes dos desdobramentos da pandemia. Ou-
tro resultado interessante é que, na tentativa de planejar e inovar
as formas de trabalho, após a chegada da COVID-19, as cooperativas
passaram a utilizar mais intensamente os serviços de internet, jor-
nada de trabalho em home office e aplicativos, para viabilizar a co-
municação entre os cooperados e funcionários e/ou para divulgação
e venda de produtos e insumos agrícolas.

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Fatores que induzem a recuperação de pastagens


degradadas pelos agricultores da bacia hidrográfica
do Rio das Contas

Attawan Guerino Locatel Suela, Luana Marina Salgado


Botelho, Gabriel Locatel Suela e Sabrina de Matos Carlos

Introdução

O aumento da população mundial para aproximadamente 10 bil-


hões de pessoas até 2050, adicionado à expectativa de melhora das
condições econômicas de diversos países, irá aumentar considera-
velmente a demanda por alimentos em todo o mundo, especialmen-
te na Ásia, América Latina e África (KASTNER et al., 2012). O Brasil
desempenhará um papel central neste processo, tanto positiva quan-
to negativamente. Por um lado, a produção agrícola brasileira é uma
das mais importantes para a oferta mundial de alimentos. Entretan-
to, o setor agropecuário nacional responde por mais de um terço das
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emissões brasileiras de gases causadores de efeito estufa (GEE), que


são um dos grandes responsáveis pelas mudanças climáticas globais
(BRASIL, 2013). Segundo relatório do Observatório do Clima (2014),
até 2025 o Brasil irá atender à demanda interna de alimentos e ain-
da gerará excedentes para serem exportados. Contudo, ao mesmo
tempo, as emissões de GEE acompanharão o aumento conforme a
demanda global por alimentos cresce.
Assim, é fundamental que o país continue intensificando a pro-
dução agrícola, porém, deve-se ocorrer em bases sustentáveis, ou
seja, contribuindo para a mitigação das emissões de Gases de Efeito
Estufa (GEE). Esse processo é conhecido como intensificação susten-
tável da agricultura (ISA). Segundo Rockström (2017), a ISA tem como
objetivo, garantir a produção de mais alimentos e, ao mesmo tempo,
tornar a “pegada ecológica” do setor cada vez menor, tornando-se as-
sim, mais sustentável. Desde 2010, o Brasil vem incentivando a ISA
por meio do Plano ABC (Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação
às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de
Baixa Emissão de Carbono na Agricultura). O Plano ABC financia ati-
vidades como os sistemas agroflorestais, plantio direto, recuperação
de pastagens degradadas e fixação biológica de nitrogênio, redução
do uso de agrotóxicos, entre outras (WANDER et al, 2016).
Segundo Meyer (2015), o comportamento pró-ambiental dos agri-
cultores, pode ter relação direta com o seu nível educacional, Hyland
(2015) diz que a percepção das alterações climáticas pode auxiliar na
tomada de decisão pró-ambiental, dessa forma, pode-se relacionar
a possibilidade do alcance dos objetivos propostos pela ISA direta-
mente com as hipóteses dos autores supracitados, nos quais serão
testados nesta pesquisa. Aklin et al. (2013) informa que a educação
é positivamente correlacionada com atitudes ambientalmente sus-
tentáveis em diferentes contextos. Ao mesmo tempo, a percepção
climática, que está ligada à forma pela qual os indivíduos acessam
e compreendem as mudanças do clima, tem papel crucial sobre sua
disposição em alterar práticas produtivas (PERSSON et al., 2015).

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Diante dessas questões, é de fundamental importância compreen-


der como os agricultores brasileiros estão se comportando frente ao
processo de intensificação sustentável de suas atividades. Portanto, o
objetivo deste trabalho foi analisar o papel desempenhado pela edu-
cação formal, informal e a percepção climática no comportamento
pró-ambiental, tomando como principal ponto, a escolha dos agri-
cultores em realizar a recuperação das suas pastagens degradadas
na região da bacia hidrográfica do Rio das Contas, Bahia.
Optou-se por realizar o estudo a nível regional, já que os resulta-
dos de trabalhos que estudam a ocorrência das mudanças climáticas
para o país como um todo, não demonstram características essen-
ciais de determinadas localidades, que também sofrem com os im-
pactos gerados por essas alterações. Tais análises locais se configu-
ram como fundamentais para a compreensão da decisão de adoção
de estratégias de mitigação. Como o Brasil é um país de dimensões
continentais e com diferentes condições edafoclimáticas e socioe-
conômicas, o conhecimento dessas questões em âmbito local pode
ser fator preponderante para a avaliação e readequação das políticas
públicas nacionais.
Portanto, foi realizado um estudo de caso junto a agricultores
cujas propriedades são localizadas na bacia hidrográfica do Rio das
Contas, na Bahia (coordenadas geográficas 12º55’ e 15º10’ de latitude
Sul e 39º00’ e 42º35’ de longitude Oeste) (Figura 1).

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Figura 1 – Bacia hidrográfica do Rio das Contas e sua localização no


estado da Bahia e no Brasil.

Fonte: Matos (2016).

A bacia faz parte da região hidrográfica do Atlântico Leste (BRA-


SIL, 2003). Caracteriza-se por possuir cidades de pequeno a médio
porte, baixo índice de industrialização e atividade econômica cen-
trada, principalmente, na agricultura e pecuária, o que a torna po-
tencialmente mais vulnerável aos efeitos adversos das mudanças
climáticas. A bacia hidrográfica do Rio das Contas é um exemplo
típico desta região (PAULA et al., 2010). Portanto, sua escolha para
a realização da pesquisa se deve ao fato de que a compreensão des-
sas questões foi muito pouco explorada regionalmente. Ademais,
por compreender grande diversidade de biomas (Cerrado, Caatinga
e Mata Atlântica) e ser basicamente dependente da agricultura, essa
bacia proporciona capital científico e natural valioso (MATOS, 2016).

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Por fim, é possível afirmar que os impactos causados pelas mu-


danças climáticas tendem a ser extremamente severos na região
Nordeste, onde a bacia está localizada. No Nordeste são esperados
os maiores aumentos de temperatura e grande variabilidade inte-
ranual da precipitação durante a estação chuvosa (dezembro-feve-
reiro) (NUNES, 2016; MACHADO-FILHO, 2015). As mudanças climáti-
cas esperadas para o Nordeste poderão comprometer negativamente
a aptidão agrícola da região. As perdas na agricultura, por sua vez,
agravam problemas já enfrentados por agricultores mais pobres, tais
como migração rural-urbana, fragmentação de propriedades, baixo
acesso à educação formal etc. (MACHADO-FILHO, 2015).

Objetivo

O objetivo principal desta pesquisa foi analisar a relação existente


entre educação (formal e informal) e percepção climática impactan-
do diretamente no comportamento pró-ambiental dos produtores,
com enfoque na realização da recuperação das pastagens degrada-
das pelos agricultores da bacia hidrográfica do Rio das Contas, Bahia.

Mudanças climáticas e atividades agrícolas: conceitualização

Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC,


2017), as alterações climáticas referem-se a uma mudança no estado
do clima que pode ser identificada (por meio de testes estatísticos,
por exemplo) por mudanças na média e, ou, na variação das suas
propriedades e que persistem durante um longo período de tempo. A
mudança climática pode ocorrer tanto por meio de processos inter-
nos naturais ou forças externas, como modulações dos ciclos solares,
erupções vulcânicas e as mudanças antropogênicas persistentes na
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composição da atmosfera ou no uso da terra. As emissões dos cha-


mados gases de efeito estufa – GEE’s (metano, óxido nitroso e dióxi-
do de carbono) são as principais causas do fenômeno das mudanças
climáticas (IPCC, 2017). Em termos antropogênicos, pode-se afirmar
que tanto a produção agropecuária quanto a industrial possuem ele-
vado potencial gerador de GEE’s.
São várias as manifestações das alterações climáticas no planeta,
dentre elas o aumento do número de ocorrências de furacões, tsuna-
mis, derretimento acentuado das calotas polares (que elevam o nível
dos mares), o aumento da pluviosidade, acarretando em inundações,
e os períodos de secas, que estão ficando cada vez mais prolongados
e afetando negativamente a vida na terra (VAZ, 2010). Entretanto, a
principal manifestação das mudanças climáticas que tem sido docu-
mentada com alto grau de certeza atualmente é o aquecimento glo-
bal. Essa afirmação pode ser exemplificada pela Figura 2, na qual é
apresentada a elevação das temperaturas nas últimas cinco décadas.

Figura 2 – Crescimento das temperaturas mundiais.

Fonte: Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA (2016).

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Os dados fornecidos pelo IPCC (2017) permitem classificar os


principais setores responsáveis pelas emissões mundiais de GEE’s. O
principal emissor é o setor de Eletricidade e Produção de Energia,
com parcela de 35% das emissões, seguido do setor da Agricultura,
Floresta e Outros Usos da Terra, com 24%, a Indústria, com cerca de
21%, o setor de transportes com 14%, e o setor de Construção com 6%.
A configuração brasileira em relação aos setores com maiores
índices de emissão de GEE’s apresenta diferença significativa quan-
do comparada com as características mundiais. A partir das infor-
mações cedidas pelo Observatório do Clima (2015), às atividades com
maiores emissões de GEE’s, em ordem decrescente, são: Mudanças
no Uso da Terra, com 35% (sobretudo em função dos desmatamen-
tos), setor de Energia, com 29%, Agropecuária, com 27%, e, por fim,
os setores Indústria e Descarte de Dejetos Poluidores, com 6% e 3%,
respectivamente.
Com as informações apresentadas anteriormente, é possível ob-
servar que o setor da agropecuária, tanto na perspectiva mundial,
quanto na óptica brasileira, possui destaque em relação às emissões
de GEE’s, tornando-o importante agente quando se fala em possibi-
lidades de mitigação dos efeitos causados por esses poluentes. Gran-
de parte dos impactos ambientais advindos da agropecuária ori-
ginam-se do uso abusivo da água, principalmente nas plantações e
nas agroindústrias, no uso intensivo de agroquímicos e na utilização
de práticas insustentáveis de produção, que danificam o solo, muitas
vezes de modo permanente a partir do manejo de ruminantes, que
são os maiores emissores de metano.
Como o aumento populacional deverá demandar cada vez mais
da produção alimentícia, surgirá o grande desafio para a agricul-
tura mundial: produzir alimentos, fibras e energia suficientes para
atender essa demanda crescente. Para isso ocorrer sem intensificar a
poluição já existente, será necessário implementar nos moldes tradi-
cionais de produção o uso adequado e inteligente da terra e do mane-
jo animal, para que o ambiente em si não seja mais degradado.

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Gurgel e Laurenzana (2016) informam que a agricultura de baixa


emissão de carbono (Programa ABC) é a prática mitigadora capaz de
reduzir os GEE’s emitidos para a atmosfera. Este programa, lançado
pelo governo brasileiro em 2010, propõe a redução de gases nocivos
lançados ao meio ambiente, através de atividades agropecuárias que
utilizam técnicas agrícolas e tecnológicas altamente eficazes, o que
acarreta em diminuição na intensidade de substâncias tóxicas des-
pejadas no meio ambiente. O Programa ABC pode ser considerado
uma forma de agricultura consciente perante ao clima. Segundo a
FAO (2013), atividades como recuperação de áreas degradadas, inte-
gração-lavoura-pecuária-floresta e florestas plantadas, que são ações
incentivadas pelo Plano ABC, aumentam a produtividade de manei-
ra sustentável, além de reduzir os GEE’s.

