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Os limites do Estado

André Ichiro Katsurada

30/04/2012
0.1 Introdução

O tema do presente artigo é relativo aos limites do Estado e o arcabouço ferramental de


análise será quer as conclusões da Escola Austrı́aca de Economia1 quer - e de modo indireto -
a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann2 . Antes de caminhar nesta direção - dos limites do
Estado - parece oporturno saber se há, de fato, uma direção a ser seguida; dito de outra forma,
é preciso pensar que toda tematização pressupõe um jogo de palavras que podem fazer, ou não,
sentido à luz de determinadas convenções. Parece legı́timo desconfiar, por exemplo, que há
uma certa compatibilidade entre pensar a respeito dos limites do Estado e propor uma análise
sobre a morte de uma idéia. Se o Estado é fruto de algumas idéias, pensar a respeito de até onde
essas idéias que dão origem ao Estado podem ir seria como refletir sobre os limites do próprio
Estado.

Apesar de ser uma linha possı́vel de argumentação, parece que a questão dos limites tenderia
a se tornar um não-tema3 , isto é, seguindo essa contextualização a noção de limite rapidamente
enfrentaria imensas dificuldades. Qual seria, por exemplo, o limite de alcance de uma idéia?
Como demarcar, precisamente, o seu fim e o seu inı́cio? Crı́ticas não seriam, justamente, uma
forma de perpetuar idéias, ainda que pela negativa das mesmas? O que garante que a idéia
esquecida de hoje não será relembrada amanhã? Como construir conceitos capazes de averiguar
quando todos os efeitos derivados de uma idéia foram devidamente enterrados? Até onde elas -
as idéias - podem cruzar fronteiras? Basta pensar que se o alvo das indagações fossem os limites
do Estado - afinal, não seria o Estado uma idéia ou fruto e também a origem de algumas idéias?
- terı́amos, então, uma espinhosa barreira àquilo que, por ora, pede outro tipo de escrutı́nio.
1
Um dos fundadores dessa tradição de pesquisa foi o vienense Carl Menger que, com a publicação da obra
“Grundsätze”, em 1871, pode ser considerado como um dos descobridores da teoria da utilidade marginal. Este
artigo utilizará, sobretudo, os mais diversos autores da Escola Austrı́aca de Economia e, portanto, consulte tanto
[Iorio 2011] quanto [Feijó 2000] para ter um excelente e avançado primeiro contato com o tema.
2
Niklas Luhmann foi um sociólogo alemão que alterou substancialmente a tradição sistêmica de, por exemplo,
[Parsons 1966] e [Bertalanffy 1973] transformando, apenas para citar um rol certamente não exaustivo, conceitos
cibernéticos que podem ser encontrados em [Foerster 2003], [Foerster 1993] e [Foerster 1960] e idéias biológicas
que podem ser consultadas em [Maturana 2007], [Maturana e Varela 1981] e [Maturana e Varela 1980]. Para ter
um primeiro contato com a difı́cil obra luhmanniana dentro da literatura pátria recomendo [BOAS FILHO 2009],
[BOAS FILHO 2006] e [Campilongo 2002]. Dentre as publicações do próprio Luhmann talvez as mais acessı́veis
sejam [Luhmann 1989], [Luhmann 1990], [Luhmann 1999], [Luhmann 1993], [Luhmann 1990] [Luhmann 1990]
e [Luhmann 2008]. É preciso ressaltar, sobretudo, que o presente texto não tratará da formalização da
compatibilização entre a Escola Austrı́aca de Economia e a Teoria dos Sistemas.
3
E, claro, alguém poderia dizer quais devem ser os limites de atuação do Estado; apesar de obras neste sentido
serem bastante relevantes, o interesse, aqui, é saber quais são - de fato - e quais serão - e não quais deveriam ser - os
limites de atuação do Estado. O escopo deste artigo é verificar quais medidas polı́ticas são atualmente praticadas e
determinar quais são os limites do Estado nos dias de hoje, mas isso não nos revela quais idéias polı́ticas são aceitas
e quais são impostas sob a forma de medidas coercitivas. Certamente pesquisas que tratem desse problema são
possı́veis, mas é justamente a separação entre quais idéias advém de estratégias de convencimento monopolizados
pelo Estado e idéias que seriam aderidas em um cenário de alta concorrência que será, aqui, uma questão a ser
evitada.
Para evitar a alocação dos fins deste trabalho em algo bastante parecido com o esforço
desproporcional sobre os limites das idéias, indago se não há outra metáfora, mais adequada,
para tratar do problema dos limites - ou da falta de limites - do Estado. É claro que não há modo
de simplificar a tarefa aqui eleita a ponto de termos uma reflexão banal, mas parece que outra
via pode ser escolhida para assentar as reflexões.

Pense, por exemplo, no mito de Atlas. Os dilemas deste mito podem, sob certa perspectiva,
dizer muito a respeito dos dilemas polı́ticos que permeiam um recorte do século XXI. Antes de
mais nada, lembre-se do momento em que cada personagem desta história assumiu a posição
do outro, ou seja, pense no momento em que Atlas havia acabado de apanhar as maçãs de ouro
enquanto Hércules ocupava a função de segurar os céus. Nesse instante, Atlas observava a
situação da seguinte maneira: se Hércules falhasse em carregar o peso dos céus haveria, prima
facie, um desastre. Sendo assim, Atlas preferiu não correr esse tipo de perigo, reassumindo
aquela difı́cil posição ao invés de desfrutar de sua nova condição de transeunte. Supondo que
não seja fácil enganar um titã com o truque infantil de Hércules, será que Atlas estaria acostu-
mado a amar a correlação simbólica que existe entre suportar um grande fardo em prol de um
suposto bem maior? Será que Atlas gostava, apesar de tudo, de soar como um grande herói?
Ou ele estaria acostumado com a condição de prisioneiro? Talvez ambos.

Dentro dos contornos dessa narrativa parece possı́vel dizer, ainda, que a sı́ndrome de Esto-
colmo desenvolvida pelo titã - refém de sua própria ilusão de grandeza - encontra raı́zes tanto
em seu medo a respeito do risco - representado pela retomada de sua posição frente a possibili-
dade de falha de Hércules - quanto em sua aversão ao perigo - fundada em um Atlas que poderia
voltar a explorar o mundo mas que preferiu a certeza estática de seus velhos hábitos. Resumido
o episódio em uma frase, Atlas - e este trabalho tentará descobrir quem desempenharia o su-
posto papel de Atlas: o Estado, o mercado, ambos ou nenhum deles - não soube lidar com a
incerteza.

O leitor mais impaciente pede - e não sem razão - que a alegoria sobre a incerteza seja
trazida à baila dentro de uma perspectiva mais rigorosa. Para atender a essa demanda o ponto
de partida será um experimento. Imagine que o mercado esteja em um estado de equilı́brio -
ou, como diria Mises, pense em uma economia uniformemente circular4 - onde, basicamente,
os procedimentos e atividades de um determinado perı́odo são repetidos infinitamente sem que
haja qualquer alteração entre os ciclos de repetição. Dito de outro modo, nesse cenário fictı́cio
absolutamente tudo o que acontece dentro de um determinado lapso voltaria a ocorrer - e sempre
de modo idêntico - de modo que não haveria qualquer diferença entre os ciclos inclusive quanto
4
[Mises 2007].
a oferta e a demanda. Ao se comparar um ciclo com o outro terı́amos um mundo, basicamente,
sem novidades.

Vamos pressupor, agora, a existência de um agente, externo a esse cenário, que seja capaz
tanto de aprender quanto de desempenhar todas as atividades de qualquer pessoa, fı́sica ou
jurı́dica, dentro daquela economia uniformemente circular; uma espécie de entidade mágica
onisciente. Alguns dirão que nessa hipótese o tal agente externo - ciente do futuro e capaz de
colocar em prática todo o conhecimento relevante envolvido em nosso experimento - estaria
autorizado a exercer, de modo idêntico, qualquer atividade praticada pelos habitantes de nosso
experimento. Ao invés da ação dos indivı́duos terı́amos uma progressiva substituição da oferta
de bens e serviços dos indivı́duos pelo agente externo.

Eis que o surrealismo de nossa hipótese recebe mais um toque artı́stico: em uma segunda e
derradeira etapa, aquele agente externo passa a ser capaz de introduzir mudanças na economia
uniformemente circular. Cada alteração é, sobretudo, milimétricamente calculada de modo que
todos os seus efeitos possam ser antecipados pelo próprio agente externo. Mais do que isso,
este agente externo - agora dotado de caracterı́sticas praticamente demiúrgicas - poderia, ao
mesmo tempo, quer estar ciente das preferências comuns aos indivı́duos (o tal “bem comum”)
quer atendê-las pefeitamente. É claro que, nesse instante, Schumpeter se voltaria contra o nosso
agente externo dizendo o seguinte:

Não há, para começar, um bem comum inequivocamente determinado que o


povo aceite ou que possa aceitar por força de argumentação racional. Não
se deve isso primariamente ao fato de que as pessoas podem desejar outras
coisas que não o bem comum, mas pela razão muito mais fundamental de
que, para diferentes indivı́duos e grupos, o bem comum provavelmente signi-
ficará coisas muito diversas. Esse fato, ignorado pelo utilitarista devido a sua
estreiteza de ponto de vista sobre o mundo dos valores humanos, provocará
dificuldades sobre as questões de princı́pio, que não podem ser reconciliadas
por argumentação racional. Isso porque os valores supremos - nosso conceito
sobre o que devem ser a vida e a sociedade - situam-se além dos domı́nios da
lógica. Em segundo, mesmo que um bem comum suficientemente definido,
como, por exemplo, o máximo da satisfação econômica do utilitarista, fosse
aceitável por todos, ainda assim não se teriam soluções igualmente definidas
para os casos individuais. As opiniões sobre esses casos podem ser de molde a
produzir dissensões básicas a respeito dos próprios fins (...) A saúde pode ser
desejada por todos, mas ainda assim haverá divergências quanto à vacinação e
à vasectomia, etc5 .

Para ilustrar a relevância deste ponto - e descobrirmos se há algum sistema que se enquadra
no irrealismo daquele agente externo -, pensemos na relação que há entre a nossa experiência
mental e a metáfora de Atlas. Antes de mais nada, lembre-se que Atlas - ao reassumir o fardo de
5
[Schumpeter 1961].
sustentar os céus - não soube como agir em um cenário de incerteza exatamente como alguém
que observa o mercado como se este fosse um processo desprovido de incerteza genuı́na e
estrutural6 , ou seja, Atlas e o agente externo partilham de uma visão facilmente frustrável7 a
6
A respeito da incerteza genuı́na, pense no seguinte argumento feito em [Rizzo e P.O’Driscoll Jr. 1996]:

As we have seen, genuine uncertainty involves an open-ended set of possibili-


ties. At the moment of choice, the individual will have conceived of a certain
number or range of possibilities. Nevertheless, he is fully aware that in a world
of change something might happen that he could not list beforehand. So he
perceives his choice set as, in principle, unbounded in at least certain respects.
(...) We find that genuine uncertainty is incompatible with traditional ideas of
equilibrium, including that of stochastic equilibrium.

Ou seja, a incerteza genuı́na ocorre quanto há, no linguajar luhmanniano, um excesso de possibilidade de es-
colhas de modo que a própria observação das escolhas significa que diversas possibilidades não foram levadas
em conta. Complementando Rizzo e Discoll Jr., temos outra interessante assertiva, agora a respeito da incerteza
estrutural, em [Harper 1996]:

The first feature of structural uncertainty is that, as the term implies, the struc-
ture that the future can take is not known beforehand. In other words, it is
impossible for the entrepreneur to derive a complete list of all possible courses
of action and of all possible sequels resulting from a given action. (...) The
second important feature of structural uncertainty is that it is endogenously
created (...) Consequently, beyond a certain level, structural uncertainty is
ineradicable, in the sense that entrepreneurs cannot eliminate it by acquiring
further knowledge. (...) For example, the entrepreneur cannot undertake exten-
sive market research to find out consumer’s opinions about an existing product
without changing those opinions (though the effect may sometimes be negligi-
ble).

Dito de outra forma, segundo a incerteza estrutural a partir de um ponto observar as variáveis e construir
comunicação com base nessas observações altera as próprias variáveis - as que foram e as que não foram leva-
das em consideração. Como é possı́vel perceber, o conceito de complexidade de Luhmann abarca tanto a noção de
incerteza genuı́na quanto a idéia de incerteza estrutural.
7
É preciso lembrar a seguinte assertiva presente em [de Finetti 1990]:

In investigating the reasonableness of our own modes of thought and behavi-


our under uncertainty, all we require, and all that we are reasonably entitled to,
is consistency among these beliefs, and their reasonable relation to any kind of
relevant objective data (“relevant” is as much as subjectively deemed to be so).
This is Probability Theory. (...) Probabilistic reasoning - always to be unders-
tood as subjective - merely stems from our being uncertain about something. It
makes no difference whether the uncertainty relates to an unforseeable future,
to an unnoticed past, or to a past doubtfully reported or forgotten; it may even
relate to something more or less knowable (by means of computation, a logical
deduction, etc.) but for which we are not willing or able to make the effort;
and so on.
respeito de suas percepções sobre riscos e perigos8 . Se por um lado Atlas não conseguiu lidar
com a possibilidade de um cenário incerto - preferindo um cenário supostamente seguro -, é
exatamente essa, por outro lado, a premissa de um agente externo que prefere a inexistência da
incerteza.

