Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
AU TO N O M IA E DESENVOLVIM ENTO
IN T R O D U Ç Ã O : U M A P R IM E IR A A P R O X IM A Ç Ã O
C O N C E PTU A L
2 Vale a pena chamar a atenção para o fato de que essa diferença ou m esm o esse
antagonismo entre poder e violência nem sempre é percebido pelos estudiosos.
Um exem plo dentre muitos é o d o geógrafo Claude Raffestin, ao designar a vio
lência c o m o “a forma extrema e brutal do poder” (RAFFESTIN, 1993:163).
82 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS
ZEL, 1974:11).
tivo grupo apenas à noite. Durante o dia as ruas são tom adas por
outro tipo de paisagem humana, típico do m ovim ento diurno das
áreas de obsolescência: pessoas trabalhando ou fazendo com pras
em estabelecim entos com erciais, escritórios de ba ix o sta tu s e
pequenas oficinas, além de m oradores das im ediações. Quando a
noite chega, porém , as lojas, com exceção dos bares e night clubs,
estão fechadas, e o s transeuntes diurnos, com o trabalhadores
“normais”, pessoas fazendo com pras e os residentes d o tipo que a
m oral dom inante costum a identificar com o “decen tes”, cedem
lugar a outra categoria de freqüentadores, com o prostitutas (ou
travestis, ou ainda rapazes de programa) fazendo trottoir nas cal
çadas e entretendo seus clientes em hotéis de alta rotatividade. O
caráter c íc lic o deste tipo de territorialização, com um a alter
nância habitual dos usos diurno e noturno dos m esm os espaços,
está representado pelo exem plo fictício da Figura 1.
Os territórios da prostituição são bastante “flutuantes” ou
“m óveis”.7 Os lim ites tendem a ser instáveis, com as áreas de
influência deslizando p or sobre o espaço concreto das ruas, becos
e praças; a criação de identidade territorial é apenas relativa, diga
m os, mais propriamente funcional que afetiva. O que não significa,
em absoluto, que “pontos” não sejam às vezes intensamenté dispu
tados, podendo a disputa desem bocar em choques entre grupos
rivais — p or exem plo, entre prostitutas e travestis, com estes ex
pulsando aquelas de certas áreas, conform e relatado p or GASPAR
P A R T E D A Á R E A D E O B S O L E S C Ê N C IA D E U M A
C ID A D E E M D O IS M O M E N T O S D IS T IN T O S
F ig u r a i
90 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS
P A R T E D A Á R E A D E O B S O L E S C Ê N C IA D E U M A
C ID A D E E M D O IS M O M E N T O S D IS T IN T O S
À BM äzt
V S i !M .
n n !í!i l í i L .
—
in Q U Ü
: m _ X
—
_ Limite territorial
— __ — Limite territorial
M. J. Lopes de Souza
F ig u ra 2
O TERRITÓRIO 91
Com ando Verm elho, T erceiro Com ando e, ainda, bandos inde
pendentes) dispersos e separados p elo “asfalto”, para empregar a
gíria carioca usual, ou seja, p or bairros com uns, ou, para usar a
expressão empregada certa vez p or um entrevistado, “áreas neu
tras”.8 Entre dois territórios amigos, quer dizer, duas favelas terri-
torializadas pela m esm a organização, existe, porém , não apenas
“a sfa lto”; p od e haver igualm ente territórios inim igos, perten
cen tes a ou tro com ando. A territorialidade de cada fa cçã o ou
organização do tráfico de drogas é, assim, uma red e com plexa,
unindo nós irmanados pelo pertencim ento a um m esm o com ando,
sendo que, no espaço concreto, esses nós de uma rede se inter
calam com nós de outras redes, todas elas superpostas ao mesmo
espaço e disputando a mesma área de influência econ ôm ica (mer
cado consum idor), form ando uma malha significativam ente com
plexa. Cada uma das redes representará, durante tod o o tem po em
que existirem essas superposições, o que se poderia chamar uma
territorialid ad e de baixa definição. Uma alta definição só será
alcançada se uma das organizações lograr eliminar as rivais den
tro da área de influência, m onopolizando a oferta de tóxicos, ou se
as organizações chegarem a um acordo, estabelecendo um pacto
territorial.