Metodologia

O presente artigo buscou examinar o procedimento teórico de


Meyer (2015). De acordo com o autor, o comportamento ambiental-
mente positivo das pessoas aumenta conforme se torna mais elevado
seu nível educacional. A ideia contida é que a educação pode tornar
os indivíduos conscientes dos efeitos externos do seu comportamen-
to e, assim, mais preocupados com o bem-estar social e a conser-
vação ambiental. A formulação de Meyer (2015) foi ampliada neste
estudo para considerar não apenas a educação formal, mas também
o conhecimento alcançado ao longo da atuação nas atividades agrí-
colas. Para isso, considerou-se que o agricultor poderia aumentar
seu conhecimento através do acesso à assistência técnica, ao partici-
par de associações de classe ou cooperativas e também pelo tempo de
trabalho com atividades agrícolas (experiência).
Ao mesmo tempo, foi considerada a hipótese de Hyland et al.
(2015), segundo o autor a percepção dos agricultores determinam sua
avaliação das mudanças climáticas e, portanto, sua disposição para
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implementar medidas de mitigação. No presente trabalho, para ana-


lisar a percepção, foram consideradas duas informações, com base
na literatura que informa que os agricultores estarão mais dispostos
a proteger o meio ambiente quanto mais elevada for sua consciên-
cia sobre algum problema ambiental e as ameaças que podem cau-
sar-lhes prejuízos (HYLAND et al., 2015):
i. Conhecimento sobre as mudanças climáticas e os efeitos ad-
versos desse fenômeno sobre as atividades dos agricultores.
ii. Observação de mudanças climáticas pelos agricultores (se-
cas, veranicos, ondas de calor etc.).
Para testar essas hipóteses, a metodologia utilizada foi dividida
em três etapas principais. A primeira foi a coleta de dados primários
junto aos agricultores da bacia hidrográfica utilizando um questio-
nário semiestruturado. O questionário continha questões sobre as
condições socioeconômicas dos produtores, sobre sua disposição
em adotar técnicas agrícolas mais sustentáveis e sobre seu grau de
conhecimento/percepção acerca das mudanças climáticas e eventos
extremos. Seguindo a metodologia proposta por Hartter (2009), os
agricultores foram selecionados por amostragem aleatória simples
(TRIOLA, 2008), com 95% de confiança estatística em um universo de
145.467 propriedades, resultando assim, em 289 propriedades rurais
escolhidas.
A segunda etapa correspondeu à análise exploratória das respos-
tas dos agricultores a respeito de sua disposição em adotar técnicas
de produção sustentáveis, proxy utilizada para representar o com-
portamento pró-ambiental. Para isso foi utilizado o teste de Qui-qua-
drado (‐2). Esse é um teste não paramétrico que avalia a dependência
existente entre duas variáveis (AGRESTI, 2007). No caso deste estudo,
a hipótese nula testada foi que o comportamento pró-ambiental é in-
dependente do nível educacional (formal ou informal) ou percepção
climática dos agricultores.
Na última parte foi analisado quais os determinantes que levam
o agricultor a realizar a recuperação das suas pastagens, levando em

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conta vários motivos, que podem influenciar em sua decisão. Para


essa análise será utilizado o modelo de probabilidade (Probit):

em que Pi é a probabilidade de que o agricultor esteja disposto


a recuperar suas áreas degradadas (Yi = 1); X representa o vetor de
variáveis explicativas; e F(.) é a função de distribuição normal padrão
acumulada.
As variáveis explicativas utilizadas para o teste das hipóteses de
estudo podem ser divididas em três grupos:
Grupo 1: Educação formal
i. Escolaridade: indica o nível de escolaridade do agricultor
(analfabeto = 0; saber ler e escrever = 1; ensino fundamental incom-
pleto = 2; ensino fundamental completo = 3; ensino médio incomple-
to = 4; ensino médio completo = 5; ensino superior incompleto = 6;
ensino superior completo = 7).
Grupo 2: Conhecimento informal
ii. Experiência: indica o tempo em que o agricultor trabalha
com atividades agropecuárias (até 5 anos = 0; de 6 a 15 anos = 1; de 16
a 30 anos = 2; Acima de 30 anos = 3);
iii. Assistência técnica: dummy que assume o valor 1 quando o
agricultor teve acesso à assistência técnica no ano anterior; e
iv. Associação: dummy que assume o valor 1 quando o agricul-
tor participa de associações de classe (sindicato rural, por exemplo)
ou de cooperativas.
Grupo 3: Percepção climática
v. Clima mudando: indica se o agricultor observou/percebeu
alguma mudança climática extrema (Não sabe responder = 0; Não,
de modo nenhum = 1; Não, talvez não = 2; Sim, talvez = 3; Sim, com
certeza = 4).
vi. Percepção climática: indica o grau de conhecimento so-
bre mudanças climáticas e seus impactos sobre a agricultura

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(desconhece = 0; conhece pouco = 1; conhece, mas de modo incomple-


to = 2; conhece de modo abrangente = 3).
Outras variáveis de controle1:
vii. Sexo: dummy que assume o valor 1 quando o agricultor é do
sexo masculino;
viii. Crédito: dummy que assume o valor 1 quando o agricultor
teve acesso ao crédito agrícola para a realização de investimentos na
propriedade no ano anterior;
ix. Propriedade: dummy que assume o valor 1 quando o agricul-
tor é proprietário de seu estabelecimento.

Resultados

Para que haja maior compreensão dos resultados desse estudo, é


imprescindível conhecer as características gerais da amostra utili-
zada. Considerando as condições socioeconômicas dos agricultores
entrevistados, observou-se que cerca de 60% tem, no máximo, ensino
fundamental completo, sendo que desses, 22% são analfabetos; 21%
tem ensino médio completo, mas apenas 7% concluiu o ensino supe-
rior. Parcela expressiva dos produtores é do sexo masculino (83%) e
tem, em média, 51 anos de idade e 31 anos de trabalho com atividades
agrícolas. A maior parte dos agricultores considerados não tem aces-
so à assistência técnica ou ao crédito (70% e 73%, respectivamente).
Cerca de 65% participam de alguma associação de classe/sindicato
rural. Aproximadamente 55% dos agricultores dependem exclusiva-
mente da renda gerada na propriedade.
Acerca do conhecimento em relação às mudanças climáticas e
seus impactos nas atividades agrícolas, 15,2% afirmou desconhecer

1
Cada variável dessa categoria, bem como sua especificação, foi baseada na litera-
tura sobre o tema. A sua não inclusão poderia levar ao viés por omissão de variável
relevante, dado que são importantes para a tomada de decisão do agricultor.

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o tema, 63,7% que conhece pouco, 17,7% que conhece de modo in-
completo e 3,4% que conhece de modo abrangente. Assim, é possível
afirmar que parcela considerável dos agricultores da região ainda
necessitam de maiores e melhores informações sobre o tema. Esse
resultado pode ser explicado pelo fato de a mudança climática ser
um fenômeno de complexidade elevada, e que pode ter múltiplas
causas e diferentes características físicas, com decorrências que im-
plicam em ampla escala de riscos (SHI et al., 2016).
A maior parcela dos agricultores (74%) afirmou estar dispostos a
alterar suas formas de manejo da terra de modo que suas atividades
causem menos impactos negativos ao meio ambiente, demonstrando
preocupação com o fenômeno. A atividade que os agricultores estão
mais dispostos a adotar é a redução do uso de agrotóxicos (54% dos
que estão propensos ao comportamento pró-ambiental adotariam
“com certeza” essa prática). As demais práticas citadas, por ordem de
importância foram: plantio direto (36%), recuperação de pastagens
degradadas (32%), reflorestamento (19%), sistemas agroflorestais ou
integração lavoura-pecuária-floresta (18%) e tratamento de dejetos
animais (11%).
Todas as técnicas citadas pelos agricultores fazem parte das estra-
tégias propostas pelo governo brasileiro a fim de reduzir as emissões
de GEE no setor agrícola. Posto que, nenhum dos agricultores en-
trevistados informou ter tido acesso ao crédito fornecido pelo Pla-
no ABC. Dessa maneira, o investimento público para a capacitação
técnica dos produtores e facilitação de seu acesso ao crédito poderia
aumentar o alcance do Plano ABC na bacia do Rio das Contas, am-
pliando a sustentabilidade ambiental da agricultura da região. Para
que isso se torne realidade, os responsáveis pela política deveriam
levar em conideração que as preferências dos agricultores e a dis-
posição de pagar pelas tecnologias diferem significativamente em
termos de benefícios e custos potenciais e até mesmo em relação às
suas expectativas de suporte financeiro por parte do governo (KHA-
TRI-CHHETRIA et al., 2017). Sobre esse último ponto é importante
salientar que parte expressiva da agricultura praticada na região é
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familiar, com agricultores pouco capitalizados e, dessa forma, com


baixa capacidade de investimento.
Os testes de Qui-quadrado realizados (Tabelas 1, 2, 3, 4, 6 e 7) indi-
caram que a disposição em alterar as práticas agrícolas em direção
as atividades mais sustentáveis está diretamente relacionada com o
nível de escolaridade (Tabela 1), com o conhecimento informal (re-
presentado pelo acesso à assistência técnica, participação em as-
sociação de classe e experiência, Tabelas 2, 3 e 4, respectivamente),
com a observação/percepção de alguma condição climática anormal
(Tabela 5) e com a escolha da recuperação das pastagens degradadas
(Tabela 6).

Tabela 1 – Associação entre grau de escolaridade e disposição em adotar


técnicas de mitigação de GEE dos agricultores da bacia hidrográfica do
Rio das Contas.

Fonte: Resultados da pesquisa

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Tabela 2 – Associação entre a experiência do agricultor (medida em


anos de trabalho em atividade agrícola) e disposição em adotar técnicas
de mitigação de GEE dos agricultores da bacia hidrográfica do Rio das
Contas.

Estatística de teste: ‐2 = 6,43, P-valor = 0,094.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Tabela 3 – Associação entre o acesso à assistência técnica e a disposição


em adotar técnicas de mitigação de GEE dos agricultores da bacia
hidrográfica do Rio das Contas.

Estatística de teste: ‐2 = 11,47, P-valor = 0,001.

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Fonte: Resultados da pesquisa.

Tabela 4 – Associação entre a participação em associações de classe e a


disposição em adotar técnicas de mitigação de GEE dos agricultores da
bacia hidrográfica do Rio das Contas.

Estatística de teste: ‐2 = 5,37, P-valor = 0,021.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Tabela 5 – Associação entre a percepção de condição climática e a


disposição em adotar técnicas de mitigação de GEE dos agricultores da
bacia hidrográfica do Rio das Contas

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Estatística de teste: ‐2 = 9,19, P-valor = 0,057.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Tabela 6 – Associação entre a escolha do produtor em realizar a


recuperação das pastagens degradadas e a disposição do mesmo em
adotar técnicas de mitigação de GEE na região da bacia hidrográfica do
Rio das Contas.

Estatística de teste: ‐2 = 106.31, P-valor = 0,00.

Fonte: Resultados da pesquisa.

Os resultados das Tabelas 1 a 6 representam uma visão inicial


do indício da validade das hipóteses de Meyer (2015) e Hyland et al.
(2015). Em outras palavras, é possível afirmar que a partir da análise
exploratória prévia dos dados, a adoção de técnicas agrícolas mitiga-
doras ou que possibilitam a redução de emissões de GEE é um pro-
cesso que envolve agricultores pioneiros, associações de produtores
ou indivíduos preocupados com os impactos futuros das mudanças
climáticas.
Após a análise exploratória concedida pelas diferentes espe-
cificações do teste de Qui-quadrado, apresentam-se na Tabela 7 os
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resultados do modelo Probit. O modelo estimado classificou correta-


mente 62,28% das observações, demonstrando bom ajuste. A estatís-
tica Wald Chi2 foi significativa a 1%, o que leva à rejeição da hipótese
nula de que todos os coeficientes de regressão são simultaneamente
iguais à zero, permitindo então a aplicação da análise. Entretanto,
apenas as variáveis referentes ao grau de escolaridade dos agricul-
tores, acesso à assistência técnica, conhecimento sobre mudanças
climáticas, a experiência dos mesmos e a possível ocorrência de
adaptação dos produtores foram estatisticamente significativas nos
níveis convencionais de significância estatística.