De qualquer maneira, quem quer que possa ser identificado com tendências tanto como as
de Atlas quanto como as do agente externo de nosso experimento trata o mercado como algo
bastante diverso do que ele, em um processo contı́nuo de mudanças, vem a ser. Sem dúvida
alguma o mercado é uma confluência de fenômenos complexos9 .
Há, sobretudo, dois problemas com essa abordagem. O primeiro problema é que pensamentos não são direta-
mente acessı́veis, ou seja, é necessário falar não em probabilidade subjetiva mas, ao invés disso, intersubjetiva,
ou seja, é necessário tratar a questão da atribuição de probabilidades não tanto como uma questão do sistema
psı́quico mas sim como uma questão comunicativa. Naturalmente há comunicação que possibilita, ao mesmo
tempo, irritação do sistema psı́quico - variação, seleção e reestabilização - como aprendizado, mas a aplicação de
teorias como a de Finetti muitas vezes pode ser considerada como voltada mais para servir de base para pensamen-
tos que se transformarão em ações - e é claro que se pode reconstruir as ações enquanto comunicações de ações -
do que para comunicações que tematizem como fazer uso das regras que tratam a incerteza. Simplificadamente,
a crı́tica que fazemos é que não há motivo para não seguir adiante com a teoria de modo a tratar, também, de
comunicações ao invés de aplicações das regras para se tratar a incerteza “para si próprio”, no sentido da aplicação
ocorrer mais enquanto pensamento e ação do que enquanto comunicação e tematização comunicativa da ação.
Sendo assim e se assumirmos a comunicação a respeito de um estado de ignorância como ponto de partida, o
segundo problema é relativo ao disensso, isto é, sobre a possibilidade de discordância quanto ao aceite das regras
advindas da Teoria da Probabilidade para se lidar com a incerteza (ou seja: incerteza sobre as regras para se
lidar com a incerteza; incerteza sobre qual seriam os campos de aplicação das regras para se tratar a incerteza).
Isso significa que é plenamente possı́vel que o uso da Teoria da Probabilidade não seja vista nem como racional
nem como apta a diminuir a frustração - subjetiva e intersubjetiva - de um determinado agente e é claro que de
Finetti não deu esta função - de estabelecer um padrão de racionalidade superior ou de diminuir, necessariamente,
a frustração - para a teoria da probabilidade mas, de qualquer forma, segue como um desafio aos que pretendem
convencer terceiros da utilidade da teoria.
Finalmente, é preciso dizer que apesar de ser possı́vel Atlas e o agente externo não se frustrarem pelo trato do
mercado como uma economia uniformemente circular, será mostrado, mais adiante, quais são os efeitos do uso
desse tipo de simplificação.
8
Segundo [Luhmann 2002] temos, abreviadamente, que enquanto nos riscos a atribuı́ção vai no sentido da auto-
referência os perigos vão no sentido da hetero-referência e isso significa que riscos são construções observadas
como internas - próprias de Ego, ou seja, trata-se de uma incerteza atribuı́da às próprias realizações - enquanto os
perigos são observados como se externos fossem - próprias de Alter, ou seja, trata-se de uma incerteza atribuı́da
às atualizações internas, já que produzidas pelo próprio sistema, mas que são percebidas como externas, ou seja,
identificadas como alheias às próprias realizações.
Sobretudo, é preciso lembrar que o termo “incerteza”, relevante para a diferença entre risco/perigo, transmite
pouca informação sobre os diferentes graus de plausibilidade que compõe o que é incerto. Há diferentes graus de
incerteza e a construção intersubjetiva desses graus pode ser útil para discriminar estes diferentes nı́veis.
9
Veja, nesse sentido, o seguinte argumento [Hayek 1992]:

The reason for this state of affairs is the fact, to which I have already briefly
referred, that the social sciences (...) have to deal with structures of essential
complexity, i.e., with structures whose characteristic properties can be exhibi-
ted only by models made up of relatively large numbers of variables. Com-
petition, for instance, is a process which will produce certain results only if it
proceeds among a fairly large number of acting persons.

Mas isso não é suficiente para caracterizar a complexidade do sistema econômico. Alguém poderia dizer que
esse tipo de complexidade aparece em diversas matérias - como a fı́sica, por exemplo - que também utiliza modelos
Em outras palavras, quem quer que se seja que eventualmente se aproxime daquele modelo
de atuação em que seria possı́vel formatar o mercado ao seu bel prazer parece incorrer em uma
fantasia fatal - e, como veremos, toda tentativa de colocar soluções mágicas em prática implica
em gerar distorções -, dando de ombros, ainda por cima, aos alertas de Schumpeter.

Já a segunda lição que a redescrição da narrativa de Atlas nos ensina é que sem diferenças
de simplificação. Hayek, nesse sentido, deixa escapar que os modelos de simplificação são utilizados generaliza-
damente por diversos campos. Sobretudo, é o próprio autor que torna aquela proposição sobre a complexidade
econômica mais consistente, elencando algumas idéias que devem ser rechaçadas como pressupostos do estudo da
economia:

1) The idea that it is unreasonable to follow what one cannot justify scienti-
fically or prove observationally; 2) The idea that it is unreasonable to follow
what one does not understand; 3) The related idea that it is unreasonable to
follow a particular course unless its purpose is fully specified in advance; 4)
The idea, also closely related, that it is unreasonable to do anything unless its
effects are not only fully known in advance but also fully observable and seen
to be beneficial. Two things might be noticed about these requirements from
the very start. First, not one of them shows any awareness that there might be
limits to our knowledge or reason in certain areas, or considers that, in such
circumstances, the most important task of science might be to discover what
these limits are. We shall learn below that there are such limits and that they
can indeed partially be overcome, as for example through the science of eco-
nomics or ’catallactics’, but that they cannot be overcome if one holds to the
above four requirements. Second, one finds in the approach underlying the
requirements not only lack of understanding, not only the failure to consider
or deal with such problems, but also a curious lack of curiosity about how our
extended order actually came into being, how it is maintained, and what the
consequences might be of destroying those traditions that created and main-
tain it.

Dito de outra forma, temos de trabalhar com modelos que simplifiquem as inúmeras variáveis, diria Hayek. Mas
a própria tendência de se identificar problemas gerais e impor soluções ao invés de denotar que cada indivı́duo
percebe quais são seus próprios problemas de acordo com os seus próprios conhecimentos - apesar de existir uma
espécie de mı́mica de certas habilidades - é, por si só, um problema. A complexidade econômica implica, portanto,
na alta dificuldade de se estabelecer quais seriam os próprios problemas. Se isto for um pressuposto metodológico,
então só será possı́vel apontar os problemas nascidos justamente de tentativas de centralizar soluções.
Nesta mesma direção de definir a complexidade, veja a seguinte passagem de Luhmann encontrada em
[Luhmann 2006]:

Entonces cada autodescripción, en cuanto descripción, toma en cuenta su pro-


pia contingencia. Considera (y hace ver que considera), que puede haber
también otras autodescripciones del mismo sistema. O en su defecto, si rehúsa
ese saber y se presenta en forma totalizadora se vuelve sensible e intolerante a
toda desviación - haciéndose ası́ polı́ticamente difı́ciles las cosas.

Em outras palavras e de modo resumido, “complexidade” significa, para Luhmann, um excesso de possibilidade
de escolhas de maneira que são possı́veis mais conexões entre elementos do que as conexões que são realizadas
no presente; da mesma forma, esse excesso de possibilidades de escolha incide sobre a própria observação da
complexidade - que pode ser tratada de diversas formas possı́veis. Além disso, observar as conexões que são
realizadas significa reconstruı́-las utilizando distinções e indicações, já que não há relação do tipo sujeito/objeto,
não existe sı́mbolo a ser usado. Se houvesse apenas Atlas não haveria “moral da história”10 ; dito
de outro modo, foi a construção da diferença entre Atlas e Hércules que tematizou o assunto de
forma interessante.

Seguindo esse insight11 temos de pensar, da mesma forma, que não basta aproximarmos um
sistema do modo como o agente externo tenta operacionalizar o mercado - ou como Atlas lida
mas, sim, relação entre aquilo que é observado - que também pode ser um observador - como uma construção do
observador (lembrando que a própria observação do observado altera o observado e, portanto, a observação do
observador).
Há mais conexões possı́veis, sobretudo, do que as conexões que são atualmente realizadas. Há, portanto, um
grande potencial de realização de conexões. Em outras palavras, há uma questão de contingência de seleção - quais
serão as conexões que serão atualmente realizadas? - e isso, ainda que seja uma afirmação diversa da acepção
hayekiana, implica que o sistema auto-determina os seus próprios paradoxos - que podem ser operacionalizados
exatamente pela existência de outras possibilidades de seleção - de modo que haja uma espécie de dispersão, isto é,
que não existem operações centrais as quais sempre devem ser realizadas (operações devem ser realizadas - e todas
sob o código do sistema em questão - mas nenhuma é essencial). Neste sentido, veja que em [Luhmann 2006] o
argumento de luhmann nos diz que:

La distinción sustrato medial/forma descompone el problema general de la


complejidad estructural con ayuda de una distinción ulterior: Elementos aco-
plados de manera floja/ Elementos acoplados de manera firme. Esta distinción
parte del supuesto de que cada elemento no puede acoplarse con cada uno de
los otros; pero con esto reformula - antes de adoptarlo - el problema de la
selección mediante una distinción que permite representar las formas (en el
sentido de acoplamientos firmes.

Note que há alguma semelhança entre essa idéia e a noção que pode ser visualizada em [Hayek 1991], qual seja:

This insight was only the first of a growing family of theories that account
for the formation of complex structures in terms of processes transcending our
capacity to observe all the several circumstances operating in the determination
of their particular manifestations.

É possı́vel dizer, portanto, que há uma certa aproximação de alguns conceitos de Luhmann com diversas
premissas hayekianas, lembrando que ambos, apesar de diferenças epistemológicas, incorporam o uso tanto de
informação/comunicação quanto de proposições sobre a evolução em suas teorias e falam, também com suas
diferenças, a respeito da ausência de um centralidade que seria capaz de direcionar os rumos da sociedade.
10
É claro que, com isso, não se quer dizer que a moral esteja intrinsecamente presente no discurso ao invés de
ser uma atribuição de observadores.
11
Esse apego pela construção por meio da diferença tem como pano de fundo a teoria dos sistemas de Ni-
klas Luhmann que será usada, de modo indireto, ao longo de todo o artigo. Para maiores referências, consulte
[Luhmann 1989], [Luhmann 1990], [Luhmann 1993], [Luhmann 1999], [Luhmann 2002] e [Luhmann 2006].
Para Luhmann, “indicar” significa dizer aquilo que algo é (afirmando caracterı́sticas), enquanto “distinguir”
significa dizer aquilo que aquele algo não é (em comparação com algo diverso), ou seja, distinguir e indicar, ainda
que diferentes (mas complementares) entre si - e exatamente pela articulação reiterada da unidade desta diferença -,
permitem que se possa falar em uma identidade ou em identificações. É a unidade desta diferença - entre “indicar”
e “distinguir” - que permite que se trace distinções; em outras palavras, isso implica que se fale sobre o que há de
comum e de diverso entre dois lados de uma bipartição, como um lado se relaciona com o outro e, ainda, o que a
bipartição construı́da não é capaz de desparadoxificar - isto é, quais são os problemas que pedem pelo uso de outra
diferença.
Indicar e distinguir, portanto, implicam em traçar uma distinção e indicar quais são os lados de uma forma e
quais são os meios desta forma. A distinção dos lados de uma forma estabelece conexões mais firmes, duras ou
com Hércules. É preciso, ao invés disso, tornar evidente as diferenças entre as atuações de dois
ou mais sistemas - dentre eles o polı́tico e o econômico, no caso - para, ao compará-los, traçar
os seus limites.

Sendo assim, um mapa do presente artigo pode ser ordenado da seguinte maneira: haverá
uma exposição de algumas diferenças entre o modo de atuar do Estado do século XIX, XX e
XXI, com o intuito de evidenciar caracterı́sticas do Estado moderno que se de um lado expande
seus próprios limites de formas especı́ficas, por outro lado é limitado por uma incapacidade
de exercer determinados papéis. Preencheremos essa moldura teórica a respeito da diferença
entre as capacidades do Estado - ressaltando que o autor privilegiado pelo Estado são os buro-
cratas - e as do mercado - que conta com os empreendedores desempenhando funções de alta
importância - com exemplos sobre o zoneamento urbano e o ambientalismo moderno, pontu-
ando, ainda que brevemente, algumas questões da China. Questões sobre a Teoria Austrı́aca
dos Ciclos Econômicos e o funcionamento do sistema bancário também serão temas caros que,
se abordados corretamente, sustentarão a passagem de um modelo teórico sobre as diferenças
históricas entre os Estados em contraste com o funcionamento do mercado.

