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Lei da Boa Razão:

Durante o governo do Marquês de Pombal, Portugal vai conhecer inúmeras reformas.


Vai-se legislar sobre a proteção dos Índios do Brasil, extinguir-se o tráfego e a escravidão na
metrópole, vai ser revogada a legislação discriminadora dos novos cristãos, etc.
Mas uma das reformas mais importantes, foi a das fontes de direito e dos Assentos, através da
Lei de 18 de agosto de 1769, que só no séc. XIX recebe o nome de Lei da Boa Razão. Através
desta vão ser alteradas, revogadas e transformadas as Ordenações Filipinas, devido em grande
parte às queixas que são feitas sobre os abusos dos juízes e dos juristas. É um diploma que vai
regular essencialmente duas matérias: a matéria dos Assentos interpretativos e a matéria das
fontes de Direito.

Matéria das Fontes:

Já sabemos que o período Pluralista Moderno é um momento de supremacia da lei e a Lei da


Boa Razão demonstra muito isso. As Leis do Rei estão acima de todas as outras, são a fonte
que deve ser sempre seguida, sempre acatada. O espaço para o Direito subsidiário é cada vez
menor, tendo um papel mais diminuto.
No que toca às duas fontes que estavam ao lado da lei como Direito Pátrio, o estilo e o
costume, a Lei da Boa Razão vai regular da seguinte forma: define que os estilos que podem
ser invocados têm de ser previamente estabelecidos e aprovados por Assento da Casa da
Suplicação. Só esses. Há assim uma limitação dos estilos, que perdem a sua eficácia autónoma.
Por outro lado, a Lei da Boa Razão vai introduzir 3 requisitos para que o costume pudesse
vigorar: 1) tem de ser conforme à boa razão; 2) não pode ser contrário à Lei, abolindo-se assim
o costume contra legem; 3) tem de ser tão antigo que exceda o tempo de 100 anos, vindo
contradizer o grande número de juristas que defendiam que só precisava de 10 anos. Há aqui
uma clara limitação do costume, que só conserva a sua validade se for secundum ou praeter
legem.
Por sua vez, no que toca ao Direito Romano, são expostos no diploma os abusos dos juristas e
juízes, que afastavam o Direito Pátrio para aplicar o Direito Romano. Evidencia-se que
utilizavam o Direito Romano para interpretar erradamente as leis pátrias, ao fazer uma
interpretação extensiva quando as fontes pátrias coincidiam com o Direito Romano ou quando
faziam uma interpretação restritiva e corretiva quando as Leis Régias se afastavam do Direito
Romano. O Direito Pátrio era preterido pelo Romano.
Para evitar estes abusos e de forma a que a hierarquia de fontes imposta pelas Ordenações
fosse respeitada, isto é, só se recorre ao Direito Romano depois de esgotado todo o Direito
Pátrio, vai atacar a autoridade do próprio Direito Romano e vai determinar uma aplicação nova
com novos critérios de racionalidade e atualidade, bem como a conformidade com o Direito
Natural, o Direito Divino, o Direito das Gentes (uma clara influência do Usus Modernus
Pandectarum, que chega a Portugal na segunda metade do séc. XVIII) e quando for conforme à
boa razão, critério que se mostrava um pouco vasto e por isso será completado pelos Estatutos
da Universidade de Coimbra.
Antes, nas Ordenações Manuelinas e Filipinas mandava-se aplicar o Direito Romano pois era
conforme à boa razão no seu todo. Todavia, na Lei da Boa Razão isto é mudado, definindo-se
que o Direito Romano só é aplicável quando for conforme à boa razão. Antes esta era um selo
que cunhava o Direito Romano e agora passa a ser um requisito para que aquele seja aplicado.
Uma das maiores inovações desta obra é a introdução de uma nova fonte de Direito
subsidiário, introduzida expressamente, as Leis das Nações Cristãs iluminadas e polidas. É
indicado que é mais racional recorrer a estas do que ao Direito Romano, que estava
desatualizado, em matéria política, económica, mercantil e marítima, nas quais se recorre às
Leis das Nações Cristãs iluminadas e polidas na falta de Direito Pátrio. Contudo, isto permitiu
que os juristas, não sendo o objetivo do legislador, tivessem uma grande margem para
escolher quais as leis das Nações Cristãs iluminadas e polidas queriam aplicar.
Além disto são denunciados aqueles abusos de interpretação da lei e vai proibi-lo pois
comprometia a própria segurança jurídica. Mas vai permitir a sua existência desde que se
deduzissem do espírito das leis. Parece que o legislador teve consciência de que não podia
eliminar por completo aquela técnica que os juristas usavam e que estava completamente
consolidada, e por isso, apesar da crítica que lhes tinha feito, vem depois admitir a prática com
restrições. Isto é muito leal ao pragmatismo característico do próprio Marquês.
O parágrafo XII é dedicado aos abusos do uso de direito canónico. Neste indica-se que existem
vários abusos, nomeadamente no uso do critério do pecado não só para afastar o Direito
Romano, mas também para afastar as Leis Régias, prática que as Ordenações não permitiam.
O legislador aproveita-se desta situação e revoga inteiramente o que as Ordenações diziam
sobre o assunto e a sua aplicação é relegada para os Tribunais eclesiásticos. Foi uma longa
vigência nos Tribunais Régios, desde o início da nacionalidade que termina com a Lei da Boa
Razão. Ao definir que aos Tribunais deixava de tocar o conhecimento do pecado e somente dos
delitos percebe-se talvez uma influência do Humanitarismo Jurídico.
O Direito Canónico deixa de ser aplicar em Tribunais Régios e o mesmo destino terão as fontes
seguintes, a Glosa de Acúrsio, a opinião de Bártolo e a opinião comum, que foram fortemente
desvalorizadas, devido à falta de conhecimentos históricos e linguísticos, tal como a ignorância
das normas de Direito Natural e Divino. O parágrafo XIII critica Acúrsio e Bártolo à medida das
críticas mais radicais dos primeiros humanistas e proíbe que se utilizassem como fontes
subsidiárias.
É possível realçar a forte influência da Escola Jusnaturalista e do Usus Modernus neste
diploma.