Tabela 7 – Determinantes do comportamento pró-ambiental com foco


na recuperação das pastagens degradadas pelos agricultores da bacia
hidrográfica do Rio das Contas.

Notas: (***), (**) e (*) indica significativo a 1%, 5% e 10%, respectivamente; Estatís-
tica Wald chi2 = 26,94 (Prob > chi2 = 0,0014); Pseudo R2 = 0,067; R² Count = 0,623.

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Fonte: Resultados da pesquisa.

Em concordância com a hipótese de Meyer (2015), o nível de esco-


laridade e a assistência técnica mostraram-se importantes direcio-
nadores do comportamento pró-ambiental dos agricultores no senti-
do de escolher a aplicação da recuperação das pastagens degradadas.
Segundo Below et al. (2012), ambas as variáveis têm efeito direto so-
bre a redução dos riscos associados aos eventos climáticos extremos,
pois possibilitam maior conhecimento de mecanismos e processos
que reduzem a vulnerabilidade a esses eventos. Além disso, permi-
tem que o agricultor ou agente envolvido conheça e adote estratégias
que mitiguem os GEE’s e, assim, há a redução do risco.
Ademais, os resultados da Tabela 7 indicam que a experiência do
agricultor bem como a situação da necessidade de se adaptar peran-
te as consequências das mudanças climáticas são direcionadores
da disposição em adotar técnicas produtivas mais sustentáveis e no
caso estudado a recuperação das pastagens deterioradas. Segundo
Menezes et al. (2011) e Matos (2016), a compreensão das questões am-
bientais por parte dos agricultores configura-se como importante ca-
racterística para seus processos de adaptação e investimento em ati-
vidades de mitigação, pois ao conscientizar-se que as mudanças no
ambiente estão ocorrendo, torna-se possível preparar-se para adver-
sidades climáticas futuras. Segundo Matos (2016), a percepção climá-
tica tem o potencial de influenciar as intenções, o que pode resultar
em comportamentos mais favoráveis à conservação dos recursos ou
níveis mais altos de aceitação de políticas que visem conter as mu-
danças climáticas. Dessa maneira, confirma-se, portanto, a hipótese
de Hyland et al. (2015).
Para finalizar as análises em questão, é importante ressaltar que
a variável mais importante para a disposição em adotar técnicas pro-
dutivas mais sustentáveis foi a assistência técnica (conforme indi-
ca o valor e a significância estatística do efeito marginal estimado
– Tabela 7). A análise exploratória inicial (Tabelas 1 a 6) já indicava
que 68,3% dos agricultores que não tinham acesso aos serviços de
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assistência técnica estariam dispostos a alterar sua forma de pro-


dução em busca da sustentabilidade; por sua vez, entre os agriculto-
res que tinham acesso à assistência técnica, esse valor é superior em
aproximadamente 19 pontos percentuais (87,4%). Tal resultado pode
ser explicado pelo fato de que nos serviços de assistência técnica/ex-
tensão rural, com o passar do tempo, o contato entre agricultor-téc-
nico/extensionista torna-se amigável criando então a confiança que
o produtor necessita para enfim aceitar as sugestões do especialista.
Assim, sabendo que as instituições públicas de assistência técnica
e extensão rural (ATER) geralmente são o elo entre agricultores e po-
líticas públicas, principalmente para o caso da agricultura familiar,
é importante ressaltar que a Bahia passou por importante processo
de substituição de sua empresa de ATER. O governo baiano extin-
guiu a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) e criou
a Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural
(BAHIATER) com o intuito de melhorar e expandir os serviços de
ATER no estado. Diante disso, talvez o momento seja propício para
que os formuladores de política pública do estado potencializem a
participação dos agricultores no âmbito de seus serviços de ATER,
na implementação das políticas já existentes e na criação de novas
políticas ou programas. Isso se torna ainda mais importante ao con-
siderar que a Bahia possui a maior área semiárida do Brasil, o que faz
do estado um dos mais vulneráveis às mudanças climáticas no país.
Ao mesmo tempo, deve-se fazer também uma leitura crítica desse
resultado. Longe de buscar a desvalorização dos serviços de assistên-
cia técnica, é relevante citar que a importância dada à mesma tam-
bém pode estar ligada à cultura da subalternidade, ainda bastante
comum no Brasil. Assim como em Ikeda (2005), entende-se que essa
cultura é “construída e reconstruída discursivamente em um proces-
so contínuo relacionado a fatores sócio-históricos determinados e
com lugares de poder já em circulação na sociedade”. Dessa forma,
tendo por base o contexto agrário do país e o nível da educação for-
mal dos agricultores que responderam a esta pesquisa, os mesmos

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podem estar inseridos numa lógica de valorização excessiva dos con-


hecimentos acadêmicos.
Santos, Meneses e Nunes (2005) destacam que no contexto his-
tórico do desenvolvimento científico acadêmico, ocorreu verdadeira
busca da desvalorização dos conhecimentos locais ou tradicionais.
Dessa maneira, por pouco terem tido acesso à educação formal, os
agricultores podem estar supervalorizando a importância da assis-
tência técnica como suporte a possíveis mudanças em seus sistemas
de produção. Em campo, não é incomum ouvir frases de autodesva-
lorização vindas de agricultores, inclusive durante a realização desta
pesquisa. Por exemplo: “Eu não estudei... não sei de nada... preciso
confiar em quem estudou...”. Fatos assim demonstram baixa auto-
confiança e, obviamente, fortalecem a importância dos conhecimen-
tos dos indivíduos que trabalham com assistência técnica.

Conclusão

Verificar a relação existente entre a educação (formal e informal)


e percepção climática, levando em conta o comportamento pró-am-
biental no sentido da recuperação das pastagens degradadas pelos
agricultores da bacia hidrográfica do Rio das Contas/BA, foi o obje-
tivo proposto para esta pesquisa. Através da análise realizada, obte-
ve-se importantes resultados para a região, o que poderá auxiliar em
algumas medidas mitigadoras do meio ambiente que já se apresen-
tam necessárias. A partir dos resultados, algumas conclusões foram
tiradas acerca do assunto.
As duas hipóteses principais que nortearam a pesquisa foram
confirmadas. A primeira utiliza as ideias propostas por Meyer (2015)
onde é apresentado o conceito principal de que o produtor poderia
aumentar seu conhecimento ao ter acesso à assistência técnica. A se-
gunda hipótese, que utilizou o estudo de Hyland et al. (2015) para ser
formulada, supôs-se que as percepções dos agricultores determinam
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suas avaliações acerca das mudanças climáticas e, portanto, sua dis-


posição para implementar medidas mitigadoras.
Conforme os resultados obtidos, pode-se afirmar que a adoção
de técnicas agrícolas sustentáveis está fortemente relacionada com
a disponibilidade de assistência técnica, pois essa forma de trans-
ferência de conhecimento possui a capacidade de tornar o agricultor
mais consciente a partir de métodos de produção sustentáveis, pro-
dutores pioneiros, ou seja, aquelas pessoas com iniciativas pró-am-
bientais e associações de produtores, local com poder de disseminar
o conhecimento acerca do assunto proposto.
Outro fator importante que também foi validado pela pesqui-
sa, foi o nível de escolaridade. Os resultados indicaram que quanto
maior for o nível de escolaridade do indivíduo, maior será sua pro-
pensão em proteger o meio ambiente. Ou seja, a educação formal se
mostrou importante direcionador para o comportamento pró-am-
biental dos agricultores.
Ademais, o conhecimento a respeito das mudanças climáticas e
seus efeitos sobre a agricultura e a observação de algum tipo de even-
to extremo que possa ser atribuído às mudanças climáticas são indi-
cadores da disposição em utilizar técnicas sustentáveis de produção.
Por fim, como sugestão de política pública, sugere-se a valori-
zação dos conhecimentos empíricos dos agricultores no processo
de busca de investimentos em técnicas de produção mais sustentá-
veis para contribuir no combate às mudanças climáticas, como por
exemplo, as ações contidas no plano setorial para adaptação à mu-
dança do clima e baixa emissão de carbono na agropecuária com
vistas ao desenvolvimento sustentável (Plano ABC+). Dessa forma,
parte-se do pressuposto que essa valorização possibilita que a alte-
ração e, ou, adaptação das técnicas produtivas sejam construídas de
forma conjunta entre agricultores e instituições que trabalham com
agricultura. Nesse contexto, é relevante que as políticas públicas de
desenvolvimento rural, com destaque para as que se relacionam com
as mudanças climáticas, possam ser operacionalizadas, adequadas

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ou construídas de forma participativa, o que provavelmente causaria


maior validação das mesmas por parte dos agricultores.

AGRADECIMENTO

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de


Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Có-
digo de Financiamento 001. Os autores também agradecem ao Con-
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq
pela concessão de Bolsa de Produtividade em Pesquisa (Processos
30XXXX/2018-8 e 42XXXX/2016-0) e Bolsa de Pós-Doutorado Júnior
(Processo 43XXXX/2016-3).

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Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

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Agricultura familiar e assistência técnica:


uma relação pretendida para a promoção do desen-
volvimento rural sustentavel

Seonária Costa Santana, Alane Amorim Barbosa Dias,


Anderson Moreira de Jesus e Lucas Santos Caetano

Introdução

A assistência técnica sempre foi vista como uma oportunidade


ímpar para a promoção do desenvolvimento rural, até mesmo quan-
do tinha-se apenas a ideologia técnica como verdade absoluta. Com a
extensão rural foi possivel perceber que a situação vai muito além do
tecnicismo, premissa que envolve todo um contexto de base multidi-
ciplinar e que prioriza a troca dos saberes.
Fomentada muitas vezes pelos órgãos públicos de carater fede-
ral ou estadual, as possibilidades de promover para o campo uma
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qualidade de vida socioeconomica no que tange a igualdade social


era muito grande, mesmo diante dos fatores adversos. Em destaque,
aparece a prioridade do Estado na relevência da monocultura atra-
vés do agronegócio que se expândia, principalmente em detrimento
a agricultura familiar. Desta forma, entendia-se que o trabalho com
pequenos agricultores não davam os resultados esperados e reco-
menda-se que o trabalho com médios e grandes produtores fosse fei-
to com aqueles que estevam aptos a adotar as tecnologias modernas.
(CAPORAL; COSTABEBER, 2007).
A pressão dos representantes rurais foi crucial para a criação de
novos órgãos, bem como politicas públicas e programas sociais, no
intuito de sanar as brechas existentes, devido pelos anos de negação
vividos pelo povo do campo.
A Questão Agrária é importante para entendermos o desenvolvi-
mento do modo de produção numa sociedade capitalista, resultando
numa disputa direta de projetos para o campo e suas implicações
para a sociedade. (ALMEIDA, 2019).
É através da reforma agraria e da efetividade das politicas pú-
blicas junto ao acompanhamento de uma Assistência técnica de
qualidade e continuada, que se busca a promoção do desenvolvi-
mento rural sustentavel e a melhoria da qualidade de vida, para a
permanência do homem do campo.
O modelo de Extensão Rural, cujo desempenho prático mos-
trou-se frágil diante da realidade, excludente e concentrador de
renda e da terra, além de ter sido responsável por uma enorme de-
gradação ambiental foi um modelo insuficiente diante do quadro
econômico (MUSSOI, 1993). Nesse contexto, Paulo Freire (1983) des-
taca-se como um dos primeiros críticos do processo educacional e
da extensão convencional, tendo proposto o estabelecimento de uma
relação dialética entre o agricultor e o extensionista para a cons-
trução de conhecimentos apropriados a cada realidade, além da tro-
ca de saberes como uma forma de (re) valorização da cultura local.
Este debate foi plano de fundo para culminar com a nova Políti-
ca Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), Lei
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