0.2 Lembranças do Estado

Exclamações desavisadas a respeito de um suposto totalitarismo de Estados democráticos


e observações mais liberais e imprecisas que aproximam o Estado moderno com o modo de
produção de assuntos polı́ticos tı́picos das regiões outrora socialistas deixam escapar as rele-
vantes diferenças existentes quando o tema é o modus operandi do Estado ao longo do tempo.
Com isso não se quer dizer que as novidades estariam alheias ao passado de modo que resgates
de técnicas antigas não se apropriem daquilo que aparece, para alguns, como exclusividades do
presente. Mas isto também não pode significar que o futuro é tão somente uma remissão ao
antigo e, portanto, desprovido de surpresas.
rı́gidas entre elementos até que haja condensação de indicações, possuindo alta capacidade de orientação. Tradu-
zindo, trata-se de conceitos mais fechados e com usos tão especı́ficos que acabam criando uma rede conceitual
apta a normalizar, potencialmente, novos acontecimentos dentro de um arcabouço de convenções de certa forma
consolidado.
Já a indicação dos meios de uma forma estabelece conexões mais frouxas, flexı́veis ou leves entre elementos,
possuindo baixa capacidade de orientação. Em outros termos, é como se a indicação dos meios da forma menci-
onassem um conceitual mais abstrato e aberto, apto a lidar melhor com as diferenças que criam diferenças, isto
é, com alta capacidade para estabelecer conexões com as novidades que de alguma forma alteram as definições
presentes em um determinado arsenal de construções comunicativas.
É por meio da unidade da diferença entre indicar e distinguir, portanto, que se pode falar em identidade, ou
seja, em um “iter” de significados que compõem um padrão reconhecı́vel. Esta é a base epistemológica do pre-
sente artigo, que, apesar de soar como uma referência acadêmica desvinculada de análises práticas, o contrário é
verdadeiro: será justamente o rigor da ilustração sociológica luhmanniana que permitirá um trato eventualmente
consistente de questões bastante pontuais e empı́ricas.
Sendo assim, o sentido preciso da diferença entre passado e futuro pode ser visto como um
chão histórico capaz de indicar, de certa forma, uma noção preliminar de como são construı́dos
os limites do sistema polı́tico. Destarte, um breve aviso sobre a memória permitirá enquadrar
a questão do que seria moderno na modernidade polı́tica e isso, por sua vez, talvez nos faça
entender como, em linhas gerais, expedientes estatais desempenham as suas estratégias.

Em outras palavras, ao contrário dos profetas que olham para um passado considerado como
findo e capaz de revelar aspectos do futuro, é preciso pensar que a memória não é um depósito
que preserva os eventos, mas, ao invés disso, isola modificações entre estados para verificar a
capacidade de conexão entre os eventos12 .

Isso significa que a temporalidade é uma diferença entre estados que permite a conexão de
um evento - reproduzido no presente mas identificado como um evento passado - ao outro, ou
seja, o passado é sempre reconstruı́do no presente de modo que a memória cumpre a função
de examinar a consistência quer das inclusões (“lembrar”) tidas como relevantes para criar
novas modificações quer da exclusão das modificações atualmente não selecionadas para gerar
12
É apenas tendo tal assertiva demarcada que se pode dizer que a instabilidade é uma das condições para que o
sistema - inclusive o polı́tico - perdure. Segundo a clarificação de Luhmann presente em [Luhmann 1990] temos
que:

The instability of its elements is a condition of its duration (...) The events
themselves cannot be saved; their loss is the condition of their regeneration.
(...) Desintegration and reintegration, disordering and ordering require each
other, and reproduction comes about only by a recurring integration of disinte-
gration and reintegration.

Em outras palavras, o Estado é, ao mesmo tempo, uma sedimentação de sentido que tenta resistir ao tempo e um
esboço de um futuro que, tentando controlar o presente, a todo instante se reinventa.
continuidade (“esquecer”)13 .

A diferença incluir/excluir (ou recordar/esquecer) é, portanto, a chave de leitura que abre
a assertiva onde o que foi esquecido não é apagado; a exclusão é um excluir contı́nuo que, ao
lado da inclusão contı́nua, reproduzem eventos. Em outras palavras, os eventos continuamente
excluı́dos são negações contı́nuas mas que permanecem latentes e são, portanto, continuamente
reproduzidos.

Ora, se o que é esquecido cumpre um papel reprodutivo dentro dos esquemas da memória
então há uma simbologia subjacente àquilo que é visı́vel e lembrado. Em outras palavras, é
possı́vel pensar que o esquecer nos remete ao campo do invisı́vel. Neste horizonte as operações
se manifestam simbolicamente, isto é, as conexões entre os eventos não podem se dar a ver
diretamente, experimentam metáforas para se expressarem e nunca deixam as especulações
explicı́tas; atuam de forma capilarizada e cotidiana.

Ainda que isso pareça trivial, é mediante a exposição desses aspectos da memória que fica
possı́vel separar o visı́vel do invisı́vel. E o que nos interessa, aqui, é optar por uma das duas
formas possı́veis de prosseguir o estudo dos limites do Estado. A primeira indagação consiste
em saber qual seria a parte mais visı́vel do Estado. Já a segunda consistiria em tentar antever o
que jaz latente - ou “invisı́vel” - no estrato polı́tico.

Sem dúvida que eventos aparentemente neutros podem ser vistos como sı́mbolos com al-
gum valor polı́tico. Por exemplo, a obtenção de tı́tulo de mestre se dá com um diploma, o
que relaciona - ainda que microscopicamente - o saber com a burocracia; a ortografia do termo
“eu” em minúscula, e a da palavra “Estado” em maiúscula, a definição de dicionário para “al-
13
Em [Giorgi 2006] é possı́vel verificar um relevante resumo sobre o argumento aqui utilizado a respeito da
memória:

A memória controla as Operações. Ela constitui, para si, uma coerência através
das Operações que a coligam ao exame consistente de sua evolução. (...) O
Sistema é forçado a seleções estáveis e oscilações entre um estado e outro.
É forçado a estabilizar, em cada caso, as modalidades de suas consistências.
Isto é, o Sistema opera seletivamente e, portanto, esquece continuamente. (...)
Isto pemite ao Sistema isolar, na rede de contı́nuos re-envios simultâneos de
modificações de estados, aquela modificação de estado que pode ser sintetizada
como relevante para um novo comportamento e, consequentemente, neste mo-
mento, como estado momentaneamente capaz de conexão. Forma-se, com isto,
diferença e exclusão (...) Se chamarmos esta exclusão de “esquecer”, veremos,
então, que o tempo se forma com o “esquecer”, que o tempo é sempre presente
e que coordenação e correlação são resultados de um processo de exclusão.
truı́smo” - viver para outrem -, para “egoı́smo” - amor excessivo ao bem próprio - e o uso do
termo “contribuiente” para descrever o sujeito passivo das obrigações tributárias podem cons-
tituir percepções cotidianas quase irrelevantes para se observar o coletivismo como um ideal a
ser buscado; a noção de que a mãe seria, para o bebê, uma espécie de figura central que teria
o dever de prover uma gestação também fora da barriga implica em um discurso - ainda que
mı́nimo e exclusivo aos adultos que levaram essa noção muito à sério - eventualmente apropri-
ado, ainda que de forma não intencional, pelo próprio Estado que passaria a ser, supostamente,
um grande provedor; da mesma forma, o princı́pio de que o pai ocupa a posição de ordenador
autorizado a usar a violência como medida educativa também pode contribuir, de forma amena,
para que se aceite um sistema polı́tico autorizado a fazer uso da violência desde que haja uma
retórica educativa que de alguma forma identifique o Estado com o “pai castrador” presente em
algumas teorias psicológicas.

É claro que todas esses tı́midos sı́mbolos - e há muitos outros estudos possı́veis, talvez mais
relevantes do ponto de vista moral - não se relacionam necessariamente com a percepção da
figura do Estado - que atua como uma espécie de gestor capaz de prover tudo aos cidadãos -
autorizado a fazer o uso da força - em uma atitude de dirigismo quase paternal - para repreender
àqueles que prejudicam a idéia de satisfação coletiva - implı́cita até mesmo na gramática -, mas
talvez haja uma apropriação polı́tica dessas noções no sentido de que não intencionalmente eles
reforçam algumas crenças a respeito do Estado (e vice-versa), forçando uma identificação entre
um e outro no imaginário.

Apesar dessa sorte de investigações ser interessante, a nossa maior preocupação será, sobre-
tudo, indicar variáveis “macro” - ou seja, sobre aquilo que seria visı́vel - a respeito do Estado.
Para isso serão utilizados tipos ideais14 que discriminam as diferenças entre o Estado do século
XIX, XX e XXI. Um alerta: todas as caracterı́sticas do Estado anterior estarão presentes na
simplificação que constrói a imagem do Estado posterior, ou seja, não se trata de substituição
mas sim de sobreposição de modos de atuação. Também não é o caso de se acreditar que quali-
dades do Estado posterior não existiam no Estado anterior já que se trata de uma sugestão sobre
quais seriam as propriedades do Estado que ganharam destaque com o passar dos anos.
14
Para acompanhar o termo “tipo ideal” veja [Freund 2006], [Cohn 2006] e [Weber 1998]. Trata-se, basica-
mente, de construções comparativas de caracterı́sticas selecionadas pelo pesquisador e que, apesar do risco de
serem irreais, talvez impliquem em alguma proximidade com o objeto - alvo do tipo ideal - que foi simplificado.
0.3 A visibilidade que não vê a si própria

A primeira diferença a ser construı́da nos fala sobre o modo de gestão da coisa pública e
suas implicações. Se no Estado do século XIX o olhar era retrospectivo, isto é, a legislação
buscava reestabelecer o status quo ante por meio sobretudo de sanções punitivas, no século
XX o Estado, mais prospectivo, passou a construir uma legislação - voltada, portanto, a fa-
zer antecipações - supostamente capaz de direcionar os rumos da sociedade utilizando sanções
principalmente premiais, uma espécie de estı́mulo estatal - que servem aos próprios fins bu-
rocráticos que nunca são realizados sem consequências que implicam em uma ineficiência que
o próprio Estado não sabe como tratar - que premiava os estritos cumpridores dos objetivos
positivados no ordenamento estatal.

Nesse esboço conceitual, a passagem do Welfare State para o perı́odo atual teria sido demar-
cado por um olhar administrativo, isto é, houve um destaque quanto a negociação de aplicação
de sanções tanto premiais quanto punitivas ao invés de uma aplicação “mecânica” desses insti-
tutos15 de maneira que o perı́odo atual pode ser caracterizado com um olhar que tende nem tanto
ao passado - retrospectivo - nem tanto ao futuro - prospectivo -, mas sim ao próprio presente -
no sentido de encarar cada caso com um corpo de taylor-made rules. Chamaremos este cenário
de corporativista.

Esclareço o que, exatamente, se quer dizer. Caso houvesse concorrência potencial - isto é,
15
O argumento de [Chevallier 1999], nesse sentido, nos revela que:

“o termo ‘contrato’ não remete a uma realidade jurı́dica precisa, e sim evoca
um novo estilo de gestão pública, baseado na negociação e não mais na auto-
ridade. (...) De um modo geral, a contratualização implica a substituição das
relações baseadas na imposição e na autoridade por relações fundadas sobre o
diálogo e na busca do consenso.”

Sobretudo, isso não significa que qualquer um possua capacidade de negociação com a Administração. Ainda
que isso de certa forma contrarie Chevallier, é preciso lembrar que a inevitável presença de assimetrias na ca-
pacidade de negociação - que está longe de ser infinita e suficiente para todas as situações - das partes resulta
em diferentes resultados; como é óbvio, há uma identidade entre uma dada capacidade de grupos especı́ficos ap-
tos a exercer lobby de modo eficiente - quase capturando, assim, diversos agentes polı́ticos - com o quanto de
contratualização - ao invés de imposição de sanções punitivas ou disponibilização de sanções premiais de modo
geral - estará disponı́vel.
caso houvesse liberdade16 de entrada sem restrição polı́tica17 para competir na oferta de bens
16
A liberdade, dentro do contexto econômico, seria um conceito negativo, isto é, de ausência de coerção centra-
lizada. Se “o” mercado é um fluxo complexo de processos informacionais advindos de trocas voluntárias de bens
e serviços sob a base da propriedade privada, então a coerção polı́tica implicaria em transformações na própria
propriedade privada - por meio do conceito de função social da propriedade ou por meio da própria construção do
chamado “bem público”. A importância de um estudo sobre a propriedade privada foi ressaltada, por exemplo, em
[Rothbard 1977]:

Economists have referred innumerable times to the “free market”, the social
array of voluntary exchanges of goods and services. But despite this abun-
dance of treatment, their analysis has slighted the deeper implications of free
exchange. Thus, there has been general neglect of the fact that free exchange
means exchange of titles of ownership to property, and that, therefore, the eco-
nomist is obliged to inquire into the conditions and the nature of the property
ownership that would obtain in the free society.

17
A restrição polı́tica pode ser caracterizada como uma perda de utilidade, como bem aponta [Rothbard 1977].
Nesse sentido, o autor esclarece que:

(...) Coercive intervention, on the other hand, signifies per se that the indi-
vidual or individuals coerced would not have done what they are now doing
were it not for the intervention. The individual who is coerced into saying
or not saying something or into making or not making an exchange with the
intervener or with someone else is having his actions changed by a threat of
violence. The coerced individual loses in utility as a result of the intervention,
for his action has been changed by its impact. (...) All instances of interven-
tion, then, in contrast to the free market, are cases in which one set of men
gains at the expense of other men. In binary intervention, the gains and los-
ses are “tangible” in the form of exchangeable goods and services; in other
types of intervention, the gains are nonexchangeable satisfactions, and the loss
consists in being coerced into less satisfying types of activity.