N o ca so da estrutura espacial m afiosa (ou , para dar um
exem plo brasileiro, do jo g o do bich o), o que há são áreas antes que
pontos, onde salta aos olhos a contiguidade espacial dos dom ínios
ou áreas de influência de cada fam ília m afiosa (ou bich eiro). A
relativa estabilidade deste tipo de estrutura, fruto de um processo
de cartelização, com uma espécie de pacto p olítico coiporifican -
D U A S E S C A L A S D O T R Á F IC O D E D R O G A S
EM U M A M ETRÓPOLE
M. J. Lopes de Souza
F ig u ra 3
96 GEOGRAFIA: CONCEITOS E TEMAS
O TERRITÓRIO 99
11Vale a pena, aliás, tornar conhecim ento da autocrítica feita m uitos anos depois
por Hirschm an (HIRSCHMAN, 1986b).
O TERRITÓRIO 103
d id o , a s s im c o m o ta m b é m n ã o s e p e r c e b e u q u e, s e o q u e a c a b o u
e x p lo r a ç ã o n ã o te r ia c e s s a d o , m a s a p e n a s c a m b ia d o d e fo r m a , e o
“s o c i a l i s m o ” n ã o p a s s a r i a d e u m a f a r s a g r o t e s c a ( c a s t o r i a d i s ,
1983).
Diante de tudo isso, eis por que se considera, aqui, com o
aliás o autor das presentes linhas já havia sublinhado alhures
(SOUZA, 1994b), que a idéia de autonomia, discutida de maneira
particularmente contundente e fecunda p elo filósofo Com elius
Castoriadis, tem um valor central para uma reconceituação do
desenvolvim ento. Autonorriia: esta palavra oriunda do grego, e
que designa uma realidade político-social concretizada pela pri
meira vez através da p ólis grega, significa, singelamente, o poder
de uma coletividade se reger p or si própria, p or leis próprias:
RIADIS, 1983:22).
10 Está im plícito acim a que o “desenvolvim ento”, com o p rocesso historicam ente
aberto d e au tocrítica ten do p or m eta a autonom ia, a auto-instituição livre da
s o cie d a d e , é um d e s a fio igu alm en te p a ra as p o p u la çõ e s d o s p a íse s d ito s
“desen volvidos”, ch eios de problem as e prenhes de heteronom ia (e, p or exten
são, nada m odelares). Isto, sem dúvida, não equivale a negar a im ensidão d os
O TERRITÓRIO 107
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
18Vale a pena, de passagem , atentar para uma diferen ciação im plícita n esse exem
plo: não apenas a territorialização p elo tráfico de drogas em geral, mas sobretu do
a territorialização p or organizações crim inosas cada vez m ais poderosas, com o o
Com ando V erm elho (m aior organização d o tráfico de drogas ca rioca ), que dom i
na m uitas favelas e im põe ch efes loca is estranhos à “com unidade”, acarreta difi
culdades para o s m oradores, que tendem a ser m enos respeitados.
112 GEOGRAFIA; CONCEITOS E TEMAS
BIBLIOGRAFIA
STÕHR, Walter B. (1981). Developm ent from Below: The Bottom-Up and
Periphery-Inward Developm ent Paradigm. In: Walter B. Stõhr & D. R.
Fraser Taylor (orgs.), Development from Above or Below? The Diale-
tics o f Regional Planning in D eveloping Countries. Chichester e ou-tros
lugares, John W iley and Sons.
SUN TZU (s.d /a p rox. 500 a.C.). A arte da guerra. Mira-Sintra, Publi
ca ções Europa-América.
TUAN, Yi-Fu (1980). Topofilia. Um estudo da percepção, atitudes e valo
res do m eio ambiente. São Paulo, DIFEL.
ZALUAR, Alba (1985). A máquina e a revolta. As organizações populares
e o significado da pobreza. São Paulo, Brasiliense.
_____ . (1994). As classes populares urbanas e a lógica do “ferro” e d o
fum o. In: Alba Zaluar, Condomínio do Diabo. R io de Janeiro, Editora
Revan/Editora da UFRJ.