Você está na página 1de 12

Revolução Industrial:

considerações sobre o pioneirismo industrial inglês


ELAINE CARVALHO DE LIMA*
CALISTO ROCHA DE OLIVEIRA NETO**

Resumo: A plena constituição do modo de produção capitalista, ao longo da


história, ocorreu de modo pioneiro com a emergência da grande indústria
inglesa. Sob a liderança do capital industrial a expansão econômica atendia aos
anseios dos interesses comerciais e bancários, bem como assegurava a
reprodução da classe operária. Assim, a nação inglesa alcança uma posição de
liderança no cenário mundial. Este artigo busca analisar a Revolução Industrial
britânica e as motivações que a levaram a se tornar hegemônica na constituição
do capitalismo industrial. Ademais, alguns fatores foram importantes nesse
processo, as estratégias iniciais envolviam uma acumulação primitiva, a qual
possibilitou a passagem para um modo de produção capitalista. Além do mais,
as estratégias também envolviam certo nível de protecionismo, como foi o caso
da indústria têxtil de lã.
Palavras-chave: Revolução Industrial; Economia-Mundo; Capitalismo;
Desenvolvimento.
Abstract: The full establishment of the capitalist mode of production, over the
history, occurred in a pioneering way writ the emergência of the grita British
industry. Under the leadership of industrial capital economic expansion
attended to the expectations of the commercial and banking interests and
ensured the reproduction of the working class. Thus the English nation
achieves a leading position in the global stage. This article seeks to analyze the
British Industrial Revolution and the motivations leading it to become
hegemonic in the constitution of industrial capitalism. In addition, some factors
were important in this process, the initial strategies involved a primitive
accumulation, which enabled the transition to a capitalist mode of production.
Moreover, the strategies alway involve some level of protectionism, as was the
case of the textile wool industry.

*
ELAINE CARVALHO DE LIMA é doutoranda em Economia pela Universidade Federal de
Uberlândia- UFU.
**
CALISTO ROCHA DE OLIVEIRA NETO é Mestre em economia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte- UFRN.

102
Key words: Industrial Revolution;World Economy; Capitalism; Development.

1. Introdução (MARX; ENGELS, 1998;


HOBSBAWM, 2010).
No século XVIII, uma sucessão de
invenções deu origem ao modo de É importante salientar que a Revolução
produção fabril, no qual uma série de Industrial foi um precedente para a
melhorias no processo produtivo passagem do capitalismo comercial para
contribui para o limiar da Revolução o capitalismo industrial. Essa evolução
Industrial. Tal Revolução transformou a do capitalismo simbolizou o movimento
capacidade produtiva inglesa. De modo caracterizado pela aceleração da
geral, foi além do aparecimento de História, algo que não ocorrera
novas máquinas e fábricas, aumento de anteriormente ao longo da história,
produtividade e do nível de renda. Na sendo decorrente do poderio
verdade, foi uma Revolução que econômico. Nesse sentido, o
transformou a Inglaterra e o continente capitalismo possui um caráter
europeu de uma forma nunca vista revolucionário ao transformar o meio
antes, com consequências profundas nas social e suas relações existentes
relações sociais. (MARX; ENGELS, 1998).
Alguns fatores contribuíram para esse As origens da Revolução Industrial na
processo, entre esses, o crescimento Inglaterra são complexas e diversas,
populacional e a migração da população uma vez que abarca um amplo debate
do campo para as cidades que histórico sobre a gênese, evolução e
resultaram num largo crescimento da resultados finais desse processo. O
mão de obra disponível e sua mundo assistiu a uma transformação
exploração pela burguesia emergente. ampla e profunda na sociedade, em que
Além disso, as inovações tecnológicas a produção deixou de ser agrária e de
implementadas com a Revolução manufatura para se transformar numa
conduziram à industrialização mundial economia industrial fundamentada em