12.188, de 11 de janeiro de 2010. Política que tem como princípio uma


educação dialógica compreendida como base dessa nova extensão
rural que desafia os profissionais de extensão rural para perspecti-
vas voltadas às habilidades dentro de uma proposta metodológica
de trabalho mais participativa, em um contexto de ações educati-
vas comprometidas com o desenvolvimento rural sustentável das
comunidades.
Este trabalho tem como objetivo refeltir sobre a construção e
estruturação das politicas de assistência técnica e extensão rural e
agricultura familiar no âmbito federal e no estado da Bahia. Nesse
sentindo, utilizou-se como metodologia de desenvolvimento desta
reflexão a pesquisa qualitativa, instrumentalizada pelo levanta-
mento bibliográfico, visando caracterizar e qualificar a discussão
proposta. Como principais bases teoricas de reflexão, utiliza-se Capo-
ral para discussão da extensão rural e da agricultura familiar, bem
como outros autores que tomam este como embasamento critico e
apresentam outras reflexões.
Afirma-se que a cumplicidade existente entre a extensão rural e
a agricultura familiar, refletidas nos tensionamentos das politicas
públicas e programas sociais é de fundante importância para forta-
lecimento e emancipação do homem do campo e das comunidades
tradicionais.
A atuação visando resgate histórico e permanência desses em
seus espaços de luta e autonomia é primordial. Vale refletir a falta de
continuidade das políticas instauradas, partindo do pressuposto de
que tais políticas, tem se tornado bandeira de luta partidária e não
ideal na busca do bem-estar social. Logo, enfrenta-se grandes retro-
cessos e quebra da perspectiva pública da vertente crescente sobre
segurança alimentar e qualidade de vida para o homem do campo
que fornece alimento e força de trabalho para os considerados da
“cidade”.

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Agricultura familiar na premissa da sustentabilidade

O contexto histórico que envolve a agricultura familiar começa


a ter destaque a partir dos anos 90 como uma forma de contrapor a
monocultura que detinha domínio constante quando se tratava da
realidade rural.
A diversidade de culturas começa a ser disseminada e motivada a
partir das iniciativas dos movimentos sociais rurais, que nesta épo-
ca reivindica mais direito e ações que proporcionasse visibilidade ao
povo do campo, isso se dava principalmente com a luta estabelecida
pelo Movimento dos Sem Terra - MST, considerado até então como o
maior movimento social rural já existente, apresentando como sua
maior bandeira, a luta pela terra.
Outra demanda apresentada pelo MST é a reforma agrária. Du-
rante o período de luta do movimento, houve muitas conquistas a
partir das ocupações feitas ao longo dos tempos, no entanto, a re-
forma agrária esperada ainda permanece como sonho/utopia da-
queles que não tem ou possuem uma quantidade irrisória de terra,
em detrimento daqueles poucos que possuem grandes latifúndios,
produtores de monoculturas como soja, milho, algodão e até mesmo
pastagem para gado.
Desta forma segundo Lamarche (1993), é possível afirmar que a
agricultura foi profundamente marcada pelas origens coloniais da
economia e da sociedade capitalista, centrada em três pilares: a gran-
de propriedade, a monocultura de exportação e o trabalho escravo.
Sabe-se da importância que a agricultura familiar tem para a
construção do país, porém, por muitos anos lhes foram negados di-
reitos básicos, o que lhe permitiam a exclusão no acesso as politicas
públicas e ações que possibilitariam desenvolvimento, e melhor qua-
lidade de vida social e econômica.
Só após os primeiros anos da década de 90, a agricultura fami-
liar passa a ter certa visibilidade, ainda não aquela esperada, mas
uma atenção que a permitiu ser vista como categoria social que
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predominava o trabalho familiar e necessitava ter do Estado maior


atenção.
Nesse sentindo em 1994 o Programa de Valorização da Pequena
Produção Rural – PROVAPE abre caminho para a conhecida poli-
tica pública de crédito rural direcionada a agricultura familiar, o
PRONAF - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar, destinando cerca de 650 milhões para financiamento da
agricultura familiar, mas, infelizmente, foi mais uma política criada
que não chegava diretamente ao público alvo para o qual deveria se
destinar. (MATTEI, 2005)
Visando transformar este contexto fora criado a Lei n° 11.326, de
24 de Julho de 2006 que estabelece as Diretrizes para a Formulação
da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Fa-
miliares Rurais. Assim, fica definido que segundo o art.3º desta Lei
considera-se agricultor familiar, empreendimento familiar rural
aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultanea-
mente, aos seguintes requisitos:

I-não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módu-


los fiscais;

II-utilize predominantemente mão de obra da própria família nas


atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;

III- tenha renda familiar predominantemente originada de ativida-


des econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreen-
dimento;

IV-dirija seu estabelecimento ou empreendimento com a família.


(BRASIL, 2006).

Com as reivindicações implantadas pelos Movimentos Sociais


do campo, a agricultura familiar foi ganhando destaque cada vez
mais e abrangendo a diversas áreas ligadas ao rural. Neste aspecto,
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destaca-se a produção de alimentos que passa a ser o carro chefe da


agricultura familiar, englobando neste contexto de produção de ali-
mentos, outras categorias como os pescadores artesanais, quilombo-
las, assentados, ribeirinhos, fundo e fecho de pastos etc.
Nesse sentindo Abramovay (1997, p. 3) fundamenta que a

agricultura familiar é aquela em que a gestão, a propriedade e a maior


parte do trabalho, vêm de indivíduos que mantêm entre si laços de
sangue ou de casamento. Que esta definição não seja unânime e mui-
tas vezes tampouco operacional. É perfeitamente compreensível, já
que os diferentes setores sociais e suas representações constroem ca-
tegorias científicas que servirão a certas finalidades práticas: a defi-
nição de agricultura familiar, para fins de atribuição de crédito, pode
não ser exatamente a mesma daquela estabelecida com finalidades
de quantificação estatística num estudo acadêmico. O importante é
que estes três atributos básicos (gestão, propriedade e trabalho fami-
liar) estão presentes em todas elas. (ABRAMOVAY, 1997, p.3)

Para incentivar ainda mais a produção de alimentos foi criado


em 2003 o extinto, Programa de Aquisição de Alimentos - PAA que
funcionava nas modalidades de compras com doação simultânea:
compra direta; formação de estoque; incentivo a produção e consu-
mo de leite; compra de sementes; compra institucional. Segundo o
Ministério da Agricultura na época, cerca de 40.000 agricultores fa-
miliares foram beneficiados diretamente com o programa.
Em 2009, foi criado outro grande programa que fortalecia ain-
da mais a agricultura familiar em vinculação à alimentação escolar,
através da implementação da Lei nº 11.947 que se tratava do Progra-
ma Nacional de Alimentação Escolar -PNAE. Essa Lei estabelece que
no mínimo 30% recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacio-
nal de Desenvolvimento da Educação - FNDE fosse utilizado pelos
municípios para compra de alimentos para o PNAE, onde a aqui-
sição da merenda escolar tomasse como base a compra de alimentos,
oriundos da agricultura familiar ou de suas organizações, observan-
do ainda os aspectos regionais de produção.
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Mesmo com o estabelecimento desta Lei, muitos agricultores ain-


da possuem dificuldade em fornecer alimentos para o PNAE, devido
a falta de interesse dos gestores dos municípios de implementar o
programa, continuando assim, reféns do super faturamento referen-
te a compra de alimentos de grandes empresas.
Além do PRONAF (custeio e investimento), PAA e PNAE, ao longo
do período que vai de 2009 até 2016, foram criados inúmeros progra-
mas e políticas públicas no intuito de fortalecer a agricultura fami-
liar, auxiliando na permanência do homem e da mulher no campo,
incentivando assim, o desenvolvimento rural sustentável. Para além
dos programas evidenciados, pode citar-se o PNHR - Programa Na-
cional de Habitação Rural, PGPM - Programa de Garantia de Preço
Mínimo, Garantia Safra, Cisternas, Defeso da pesca, Bolsa verde, Re-
forma agrária, Crédito fundiário.
Segundo senso agropecuário realizado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística – IBGE (2019), a agricultura familiar é res-
ponsável pela produção de 70% dos alimentos que vão para a mesa
dos brasileiros, que envolvem a produção de feijão, mandioca, mil-
ho, frutas, verduras, confirmando o ditado popular “Se o campo não
planta, a cidade não janta”.
Mesmo com essa valorosa função de produzir alimentos de qua-
lidade, livre de venenos (agrotóxicos, aromatizantes), a agricultura
familiar ainda não detém a valorização e reconhecimento devido.
Ainda sofre com a falta de estrutura para escoamento de sua pro-
dução e estratégias para uma comercialização justa.
Visto isso, é notória a falta de incentivo para que seja possível a
permanência do homem no campo. A falta de oportunidade para a
melhoria na qualidade de vida, vem contribuindo significativamen-
te para o êxodo rural e consequentemente para o inchaço da área
urbana.
Atualmente a agricultura familiar é motivo de preocupação, de-
vido ao encolhimento da categoria no país. Dados do Censo Agrope-
cuário de 2017 apontam uma redução de 9,5% no número de estabe-
lecimentos classificados como de agricultura familiar, em relação ao
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Censo de 2006, confirmando perda da mão de obra. Desta forma é


perceptível que as famílias no campo vêm envelhecendo sem repo-
sição de trabalhadores mais jovens, o que mostra a latência do êxodo
rural.
Chama-se atenção para essa situação! Acredita-se que a extinção
de vários programas que foram criados na perspectiva de fortaleci-
mento e desenvolvimento da agricultura familiar vem contribuindo
diretamente para esta desestruturação. Esses retrocessos possibili-
tam que o campo volte ao estágio inicial, onde se traçava apenas cari-
caturas pejorativas e que
Mesmo com a implantação de políticas públicas e programas so-
ciais que visavam contribuir com o desenvolvimento rural, várias
mazelas não foram sanadas, e isso impossibilitou que a população
rural em sua maioria, se tornassem protagonistas capazes de gerir
sua própria história, e para contribuição nesse processo, se inclui a
falta de uma Assistência técnica de qualidade e continuada, que com
certeza poderia transformar positivamente o rumo dessa história.