Sobretudo, é preciso notar que há ganhos de utilidade ou para aqueles que interviram ou para aqueles que foram
privilegiados pela intervenção às custas dos demais. Deve-se levar em conta, ainda, que não se deve “calcular”
os benefı́cios de forma bruta; isso significa que seria preciso levar em consideração todos os custos - tanto os
subjetivos quanto os preços pagos - gerados pelo Estado; isso demonstra quão difı́cil é ter ciência das melhorias
que a concorrência potencial - diminuı́da pela ação polı́tica - traria. De qualquer modo, parece intuitivo concluir que
usualmente aqueles que possuem maior capacidade de negociar com a máquina pública - lobbistas - são os maiores
beneficiados com as medidas estatais, já que os com menor capacidade de negociação do Estado geralmente são os
maiores prejudicados quer pela inflação quer pela tributação, como é possı́vel notar no caso dos mais pobres que
perdem poder de compra de bens essenciais (em outras palavras: as grandes polı́ticas de redistribuição na verdade
apenas devolvem, em troca de votos, parte do poder de compra que foi perdido graças a centralização burocrática
das chamadas polı́ticas públicas). Quando os ganhos que envolvem uma medida polı́tica não são suficientes - e é
preciso lembrar que ainda que houvesse suficiência haveria um problema quanto a sinalização desses ganhos - para
compensar uma substituição do trabalho de um certo grupo pela ação lobbista deste mesmo grupo, mas compensa
e serviços - um eventual monopolista18 não conseguiria cobrar preços monopolı́sticos já que
tanto uma alta nos preços poderia ser vista como uma oportunidade de lucro para competidores
potenciais quanto a adoção de bens substitutos também seria possı́vel - mesmo que em alguns
casos a oferta desses substitutos leve tempo -, o que estabeleceria um desestı́mulo, sinalizado
via preços e utilizando quer o lucro quer os bens substitutos, aos preços monopolistas.

É necessário, neste ponto, aperfeiçoar a menção que foi feita sobre a competição potencial
e os estı́mulos e desestı́mulos criados pelo próprio mercado antes de prosseguirmos. Para tal,
devemos pensar no ator privilegiado para cumprir a função de observar as sinalizações - o em-
essa substituição do trabalho por outro grupo, então, nesse cenário, há incentivos para que este outro grupo exerça
lobby que implique na criação de leis que privilegiam uns para prejudicar outros.
Como pode ser visto em [Higgs 1987], temos, nesse sentido, que:

Each participant in a political action group must immediately sacrifice his own
valuable time, energy, money, or other resources. And the expected benefits?
Here is the crux of the problem - problem inherent in public (“collective”)
goods available to groups comprising large numbers of people.

Um exemplo pode ser notado nas chamadas minorias - movimentos feministas, de imigrantes etc - que ao invés
de notarem que a existência desse arranjo estatal é que agrava o problema da falta de acesso aos bens e serviços,
entrem em cena para exercer um lobby que por vezes cobra maior qualidade das ações estatais. E então voltamos
ao problema de como avaliar a qualidade da ação estatal se a idéia de “bem comum” é, como apontou Schumpeter,
falaciosa.
18
É possı́vel pensar que um monopolista é o único vendedor - monopolista quanto a oferta - de um determinado
bem. Como não há homogeneidade entre bens, para identificarmos quais bens pertercem a uma mesma classe -
ou seja, quais bens desempenham a mesma função - temos de buscar meios de sinalização de como os próprios
consumidores identificam determinados bens como pertencentes a uma mesma classe. Como é possı́vel intuir,
diferentes consumidores identificarão determinados bens de modos diferentes, ou seja, alocando-os em classes
diversas. Sobretudo, também é possı́vel pensar que há concordância sobre o pertencimento de determinados bens
em certas classes se isolarmos a própria classe de outros equivalentes funcionais; ou seja, é possı́vel dizer que uma
camisa está dentro de um conjunto que pode ser classificado como “vestuário”, ainda que existam equivalentes
funcionais (outras peças de roupas como calças, por exemplo).
Ainda assim, será possı́vel especificar a camisa de tal modo - marca, tamanho, preço, cor etc - que rapidamente
todos os bens seriam únicos e, portanto, haveria um monopólio quanto a oferta de qualquer bem. Sobretudo,
conforme formamos grupos maiores do grupo “camisa da marca x, tamanho y e preço”, progressivamente abrindo
mão de seus detalhes - “camisa da marca x e tamanho y” - chegaremos em um ponto em que poderemos verificar
quantos ofertantes desse grupo maior - “camisa” - existem. Se só existir um único ofertante do bem “camisa”
poderemos, resolvida a questão dos bens substitutos, usar o termo “monopólio” que deverá ser acompanhado da
explicação do grau de abstração e de detalhe do grupo envolvido.
A existência de equivalentes funcionais - ou seja, outros grupos que, para os consumidores, cumprem a mesma
ou parecida função que outro bem - pode ser analisada, por exemplo, por meio da propaganda. É a propaganda
que pode sinalizar quem as sociedades empresárias acreditam que, para os consumidores, são seus concorrentes. É
claro que isso não significa que as sociedades empresárias podem acessar diretamente a preferência dos consumi-
dores e também não significa que erros não sejam comuns. Sobretudo, sociedades empresárias lucram em cenários
livres exatamente quando acertam em agradar os consumidores e, da mesma forma, sociedades empresárias fazem
apostas sobre quem são os seus concorrentes, ou seja, há apostas sobre quais são os produtos de uma marca que os
consumidores acreditam que possuam a mesma ou função parecida com os produtos de outras marcas.
Essa aposta pode ser sinalizada pela propaganda - aquela estabelecida quando quem oferece serviços diz que “o
meu produto é melhor do que o produto da outra marca” - e o termômetro da efetividade de uma propaganda é o
próprio lucro à longo prazo. É claro que existem outras sinalizações - como ações judiciais que tenham pedidos
que envolvam a mal entendida idéia de concorrência desleal, por exemplo.
preendedor - e, então, notar quão relevante é o papel desempenhado pelos erros neste processo.

O erro para encontrar imperfeições é a forma pela qual empreendedores aprendem - o que
não significa supor uma consciência sobre esse próprio mecanismo falsificacionista. Nesse
sentido, veja o seguinte argumento presente em [Harper 1996]:

The depiction of entrepreneurs as sophisticated falsificationists could be ar-


gued to overstate the degree to which entrepreneurs are conscious of their ra-
tionality. But just as real-world entrepreneurs do not have to know that they
are using the rules of deductive logic whenever they are responding rationally
to the disappointment of their plans (i.e. refuting market evidence), so too en-
trepreneurs do not always have to be consciously aware that they are applying
falsificationist methodological rules in their attempts to learn from their mar-
ket experiences. They are not expected to be experts in scientific method or to
be conversant in philosophical lingo.

Em outras palavras, o aparente contra argumento que tornaria a questão da falta de percepção
de sinalizações de perfeições por parte de empreendedores um problema é, na verdade, um argu-
mento a favor do empreendedorismo na medida em que é exatamente por meio desse processo
de tentativa e erro que permite a falsificação de métodos e práticas menos eficientes. É claro
que com isso não se quer dizer que empreendedores sejam entidades com capacidades sobre hu-
manas; seguindo o raciocı́nio, nessa mesma obra é possı́vel visualizar parte do funcionamento
da tomada de decisões empreendedores:

Entrepreneurial decision-making involves the discovery of a new market pro-


blem (and a potential profit opportunity), the generation of possible solutions
(e.g. new product ideas), the selection of one or more preferred solutions, the
trial implementation of chosen solutions, and the critical evaluation of these
attempts at solving the problem. The problem situation is not closed, fixed or
given to the entrepreneur. A problem must first be identified, structured and
defined by the entrepreneur (in this sense it is created or constructed by the
entrepreneur), and the entrepreneur can change the problem situation that he
or she faces at any time. Accordingly, entrepreneurial decisions are neither re-
flexes nor snap-decisions: rather they are reached by a process of deliberation
involving trial and error. Furthermore, there are always external conditions
physical, social, cultural, economic and so on which impose limits on what
individual entrepreneurs can achieve (though they are free to try their best at
surpassing such limitations).

Isso significa, naturalmente, que erros são possı́veis. Nesse sentido, temos, segundo [Rizzo e P.O’Drisco
que:

At the market level, entrepreneurs strive to discover (or create) possibilities


that have been generally overlooked by other market participants. Entrepre-
neurs are, however, themselves subject to the effects of time and ignorance,
and hence may often commit errors. These errors can be the source of further
unpredictability and instability in the system. Nevertheless, it seems reasona-
ble to believe that a world without profit-seeking entrepreneurial behavior is
likely to be more unpredictable and unstable than a world with it.

É preciso adicionar, sobretudo, que há diferentes funções cumpridas pela sinalização, que
pode ser definida lembrando da obra supracitada de Rizzo: “Alertness, that is, the disco-
very propensity, although exogenous in certain respects, is switched on by profit opportunities
within the economic system”. Nesse sentido, temos de trazer à baila o argumento presente em
[Boettke 1998]. Nesta obra Boettke estabelece que os preços possuem ao menos três funções,
sendo que nos interessa, agora, tanto a função ex post quanto a função de descoberta dos preços.

Unidas ambas as funções, como podemos resumir a assertiva de Boettke? Temos, basica-
mente, que ações - que usualmente tomam por base os preços atuais e expectativas sobre os
preços futuros - de diferentes atores podem modificar os preços (função ex post) de forma que
os preços futuros informarão os atores sobre o sucesso ou a falha daquelas suas ações anteriores.
E é exatamente essa possibilidade de sucesso que cria incentivos para a exploração eficiente de
oportunidades até então desconhecidas (função de descoberta).

O estı́mulo de burocratas não é, sobretudo, o lucro. Sendo assim, o sistema polı́tico, ao
impor momentaneamente alterações na possibilidade de empresários terem lucros ou prejuı́zos,
acaba por alterar a função de descoberta promovida pelo processo de tentativa e erro do mercado
e, com isso, as falhas na formatação polı́tica do mercado não são vistos como prejuı́zos (lembre-
se que o risco da falência é uma parte imprescindı́vel do processo informacional do sistema
econômico). Um exemplo - que trataremos melhor mais adiante - são os bailouts.

Em outras palavras, a possibilidade de erro no processo dos empreendedores não só é ad-
mitida mas também constitui o próprio processo e há, portanto, não só uma diferença entre os
estı́mulos de burocratas e empreendedores mas, ainda, a própria burocracia - encarecedora de
preços - tanto constitui barreiras para o surgimento de novos empreendedores quanto altera o
papel informacional de preços, lucros e prejuı́zos.

Sendo assim, é preciso destacar, como já vimos, que há grandes diferenças entre a sinalização
promovida pelo lucros, prejuı́zos e preços - o estı́mulo dos empreendedores - com a sinalização
feita pela eleição, votos e capacidade legislativa - o estı́mulo dos burocratas. Nesse sentido
temos de observar o seguinte argumento presente em [Horwitz 2011], direcionado não ao voto
mas ao argumento de que sinais emitidos por “non-priced environments” seriam tão eficientes
quanto sinais econômicos:

More generally, is there any assurance that nonprice coordinated social le-
arning processes will consistently produce “good results” whatever that term
might mean? In economics, we have a fairly precise understanding of the price
coordination process and the ways in which prices, profits, and losses serve as
knowledge wrapped in an incentive to both inform and motivate market actors
to mutually adjust their behavior in ways that enhance social coordination and
better serve all of us as consumers. In particular, is there any signal in these
environments that so powerfully combines both the knowledge and incentive
necessary to generate coordinative behavior as do prices, profits and losses?
Again, clearly such behavior does take place, but what is the standard of eva-
luation of its effectiveness? Moreover, how do we know if we’ve got it wrong?

Complementando a eficiência questionável da sinalização feita pelo voto - por não ilustrar
as preferências e também por não ilustrar quais preferências se tornarão legislação ou medidas
polı́ticas -, podemos adicionar mais alguns argumentos. A primeira razão que torna o processo
eleitoral peculiar é a ideologia polı́tica. Na presença de embates ideológicos entre partidos
polı́ticos - um pressuposto de democracias mais funcionais - a idéia de Ikeda19 , qual seja, “Thus,
“ideological blindness” of some kind might explain the failure of public authorities to learn
from their mistakes.” entra em cena para ilustrar que nem sempre os próprios polı́ticos não são
capazes de atrelar, publicamente e talvez até mesmo internamente, as suas ações polı́ticas com
efeitos negativos já que isto significaria 1) reconhecer falhas na consistência de determinadas
ideologias; 2) reconhecer falhas na aplicação de um corpo ideológico ideal.