103
métodos, princípios e práticas a se tornar hegemônica na constituição
capitalistas, caracterizado pelo do capitalismo industrial.
vertiginoso crescimento populacional e
constante migração do homem do Além dessa seção introdutória, o
trabalho está organizado em mais três
campo para a cidade. Ou seja, a
seções: a segunda examinará o processo
Revolução Industrial provocou uma
de formação das chamadas “economias-
ampla mudança estrutural na
mundo” ao longo da história. A terceira
organização econômica e social inglesa
pretende-se avançar nos fatores que
e mundial.
condicionaram a hegemonia inglesa. A
O contínuo crescimento econômico até seção posterior busca fazer uma breve
a Primeira Guerra Mundial esteve análise da Revolução Industrial e seus
marcado pela mecanização geral da desdobramentos. Por fim, as
indústria, o surgimento das ferrovias e considerações finais do trabalho.
do poderio naval. A mecanização da 2. Análise da formação da “economia-
indústria aumentou a produtividade da mundo”
Grã-Bretanha, e as ferrovias, os navios e
a energia a vapor criaram uma A delimitação da história econômica do
economia global, que, com o aumento mundo entre os séculos XV ao XVIII
da divisão do trabalho, foi responsável pode ser analisada a partir da ótica da
pela elevação do padrão de vida de toda importância de determinadas cidades na
a Europa. Nota-se ainda, que a formação das chamadas economias-
Revolução Industrial ultrapassou os mundo ao longo da história
limites advindos da revolução (BRAUDEL, 2009).
tecnológica ao colaborar de modo
A partir da análise da obra de Braudel
efetivo para separar a sociedade em
(2009), Arienti e Filomeno (2004)
duas classes opostas: proletariado e a
explicaram que a vida econômica pode
burguesia capitalista.
ser dividida em “três andares”. Em que:
Com a Inglaterra liderando o processo A camada inferior dessa estrutura
de industrialização, o país torna-se o tripartida é denominada “vida
grande responsável por parcela material” e se refere às atividades
considerável da produção industrial cotidianas, rotineiras, habituais e
global, isso não foi resultado de um inconscientes, em que a relação do
século de mudanças rápidas, mas de homem com as coisas é orientada
uma revolução mais lenta e gradual do pelo seu valor de uso, não pelo seu
que se esperava, e se costuma descrever valor de troca. O andar subseqüente
é chamado de “economia de
(BRAUDEL, 2009). Essas mudanças
mercado” e diz respeito à vida
foram realizadas por artesãos criativos econômica em si, às trocas
que transformaram instrumentos antigos rotineiras (e não apenas às trocas
e idealizaram novos, de uma forma esporádicas), à produção para o
gradual e cumulativa (LANDES, 2005). mercado (e não simplesmente à
troca de excedente do auto-
Nesse contexto, a problemática que consumo) e à relação entre pessoas
perpassa a discussão do presente e coisas baseada no valor de troca.
trabalho constrói-se a partir da análise Braudel (1985) distingue dois
das motivações que levaram a Inglaterra níveis da “economia de mercado”:

104
um inferior, composto por Além disso, sempre houve economia-
mercados, lojas e vendedores mundos, dos quais os limites oscilam
ambulantes; e um superior, formado lentamente ao longo da história
por feiras e bolsas, onde o volume (BRAUDEL, 2009). Ao analisar as
transacionado e a complexidade
diversas economias-mundo existentes
institucional são maiores. Esse
andar é marcado pela transparência
no decurso da história, algumas
das trocas e pela concorrência entre considerações podem ser feitas para
os agentes (ARIENTI; estabelecer aquilo que o Braudel (2009)
FILOMENO, 2004, p. 113). chama de “regras tendenciais” que
organizam e definem as relações dessas
Wallerstein (1985) articula o conceito economias com o espaço. Desse modo,
de economia-mundo em sua obra “The a partir da delimitação do espaço que
Modern World System” constituindo-se ela ocupa, pode-se definir a economia-
numa tentativa ampliada de ver o mundo como:
sistema capitalista como um todo. Uma
primeira distinção a ser realizada é entre 1. Abrange um espaço
“economia mundial” e “economia- geográfico dado, porém há
mundo”. Dessa forma, economia rupturas de tempos em tempos
mundial nada mais é que a economia do de forma lenta, no sentido de
mundo globalmente considerado. abrir-se para o mundo e,
Enquanto, a economia-mundo pode ser portanto, rompendo seu espaço
compreendida como um espaço geográfico;
geográfico que transcende os limites 2. Uma economia-mundo aceita
estabelecidos pelas unidades políticas e sempre um polo dominante, há
culturais que se aproximam por meio sempre, um núcleo dinâmico;
das trocas ou comércio, ou seja,
“envolve apenas um fragmento do 3. Toda economia-mundo se
universo, um pedaço do planeta reparte em zonas sucessivas. Ou
economicamente autônomo, capaz, no seja, há uma hierarquia com uma
essencial, de bastar a si próprio e ao zona central relativamente rica,
qual suas ligações e trocas internas depois em volta do centro
conferem certa unidade orgânica” existem as zonas intermediárias
(BRAUDEL, 2009, p. 12). e, por fim, as zonas periféricas.
Nesse contexto, o caráter que dá A partir desses aspectos, o centro dispõe
unicidade à economia-mundo é a de uma vocação cosmopolita, que
divisão do trabalho, que num contexto agrega os grandes negócios. Assim, a
capitalista transpõe as barreiras partir dos vários centros dinâmicos que
espaciais e temporais. Ademais, tal existiram desde o século XVI, tais
apreciação também se verifica quanto a como, Veneza, Antuérpia, Gênova,
distribuição regional do produto Amsterdã, Londres e Nova York,
resultante dessa divisão do trabalho que observou-se que o auge de cada uma
num cenário mais amplo traz à tona a exibe um equilíbrio frágil, no qual as
problemática das disparidades entre as mudanças na conjuntura econômica
regiões quanto a participação da ocasionam alterações profundas.
produção mundial (WALLERSTEIN, Arrighi (1996) chama atenção para o
1985). aspecto de longa duração e