As implicações da Extensão rural na contemporâneidade

Na expressividade da agricultura familiar, a extensão rural tem


um papel fundamental. Considerando que a agricultura familiar é
uma atividade secular, hereditária e cultural, observando os aspec-
tos regionais e que entra em declive ao serem adotadas novas pos-
turas comerciais e relacionais apresentadas pela Revolução Verde e
sua adequação ao capitalismo. A extensão rural aumenta a notorie-
dade desta prática milenar que sustenta diversas famílias há séculos.
A agricultura familiar se correlaciona com base na extensão ru-
ral de forma a materializar e instrumentar o conjunto prático, ele-
mentar e cultural apresentado pela família rural. A extensão rural
se expressa nesse sentindo como a liga que faltava na expressividade

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da agricultura familiar, tendo em vista ainda recuperar aspectos per-


didos e ressignificar certas práticas e costumes.
Visando o desenvolvimento sustentável, às ações desenvolvidas
juntas com o agricultor familiar devem permear ao ideal de extensão
com vista à comunicação como enfatiza Paulo Freire e não nos mol-
des da assistência técnica que visa apenas à aplicação de certo ins-
trumento/resolução de problemas específicos, não pautando ações
educativas como método de ação.
Essa extensão deve apresentar-se na perspectiva emancipadora,
visto que o conhecimento e o conteúdo a ser adotado não se apresen-
tam de forma estática, mas se adapta considerando a conjuntura na
qual é apresentada. Ao pensar a extensão rural com base em ações
sustentáveis, o homem que deveria se modificar ao conjunto do meio
ambiente (terra, clima, vegetação) que se insere e não este conjunto
do meio ambiente se adequar as necessidades “lucrativas e imedia-
tas” que este sempre busca.
Neste cenário como a extensão rural se apresenta? Peixoto (2008)
relata que ao contrário do que se costuma propagar o conceito de
extensão rural não é autoexplicativo, existindo ainda diversos con-
ceitos e explicações conceituais e práticas que se deliberam ao lon-
go das mudanças conjunturais, assim a extensão rural assume três
formas diferente de conceituação: processual, institucional e como
política.
A extensão rural como conceito processual esta vinculado à sua
perspectiva educativa de comunicação do conhecimento; na pers-
pectiva institucional relaciona-se à forma de atuação, sendo desem-
penhada por instituição e/ou entidade não governamental ou orga-
nização pública prestadora de serviços de ATER que se classifica a
nível municipal, Estadual e Federal. Já seu conceito como política
compreende às politicas traçadas pelo governo Federal, sendo dispo-
sitivos para a base de atuação das entidades que prestam os serviços
de ATER. (PEIXOTO, 2008).

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Considerando nessa conjuntura que a ATER apresenta-se como


conjunto de ações do Estado e direito fundamental do agricultor. As-
sim, Caporal (2006) implica que

A Extensão Rural pública deve priorizar a relação entre agricultores


e agentes de Ater, criando novas possibilidades de resgate dos con-
hecimentos locais e de participação consciente nas mudanças ne-
cessárias nos níveis político, social, ambiental, econômico, cultural
e Ético. Além disso, deve estimular o estabelecimento de laços de so-
lidariedade no meio rural. (CAPORAL; RAMOS, 2006, p. 6-7).

Numa visão panorâmica, a Assistência Técnica e Extensão Rural


são interligadas, sua forma de atuação que tende a si diferenciar.
Mas, Peixoto (2008, p. 8) afirma ainda que “dificilmente uma ação de
extensão rural deixará de abranger ações de assistência técnica.”.
A principal distinção da extensão rural e da assistência técnica
esta moldada não apenas no modus operandi, mas ao público que
tais formas visam atender. A extensão rural pautada em legislação
própria e específica é desenvolvida por instituições públicas e/ou
não governamentais que atuam através do processo educativo de co-
municação não deixando de abranger ações de assistência técnica,
mas ampliando seu leque de atuação e reflexão. No que tange à assis-
tência técnica, essas ações são desenvolvidas pela indústria produ-
tora de insumos e equipamentos agropecuários e da agroindústria
que visam aprimorar a produtividade dos agricultores patronais e
industriais. (PEIXOTO, 2008).
A expansão da extensão rural no Brasil se propaga nos moldes
do enfoque difusionista. Este modelo pondera às ações da extensão
rural apenas como a difusão de uma pratica previamente estabele-
cida em um dado período de tempo e cultura. Nesse sentido, visan-
do pensar às ações desenvolvidas pela extensão rural no que tange
seu olhar para agricultura familiar, destaca-se que ate considerar a
“consolidação” da ATER através da Politica Nacional de Assistência
técnica e Extensão Rural, esta transita por três fases.

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Conforme Lisita (2005) a primeira fase da ATER no Brasil corres-


ponde o período de 1948 à 1960, sendo chamada de humanismo as-
sistencialista. A atuação do extensionista baseava-se nas ações pa-
ternalistas e possuía como foco principal aumentar a produtividade
agrícola. A segunda fase conhecida como difusionismo produtivista,
situa-se no período de 1964 a 1980, direcionada através do crédito
agrícola que implicava na influência do produtor rural na adoção de
novas tecnologias. A extensão nessa fase possui caráter paternalista
e tutorial.
O período de 1980 delimita o começo da expressividade da ex-
tensão rural no Brasil. Esse período como enfatiza Lisita (2005),
preconiza a evidenciação da consciência crítica dos extensionistas
e a adoção da pedagogia da libertação apresentada por Freire, bem
como a construção do planejamento participativo. Essa fase é deno-
minada de humanismo critico.
De acordo Caporal (2003) as ações da ATER brasileira deveriam
caminhar para uma perspectiva de atuação holística e sistêmica,
embasada na compreensão de todo ecossistema e na noção de des-
envolvimento sustentável e agroecológica. Essa ATER partiria da
premissa de pensar-se a ATER como bem público, visando atender
não apenas o aumento da produtividade e produção agrícola, mas to-
mando como aporte o objetivo de caminhar na perspectiva da equi-
dade e inclusão social, estabilidade da produção e sustentabilidade
ambiental.
Visando a construção de uma ATER pública na prisma do des-
envolvimento sustentável, podendo ainda evidenciar sua direta in-
fluência na consolidação dos objetivos da agenda 2030, a citar-se:
erradicação da pobreza, fome zero e agricultura sustentável, redução
das desigualdades e consumo e produção responsável.
Caporal (2003) elenca alguns elementos que deveriam ser incor-
porados à política de ATER para o estabelecimento de uma nova poli-
tica de ATER pública: alcançar metas de produtividade sem prejudi-
car o meio ambiente e à saúde pública, preservando a qualidade dos
alimentos e a agricultura sustentável; investimento em programas
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que visem fortalecer a agricultura familiar, combatendo a pobre-


za rural; oferecimento de serviços públicos gratuitos de qualidade,
priorizando o alcance dos menos favorecidos do meio rural; ofereci-
mento de uma extensão rural contínua como ferramenta de ação do
Estado.
Com base nesses elementos, Caporal (2003) ressalta ainda que
esse novo serviço público de ATER dedicaria maior atenção às famí-
lias rurais que não podem pagar pelos serviços apresentados pela
extensão rural. Assim, com base nessas premissas ter-se-ia delimita-
do e efetivado uma ATER de qualidade, gratuita e continuada como
apresenta a proposta da PNATER, pois “esses aspectos conduzem a
pensar que a extensão rural pública, no âmbito nacional, deverá re-
definir diversos aspectos de sua missão e objetivos, de seu enfoque e
metodologia, dos conteúdos de suas mensagens, assim como delimi-
tar a clientela a que se propõe alcançar.” (CAPORAL, 2003, p. 5).
Sob os moldes apresentados por Caporal, a real política de ATER
deveria desenhar-se sob alusão das perspectivas agroecológicas de
atuação, sobrepondo-se ao modo como vem sendo executada ao
longo dos anos, dando ênfase ainda para prerrogativa de atuação da
ATER pública e de qualidade. Nesse sentindo, Pereira; Castro (2017, p.
22-23) enfatizam que

A exclusividade da ATER pública para os agricultores familiares


constitui mudança sensata por dois motivos principais. Em primeiro
lugar, após o desmonte da EMBRATER e com o intenso crescimento
das atividades agropecuárias desenvolvidas pelo segmento capitalis-
ta (conhecido popularmente como agronegócio), os agricultores mais
capitalizados passaram a ser atendidos por diversas instituições pri-
vadas [...]. Em segundo lugar, imposta a realidade de recursos escas-
sos do Estado para atender a demandas variadas e crescentes da so-
ciedade e na impossibilidade de, com esses recursos, oferecer uma
cobertura universal para todos os agricultores, a opção por atender
àqueles agricultores com menor capacidade de acesso à Ater que não
a pública e gratuita constitui forma mais justa e eficaz de alocar os

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recursos públicos destinados para esse tipo de serviço. (CASTRO; PE-


REIRA, 2017, p. 22-23)

Com base panorâmica, Caporal (1998) propõe a ERA – Extensão


Rural Agroecológica, “[...] construída a partir da compreensão de
que ante os desafios do desenvolvimento sustentável, os aparatos
públicos de extensão terão que transformar sua prática convencio-
nal para que possam atender às novas exigências da sociedade [...]”.
(CAPORAL; DAMBRÓS, 2017, p.278). Destarte, Caporal (1998) define
a ERA

como um processo de intervenção de caráter educativo e transfor-


mador, baseado em metodologias de investigação-ação participante,
que permitam o desenvolvimento de uma prática social mediante a
qual os sujeitos do processo buscam a construção e sistematização
de conhecimentos que os leve a incidir conscientemente sobre a rea-
lidade, com o objeto de alcançar um modelo de desenvolvimento
socialmente equitativo e ambientalmente sustentável, adotando os
princípios teóricos da Agroecologia como critério para o desenvolvi-
mento e seleção das soluções mais adequadas e compatíveis com as
condições específicas de cada agroecossistema e do sistema cultural
das pessoas implicadas em seu manejo. (CAPORAL, 1998).

Ao delinear-se a Política Nacional de Assistência Técnica e Ex-


tensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNA-
TER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER perce-
be-se que seu caminho, apresenta-se em uniformidade aos ideais
realçados por Caporal (2003; 2006; 2017) ao denotar à nova proposta
de ATER brasileira, com foco no serviço gratuito que dá ênfase à ação
continuada, holística e na perspectiva local e global, mas a unifor-
midade de aplicação desta, observando ações desenvolvidas à nível
federal e as entidades que a executam entram em discrepância ao
pensar-se esta nova roupagem e considerando ainda a conjuntura
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na qual é submetida tal política e programa, visando ainda salientar


o total desmonte de Estado na qual as políticas de cunho social vem
enfrentando na última década.
A PNATER foi instituída em 2010 pela Lei 12.188/2010, sendo for-
mulada e supervisionada pelo instinto Ministério de Desenvolvi-
mento Agrário (MDA). Segundo esta, os recursos financeiros devem
ser aplicados prioritariamente a entidades e órgãos públicos e ofi-
ciais de ATER. Neste mesmo prisma, define o serviço de ATER e insti-
tui a DAP (Declaração de Aptidão ao Pronaf). Dessa maneira, confor-
me a PNATER, a ATER é um

[...] serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio


rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento
e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não
agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e
artesanais; (BRASIL, 2010)

Ao traçar um paralelo entre as prerrogativas implicadas por Ca-


poral (1998) ao descrever as prerrogativas da ERA, a PNATER apre-
senta como princípios os elementos evidenciados pelo autor para
construção de uma ATER gratuita e de qualidade. Deste modo, a
PNATER apresenta como princípios de atuação:

I - desenvolvimento rural sustentável, compatível com a utilização


adequada dos recursos naturais e com a preservação do meio am-
biente;

II - gratuidade, qualidade e acessibilidade aos serviços de assistência


técnica e extensão rural;

III - adoção de metodologia participativa, com enfoque multidiscipli-


nar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cida-
dania e a democratização da gestão da política pública;

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Agricultura familiar e assistência técnica
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

IV - adoção dos princípios da agricultura de base ecológica como en-


foque preferencial para o desenvolvimento de sistemas de produção
sustentáveis;

V - equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia; e

VI - contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricio-


nal. (BRASIL, 2010).