Como o reconhecimento público tanto de “1” e “2” traz consequências eleitorais negativas,
o discurso que atribui erros aos outros partidos e/ou ideologias sempre será possı́vel, dado que
inexiste uma sinalização que compense a busca por ganhos substituindo o trabalho por lobby -
sendo que quando tal compensação passa a existir, os lobbistas apenas aumentam ou o tamanho
da esfera de atuação do Estado ou alteram a qualidade dessas práticas, o que sempre resulta
em mais intervenções estatais as quais geram mais distorções, as quais, por sua vez, também
19
Presente em [Ikeda 1997].
serão atribuidas aos outros partidos e/ou ideologias20 especı́ficas (que não raro culpam o próprio
mercado).

O mesmo vale para os votantes que nem sempre são capazes de atrelar as medidas feitas
por um partido polı́tico há alguns anos atrás com problemas que acontecem com os problemas
durante o governo de um outro partido polı́tico. Como já foi visto, a questão é que o ambi-
ente estatal desestimula alguns indivı́duos de participarem na vida polı́tica - aqueles que não
podem perder horas de trabalho para pensar nos rumos polı́ticos - e estı́mula outros - lobbistas
- a fazê-lo, prejudicando os primeiros para privilegiar os últimos. Já o mercado, por sua vez,
produz, como efeito não intencional da produção de riqueza e em ambientes livres da mas-
siva intervenção estatal, maior acessibilidade de bens e serviços. De modo mais amplo, em
[Ikeda 1997] há um lembrete sobre as consequências da inevitável - mas que pode ser mais esti-
mulada ou desestimulada - existência de biases nos votantes: “For example, the so-called “fiscal
illusion” hypothesis put forward by Tanzi (1980), posits that government will grow beyond the
size its citizens prefer if it can increase taxes in such a way that the government appears smaller
than it is.”.
20
É claro que com isso não se quer dizer que ideologias são necessariamente nocivas ou possı́veis de serem
evitadas. Para melhor compreender o funcionamento de ideologias devemos, antes, defini-las. Uma interessante
definição pode ser encontrada em [Higgs 1987], qual seja:

By ideology I shall mean a somewhat coherent, rather comprehensive belief


system about social relations. To say that it is somewhat coherent implies that
its components hang together, though not necessarily in a way that would sa-
tisfy a logician. To say that it is rather comprehensive implies that it subsumes
a wide variety of social categories and their interrelations. Notwithstanding its
extensive scope it tends to revolve about only a few central values-for instance,
individual freedom, social equality, or national glory.

Em outras palavras, as ideologias - enquanto rede mais ou menos coerente de crenças - possibilitam o tratamento
dos grandes temas - liberdade individual, igualdade social, saúde, educação etc. Mas, então, Higgs prossegue:

(...) It structures a person’s perceptions and predetermines his understandings


of the social world, expressing these cognitions in characteristic symbols; it
tells him whether what he “sees” is good or bad or morally neutral; and it pro-
pels him to act in accordance with his cognitions and evaluations as a commit-
ted member of a political group in pursuit of definite social objectives. Ideolo-
gies perform an important psychological service because without them people
cannot know, assess, and respond to much of the vast world of social relations.
Ideology simplifies a reality too huge and complicated to be comprehended,
evaluated, and dealt with in any purely factual scientific, or other disinterested
way.

Sendo assim, é preciso pensar que se ideologias são pensamentos e comunicações que permitem a observação
de realizações polı́ticas em formatos especı́ficos - sendo possı́vel uma competição entre diferentes ideologias -,
então o problema passa a ser quais ideologias acabam reduzindo a própria possibilidade de outros indivı́duos de
auto-observar o conteúdo de suas ideologias e os seus efeitos polı́ticos.
Talvez mais relevante do que isso, não raro os resultados da regra da maioria implicam na
relativização de uma das bases da sinalização econômica, a propriedade privada. A propriedade
privada, de acordo com [Mises 2007], pode ser definida da seguinte forma:

Private ownership means full control of the services that can be derived from
a good. This catallactic notion of ownership and property rights is not to be
confused with the legal definition of ownership and property rights as stated in
the laws of various countries.

Isso significa que um primeiro conceito de propriedade privada significa em controle total
de um bem e dos serviços que podem ser derivados de um bem. Esse controle total pressupõe,
inclusive, a capacidade de negociar a propriedade do bem ou de seus possı́veis derivados. Mas
em [Rothbard 2009], Rothbard complementa essa noção de propriedade privada como controle
completo dos serviços que podem ser derivados de um bem com a idéia de escassez:

What goods become property? Obviously, only scarce means are property.
General conditions of welfare, since they are abundant to all, are not the objects
of any action, and therefore cannot be owned or become property.

Isto posto, temos de pensar que só é possı́vel deter propriedade privada de bens escassos,
já que a não-escassez implicaria na inexistência de conflitos sobre bens e serviços. A escassez
implica na impossibilidade de ofertar - seguindo a lei de oferta e demanda - um bem ou serviço
de modo ilimitado sem que haja redução na qualidade do bem ou serviço quando estes são
ofertados dentre de limites que dizem respeito a uma estrutura de produção. Tucker e Kinsella,
em [Tucker e Kinsella 2012], concordam com essa definição já que estabelecem que:

One person can share an idea and it can spread unto infinity, never reducing
or degrading the quality of the original. These goods are all nonscarce and
thereby require no economization. Once they are released, they need not be
priced. There is no “structure of production” attached to their reproduction or
allocation (hence there is no “structure of production” for the dissemination
of ideas). To be sure, nonscarce goods can be economized and thereby com-
mercialized by rationing the scarce means of their distribution. For example,
a professor, whose time and body are scarce, is paid to share nonscarce ideas.
This is a service, but once the professor’s ideas are shared, they enter into the
realm of all nonscarce goods. What is paid for in fact is not the idea itself but
the presentation, the time required to share, the labor services of teaching, all
of which are scarce goods.

Por fim, em [Horwitz 2011] temos uma aplicação dos conceito anteriromente estruturado
de propriedade privada:

The main reason is that in generally market-driven economies, labor services


are the (alienable) property of the physical entity that generates the services,
that is, workers are free to sell their labor services to whom they wish (within
the limits of the law and any other possible contractual obligations).
O trabalho é, portanto, a propriedade privada de trabalhadores que podem vendê-lo. De-
finido o conceito de propriedade privada, temos de lembrar que quando maior for a incerteza
sobre a propriedade de certas commodities, menor será a chance do lucro - que, afinal de contas,
poderá sequer existir na medida em que há incerteza quanto a própria propriedade - servir como
estı́mulo para que o empreendedor faça transações. Nesse sentido vale a pena rever a proposição
encontrada em [Ikeda 1997]:

We have seen that the price system operates to signal entrepreneurs of the
existence of plan inconsistencies, the discovery and removal of which repre-
sent opportunities for them to gain. But for the price system to function, of
course, potential traders need to be reasonably sure that the exclusive right to
possess, use, and dispose of the commodities exchanged will be transferred
along with the commodities themselves. To the degree that property rights are
thus secure and clearly defined, actors are better able to evaluate the useful-
ness of their own property and those of potential trading partners, either to
themselves or to others. They are then in a position rationally to assess the
suitability of potential trades, which, whether they actually take place or not,
impinge on the relative prices at which commodities exchange. (...) That is,
if under laissez-faire there is a great deal of freedom for entrepreneurs to ad-
just to endogenous and exogenous changes so that the price system operates
as market-process theory describes; and if under the complete collectivization
of property the freedom of entrepreneurial adjustment in the market process
is at a minimum and the price system is eradicated; then one can conjecture,
without specifying the exact nature of the trade-off, that as the state progressi-
vely confiscates private property through income transfers, the effectiveness of
the price system in helping to coordinate individual plans within the catallaxy
progressively diminishes. That is, the erosion of private property, whether
gradual or sudden, will not only generate errors and discoordination among
individual planners in the catallaxy, but will itself act as a barrier to the disco-
very of these errors. Errors will tend to persist over a longer period of time,
and more errors will remain undetected, because such erosion ultimately com-
promises the price system itself, the principal means by which agents discover
and correct plan discoordination in the market process.

Como é notório, o Estado, fazendo uso de normas que pontuam o funcionamento de pro-
cedimentos democráticos como a regra da maioria, cria o “bem público” e a função social da
propriedade. Essa distorção já foi identificada por Mises em [Mises 2007], qual seja:

(...) However, nowadays there are tendencies to abolish the institution of pri-
vate property by a change in the laws determining the scope of the actions
which the proprietor is entitled to undertake with regard to the things which
are his property. While retaining the term private property, these reforms aim
at the substitution of public ownership for private ownership.

Isso significa que em nome do “bem comum” - incluindo o tratamento de um suposto “mo-
nopólio natural” que será abordado logo adiante - o Estado relativiza, em menor ou maior grau,
os direitos de propriedade. Isto significa, por exemplo, que a tributação, ao diminuir os fru-
tos do trabalho acordados entre trabalhador e capitalista, relativizam a propriedade dos frutos
do trabalho por parte quer do trabalhador quer do capitalista - que passa a enfrentar maiores
barreiras para entrar no mercado, ou seja, passa a existir menor concorrência potencial. Como
intervenções demandam por novas intervenções, o Estado, após restringir o mercado, assume a
posição de monopolista polı́tico, alegando, via a falácia do monopólio natural, que o monopólio
econômico - onde a cobrança de preços monopolı́sticos é desestimulada - é anterior as suas
ações.

Um dos núcleos dessa intervenção estatal sobre a propriedade privada é a idéia de mo-
nopólio natural. Para tratar este tema é preciso observar os argumentos presentes em [DiLorenzo 1996]:

It is a myth that natural-monopoly theory was developed first by economists,


and then used by legislators to “justify” franchise monopolies. The truth is
that the monopolies were created decades before the theory was formalized
by intervention-minded economists, who then used the theory as an ex post
rationale for government intervention. At the time when the first government
franchise monopolies were being granted, the large majority of economists
understood that large-scale, capital-intensive production did not lead to mono-
poly, but was an absolutely desirable aspect of the competitive process. The
word “process” is important here. If competition is viewed as a dynamic, rival-
rous process of entrepreneurship, then the fact that a single producer happens
to have the lowest costs at any one point in time is of little or no consequence.
The enduring forces of competition including potential competition will ren-
der free-market monopoly an impossibility. (...) The theory of natural mono-
poly is also ahistorical. There is no evidence of the “natural-monopoly” story
ever having been carried out of one producer achieving lower long-run ave-
rage total costs than everyone else in the industry and thereby establishing a
permanent monopoly.

Como é de se esperar, a teoria econômica não é alheia aos interesses que ocasionalmente
rondam as suas proposições. Ainda que de forma não intencional, o mito do monopólio na-
tural serve como justificativa para medidas que, na verdade, prejudicam a concorrência - mas
legitimam justamente as ações do Estado que atuam como barreiras à concorrência potencial.
Complementando a questão histórica levantada por DiLorenzo temos, em [Behling 1989], uma
interessante constatação:

Six electric light companies were organized in the one year of 1887 in New
York City. Forty-five electric light enterprises had the legal right to operate in
Chicago in 1907. Prior to 1895, Duluth, Minnesota, was served by five electric
lighting companies, and Scranton, Pennsylvania, had four in 1906. ... During
the latter part of the 19th century, competition was the usual situation in the gas
industry in this country. Before 1884, six competing companies were operating
in New York City ... competition was common and especially persistent in
the telephone industry ... Baltimore, Chicago, Cleveland, Columbus, Detroit,
Kansas City, Minneapolis, Philadelphia, Pittsburgh, and St. Louis, among the
larger cities, had at least two telephone services in 1905. (...) one begins to
doubt that scale economies characterized the utility industry at the time when
regulation replaced market competition.

Outro reforço contra a possibilidade de existência de um monopólio natural pode ser vista
no resumo feito em [DiLorenzo 1996] sobre o livro de Walter Primeaux Jr.21 :

Direct rivalry between two competing firms has existed for very long periods
of time for over 80 years in some cities;
• The rival electric utilities compete vigorously through prices and servi-
ces;
• Customers have gained substantial benefits from the competition, com-
pared to cities were there are electric utility monopolies;
• Contrary to natural-monopoly theory, costs are actually lower where
there are two firms operating;
• Contrary to natural-monopoly theory, there is no more excess capacity
under competition than under monopoly in the electric utility industry;
• The theory of natural monopoly fails on every count: competition exists,
price wars are not “serious,” there is better consumer service and lower
prices with competition, competition persists for very long periods of
time, and consumers themselves prefer competition to regulated mono-
poly; and
• Any consumer satisfaction problems caused by dual power lines are con-
sidered by consumers to be less significant than the benefits from com-
petition.

Por outro lado e relembrando o que já foi dito, o processo de tentativa e erro (com sua
correspondente desenvoltura em acerto-lucro e falha-prejuı́zo) é a especialidade do mercado e
a base do processo empreendedor (quando feita de modo harmonioso com os direitos de pro-
priedade). Isso significa que os critérios adotados por burocratas que necessariamente carecem
dos incentivos corretos - lucros - deformam o sistema de preços por meio de relativizações dos
direitos de propriedade que seriam, em um cenário mais livre, capazes de fornecer as bases para
as sinalizações sobre as preferências feitas pelo mercado, os preços, os lucros e os prejuı́zos,
lembrando que estes - os lucros e os prejuı́zos - servem como sinalização de pagamentos ou de
ausência de pagamentos dos consumidores.