105
descontinuidades existente no processo no desenvolvimento da economia
histórico do capitalismo. Nessa acepção, nacional.
o autor apresenta o conceito de ciclos
Nessa perspectiva, entre os séculos XV
sistêmicos de acumulação, em que
e XVIII, o Estado possuía significativa
existem ciclos de ascensão e declínio de
importância na economia-mundo e no
hegemonias políticas e de seus
centro dessa economia sempre há um
processos de acumulação ao decorrer da
Estado forte e privilegiado. A
história, caracterizando cada estágio do
Revolução Industrial conduzida pela
desenvolvimento capitalista.
Inglaterra é o que caracteriza o processo
Na existência de crises econômicas que de monopolização, sendo que agora esse
derrubem um centro antigo surge um processo se dará na produção. E mais
novo centro, pois “com efeito, no centro uma vez, o papel do Estado foi
de uma economia-mundo só pode haver fundamental para esse processo,
um polo de cada vez. O sucesso de um inclusive no primeiro momento de
é, num prazo mais ou menos longo, o protecionismo dos seus mercados.
recuo do outro” (BRAUDEL, 2009, p Entretanto, com o desenrolar da
24). Dessa maneira, sempre que ocorre Revolução Industrial, os ingleses irão
um descentramento, ou seja, perda da defender a ideologia do livre-comércio.
supremacia da cidade tida como polo, Ao se questionar por que a Inglaterra
sucede-se um recentramento em um lidera a primeira Revolução Industrial
novo lugar. De forma geral, do mundo, Braudel (2009) inicialmente
centramento, descentramento e ressalta que tal Revolução foi um
recentramento estão interligados às movimento lento e possivelmente muito
crises econômicas prolongadas. pouco percebido na época. Ao analisar
Em certa medida, o elemento que se esse processo, constata-se que todos os
torna comum entre as várias economias- setores da economia inglesa foram
mundo é a centralização e concentração condizentes com as exigências vindas
dos recursos e riquezas, isto é, a da Revolução das Máquinas inglesas.
acumulação. Até meados de 1750, os Por esse ângulo, alguns fatores
centros que dominavam o mundo eram coadjuvaram com a Revolução
as Cidades-Estado, entre elas, Veneza, Industrial inglesa, destacam-se: a
Antuérpia, Gênova e Amsterdã, esta foi Revolução Francesa e as guerras
a última “polis” da história. napoleônicas; abertura dos novos
Posteriormente, emerge uma nova mercados (América, as Índias, etc.)
soberania: Londres, esta agora não é contribuiu para que o “boom” do
mais uma cidade-estado e surge com algodão se perdurasse. Ademais, o
pujança para um mercado nacional. mundo tornou-se cúmplice da
Revolução inglesa.
Uma economia nacional é um espaço
político que fora modificado pelo Em linhas gerais, pode-se observar que
Estado, devido as necessidades e a construção espacial se alicerça nos
inovações da vida material, das quais as momentos de ascensão e queda das
atividades são conduzidas numa mesma economias-mundo. Ao ilustrar as
direção. Diante disso, a Inglaterra lideranças ao longo da história
reunia os requisitos para ser a pioneira observou-se a existência de uma classe