Matéria dos Assentos:

Foi uma matéria que começou por ser regulada logo nas Ordenações Manuelinas, também
integrada nas Filipinas e vai ser agora regulada pela Lei da Boa Razão.
O diploma vai definir com muito pormenor como é que os Assentos deviam ser elaborados,
suscitados, aprovados, publicados, nos parágrafos I a III. Introduz uma nova maneira de
suscitar assentos: quando os advogados das partes tivessem um entendimento diferente sobre
a interpretação da lei.
Acentuava a exigência de publicidade e a sua natureza geral, abstrata e vinculativa, no
parágrafo IV. Define também que os Assentos, que existiam para interpretar a Lei Régia,
tinham exatamente o mesmo valor destas. Logo, a Lei da Boa Razão vai reforçar o papel dos
assentos interpretativos.
No parágrafo VIII é denunciada a prática abusiva das Relações do Porto, Bahia, Rio de Janeiro e
Índia praticavam, ao invocarem que também podiam emitir assentos interpretativos
vinculativos. Porém, isto tratava-se de uma prática contra legem, pois as Ordenações definiam
que apenas os assentos interpretativos da Casa da Suplicação podiam ser vinculativos. A Lei da
Razão explica o porquê, ao referir que os juízes da Casa da Suplicação eram os mais
experientes, com grande proximidade ao trono, com facilidade de recorrerem ao Rei em caso
de dúvida, etc.
Assim, proíbe-se que as Relações e os restantes Tribunais, exceto a Casa da Suplicação,
emitissem assentos interpretativos vinculativos autonomamente. Mas é permitido que os
Tribunais das Relações enviem os seus assentos para a Casa da Suplicação, cabendo a esta
aprovar ou reprovar o assento.

É possível concluir que se tratou de uma lei importantíssima, que prosseguiu vários objetivos
como impedir as irregularidades em matéria de assentos e quanto à aplicação do direito
subsidiário, mas também fixar normas sobre a validade do costume e os elementos que o
intérprete podia recorrer para o preenchimento de lacunas. Introduziu uma reforma muito
importante para o Direito Português, que muitos autores consideram ter preparado o
Monismo Jurídico.

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