Mas monopólios polı́ticos não são frutos da satisfação dos consumidores; ao contrário de
um livre mercado, o monopólio polı́tico nasce com negociatas entre interesses corporativos
e boas relações partidárias - restando quase que blindados contra prejuı́zos - onde o Estado,
ao impor custos às sociedades empresárias - ou explicitamente permitindo empréstimos via
21
[Jr. 1986].
BNDES para empresários especı́ficos, por exemplo - acaba privilegiando alguns ao custo de
outros. Nessas situações a oportunidade de lucro de uma minoria aumenta significativamente
- na medida em que há um decréscimo no número e na qualidade dos competidores - dado a
presença daquelas ações do Estado que estabilizam um cenário - formatando a concorrencia
potencial - que deveria ser muito mais incerto. O estı́mulo necessário para que surjam soluções
inovadoras é substituı́do por processos democráticos os quais, ao contrário do que se pensa,
não raro resultam em problemas de conhecimento para se avaliar quais medidas são ou não
apropriadas.

É possı́vel ilustrar todo o argumento anterior pensando no péssimo zoneamento urbano22


de uma cidade como São Paulo. Aqui adotaremos o tipo de pensamento sobre o tempo que foi
mencionado a respeito da memória: não é o passado de construção da cidade que a mantém
com os seus aspectos atuais; é o que é atualmente reproduzido - por meio de um zoneamento
urbano centralizado, por exemplo - que torna a gestão do espaço urbano parecido ou diverso do
cenário de nascimento da cidade. Resumidamente, os atuais problemas poderiam ser resolvidos
apesar da configuração anterior da ocupação urbana ter sido problemática.

A questão, então, é a do atual planejamento urbano. Como planejadores centrais podem


saber quais são os melhores lugares para se abrir um comércio, quais regiões devem ser exclu-
sivamente residenciais e quais devem ser as áreas industriais? Por outro lado, cada proprietário
pode perseguir o seu auto-interesse e decidir, com base nos próprios direitos de propriedade -
sobretudo contratos e convenções de condomı́nio -, se desejam ou não abrir seus condomı́nios
ao comércio e vice-versa. Isto não significaria ausência de regras; significaria, ao invés disso,
um planejamento urbano pulverizado e muito mais complexo - com diversas regras apropriadas
para cada área - do que o tempo polı́tico - sempre mais moroso do que o mercado - é capaz de
acompanhar.
22
Como bem ilustra [Jacobs 1992], temos que:

Cities are an immense laboratory of trial and error, failure and sucess, in city
building and city design. (...) The simple needs of automobiles are more ea-
sily understood and satisfied than the complex needs of cities, and a growing
number of planners and designers have como to believe that if they can only
solve the problems of traffic, they will thereby have solved the major problem
of cities. Cities have much more intricate economic and social concerns than
automobile traffic. How can you know what to try with traffic until you know
how the city itself works, and what else it needs to do with its streets? You
can’t.

Em outras palavras, o processo de tentativa e erro norteada respectivamente pelo lucro e pelo prejuı́zo é uma
especialidade do mercado - que conta com um sistema de preços baseados na propriedade privada. Sendo assim,
até mesmo o planejamento das cidades - via tentativa e erro - pode ser melhorado na presença de um mercado mais
livre, ou seja, caso tratemos a cidade como um grande laboratório com tantos experimentos que ela demandar.
Nesse cenário - de menor centralização burocrática de decisões a respeito da configuração
urbana - seria possı́vel morar ao lado do seu trabalho - os moradores, agora livres do zoneamento
urbano, poderiam comprar imóveis ou as próprias sociedades empresárias poderiam fazê-lo
justamente para alugá-los para os seus funcionários -, com a vantagem de inexistir uma lei seca
onde claramente os indivı́duos estão dispostos a beber e dirigir (presentes os respectivos alertas
na porta dos condomı́nios). Mas este é apenas um detalhe; as ruas simplesmente seriam mais
seguras já que tanto os seus principais usuários passariam a ter maior poder de escolha sobre
elas quanto a mistura entre sociedades empresárias e residências permitem que os próprios
transeuntes vigiem e desejem permanecer na rua.

O mesmo vale para o lento tráfego de veı́culos. Como o papel dos empreendedores e a
clarificação das diferenças entre monopólio polı́tico e econômico já foram estabelecidos, torna-
se evidente que a busca pelo lucro é argumento suficiente para afastar a possibilidade de que,
mesmo se valesse a pena comprar terrenos para construir estradas que facilitassem o trânsito e
desafogassem o tráfego, empresários, por alguma razão, não o fariam. É exatamente a busca
pelo lucro que move os empreendedores - que podem, inclusive, formar grupos para iniciar
grandes projetos, apesar disso não excluir a presença de diversas pequenas vias, cada qual pro-
jetada por diferentes partes da iniciativa privada - de modo que, como já foi abordado, o preço
monopolı́stico é uma exclusividade da intervenção estatal protecionista. Além de novas pon-
tes, ruas e passagens, diversas frotas de transportes coletivos de qualidade - e com rotas tão
especı́ficas que levariam menos tempo no tráfego de veı́culos - possivelmente estariam dis-
ponı́veis. Além disso, outros efeitos benéficos poderiam surgir das seguintes situações: 1)
competição entre sociedades empresárias para estabelecer qual seria a melhor sincronização
possı́vel dos semáforos, de modo a ajustar o tempo de espera com o horário de rush e o tipo
de veı́culo que trafega na rua; 2) livre competição entre as indústrias que posicionam as placas
com os nomes das ruas; 3) menores custos com o asfaltamento.

Esse conjunto de caracterı́sticas é bastante diferente do que temos hoje, onde 3 ou 4 horas
são gastas em percursos esburacados, com sinalização que não raro estão mal posicionadas e
com as palavras apagadas e que deveriam durar 40 minutos. Esse tempo perdido ainda torna
evidente outro problema, os gastos com a gasolina (já que os impostos aumentam o preço da
gasolina, aqui em São Paulo, em mais de 50%). Isso, é claro, aos que conseguem superar quer
a abusiva tributação que incide sobre a indústria automobilı́stica (IPI, ICMS, COFINS, PIS e
IRPJ) quer o protecionismo governamental que protege a indústria nacional de veı́culos (em
detrimento dos consumidores) para adquirir veı́culos.

Exemplificado o ponto da relação entre empreendedores e direitos de propriedade, é preciso


pontuar que em um livre mercado sociedades empresárias ineficientes não seriam protegidas,
ou seja, normas como as da concessão e cargas tributárias que hoje servem de barreiras proteci-
onistas para quem já está no mercado inexistiriam23 . Ao contrário do que acontece atualmente,
sociedades empresárias ineficientes não estariam protegidas contra a falência, já que a idéia de
too big to fail é fruto exatamente da criação, pela via polı́tica, de monopólios e oligopólios
que tornam o mercado dependente de sociedades empresárias especı́ficas. Na verdade, quando
uma sociedade empresária toma consciência de sua condição de too big to fail passa a existir
uma tendência de tomar decisões mais arriscadas do que, sem o apoio estatal, ela tomaria, já
que grandes perdas serão arcadas justamente pelo poder público que se coloca na condição de
garantidor. É a face mais óbvia da “privatização dos lucros e socialização dos prejuı́zos”.

Estas sociedades empresárias especı́ficas, mesmo quando sofrem com altas cargas tributárias
e regulamentações que implicam em maiores custos, passam, a partir de um certo ponto em seu
crescimento, a tirar vantagem do que antes era um contratempo: as barreiras impedem que
novos competidores apareçam e paulatinamente o poder de barganha dessas sociedades em-
presárias - por nutrirem de posições politicamente monopolistas ou oligopolistas - aumenta
de modo correspondente. Esta é, portanto, uma caracterı́stica sobretudo do Estado do século
XXI: a governança legalizada que permite adequar sanções premiais - inclusive a respeito
da incidência de tributos - e punitivas de acordo com uma negociação especı́fica a cada caso
harmoniza-se com o fenômeno polı́tico dos monopólios e oligopólios ineficientes, dando novos
moldes ao corporativismo (termo que, ao longo dos parágrafos anteriores, tentamos especificar
e exemplificar).

O primeiro argumento usual sobre a inevitabilidade do corporativismo já foi derrubado, isto
é, o argumento de que o Estado é necessário para tratar as imperfeições do mercado é, como
vimos falacioso, já que, resumidamente, a questão das imperfeições de mercado podem ser tra-
23
A imposição de normas como tributos e obrigações de fazer implicam, como é óbvio, em custos. Como nem
todos podem arcar com estes custos para entrar em um determinado setor, tais custos restringem a possibilidade de
oferta de produtos daqueles que, ausentes os tributos, seriam competidores. Além disso, tributos também implicam
em uma menor produtividade e isso também possui algumas consequências:
a) Os trabalhadores terão de trabalhar mais (para compensar a perda de produtividade); b) Os trabalhadores
receberão salários menores (as sociedades empresárias reduzirão os salários para pagar os custos gerados pelos
tributos); c) Os lucros diminuirão já que os tributos diminuı́ram a produção. E quando os lucros diminuem (ou:
antecipando uma perda futura nos lucros), menos pessoas estarão dispostas a investir nessa área (que perdeu ou
perderá lucratividade). Em outras palavras, os setores mais prejudicados pelo aumento dos preços se tornarão
menos competitivos - receberão menos investimentos e atrairão menos capitalistas - e, como sabemos, menos
competição equivale a uma piora na qualidade e um aumento nos preços de bens e de serviços (a competição cria
a necessidade de oferecer bens e serviços mais baratos e de qualidade superior aos dos seus competidores; ou seja,
quanto menor for a concorrência potencial maior será a possibilidade de oferecer bens e serviços encarecidos ou
de péssima qualidade - com um limite, é claro); d) Os preços dos bens e dos serviços serão maiores (neste caso, o
aumento no custo será repassado diretamente ao consumidor).
Como é possı́vel visualizar, há danos em todas as opções mas o resultado “d” prejudica especialmente os mais
pobres, já que estes tenderão a diminuir o consumo que pode já ser, eventualmente, restrito aos bens essenciais.
tados pela própria sinalização do mercado que, ao contrário da sinalização polı́tica, é eficiente
para esses fins. Há, sobretudo, outra importante questão que confere notas distintivas ao corpo-
rativismo em um sistema misto24 e globalizado, que é, justamente, a crença na socialização da
propriedade privada. Kizner25 resumiu bem essa visão:

Interference with the webs and forces that are woven through the market pro-
cess limits the attempts of participants to coordinate their activities through
an engine of remarkable efficiency - the market. The analysis of the market
process can clarify the costs involved through such interference, making it
possible for market participants to decide, through the political process, on the
extent to which they are willing to lay aside their engine of efficiency for the
sake of special purposes of possibly overriding importance.

Esta caracterı́stica denota um segundo argumento pró inevitabilidade do corporativismo.


Um “propósito especial” comumente pensado é que um direito incapaz de ser tratado pela
relação entre direitos de propriedade e o livre mercado seria o meio ambiente. O argumento,
sobretudo, também é falacioso. Além de supor que o Estado é capaz de conhecer, ainda que
sem o sistema de preços e relativizando a propriedade privada, as informações necessárias para
tratar a questão26 , essa linha de raciocı́nio ainda menospreza a capacidade de alocação de res-
ponsabilidades presente na construção adequada de direitos de propriedade.

Para tratar corretamente a questão temos de lembrar que há, no caso ambiental, um conflito
sobre o uso de determinados recursos. Se os direitos de propriedade estiverem claramente
delimitados, então o princı́pio do poluidor-pagador poderá ter como base exatamente os direitos
de propriedade, já que a poluição pode ser tratada como um subproduto que aflige a propriedade
alheia e o poluidor como o emissor desse subproduto27 ; é neste sentido que podemos entender
o argumento presente em [Cordato 2004]:
24
Utilizamos o termo conforme a acepção da obra [Ikeda 1997].
25
[Kizner 1963].
26
Apesar do problema do conhecimento já ter sido trazido à baila, para o caso especı́fico da poluição temos, em
[Cordato 2004], uma sustentação bastante didática:

Most specifically, a central authority must know in advance what the efficient
outcome is. In the case of the tax, a central authority must know in advance
the exact amount of the externality costs being imposed by the polluter, and the
correct price and output, not only for the good in question but, since efficiency
only makes sense in a general equilibrium context, for all other affected goods
and services. In the case of tradable permits, the knowledge requirements are
essentially the same. This is because the central authority must first determine
the “efficient” level of emissions for the particular pollutant, which also must
be determined within the context of a general equilibrium solution.

27
Segundo [Cordato 2004], temos que:
There is a conflict over the use of a resource. The source of that conflict is the
generation of a production byproduct that crosses from property that is owned
and controlled by the generator of the byproduct to property that is owned and
therefore should be controlled by a nonconsenting party. The responsibility for
ending the conflict lies with the polluter who should be responsible for truly
internalizing the costs of the conflict generating activity. In this case, internali-
zing the costs of the pollution does not simply mean facing a new supply curve
that has shifted to the left by the right amount. For the polluter it instead means
eliminating the costs of his polluting activities to those whose property usage
is being curtailed. This might be done by eliminating the emissions, confi-
ning them to his own property, or by compensating the victims of the polluting
activity by an amount that fully addresses the grievance.