106
capitalista que se organizava em torno interesses da burguesia nascente.
de atividades monopolísticas para Entretanto, com o aumento do comércio
manutenção do poder. E a partir disso, a de longa distância demandava-se
Inglaterra reuniu as condições ideias maiores recursos financeiros e militares
para se tornar hegemônica no do poder municipal que já encontrava
desenvolvimento do capitalismo seus limites.
industrial.
Nesse cenário surge o Estado Nacional
Por fim, Wallerstein (1985) estabelece que extinguia os particularismos feudais
algumas considerações importantes, e possibilitava a burguesia “base
partindo da análise da formação do política, militar e econômica
capitalismo europeu, o autor conceitua o qualitativamente superior àquela
sistema-mundo como uma unidade representada pelo poder municipal”
espaço-temporal determinada pela (OLIVEIRA, 2003, p 105).
divisão social do trabalho que se
reproduz nesse espaço. Tal sistema- Alguns fatores foram fundamentais
mundo pode ser dividido em impérios- nesse processo. Por um lado, no âmbito
mundo e economias-mundo. Os interno, a existência de um mercado
impérios-mundo são dependentes de um nacional e o estabelecimento de uma
sistema de governo único com limites alfândega nacional. E, por outro lado,
geopolíticos específicos. Já as em âmbito externo, a consolidação do
economias-mundo se constitui por uma Estado Nacional possibilitou a expansão
divisão de trabalho com integração ao ultramarina que foi imprescindível para
mercado e não a um sistema de sobrepujar as tensões sociais oriundas
governo. da crise feudal. Então:

3. Fatores fundamentais do Em suma, o acirramento da


concorrência entre nações, a
pioneirismo inglês
estreiteza dos circuitos mercantis
Após a compreensão das condições europeus, as tensões sociais da crise
sociais e históricas inglesa, Oliveira feudal, a centralização de recursos
(2003) ressalta que a constituição plena financeiros e militares nas mãos do
rei, todos esses fatores exigiram e
do capitalismo ocorre de modo pioneiro
permitiram a expansão sistemática
na Inglaterra, da qual irá chamar de para fora das fronteiras europeias,
capitalismo originário. Por conseguinte, e, nesse movimento, vai sendo
a Revolução Industrial sinaliza o constituído o mercado mundial,
estabelecimento da produção fabril na com sua peça central, o antigo
Inglaterra e constituiu-se o regime sistema colonial (OLIVEIRA,
capitalista de produção. 2003, p 106).
Nesse contexto, Oliveira (2003) destaca A partir disso, a vida econômica da
o papel do Estado Nacional como fator Europa entre os séculos XVI-XVIII é
chave para o avanço do capitalismo. marcada pela acumulação primitiva e
Salienta-se que no início o governo tem o domínio do capital comercial. O
municipal era fundamental ao promover que resulta na relação de hegemonia-
políticas que fomentassem a subordinação a partir da posição relativa
acumulação de capital e estruturação do de cada nação diante da apropriação dos
poder militar para assegurar os lucros comerciais no mercado mundial.