A institucionalização da ATER através da política e do programa


que embasa às ações desta, delimita o marco de mudança e das novas
perspectivas de atuação, configurando-se às propostas que direcio-
navam os extensionistas anteriores. A PNATER assim apresenta uma
clara ruptura com as ações extensionistas difusionistas e as ações
pautas no pacote da Revolução Verde.
Conforme elucida as mudanças na nova proposição da extensão
rural, a ATER se descentraliza da ater pública, podendo atuar enti-
dades estatais e não estatais neste campo, observando estas, as di-
retrizes estabelecidas. Essas entidades devem, no entanto, ter como
natureza principal atividades direcionadas e continuadas com a
agricultura familiar e demais público de atuação da ATER. (BRASIL,
2010)
As diretrizes apresentadas pela PNATER são instrumentalizada
pela PRONATER - Programa Nacional de Assistência Técnica e Ex-
tensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária. Este pro-
grama tem como objetivo “a organização e a execução dos serviços de
Ater ao público beneficiário previsto no art. 5o desta Lei, respeitadas
suas disponibilidades orçamentária e financeira.”. (BRASIL, 2010).
Vale ressaltar que anterior à consolidação da nova politica de
ATER através dos dispositivos apresentados, já existia um debate que
visava consubstanciar e consolidar o desenho na nova ATER conhe-
cida atualmente, desde a não adequação das práticas às necessida-
des locais dos agricultores à culminação do PRONAF – Programa

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Nacional de Fortalecimento da Agricultura familiar que baseia um


momento de consolidação econômica na vida dos agricultores.
A continuidade de forma qualificada da extensão rural é uma pre-
missa de fundante relevância para que o Brasil consiga alcançar os
ODSs, bem como a permanência no campo do público atendido pela
ATER, que possibilita o fornecimento de uma alimentação saudável,
equilibrada e de qualidade para mais de 70% dos brasileiros, visto
que a produção do agronegócio se consolida na exportação, princi-
palmente da monocultura de grãos (milho, soja) e animais (gado).
Diante de uma total desestrutura organizacional apresentada
pela conjuntura atual (pandemia do COVID-16 e desmonte organiza-
cional do Estado), indaga-se como ficará á atuação da ATER no mo-
mento presente e futuro, visto a desativação do MDA e do não repas-
se a nível Federal dos recursos para promoção da ATER. Fala-se da
ATER digital, e concomitantemente vem questionamentos relacio-
nados a quem se estenderá esta ATER, se um dos principais gargalos
encontrado no meio rural é a falta e dificuldade no acesso a internet
e o manuseio de equipamentos digitais por parte dos agricultores.

Da escala federal à Bahia: quais os desdobramentos para a


ATER e a agricultura familiar?

Com base no que foi apresentado, constata-se que após as inúme-


ras reivindicações feitas principalmente pelos movimentos sociais
que defendiam a bandeira da melhoria da qualidade de vida no cam-
po, os governos buscaram atendê-las criando órgãos que pudessem
contribuir com o desenvolvimento rural sustentável, e diminuir os
gargalos existentes quando se referia à população rural.
A caminhada neste sentido foi muito longa e árdua, isso porque
a prioridade do Estado sempre pendia para os grandes produtores
no fomento do agronegócio e/ou exportação. A facilidade existen-
te para os latifundiários terem acesso a investimentos financeiros,
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Agricultura familiar e assistência técnica
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

tecnologias, maquinários, eram muito grandes, quanto que aos pe-


quenos produtores (agricultores familiares) a burocracia existente
só dificultava para estes terem até mesmo, acesso a valores irrisórios
comparados aos grandes produtores.
Desta forma, a dificuldade só possibilitava o aumento da des-
igualdade e a desvalorização da população rural que já sofriam com
a falta da reforma agrária que não acontecia e só aumentava a con-
centração da terra nas mãos de poucos.
Assim, a nível Federal foram criadas algumas instituições com
a finalidade de elevar os produtores rurais, o primeiro e mais anti-
go desses órgãos é o Ministério da Agricultura Pecuária e Abasteci-
mento - MAPA, criado em 1906. É o Ministério do Poder Executivo do
Brasil cuja competência é formular e implementar as políticas para
o desenvolvimento do agronegócio, integrando os aspectos de mer-
cado tecnológicos, organizacionais e ambientais, para o atendimen-
to dos consumidores do país e do exterior, promovendo segurança
alimentar, geração de renda e emprego, redução das desigualdades
e inclusão social.
Até a atualidade, o MAPA, passou por inúmeras mudanças, ade-
quações e nomenclaturas, ocasionando a criação de novos órgãos
a ele vinculados, ou seja, superintendências, autarquias e unidades
avançadas para trabalhar especificamente cada pasta ligada ao meio
rural.
Para exemplo desses órgãos destaca-se a Comissão Executiva do
Plano da Lavoura Cacaueira - CEPLAC (1954); Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária-Incra (1970); a Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA (1973); Companhia Nacional de
Abastecimento - CONAB (1990), dentre vários outros, criados para
subsidiar e atender as demandas surgidas principalmente através
dos movimentos populares do campo.
É através desses órgãos que acontecem à veiculação de projetos,
desenvolvimento de políticas públicas, programas sociais (como os
que já foram citados), visando possibilitar um desenvolvimento ru-
ral sustentável do campo, atuando em áreas como a reforma agrária,
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educação do campo, soberania alimentar, crédito rural, habitação,


meio ambiente. Fica claro que sem uma Assistência Técnica de quali-
dade e continuada, se torna quase impossível promover a efetividade
das ações criadas pelas instâncias no intuito de promover o desen-
volvimento sustentável.
Observando as instâncias no Estado da Bahia, neste contexto do
desenvolvimento rural, houve grandes investimentos para que este
avanço fosse possível e de fato alcançável para a agricultura familiar,
visto que o Estado da Bahia, assim como os municípios do nordes-
te, por muito tempo esteve vulnerável e não tinham suas demandas
como prioridade a serem atendidas; mesmo tendo grande parte dos
417 municípios, enquadrado com o índice de desenvolvimento hu-
mano - IDH bem abaixo do especulado a nível nacional.
Com a junção entre a Empresa de Pesquisa Agropecuária da Ba-
hia - EPABA e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da
Bahia – EMATER/BA, surge em 1991 a Empresa Baiana de Desenvolvi-
mento Agrícola - EBDA, vindo a ser esta, a entidade responsável pela
Assistência Técnica e Extensão Rural do estado.
Com a atuação técnica da EBDA, fora possível estabelecer uma
relação produtiva e socioeconômica entre os agricultores familiares
na Bahia. A atuação previa o fortalecimento do desenvolvimento da
agropecuária, com atividades agrícolas e não agrícolas com foco na
agricultura familiar abrangendo as diversidades culturais de outros
públicos, também classificados como produtores rurais da agricul-
tura familiar, como os assentados da reforma agrária, quilombolas,
fundo e fecho de pastos, pescadores artesanais, quilombolas, indíge-
nas dentre outros. Através da extensão rural ofertada pela EBDA foi
possível disseminar as políticas públicas criadas para atender a mi-
noria que por muito tempo foi marginalizada na Bahia.
Através dos escritórios regionais espalhados pelo Estado, a em-
presa conseguia estender seus serviços de ATER pelos 417 municí-
pios, abrangendo diversas áreas, desde a gestão da propriedade, a
produção sustentável, conservação do solo e das águas, produção de
alimentos, diversificação de culturas e escoamento da produção.
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Com o passar dos anos, se fazia necessário que a EBDA passasse


por uma revitalização estrutural (novos carros, computadores e ou-
tros equipamentos) e um aumento no quadro profissional (contra-
tação de novos profissionais da área) para aumentar a área de abran-
gência e melhorar a qualidade de serviços prestados.
No entanto, após 50 anos de atuação efetiva na prestação de uma
Assistência Técnica, extensão e pesquisa em diversas áreas, o Gover-
no do Estado, resolve em 2016 pela extinção da EBDA, substituindo-a
pela Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Ru-
ral - BAHIATER, vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural
- SDR.
Ao contrário do que se esperava a BAHIATER não conseguiu
cumprir exitosamente o objetivo para a qual foi criada. Deixando
a desejar no atendimento aos agricultores familiares. No intuito de
conseguir sanar arestas foi criado as Secretarias Territoriais da Agri-
cultura Familiar - SETAF que em sua maioria, estão ociosas em seus
Territórios de atuação, não atendendo a expectativa para que fora
criada.
Sendo os SETAFs unidades territoriais descentralizadas de repre-
sentação da Secretaria de Desenvolvimento Rural-SDR, segundo a
SDR sua finalidade é desconcentrar, descentralizar, articular e im-
plementar programas, projetos, ações e políticas públicas voltadas
para o desenvolvimento rural.
A SDR vem estimulando as prefeituras municipais para a insta-
lação, em cada Secretaria Municipal de Agricultura ou Desenvolvi-
mento Rural (ou órgão semelhante), do Serviço Municipal de Apoio
à Agricultura Familiar - SEMAF, contribuindo para ampliar e quali-
ficar a articulação institucional e a oferta de serviços de promoção
do desenvolvimento rural e fortalecimento da Agricultura Familiar.
Cabe salientar, que mediante a esse incentivo, a maioria das se-
cretarias de agricultura dos municípios baiano, ainda não aderiram
a proposta, fazendo com quê a ATER na Bahia continue andando a
curtos passos.

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Com a implantação de Projeto do Governo do Estado da Bahia,


executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional -
CAR, empresa pública vinculada à Secretaria de Desenvolvimento
Rural – SDR, a partir de Acordo de Empréstimo firmado entre o Es-
tado e o Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento
(Banco Mundial).
O Bahia Produtiva foi criado e com ele diversos objetivos na ex-
pectativa de contribuir com o desenvolvimento rural na Bahia, tais
como:

-Aumentar a integração ao mercado, promover a segurança alimen-


tar e nutricional, melhorar o acesso ao serviço de abastecimento de
água e saneamento de domicílios.

-Melhorar a infraestrutura básica necessária para apoio à produção


e a comercialização.

-Promover a inclusão econômica e social de mulheres, jovens, povos


indígenas, comunidades tradicionais e empreendedores da econo-
mia solidária.

-Fortalecer a capacidade das associações comunitárias/organizações


de produtores para elaborar e implementar e gerir os subprojetos.

-Promover a adoção de práticas de gestão sustentável de recursos na-


turais em áreas de produção. (CAR, [s.d])

Mesmo com a implantação, Bahia Produtiva, muita coisa ainda


precisa ser feito para que a Bahia possua uma ATER de qualidade e
continuada, e que possibilite de fato um grande avanço no protago-
nismo rural, estendendo-se para aqueles que vivem desprovidos de
tudo que possa lhe proporcionar uma qualidade de vida digna.
Delimitando todo este cenário posto na conjuntura das políticas
de ATER e da agricultura familiar, esta perspectiva convoca uma
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nova maneira de entender as necessidades das unidades de pro-


dução familiar, destacando não só a produtividade, mas também
o aumento da renda e do bem-estar das famílias rurais. Destarte, a
agricultura familiar na Bahia promove ocupação, emprego das po-
pulações rurais, produção de alimentos, inclusive para o autoconsu-
mo, por isso a ATER se torna indispensável para o desenvolvimento
deste setor. (DIAS, 2007).

O Estado da Bahia ocupa uma área de 564.733 km², que representa


6,6% da área total do Brasil (8.515.767 km²). Convém mencionar que
boa parte do território baiano está inserida no semiárido brasilei-
ro, cujas condições climáticas restringem a produção agrícola, com
significativa influência nos desdobramentos dos aspectos sociais e
econômicos no campo. O semiárido baiano ocupa 79% do território
do Estado e representa “39,5% de todo o Semiárido Brasileiro” (PES-
SOTI; PESSOTI, 2019, p. 385).