Dito de outra forma, quando os direitos de propriedade estão bem delimitados a internalização
dos custos por parte dos poluidores passa a ser possı́vel e, mais do que isso, o cálculo dessa
internalização passa a ser mais apurado, no sentido de que um contorno coerente de direi-
tos de propriedade resulta em possibilidade coerente de alocação de responsabilidades. Essa
internalização reforça o argumento de que o mercado - enquanto construção do sistema econômico
e não a sua imagem construı́da pelo sistema polı́tico - é especializado em construir sinalizações
as quais, quando não são efetivas, geram oportunidades de lucro para os próprios empreende-
dores. É preciso esclarecer, aqui, o que exatamente se quer dizer com o termo “empreendedor”.
Já vimos como este processo acontece, mas não como defini-lo.

Um “empreendedor”, aqui, é uma abstração social, ou seja, uma persona comunicacio-


nalmente construı́da e que ocupa uma posição comunicativa especı́fica, qual seja, a de prover
destruições criativas as quais ofertem bens ou serviços em combinações não previamente esta-
belecidas, mediante a oportunidade de lucro, de tal modo que haja uma combinação de fatores
que, isolados, antes eram percebidos como menos aptos a criar valor (simplificadamente, pense
que se os indivı́duos antes julgavam que se certas ferramentas e certo capital intelectual antes
eram valorados como aptos a produzir, mediante a sua combinação, “x”, o empreendedor en-
contra modos ou de combinar estes fatores de modo a produzir “x+y”; dado que isso se aplica às
próprias ferramentas e ao próprio capital intelectual, temos que a capacidade de recombinação
dos bens e serviços disponı́veis transforma estes próprios bens e serviços. Ainda que a busca
desta forma de criação - que pode tornar outros bens e serviços obsoletos - seja própria dos
empreendedores, isto não implica em uma idealização deste papel informacional.
A polluter is someone whose production byproducts are seeping onto the pro-
perty of others and interfering with plans that they may have for the use of that
property. By interfering with these plans the polluter is reducing the efficiency
by which the victim of the pollution can pursue his or her goals.
É fácil pensar que empreendedores não precisam sequer estar cientes desse processo ou
que os empreendedores que acertam podem estar, não intencionalmente, simplesmente no lugar
certo, na hora certa e com a idéia certa (a idéia já pode ter sido criada por outro indivı́duo, por
exemplo). De modo mais consistente, se por um lado os mercados são bons sinalizadores já que
os empreendedores desempenham funções informacionais especı́ficas, por outro lado é o mer-
cado (fluxo complexo de processos informacionais construı́dos por transações que envolvam,
intersubjetivamente, aumento de utilidade mediante a disponibilidade de bens e serviços) que é
capaz de, via preços e lucros, proporcionar mais ou melhor informações para empreendedores
(e essa relação é construı́da de modo mútuo, isto é, elas se retro-alimentam). Um detalhe inte-
ressante é que não importa quão habilidoso um polı́tico seja para criar valor; se ele estiver no
ambiente burocrático - desprovido das caracterı́sticas mercadológicas baseadas nos preços e nos
lucros de disponibilização de mais ou melhor informação -, tais habilidades não desempenham
o papel funcional do empreendedor (que possui como habitat justamente o mercado).

Se o burocrata habilidoso (e note que o mercado disponibiliza um critério de habilidade


especı́fico) não pode simplesmente substituir o empreendedor, essa diferença - entre burocrata
e empreendedor - possui consequências também para outra dualidade, qual seja, a relação entre
função social estatalmente estabelecida da propriedade e função social econômicamente esta-
belecida da propriedade.

Essa relação se dá do seguinte modo: na medida em que se afrouxa a conexão entre “bem
público” e Estado para estreitar os laços entre funções sociais da propriedade e o mercado,
privilegia-se os modos de sinalização do mercado em detrimento dos modos de construção de
informação da polı́tica.

Sendo assim, a função social da propriedade, quando promovida pelo Estado, carece daque-
las sinalizações capazes de prover mais e melhores informações a respeito da própria utilidade
da prática, ou seja, a função estatal da propriedade estabelece um critério de utilidade diver-
gente do critério construı́do pelo mercado. Isso não significa que a propriedade não desempe-
nha um relevante papel - ainda que como uma consequência não intencional - para terceiros
segundo a sua constituição econômica; é exatamente o oposto. No caso dos poluidores, note
que a delimitação dos direitos de propriedade, quando permitem que cada indivı́duo faça pla-
nejamentos - sinalizando esses planos por meio dos lucros, prejuı́zos e preços - com as suas
próprias propriedades ao invés do planejamento partir do processo burocrático, a internalização
dos custos se torna aguçada. Ora, a internalização dos custos depende da sinalização destes cus-
tos, sinalizações as quais, como demonstramos, burocratas - nem mesmo os mais habilidosos -
podem construir de modo mais eficiente do que o mercado.
Mas há um outro cenário. Um cenário onde os direitos de propriedade não estão bem
delimitados - sendo essa falta de delimitação gerada ou não pela socialização da propriedade
privada por parte do Estado - mas há poluição, como, por exemplo, um rio em que dejetos são
deixados em um determinado ponto, o que aflige o uso do rio para outros indivı́duos na medida
em que tais dejetos são levados pelo fluxo das águas. Pensemos, ainda, que há alta probabilidade
destes dejetos chegarem a um tal determinado ponto - mas que isso ainda não aconteceu.

Neste cenário é preciso justamente delimitar claramente quais são os direitos de propriedade
que estão em jogo e para fazer isso é preciso indicar quais áreas do rio em questão são de
propriedade dos diversos indivı́duos que fazem uso, atual ou potencial - ou seja, que possuem
propriedades limı́trofes ao rio de modo que haja projeção de uma propriedade sobre parte do rio
-, de suas águas (e os indivı́duos preocupados com a natureza em geral poderão, é claro, entrar
em ações como, por exemplo, assistentes contra o poluidor). Na ausência de um proprietário
qualquer interessado em proteger o rio poderá adquirir a propriedade do rio para, então, protegê-
lo28 .

Ainda que tratar desta questão não seja o foco deste trabalho, o argumento aqui apresen-
tado serviu para ilustrar a tendência moderna da socialização da propriedade privada, que, ao
contrário do que se pensa, protege poluidores - que não coincidentemente ou é o próprio Es-
tado ou grandes corporações -, já que a delimitação dos direitos de propriedade aumentaria
a indenização devida a cada um dos proprietários em questão que teriam tanto o estı́mulo de
preservar as suas próprias propriedades quanto não dependeriam da fiscalização estatal. Essa
28
A descrição presente em [Cordato 2004] vai no mesmo sentido que o argumento do presente artigo, qual seja:

First of all, it should be made clear that in this type of case, the effluence is not
really the problem. The problem that is generating the conflict is the lack of
property rights definition.

Não concordamos, sobretudo, com o princı́pio do “first come first served”, já que uma posterior aquisição da
propriedade do rio não significa que deve existir aceitação de uma poluição anterior, dado que inexistiu qualquer
negociação nesse sentido.
proteção às avessas é, na verdade, bastante comum29 .

Estabelecida a diferença quanto ao modo de observação do Estado para outras partes da


sociedade ao longo do tempo - e caracterizados os novos contornos do corporativismo moderno
-, partiremos para a indicação das múltiplas construções burocráticas que permearam o exercı́cio
polı́tico até os dias atuais. Quanto à burocracia, é possı́vel dizer que no Estado do século XIX
havia uma teoria da norma jurı́dica preocupada em estabelecer qual seria a regra do jogo.

Tal regra era operacionalizada por meio de uma interpretação de bloqueio, isto é, os con-
tratos - as principais figuras jurı́dicas daquele tempo - dos poucos proprietários da época só
seriam nulos ou anuláveis caso houvesse uma regra geral e abstrata que claramente servisse de
hipótese para um caso concreto, ou seja, as lacunas da lei dificilmente geravam dirigismo con-
tratual. Essa é a razão de se falar em interpretação de bloqueio, já que essas transações privadas
seriam protegidas de uma maior interferência estatal (que, naturalmente, existia). O mesmo era
válido para a existência de culpa30 , ou seja, só haveria culpa em sentido jurı́dico quando hou-
vesse subsunção, ou seja, quando o caso concreto se enquadrasse na hipótese geral e abstrata de
uma norma. Como é possı́vel intuir, a matéria privilegiada era justamente o Direito Privado.

Já no Estado do século XX havia uma teoria do ordenamento jurı́dico - ou seja, não se falava
em uma regra isolada mas sim na integração de uma norma com a outra - que prezava pela
função da regra. Tal regra era operacionalizada por meio de uma interpretação de legitimação,
isto é, as várias regras especı́ficas eram interpretadas à luz de princı́pios que buscavam sobretudo
a implementação de uma igualdade que só poderia ser atingida por meio da ação do Estado -
daı́ a se falar em interpretação de legitimação, uma vez que o ordenamento jurı́dico deveria
legitimar a expansão da atuação estatal sob a justificativa de uma busca por igualdade.

Nesse cenário a principal figura jurı́dica deixou de ser o contrato e se tornou a lei, enquanto
a matéria privilegiada passou a ser o Direito Público ao invés do Direito Privado.
29
Como sarcasticamente foi dito por Walter Williams em [Williams 2012], temos que:

Put yourself in the place of an OPEC member knowing there’s going to be a


greater supply of U.S. oil in five or 10 years, which might drive oil prices to
a permanent $20 or $30 per barrel. What will you want to do now while oil
is $120 per barrel? You would want to sell. OPEC’s collective efforts to sell
more would put downward pressures on current oil prices. The White House,
U.S. Congress and environmental wackos, by keeping our oil in the ground,
are OPEC’s staunchest ally.

30
Inexistindo culpa não haveria obrigação de reparar o dano, obrigação esta que nasceria exatamente com a
prova do nexo de causalidade entre o dano e a culpa.
Na transição do modelo anterior para o atual o inchaço da máquina pública deu vazão
à hiperjuridificação, isto é, a uma contı́nua produção de leis. Essa superprodução legislativa
criou um tal conflito entre normas que teorias sobre a ponderação, isto é, sobre a escolha de
qual norma, harmonizada com as demais, melhor se aplica ao caso concreto. Esse perı́odo de
transição criou tendências de uma constitucionalização/publicização do Direito Privado, já que
os princı́pios é que poderiam, supostamente, guiar a técnica de ponderação.

O Estado do século XXI não pode ser caracterizado, sobretudo, nem pela busca jurı́dica de
se estabelecer qual é a regra do jogo nem por se preocupar mais com a função da regra, apesar da
óbvia importância atual desses dois modos de operar. Temos, agora, um verdadeiro jogo com as
regras31 construı́do pela contı́nua criação de agências reguladoras e pela multiplicidade de cam-
pos decisórios advindos da globalização. Se antes o Estado agia ele próprio, o que chamamos
de publicização do Direito Privado sugere outra estratégia, qual seja, a de privatizar para, então,
regular o setor privatizado e fiscalizá-lo por meio de uma descentralização32 caracterı́stica das
agências reguladoras. Lembre-se que durante o Welfare State era mais comum o próprio Estado
tentar ofertar, diretamente, bens e serviços - enquanto que, agora, o Estado usa de privatizações
seguidas de alta regulamentação, usualmente via agências reguladoras. É claro que outra via
comum é a própria concessão33 mas, como pode ser observado, ambas as estratégias incremen-
tam, nos dias de hoje, o uso do direito regulatório (direito econômico, consumerista e ambiental)
como matérias de relevo.

Este padrão e o que chamamos de corporativismo reforçam-se mutuamente, já que as socie-
dades empresárias privilegiadas por medidas que desestabelecem a concorrência potencial são,
não por acaso, aquelas que estabelecem contratos de concessão ou que possuem alta capacidade
de compra nas privatizações.

Seguindo este raciocı́nio temos que, dada a configuração de diversos casos modernos, um
conflito pode ser decidido em uma câmara de arbitragem - e é claro que atualmente existem
limitações sobre quais e quando questões podem ser submetida à arbitragem34 -, no poder ju-
diciário de diferentes paı́ses - e o termo forum shopping35 é uma evidência desse argumento -
ou em diferentes agências reguladoras - onde frequentemente há uma espécie de competência,
31
A expressão foi cunhada em [Cassese 2005].
32
A descentralização ocorre quando o Estado atua indiretamente, isto é, quando um ente empresta a sua com-
petência administrativa para, no caso, pessoa jurı́dica autônoma da administração pública indireta.
33
Como é sabido e resumidamente, na privatização há a venda do controle acionário para sociedades empresárias
privadas enquanto na concessão há uma delegação, à iniciativa privada, da administração de um serviço usualmente
prestado pelo Poder Público.
34
Para este assunto veja, por exemplo, [Rechsteiner 2001].
35
O forum shopping acontece quando o autor de uma ação pode escolher, entre vários foros competentes de
diferentes paı́ses, aquele que lhe parece mais favorável. Ver, nesse sentido, [Schack 2002].
em sentido jurı́dico, não muito bem definida. Esse pluralismo de ordenamentos36 estabelece
uma relação, muitas vezes conflituosa37 , entre as normas pátrias - que sofreram, como já dis-
semos, um processo de constitucionalização - com normas internacionais38 e principalmente
transnacionais39 .