107
Além disto, ocorria uma agressiva ao mercado mundial (OLIVEIRA,
concorrência entre os capitais 2003).
comerciais, uma vez que, tornando-se
Já a análise do caso Holandês mostra-se
capital nacional, tal concorrência
como um processo de cristalização do
incorre em lutas políticas, militares e
capital comercial, onde não são
econômicas. Portanto, a posição
evidenciados com vigor os interesses da
hegemônica de algumas nações decorre
burguesia. A Holanda possuía
das lutas políticas e militares, bem
debilidades em sua esfera produtiva o
como da luta econômica em financiar o
que num primeiro momento não foi
comércio, a produção local e colonial,
impeditivo para uma expansão sem
entre outros.
mudanças nessa esfera. Porém, a partir
do século XVII, França e Inglaterra
De outra maneira, as condições
implementaram uma política
necessárias que resultaram na
mercantilista agressiva, que fez com a
constituição do capitalismo industrial
Holanda não conseguisse se preservar
inglês e as dificuldades que as demais
em uma posição dominante e
nações tiveram em lograr tal êxito
acompanhar a expansão do comércio
podem ser elucidadas não apenas pela
internacional Francês e Inglês.
dinâmica do mercado do mundo, mas
pelos desdobramentos das lutas sociais Por fim, a intensa concorrência no
das crises em cada nação. contexto europeu e as maiores
exigências militares e financeiras, só
Ao examinar o caso do Leste Europeu, podem prosseguir para a constituição
verifica-se que as lutas de classes da inicial da gênese capitalista se as bases
crise do sistema feudal resultaram na do capital comercial se tornarem
conquista da nobreza diante dos nacionais. Todavia, após impulsionar o
camponeses e da burguesia, que podem processo de mercantilização da
ser explicados pelas especificidades da produção e diante do caráter
estrutura social local que demonstravam conservador do capital comercial,
debilidade da vida econômica da região apontam que outros fatores serão
ante as demais nações europeias e com determinantes para prosseguimento da
ideias opostas aos interesses burgueses constituição do capitalismo. Por
(OLIVEIRA, 2003). conseguinte, “foi na Inglaterra que se
fez presente o conjunto das condições
Da mesma forma, com relação ao caso prévias para o surgimento da grande
ibérico (Portugal e Espanha), havia uma produção mecanizada” (OLIVEIRA,
fragilidade da estrutura econômica, 2003, p. 125).
onde maior parte do excedente
4. Revolução Industrial e suas
produzido pelas colônias era destinado
consequências
para a manutenção de uma “gigantesca
burocracia”, ou ainda, para o consumo A Revolução Industrial foi resultado de
em forma de renda pela nobreza ou desafios e oportunidades criados pela
clero. Dessa forma, Portugal e Espanha economia global. Entre os séculos XVI
perdem progressivamente aquilo que e XVII, a Inglaterra teve posição de
consolidaram no século XVI e passam a liderança com sua indústria têxtil de lã.
ter uma posição de subordinação frente Tal liderança se estendeu para os

108
séculos XVII e XVIII ao originar uma atores envolvidos no sistema de
rede de comércio intercontinental nas produção.
Américas e Índia. Essa expansão
dependia da aquisição de colônias, do A modernização advinda com o
estímulo do capitalismo comercial e do processo de industrialização acarretou
poder naval. outras transformações como a
urbanização, a diminuição das taxas de
Landes (2005) faz uma breve distinção mortalidade e natalidade, constituição
entre “revolução industrial” com letras de uma burocracia governamental
minúsculas e “Revolução Industrial” centralizada, desenvolvimento de um
com letras maiúsculas. Por um lado, o sistema de educação para capacitação e
primeiro termo descreve as inovações socialização das crianças. Nesse
tecnológicas que transformaram o sentido, o processo de industrialização
trabalho manual em fabricação em série, europeu também teve suas dores do
a partir da substituição da força humana crescimento, quanto a isso observa-se
pela máquina. Por outro lado, que, se por um lado a mecanização
Revolução Industrial com letras ofereceu melhores condições quanto ao
maiúsculas, “denota o primeiro exemplo conforto e progresso. Por outro,
histórico do avanço de uma economia exterminou os meios de sobrevivência
agrária e artesanal para uma economia de uma parte da população e outros
dominada pela indústria e pela ficaram às margens do ambiente do
manufatura mecanizada” (LANDES, progresso. Em última análise, ampliou
2005, p. 01). Esse pioneirismo ocorreu as diferenças entre os mais ricos e
na Inglaterra no século XVIII, pobres, instaurando uma série de
posteriormente difundiu-se para países conflitos de classe.
da Europa Continental. Nesse contexto, a Revolução Industrial
marcou uma mutação fundamental na
O ponto fundamental de tal Revolução sociedade, ao criar uma classe
se encontra nas mudanças tecnológicas. empresarial pujante e uma sociedade
Os avanços materiais ocorreram em três mais rica e, ao mesmo tempo,
esferas: 1) na substituição das complexa. De modo que a hegemonia
habilidades humanas por máquinas; 2) da aristocracia rural se submeteu aos
no domínio da energia de fonte ataques da nova classe aristocrata fabril.
inanimada perante a força humana e Assim, a Revolução Industrial não
animal; 3) na melhora acentuada dos ocorreu de modo uniforme e “(...) nem
métodos de extração e transformação tampouco levou a paisagens idênticas.
das matérias-primas. Além dessas Ao contrário, ocorreu numa grande
mudanças dos equipamentos e variedade de lugares, dotados de
processos, apareceram novas formas de recursos, tradições econômicas, valores
organização industrial. As unidades sociais, aptidões empresariais e
produtoras aumentaram o tamanho, habilidades tecnológicas diferentes”
onde a fábrica tornou-se mais do que (LANDES, 2005, p 11).
um local de trabalho com maiores
proporções, vindo a tornar-se numa Landes (2005) descreve que o circuito
estrutura de produção com definição das atividades econômicas privada era
clara de responsabilidades e funções dos superior na Europa ocidental quando