Neste enlace, “no ranking das 27 unidades da federação, a Bahia


detém a quinta posição em extensão territorial. É o quarto estado
mais populoso, com 14.016.906 habitantes, distribuídos em 417 mu-
nicípios. Dentre esses municípios, 240 ou 57,5% têm menos de 20 mil
habitantes”. (IBGE, 2010).
Comparando-se o número de estabelecimentos que receberam
ATER os estabelecimentos da agricultura familiar, apresentam a me-
nor participação nas três escalas espaciais: Brasil, Nordeste e Bahia
(IBGE/SIDRA, 2019).

O serviço de ATER na Bahia está restrito ao desenho de uma política


focal, limitada no tempo e espaço por contratos. Embora apresen-
te um caráter crítico, democrático e participativo, coerente com os
princípios da PNATER, a política estadual é imitada pelo orçamento
público (SILVA, 2020, p. 342).

O serviço de ATER deve identificar problemas e procurar so-


luções, perpassando o campo da agropecuária, abrangendo "os níveis

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político, social, ambiental, econômico, cultura e ético" (CAPORAL &


RAMOS, 2006, p.6-7).
E mesmo os agricultores familiares desempenhando um impor-
tante papel não recebem a assistência na maioria dos seus estabele-
cimentos na Bahia (NOIRTIN, 2013).
Apenas cerca 22% dos estabelecimentos, sendo mais comum
entre os médios e grandes produtores, o que quer dizer que grande
parte dos agricultores familiares não recebe este tipo de serviço. Ou-
tro dado importante revelado pelo censo é que o nível de acesso do
produtor aos serviços da ATER tem relação direta com seu grau de
instrução. Assim, infere-se que a educação – formal e não formal –
é uma ferramenta essencial para ampliar esse acesso, influencian-
do diretamente o desenvolvimento regional sustentável (NORTIN,
2013).
A indisponibilidade dos serviços mencionados dificulta ou mes-
mo inviabiliza a permanência do agricultor no meio rural (OLIVEI-
RA, 2012). Então é necessária a maior participação da agricultura
familiar nas políticas de ATER, atendendo as especificidades da plu-
ralidade da categoria, num trabalho dialógico e continuado.

Aspectos conclusivos

Em virtude do que foi exposto, é evidente a importância de órgãos


públicos para atuarem na criação das políticas públicas. Infelizmen-
te o que mais tem acontecido é o desmonte e consequentemente a ex-
tinção dessas instâncias, bem como dos programas que através deles
foram criados para elevar a agricultura familiar.
A contento, volta-se ao início onde os grandes latifundiários con-
tinuam com a maior parte das terras, sem a mínima preocupação
com a diversidade cultural e o meio ambiente, utilizando desenfrea-
damente os agrotóxicos nas suas produções. Nesta mesma situação
também os acompanha a ATER, que a cada dia se distância dos
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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

objetivos para que fôra criado: uma assistência de qualidade e con-


tinuada com profissionais qualificados e estruturas adequadas para
exercer sua função; não a uma ATER terceirizada e com validade,
que sempre volta ao marco zero.
Em meio a este contexto, percebe-se o regresso vivenciado e a luta
não vencida em prol daqueles que sempre foram à última opção. É
preciso reascender os Movimentos sociais para que a luta não cesse e
a esperança de que dias melhores virão, e com eles aquilo que é espe-
rado, a equidade social e um desenvolvimento rural sustentável para
uma melhor qualidade de vida do e no campo, através da garantia
dos direitos resguardados pela Constituição à todos os seres conside-
rados humanos.
Diante do grande retrocesso apresentado pela conjuntura e pela
efetivação crescente das políticas neoliberais, a ATER, a agricultura
familiar, a segurança alimentar e a qualidade de vida, sendo fomen-
tada como direito através das politicas públicas através da perspecti-
va do Estado de bem-estar social, torna-se uma utopia, incentivando
que cidadão/cidadã volte a trocar sua força de trabalho apenas pelo
pão diário, sem a mínima condição de trabalho possível.
Apesar da cooptação das representações dos movimentos sociais
ser constante por parte do Estado, faz-se necessário a retomada da
organização comunitária, em vista a hegemonia, numa perspectiva
critica, autônoma, participativa, independente e autogestionária,
tendo como ideário uma vida do e no campo de maneira sustentável.

Referências

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Sobre as autoras e autores


Volume 2: Educação, ATER e cooperativismos

Alane Amorim Barbosa Dias Graduada em Tecnologia em Gestão de


Cooperativas pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia
(UFRB). Pós Graduada em Inovação Social com Ênfase em Econo-
mia Solidária e Agroecologia pelo IFBaiano e Mestranda em Ex-
tensão Rural (UNIVASF).

Alynson dos Santos Rocha é Economista (UFBA), Doutor em Geogra-


fia pelo Instituto de Geociências da Universidade Federal da Ba-
hia e Mestrado pela Escola de Economia da UFBA. Atualmente é
professor da Escola de Economia da UFBA. Pesquisador de temas
envolvendo Agricultura Familiar particularmente no semiárido
baiano. <alynson@ufba.br>

Anderson Moreira de Jesus Graduado em Engenharia Floresta


(UFRB) e Mestrando em Extensão Rural (UNIVASF)

Antônio Domingos Moreira Mestre em Educação pela Universidade


Estadual do Sudoeste da Bahia - PPGEd/UESB; Especialista em
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Volume 2:Tatiana Ribeiro
Educação, ATERVelloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
e cooperativismos
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

Agroecologia pelo IF/Baiano; Professor da Rede Municipal de Ria-


cho de Santana - Ba; Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo e da
Cidade - GEPEMDECC; E-mail: tony.dom1987@gmail.com

Antônio Domingos Moreira Mestre em Educação pela Universidade


Estadual do Sudoeste da Bahia - PPGEd/UESB; Especialista em
Agroecologia pelo IF/Baiano e Supervisão Escolar e Coordenação
Pedagógica - Faculdade Montenegro; Professor da Rede Munici-
pal de Riacho de Santana - BA; Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do
Campo e da Cidade - GEPEMDECC; E-mail: tony.dom1987@gmail.
com

Arlete Ramos dos Santos Pós-Doutora em Movimentos Sociais e Edu-


cação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGED/UESB); Prof.ª Titular da
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Coordena-
dora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais,
Diversidade e Educação do Campo e da Cidade - GEPEMDECC/
DCIE/UESC/UESB/BA). E-mail: arlerp@hotmail.com

Attawan Guerino Locatel Suela - Bacharel em Agronegócio pela Uni-


versidade Federal de Viçosa (2017). Doutorando do Programa de
Pós-Graduação em Economia Aplicada da Universidade Federal
de Viçosa. Mestre em Economia Aplicada pela Universidade Fede-
ral de Viçosa (2019). Avenida Purdue, s/nº, Campus Universitário.
Edifício Edson Potsch Magalhães. CEP: 36570-900, Viçosa – MG.
attawan_zull@hotmail.com;

378
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Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Bruno Cezar Silva Bacharel em Direito pela Universidade do Estado


da Bahia (UNEB),OAB PE 29670, Doutor em Agroecologia e Des-
envolvimento Territorial pela Universidade Federal do Vale do
São Francisco (Univasf), Mestre em Gestão de Políticas Públicas
e Segurança Social pela Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (UFRB), Especialista em Direito Processual Civil pela FIJ-
RJ. Servidor TAE da Univasf. Professor Permanente do Mestrado
Profissional em Administração Pública(Profiap -Univasf), Coor-
denador do Curso de Especialização Latu Sensu Tecnologias de
Baixa Emissão de Carbono: Fortalecendo a Convivência com o
Semiárido da Univasf. Membro da Associação Brasileira de Agro-
ecologia (ABA). Membro titular do Conselho Municipal do Meio
Ambiente - CMMA - Biênio 2021/2022 da cidade de Juazeiro/Ba.
Exerceu cargo de Pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimen-
to Institucional da Univasf (2016-2020; 2021-2022) Membro do
Grupo de Pesquisa Interdisciplinar sobre Saúde, Educação e Edu-
cação Física (GIPEEF) da Univasf certificado no DGP da CNPq.
Áreas de interesse e de pesquisa: Criminologia, Teoria Geral do
Processo, Direito Administrativo, Processo Administrativo Disci-
plinar, Gestão Pública, Direito Ambiental, Agroecologia e Desen-
volvimento Sustentável.

Bruno dos Santos Silva Graduado em Engenharia Agronômica


(UNEB). Mestrando em Extensão Rural (UNIVASF).

Danilo Uzêda da Cruz é Pós-Doutor em Desigualdades Globais e Jus-


tiça Social (FLACSO/UNB). Doutor em Ciências Sociais (UFBA);
Mestre em Desenvolvimento Regional e Urbano (UNIFACS); Li-
cenciado em História (UEFS) e em Ciências Sociais (UFBA). Des-
envolve pesquisas em Ciência Política e História, com ênfase em
políticas públicas, democracia e participação social. Lecionou
como professor substituto no Departamento de Ciência Política
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Volume 2:Tatiana Ribeiro
Educação, ATERVelloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
e cooperativismos
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

da Universidade Federal da Bahia. É pesquisador nos Grupos de


pesquisa DEPARE e Periféricas ambos vinculados à UFBA.

Edna Maria da Silva. Doutora em Economia pela Universidade Fe-


deral da Bahia (UFBA). Mestrado e Graduação em Economia pela
UFBA. Professora na Escola de Medicina Veterinária e Zootecnia
da UFBA. Pesquisadora na temática do rural, especialmente sobre
temas vinculados à agricultura familiar. E-mail: ednasilv@ufba.
br.

Fabiana Marques Santos é professora da Escola Municipal São Judas


Tadeu, Vice Diretora da Escola Família Agrícola dos municípios in-
tegrados da região de Irará e Dirigente sindical da APLB/Sindica-
to Irará. Tem experiência na área de Biologia Geral. Graduada em
Educação do Campo com habilitação em Ciências da Natureza, na
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB. È professora
da Educação Básica há 28 anos. Possui experiência no ensino de
História, Sociologia, Agricultura e Educação de Jovens e Adultos.
Atuou por 2 anos na coordenação pedagógica na Rede Municipal
de Ensino de Irará, por 3 anos na coordenação de Projetos Sociais
da Escola Família Agrícola dos Municípios Integrados da Região
de Irará - Bahia, 3 anos na Vice Direção na Escola família Agrícola
dos Municípios integrados da Região de Irará. Atuou por 4 anos
como Gestora das escolas do campo da educação básica da rede
municipal de Irará. Atua no Conselho Municipal de Educação de
Ouriçangas e Irará. É membro do Conselho do Fundo de Desen-
volvimento da Educação Básica - FUNDEB, do município de Ira-
rá. Nesta função coordenou varias audiências publicas visando
elaborar resoluções de forma participativa com a sociedade. Tem
interesse pelas temáticas Educação de Jovens e Adultos, Educação
do Campo, formação de professores, Comunidades Quilombolas,

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Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Agricultura Familiar, Agroecologia, Economia Solidária, Gênero


e Movimento Sindical.

Gabriel Locatel Suela - Estudante do curso de Agronomia na Univer-


sidade Federal do Recôncavo da Bahia - BA;

Gilmar dos Santos Andrade Doutorando em Agroecologia e Desenvol-


vimento Territorial (UNVASF), pelo Programa de Pós Graduação
em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial (UNIVASF, UFR-
PE e UNEB). Mestre em Educação do Campo pela Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB (2016). Especialista em
Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial do Semiárido
Brasileiro - UFRB (2012). Possui graduação em Agroecologia pelo
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná -
IFPR (2010). Licenciatura em História pela Centro Universitário
Internacional - Uninter (2019). Estuda educação do campo, agro-
ecologia, juventude camponesa, pedagogia da alternância e mo-
vimentos sociais do campo.É militante da Pastoral da Juventude
Rural, contribuindo com assessoria. É educador do campo no cur-
so Técnico em Agropecuária da Escola Família Agrícola do Sertão
(EFASE), Compõe a Coordenação Político Pedagógica do Curso
de Graduação em Tecnologia em Agroecologia (EFASE/ UFRB).
Membro da Equipe Pedagógica da Rede das Escolas Famílias Agrí-
colas Integradas no Semiárido (REFAISA).