109
comparado a outras áreas do mundo e, Inglaterra foi pioneira nesse processo.
se propagava conforme o crescimento Algumas explicações podem ser
da economia, pois abria novas áreas de levantadas. Em primeiro lugar, a
iniciativa que não possuíssem restrições mudança tecnológica. Esta foi
de regras ou conduta. Ademais, o possibilitada pelo aperfeiçoamento do
impulso dado a inovação foi também método diante das inapropriadas
bastante importante, no sentido da busca técnicas vigentes ou ainda pelos
por novos métodos mais eficientes de aumentos dos custos de fatores. Além
produção, que gerassem um ambiente do mais, a substituição era viável, pois
criativo propício para a geração de pagavam os custos de mudança. Por um
inovações. lado, esse aprimoramento tecnológico,
criou uma nova mentalidade
A partir da análise de uma diversidade empresarial ao analisar o investimento e
de indústrias, tais como, transporte os possíveis riscos incorridos. Por outro
ferroviário, têxtil, carvão, vapor e lado, para o trabalhador isso gerou uma
produtos químicos, localizadas num mudança no papel ocupacional com o
contexto de organização industrial, surgimento de novas funções e,
Landes (2005) destaca as relações também, um novo estilo de vida que era
existentes entre estas indústrias e, marcado pela separação dos meios de
especialmente, como o algodão deu produção (LANDES, 2005).
origem a outras. Além disso, chama
atenção para a dificuldade que os Alguns elementos são importantes
trabalhadores tiveram em seus destacar. A indústria têxtil inglesa, por
empregos substituídos por máquinas e a exemplo, gerou riqueza no término da
adaptação dos novos trabalhadores às Idade Média e início do século XVIII,
novas condições impostas pelo onde o consumo de lã cresceu de forma
ambiente fabril. contínua ao longo do tempo. A indústria
lanígera inglesa crescia especialmente
No século XVIII, uma sucessão de decorrente das condições favoráveis do
invenções alterou a indústria de algodão produto, “nenhum país possuía uma
na Inglaterra e originou um novo modo oferta tão abundante de lã bruta, em
de produção, o sistema fabril. Nesse especial de fibras longas exigidas pelos
sentido, esses aprimoramentos que tecidos mais leves e mais resistentes de
formaram a Revolução Industrial, estame” (LANDES, 2005, p. 47).
ocasionaram um aumento na
produtividade e uma considerável Além disto, o processo crescente de
elevação da renda per capita que fora urbanização foi essencial para as
além da Inglaterra e atingiu a Europa. mudanças no padrão de consumo da
“Desse modo, a Revolução Industrial época, atrelado ao avanço da
inaugurou uma era nova e promissora” comercialização e da industrialização.
(LANDES, 2005, p 43). Dando origem Alguns fatores sínteses possibilitaram o
a uma época próspera que transformou a desenvolvimento do mercado interno de
ordem social e a forma de agir e pensar produtos: aumento populacional;
do homem. avanços das comunicações; aumento da
Dessa forma, levanta-se o renda média e a livre iniciativa
questionamento do motivo pelo qual a comercial.

110
Em certa medida, a expansão das No começo do século XVIII a produção
vendas da Inglaterra no exterior e têxtil era debilmente mecanizada.
internamente esteve ligado a uma Apesar dos vários aperfeiçoamentos que
capacidade inerente a essa nação que ocorreram na preparação e tecelagem
inclui vantagens institucionais e dos fios, não fora suficiente para
históricas. Diferentemente de outros provocar a grande transformação que
países rivais, a Inglaterra não precisava ocorreria adiante. Era necessária a
aplicar recursos para a manutenção de combinação de outros fatores para
exércitos, além disso, o país possuía suceder a Revolução Industrial, entre
uma tradição marítima e instituições eles, a existência de máquinas que não
financeiras que lhe garantia certo apenas substituíssem o trabalho manual,
domínio territorial. Ademais, deve-se mas a garantia da produção nas fábricas.
destacar o papel do setor bancário e do Nesse sentido, a combinação dos
crédito, a Inglaterra possuía uma seguintes fatores foi fundamental: a
estrutura financeira bastante avançada tecnologia com a substituição do
no século XVIII. Assim: trabalho manual pelas máquinas e
Não foi o capital, por si só, que concentração da produção nas fábricas;
possibilitou o rápido progresso na espacial, as instalações exigiam
Inglaterra. O dinheiro, sozinho, dimensões mais amplas que
poderia não ter feito nada; na possibilitassem aumentos na produção.
verdade, nesse aspecto, os
empresários do continente, que Uma combinação do comportamento
muitas vezes podiam contar com desafio e resposta como destaca Landes,
subsídios diretos ou privilégios levou a transformação tecnológica na
monopolistas advindos do Estado, metalurgia que estimulou o crescimento
estavam em melhor situação que das indústrias de bens de capital. Nas
seus pares ingleses. O que organizações, diariamente os atores
distinguiu a indústria britânica, envolvidos em suas empresas enfrentam
como já mencionamos várias vezes, problemas tão relevantes como os de
foi uma excepcional sensibilidade e
suas vidas e todos exigem soluções
receptividade às oportunidades
pecuniárias. Tratava-se de um povo criativas.
fascinado pela riqueza e pelo
A Revolução Industrial foi como um
comércio, coletiva e
individualmente (LANDES, 2005, resultado de características europeias
p. 65). que permitiram a autonomia intelectual,
o desenvolvimento do método científico
Outros fatores também foram de análise e desenvolvimento de
relevantes, como, o espírito empresarial pesquisa como uma atividade de rotina
e a liberdade para a criatividade, que humana, com sua própria língua e
ocorreu na Europa e foi importante para métodos, desenvolvidos e aceitos
o desenvolvimento socioeconômico. através das fronteiras nacionais e
Outrossim, embora a Inglaterra independentes de considerações
apresentasse poucos recursos naturais, religiosas.
tinha redes de transporte e acesso direto
aos portos, de modo que detinha acesso Por fim, a história revela que muito
aos materiais de importação antes da Revolução Industrial, a Europa
necessários. Ocidental já era rica se comparada a

111
outras áreas do mundo naquela época. A exemplo, Estados Unidos e Alemanha.
riqueza era fruto vários períodos de Além disso, na exclusão da participação
lenta acumulação, com base no das classes trabalhadoras no processo
investimento e exploração do capital. político.
Além do ouro e demais riquezas
Em suma, a Revolução Industrial foi
advindas da exploração de dívidas das
revolucionária porque mudou a
colônias e países europeus, na
capacidade produtiva da Inglaterra e
apoderação de recursos e mão de obra
Europa. Contudo, a revolução foi mais
de indivíduos fora da Europa, bem
do que apenas novas máquinas,
como no desenvolvimento tecnológico
fábricas, aumento da produtividade e
que dinamizou o processo produtivo.
aumento do nível de vida. Foi uma
Uma vez que:
revolução que transformou e originou a
Máquinas e as novas técnicas, sociedade ocidental moderna, ou seja,
sozinhas, não constituem a não foi uma mera sequência de
Revolução Industrial. Elas mudanças nas técnicas industriais e de
representaram aumento de produção, mas uma revolução social
produtividade e um deslocamento com causas sociais, bem como
da importância relativa dos fatores profundos efeitos sociais. Ademais, o
de produção da mão de obra para o capitalismo separou a sociedade em
capital. Mas, em nosso contexto, duas classes revolucionárias e
revolução significa uma mudança antagônicas: burguesia e o proletariado.
tanto da organização quanto dos
meios de produção. Em especial, Conclusões
referimo-nos ao conjunto de
grandes contingentes de Em síntese, ao decorrer da história
trabalhadores em um único lugar, sempre houve momentos de avanço e
onde executariam suas tarefas sob a queda das economias-mundo e a nação
supervisão e disciplina; reportamo- inglesa possuía as condições necessárias
nos, em suma, ao que se tornou para se tornar hegemônica no
conhecido como sistema fabril” desenvolvimento do capitalismo
(LANDES, 2005, 109). industrial. Com uma certa aliança entre
Estado Nacional e o emergente capital
É importante salientar, que a estrutura
foi possível desenvolver e expandir o
concorrencial se dá por meio da capitalismo, primeiro, na Inglaterra e
eminência de uma Ordem Liberal
Europa, e, posteriormente, expandir sua
Burguesa, pois a própria dinâmica da
influência para as demais nações.
atividade econômica imprimia as
Ademais, a existência das condições
particularidades do Estado liberal. Tal
nacionais para a evolução do
ordem compreende o período da
capitalismo transcorre de uma intensa
Revolução Industrial até a chamada
luta no mercado mundial em busca das
grande depressão (1873-1896)
fontes de lucro e expansão contínua do
(OLIVEIRA, 2003; MAZUCHELLI,
domínio mercantil, num contexto de
2009). Essa ordem era caracterizada
intensa divisão social do trabalho.
pela hegemonia inglesa no sistema
bancário internacional; na intensificação Embora, a Revolução Industrial tivesse
da concorrência entre a Inglaterra e as iniciado na Europa, o processo se
economias industriais tardias, por propagou para outros continentes, que