Gisélia Silva Leonardo é graduada em Economia pela Escola de Eco-


nomia da UFBA. <gisasilvah@gmail.com>

Helder Ribeiro Freitas Professor Associado I da Fundação Univer-


sidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Graduou-se
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Volume 2:Tatiana Ribeiro
Educação, ATERVelloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
e cooperativismos
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

em Engenharia Agronômica (UFV, 2002), Mestrado (UFV, 2004)


e Doutorado (UFV, 2009) em Solos. Atuou junto ao Programa de
Assessoria Técnica e Social junto a instituições públicas, não go-
vernamentais e organizações sociais de agricultores e em pro-
jetos de intervenção social participativa e projetos de extensão
com interface com a pesquisa. Possui formação interdisciplinar e
atua nas áreas de Pedologia, Extensão Rural, Agroecologia e Des-
envolvimento Rural Sustentável. Atualmente é docente perma-
nente do Programa de Doutorado Profissional em Agroecologia
e Desenvolvimento Territorial em Associação UNIVASF/UFRPE/
UNEB e do Mestrado em Extensão Rural da UNIVASF. Coordena o
CVT/NEA/NUSAN Sertão Agroecológico, o qual integra a Rede de
Núcleos de Agroecologia/CNPq e a Rede Latinoamericana de Nú-
cleos de Segurança Alimentar - SSAN/CNPq e desenvolve ações de
promoção da Agroecologia, Desenvolvimento Local Sustentável
e Segurança Alimentar e Nutricional nos municípios dos Terri-
tórios do Sertão do São Francisco Baiano e Pernambucano, Se-
miárido Brasileiro.

Jardel Luís Félix Pacheco Graduado na Universidade Federal do Re-


côncavo da Bahia (UFRB) no curso Acadêmico Tecnologia em
Agroecologia; Mestre em Planejamento Territorial, pela Universi-
dade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Doutorando em Agro-
ecologia e Desenvolvimento Territorial na Universidade Estadual
da Bahia (UNEB). Desenvolvimento de produção sustentável e
integrada, garantindo a preservação ambiental, empoderamento
sócio/cultural, garantindo segurança e soberania alimentar, di-
reito á acesso de terra e dignidade para a agricultura familiar e
comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto.

Lilian Freitas Fernandes Uzêda é Engenheira Agrônoma/UNEB; Mes-


tra em Solos e Qualidade de Ecossistemas/UFRB; Especialista em
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Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Avaliação de Flora e Fauna em Estudos Ambientais/UFLA. Atuou


e coordenou projetos de ATER da FETAG, acumulando experiên-
cia na área de Agronomia, com ênfase em Meio Ambiente, atuan-
do principalmente nos seguintes temas: semiárido, mandiocul-
tura, flora, plantas nativas e extensão rural, com publicações em
diversas revistas científicas e participação em congressos na área.
Atua profissionalmente como Coordenadora de Projetos de Reor-
denamento Agrário na Companhia de Desenvolvimento e Ação
Regional - CAR/SDR.

Luana Marina Salgado Botelho - Estudante do curso de Bacharelado


em Cooperativismo na Universidade Federal de Viçosa - MG;

Lucas Santos Caetano Graduação em Ciências Militares interrom-


pida (AMAN), trabalha no mercado financeiro e ministra aula
particulares de matemática, química e física. Trabalha com orga-
nizações sem fins lucrativos, no atendimento à pessoas em vulne-
rabilidade social.

Lucia Marisy Souza Ribeiro de Oliveira Possui doutorado em Desen-


volvimento Sócioambiental pela Universidade Federal do Pará
(2005). É professora Associada IV da Fundação Universidade
Federal do Vale do São Francisco, atuando nos mestrados inter-
disciplinares Extensão Rural e Ciências da Saúde e Biológicas e
no Doutorado Profissional em Agroecologia e Desenvolvimento
Territorial. Exerce o cargo de Pró-Reitora de Extensão desde 2011
até a atualidade na UNIVASF, gerenciando inúmeros projetos de
desenvolvimento nas áreas de abrangência da UNIVASF. Tem ex-
periência na área de Educação, atuando principalmente na edu-
cação do campo, bem como, nas áreas de desenvolvimento sus-
tentável e desenvolvimento territorial.
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Volume 2:Tatiana Ribeiro
Educação, ATERVelloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
e cooperativismos
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

Luciano Sérgio Ventin Bomfim Com sólida experiência na Educação


Básica, da Educação Infantil ao Ensino Médio (Secundário), ten-
do atuado não só na docência, mas na Coordenação Pedagógica
e Orientação Educacional, possui graduação em Geografia pela
Universidade Católica do Salvador (1982), graduação em Pedago-
gia pela Faculdade de Educação da Bahia (1986), graduação em
DIREITO pela Universidade do Estado da Bahia (2010), mestrado
em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996)
e doutorado em Filosofia - Universitaet Gesamthochschule Kassel
(2000), com Pós-Doutorado em Ecologia Humana na Universida-
de Nova de Lisboa. Atualmente é Professor Titular da Universi-
dade do Estado da Bahia. Tem experiência na área de Filosofia,
com ênfase em Ecologia Humana, atuando principalmente nos
seguintes temas: ecologia humana, ontologia humana, ser hu-
mano, alienação e ética em pesquisa. Atua nos Programas de
Pós Graduação em Educação, Cultura e Território do Semiári-
do-PPGESA e no Doutorado em Agroecologia e Desenvolvimento
Territorial-PPGADT.

Marcia Bento Moreira Graduada (1995) em Medicina Veterinária pela


Universidade de Marília; Mestre (2001) em Técnicas Operatórias
e Cirurgia Experimental pela Universidade Federal de São Paulo
- Escola Paulista de Medicina (UNIFESP - EPM); Doutora (2006)
em Cirurgia e Experimentação pela UNIFESP - EPM. Em 2011 re-
cebeu o título de médica veterinária hiperbarista pela Sociedade
Brasileira de Medicina Hiperbárica. Na Universidade Federal do
Vale do São Francisco - UNIVASF - possui as seguintes cargos e
funções: nomeada em 2019 presidente do Fórum de Coordenado-
res de Programas de Pós-Graduação Interdisciplinares do Brasil
em 2021 assumiu o cargo de Diretora de Extensão pela Pró-Rei-
toria de Extensão da Univasf; Coordena o Programa de Pós-Gra-
duação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial - PPGA-
DT da Univasf, Interdisciplinar, nível Doutorado Profissional. É
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382
Sobre as autoras e autores
Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Professora Adjunta III, ministra aulas na Graduação e na Pós-Gra-


duação [Ciências da Saúde e Biológicas, Extensão Rural e no de
Agroecologia e Desenvolvimento Territorial

Marcio Caetano de Azevedo Lopes Professor de Administração Rural


do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano e
Membro do Grupo Interinstitucional e Interdisciplinar de Pes-
quisa e Extensão em Desenvolvimento Sustentável (GIIPEDES/
UNIOESTE).

Raimunda Pereira da Silva Possui graduação em Pedagogia pela


Universidade do Estado da Bahia(2016), mestrado-profissionali-
zante em Extensão Rural pela Universidade Federal do Vale do
São Francisco(2021). Atualmente é coordenadora pedagógica vo-
luntária do INSTITUTO RUMOS DA EDUCAÇÃO PARA O DESEN-
VOLVIMENTO DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO. Tem experiência
na área de Educação.

Ramofly Bicalho Professor Associado III na UFRRJ - Universidade


Federal Rural do Rio de Janeiro, Campus Seropédica. Lotado no
Departamento de Educação do Campo, Movimentos Sociais e Di-
versidade. Docente na Licenciatura em Educação do Campo, no
PPGEA – Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola e no
PPGEduc – Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos
Contemporâneos e Demandas Populares. Atua com as seguintes
temáticas: Políticas Públicas de Educação do Campo, Movimentos
Sociais e Educação Popular. E-mail: ramofly@gmail.com

Sabrina de Matos Carlos - Economista. Doutoranda do Programa de


Pós-Graduação em Economia Aplicada da Universidade Federal
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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

de Viçosa. Mestre em Economia Aplicada pela Universidade Fede-


ral de Viçosa (2016). Avenida Purdue, s/nº, Campus Universitário.
Edifício Edson Potsch Magalhães. CEP: 36570-900, Viçosa – MG.
sabrinamcarlos@gmail.com.

Seonária Costa Santana Graduada em Pedagogia (FACE). Gestão Pú-


blica e Sociedade com ênfase na Economia Solidária (UFBA), Pós
Graduada em Gestão do Desenvolvimento Territorial pela Uni-
versidade Federal da Bahia (UFBA) Mestranda em Extensão Rural
(UNIVASF)

Silvia Maria Bahia Martins Mestra em Desenvolvimento e Gestão


Social pela Universidade Federal da Bahia (2011). Especialista em
Psicologia Social de Fundamentação Pichoniana pelo CIEG e em
Processo Criativo e Facilitação de Grupos - Abordagem Junguia-
na, cursos com chancela da Escola Bahiana de Medicina e Saúde
Pública. Estudante do MBA em Gestão de Cooperativas - Sescoop/
Escoop. Graduada em Comunicação Social - habilitação Relações
Públicas pela Universidade do Estado da Bahia (2007). Atua na
Superintendência de Economia Solidária e Cooperativismo, da
Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte do Governo da
Bahia desde 2009. Integrante da Rede de Instrutores do Governo
da Bahia por meio da SAEB nos campos da gestão e da aprendiza-
gem organizacional. Atua como tutora de EAD desde 2007, espe-
cialmente, nos campos de gênero, gestão social, políticas públicas.

Tatiana Ribeiro Veloso Possui Graduação em Agronomia pela Uni-


versidade Federal da Bahia (1996), Especialização em Cooperati-
vismo e Mestrado em Extensão Rural pela Universidade Federal
de Viçosa (2000) e Doutorado em Geografia pela Universidade Fe-
deral de Sergipe (2013). É Professora Associada da Universidade

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Coleção Mundo Rural Contemporâneo na Bahia - Vol. 2 - Educação, ATER e Cooperativismos

Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB do Centro de Ciência e Tec-


nologia em Energia e Sustentabilidade - CETENS e do Mestrado
Profissional em Educação do Campo do Centro de Formação de
Professores - CFP. Compõe a coordenação do Núcleo da Incuba-
dora de Empreendimentos Solidários - INCUBA/UFRB da Rede
UNITRABALHO. Em agosto de 2015, assume a Pró-Reitoria de Ex-
tensão da UFRB. Faz parte da Câmara de Inovação da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB. Tem atuação
acadêmica e profissional na área de Políticas de Desenvolvimento
Rural, com atuação nos seguintes temas: educação do campo, ex-
tensão rural, reforma agrária, agricultura familiar, comunidades
quilombolas, tecnologias sociais, movimentos sociais e sindicais
do campo, economia solidária, cooperativismo popular e associa-
tivismo comunitário.

Kássia Aguiar Norberto Rios Licenciada e Bacharel em Geografia,


Mestre em Geografia e Doutora em Geografia. Professora do
CETENS/UFRB.

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Tatiana Ribeiro Velloso - Lúcia Marisy Souza Ribeiro - Lilian Freitas Fernandes Uzêda -
Márcio Caetano de Azevedo Lopes - Danilo Uzêda da Cruz

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