112
em última instância, sucedeu a humana, com sua própria língua e
globalização. A plena constituição do métodos, desenvolvidos e aceitos
modo de produção capitalista na história através das fronteiras nacionais e
ocorreu de modo pioneiro com a independentes de considerações
emergência da grande indústria inglesa. religiosas.
Sob a liderança do capital industrial a
expansão econômica “atendia não
somente aos interesses comerciais e Referências
bancários, como ainda garantia a ARIENTI, W. L.; FILOMENO, F. A. Economia
reprodução da classe operária” política do moderno sistema mundial: as
(OLIVEIRA, 2003, p. 173). contribuições de Wallerstein, Braudel e
Arrighi. Texto para discussão. Florianópolis,
Ao mesmo tempo, que o mundo passava UFSC, n. 04, 2004.
por mudanças nas relações econômicas ARRIGHI, G. O longo século XX: dinheiro,
e políticas, bem como pelo papel de poder e as origens do nosso tempo. Rio de
comando da Inglaterra no século XVIII. Janeiro; São Paulo: Contraponto; UNESP, 1996.
Ainda existiam alguns obstáculos para o BRAUDEL, F. Civilização material, economia
pleno funcionamento da concorrência e capitalismo: séculos XV-XVIII. O tempo do
com a hegemonia do capital industrial. mundo. São Paulo, Editora Martins Fontes,
2009. (pp. 11-155)
Dessa forma, é no conflito político que
a burguesia industrial passou a defender LANDES, D. Prometeu desacorrentado.
o liberalismo econômico. “Tratava-se, Transformação tecnológica e
desenvolvimento industrial na Europa
portanto, de estabelecer uma nova ocidental, de 1750 até os dias de hoje. Rio de
ordem internacional, na qual as relações Janeiro, Elsevier, 2005.
econômicas entre as diferentes nações
HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções:
fossem reguladas pela livre 1789-1848. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 2010.
concorrência” (OLIVEIRA, 2003, p.
MAZUCHELLI, F. Os anos de chumbo.
183). Economia e política internacional no
Assim, no contexto da economia inglesa entreguerras. Campinas, Editora Unesp-
a livre concorrência controlava as Edições Facamp, 2009. (Cap. 1, pp 21-49).
relações entre os agentes econômicos, e MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto
na esfera externa a livre mobilidade do Comunista. Rio de Janeiro: Ed. Garamond,
1998.
trabalho e capital desenvolvia as
condições basilares para a liberdade OLIVEIRA, C. A. B. Processo de
econômica e concorrência entre os industrialização- Do capitalismo originário ao
atrasado. São Paulo, Editora Unesp, 2003. (pp.
agentes econômicos das diversas 102-125)
nações.
WALLERSTEIN, I. O sistema mundial
Em suma, a Revolução Industrial moderno – agricultura capitalista e as origens
inglesa foi resultado de características da economia mundo europeia no século XVI.
históricas e econômicas que permitiram Vol. I. Lisboa: Ed. Afrontamento, 1985
a autonomia intelectual, o
desenvolvimento do método científico Recebido em 2016-07-29
de análise e desenvolvimento de Publicado em 2017-07-06
pesquisa como uma atividade de rotina

113

Você também pode gostar