A tı́tulo exemplificativo de conjuntos de normas transnacionais podemos citar a lex merca-


toria40 ou, de modo mais apropriado, a “nova nova lex mercatoria”41 , a lex sportiva42 ou a lex
constructionis43 de modo que essa internacionalização e essa transnacionalização não só fazem
parte do que chamamos de jogo com as regras - onde as agências reguladoras, a questao da
privatização com alta regulaçao e a via da concessao ganham relevo - mas, também, trata-se de
um tempo em que é possı́vel falar de uma certa cooperação global entre juı́zes44 .

A última diferença relevante entre os perı́odos que ganhará destaque incide sobre a clarificação
de quais foram e quais são os atores chave - em uma perspectiva macroscópica - da atuação do
Estado ao londo do tempo. Parece que é possı́vel estabelecer que enquanto partidos polı́ticos
e o próprio parlamento constituı́ram um importante circuito estatal do século XIX, sindicatos
e o poder executivo desempenharem funções cruciais para a expansão de polı́ticas públicas do
século XX. Conforme quer a instância legislativa quer a instância executiva perdiam fôlego - ou
exigiam que o terceiro poder avançasse tanto quanto as outras duas faces do Estado -, passou-se
a exigir um poder judiciário mais capaz de assumir uma postura ativa.

Com a percepção dos diversos problemas relativos ao Welfare State houve a eclosão de
inúmeros movimentos sociais que não se davam ao luxo nem de esperar o trato legislativo
de suas demandas nem conseguiam ver os seus interesses postos em prática pelo poder exe-
cutivo. Aliado aos problemas de representatividade - a não-eleição de seus membros - e de
ineficiência/altos custos das agências reguladoras, este cenário propiciou um debate que pode
ser polarizado como a politização do judiciário de um lado e a judicialização da polı́tica do outro
(que aloca decisões em uma instância menos capaz ainda de notar a sinalização representativa
que o voto já não é muito apto para ilustrar).

O judiciário estaria, frente às incertezas quanto a capacidade de representação de outras


36
Seguindo este mesmo argumento, consulte [Arnaud 2006].
37
Veja, a esse respeito, [Gottschalk 2011].
38
A internacionalização das normas pode ser vista, de um ponto de vista mais polı́tico do que jurı́dico, em
[Keohane Judith L. Goldstein e eds. 2001].
39
Sobre a transnacionalização veja, por exemplo, [Teubner e Korth 2010] e [Teubner e Fischer-Lescano 2004].
40
Para observar a lex mercatoria de uma perspectiva de certa forma luhmanniana, veja [Mendes 2010].
41
Como [FORTIER CC OQ QC 2001] esclarece, não se trata nem da lex mercatoria medieval e nem da lex
mercatoria do século XX.
42
Para maiores detalhes veja [Becker e Lehmuhl 2004].
43
Tal conceito pode ser esclarecido em [Vec 2004].
44
Este é o argumento de [Slaughter 2005].
instâncias estatais, cada vez mais assumindo um papel de tomador de decisões que antes eram
tı́picas de um legislativo (mais moroso na transição entre século XX e XXI) ou de um executivo
(de certa forma atrofiado também no perı́odo de transição), o que apenas corrobora com o
argumento de que a magistratura está exposta aos assuntos técnicos que as próprias agências
reguladoras não conseguem dar cabo. Isto ainda evidencia uma interessante caracterı́stica: os
indivı́duos acabam depositando cada vez mais confiança na capacidade de refletir a opinião
pública na mı́dia, já que os votantes não conseguem expressar as suas preferências nem via
um legislativo e um executivo que cresceram além da conta para conseguirem acompanhar a
velocidade das sinalizações polı́ticas, nem via um mercado que teve a sua principal forma de
sinalização - os lucros e os prejuı́zos - deformada pelos problemas advindos de uma contı́nua
contratualização entre iniciativa privada e Estado. Neste cenário o judiciário (ao lado de outras
instâncias decisórias como agências reguladoras) e a mı́dia ficam na tensão de denunciar e tentar
corrigir os problemas advindos do modelo corporativista ao mesmo tempo em que aderem a
este mesmo modelo, o que diminui a capacidade destas duas instâncias de cumprir uma tarefa
a qual nenhum deles é apto a cumprir - e que nasceu justamente com o sobrecarregamento
de exigências advindas tanto do Welfare State quanto (e principalmente) das caracterı́sticas
modernas anteriormente descritas.

O Estado, nesse sentido, não é capaz de acompanhar a sua própria evolução - ou seja,
as consequências de suas variações não podem ser percebidas, perfeitamente, como a criação
de um futuro polı́tico especı́fico -, isto é, a contingência que demarca o futuro impossibilita
que as construções polı́ticas de um tempo se adequem aos problemas Estatais que não podem
ser antevistos pelo próprio Estado. Isso não implica, é claro, em despreocupação quanto ao
futuro; apenas em divergência do que hoje é considerado o futuro e do futuro que, amanhã, será
presente.

0.4 Dilemas estatais, Teoria Austrı́aca dos Ciclos Econômicos


e preenchendo a moldura com um pouco de China

Como seria possı́vel, ao mesmo tempo, atender as novas demandas corporativas e renovar
a imagem desgastada quer do poder executivo quer do poder legislativo? A resposta está na
intensificação do uso de uma ferramenta estatal nascido há pouco mais de 100 anos: os bancos
centrais.

Antes de explicarmos o funcionamento de um banco central é preciso fazer uma impor-


tante ressalva sobre a definição do que vem a ser “inflação”. O uso incorreto do termo de-
nota que a inflação seria um aumento generalizado nos preços, o que significa que qualquer
fator que aumente ou contribua para um aumento nos preços de modo generalizado seria in-
flacionário. O aumento nos preços é, sobretudo, um resultado da inflação45 . Devemos usar
o termo “inflação” quer como uma expansão da oferta monetária sem que haja um aumento
correspondente e equivalente da demanda por moeda quer como uma redução da demanda por
moeda sem que haja uma redução correspondente e equivalente da oferta monetária. Tanto a
expansão - e até mesmo a redução - da oferta monetária pode ser polı́tica - fruto, portanto, de
taxas de juros artificialmente baixas, alta regulação do setor bancário que deve aderir ao sistema
de reservas fracionárias e a impressão de dinheiro praticada pelo banco central - ou econômica
- exercida espontaneamente pelo mercado desregulado.

Dito isso, é preciso pensar que o banco central é uma importante ferramenta estatal basi-
camente por dois motivos: 1) o controle da moeda significa o controle de metade de qualquer
transação econômica; 2) é por meio da expansão polı́tica da base monetária - tanto um o au-
mento na quantidade de dinheiro/notas bancárias em circulação quanto pela diminuição dos
depósitos compulsórios - que o Estado46 financia as suas próprias divı́das. Passemos para a
análise de como, exatamente, “2” é feito.

O Tesouro emite tı́tulos a serem comercializados com os dealers primários - certos bancos
- que serão resgatados pelo Tesouro após o pagamento do valor financiado acrescido de juros.
Como os bancos são obrigados a manter seus depósitos compulsórios - uma porcentagem de-
terminada pelo Banco Central de seus depósitos à vista - em dia nas contas do Banco Central,
o Banco Central pode, recorrendo ao mercado secundário, expandir a percentagem que compõe
os depósitos compulsórios simplesmente expandindo eletrônicamente - sem que qualquer outra
conta seja debitada - a quantia depositada na conta do banco central do banco que tenha posse
sobre os tı́tulos emitidos pelo Tesouro que interessam ao Banco Central.

A compra é feita com “money out of thin air”, isto é, com um crédito criado do nada na
conta de determinado banco - e o aumento na demanda por tı́tulos feito pelo banco central na-
turalmente aumenta o preço desses tı́tulos -; em troca, a posse do tı́tulo é vendido ao banco
central (ou o contrário: o tı́tulo é vendido pelo Banco Central aos bancos com uma correspon-
dente contração dos depósitos que compõe a porcentagem do depósito compulsório que deve
ser atingida, o que implica em uma diminuição do preço dos tı́tulos). Ao fazer essas compras
o banco central expandiu a base monetária (que poderá se transformar, via criação de moeda
escritural pelo próprio banco em questão, em empréstimos)47 .
45
Veja, a esse respeito, [Mises 2007].
46
Se não fosse o Banco Central a quantidade de moeda escritural a ser criada pelo sistema bancário seria muito
mais restrito.
47
Há, então, duas situações: Com mais reservas bancárias os juros do mercado interbancário descem (já que
Além do financiamento dos próprios déficits, quais são as consequências da expansão ar-
tificial da base monetária? Como vimos, usualmente a expansão da base monetária significa
expansão na oferta de crédito, ainda que tal crédito esteja não só muito além do limite es-
tabelecido pelos ativos e fundos dos clientes que o banco dispõe mas, ainda, além do que o
banco, dotado de garantias tanto de bailouts quanto de criação de um monopólio polı́tico no
setor bancário, estaria disposto a correr - no sentido de risco de inadimplência - se não fosse tal
interferência estatal.

Como nesses cenários a taxa de juros é artificialmente baixa, quer empresários que não
teriam crédito passam a ter quer projetos que não seriam lucrativos com as taxas de juros ante-
riores ganham em viabilidade. Como há novos empreendimentos sendo feitos sem que exista
nem uma poupança real correlata48 nem bens de capital sendo empregados de modo eficiente e
proporcional aos empreedimentos em questão49 , há uma maior demanda por trabalhadores, ca-
pital fı́sico e intelectual, o que aumenta os preços dos salários e dos meios de produção sem que
haja nem um correspondente incremento na produtividade (há, pelo contrário, desvalorização
da poupança) nem um aumento correspondente da oferta dos meios materiais de produção ou
dos serviços dos trabalhadores. O aumento foi apenas dos meios fiduciários. Isso significa
que a criação de novos empreendimentos (usualmente aqueles que envolvem longas cadeias de
produção) implica em diminuição de outros empreendimentos (que antes eram mais lucrativos
do que os empreendimentos inciados com a baixa taxa de juros).

Como é possı́vel intuir, quem recebe esse crédito antes dos demais passa a ter maior poder
de compra, o que significa que a demanda aumenta sem que haja aumento de poupança. Em
outras palavras, os preços dos bens demandados sobem conforme há expansão polı́tica da base
monetária transformada em moeda escritural pelo sistema bancário. Aqueles que recebem o
o preço dos tı́tulos subiu a procura destes diminui, o que faz a selic diária cair), o que significa que o banco em
questão poderá fazer menos empréstimos (transformar as reservas bancárias em moeda escritural) e, portanto, os
juros destes empréstimos - para pessoas fı́sicas e jurı́dicas - serão menores. Como a reserva bancária aumentou, a
quantidade de empréstimos que o Estado pode fazer também aumenta. Dado que o Banco Central pode expandir
a base monetária quase que ao seu bel prazer, o sistema bancário pode emprestar tanto para o Estado quanto para
outras pessoas fı́sicas e jurı́dicas.
Com menos reservas bancárias os juros do mercado interbancário sobem (já que o preço dos tı́tulos caiu a
procura destes aumenta, o que faz a selic diária subir), o que significa que o banco em questão poderá fazer menos
empréstimos (transformar as reservas bancárias em moeda escritural) e, portanto, os juros destes empréstimos -
para pessoas fı́sicas e jurı́dicas - serão maiores.
48
Poupança, segundo [Mises 2007], é o montante de bens que podem ser consumidos num determinado perı́odo
de tempo sem diminuir o montante de bens que determinado indivı́duo pretende utilizar no futuro para satisfazer
necessidade futuras desde que o montante consumido seja menor do que o montante disponı́vel a ser utilizado
no futuro. Em outras palavras, a poupança é a diferença positiva entre renda e montante de bens consumidos. A
poupança, nessas condições, é formada por ferramentas e produtos quase acabados que serão utilizados no futuro.
49
Bens de capital são, segundo [Mises 2007], os bens que permitem substituir um processo de produção que
leve mais tempo por um processo de produção que leva menos tempo sem que essa redução de tempo signifique
menor produtividade.
dinheiro depois dos primeiros passam a, progressivamente, sofrer com esse aumento nos preços
na medida em que o dinheiro é gasto. Ou seja, há uma distribuição de renda às avessas.

A partir deste ponto falaremos de uma parte da Teoria Austrı́aca do Ciclos Econômicos que
foi criticada por Bryan Caplan, ou seja, tentaremos fazer atualizações, de certa forma baseadas
na idéia de triângulos hayekianos50 , que tentem refutar as crı́ticas de Caplan.

Pois bem. Dado que Caplan51 aceita a premissa de que a inflação reduz os salários reais,
continuemos com a questão da subida dos preços - ou da progressiva diminuição do menor poder
de compra do dinheiro. Enquanto a subida dos preços é vista como fruto de uma maior demanda
por consumo - já que os tomadores de crédito podem consumir mais -, os empresários podem
investir em projetos visando atender a essa baixa taxa de preferência temporal. Sobretudo,
a partir de um determinado ponto os indivı́duos que recebem aquele dinheiro podem passar a
observar os preços maiores como preços acima do que eles estão dispostos a pagar, pressupondo
que os empregadores não aumentaram, de modo correspondente, o salário de seus funcionários
(afinal, o dinheiro “extra” pode ser usado de outras formas).

Se os empresários fizeram investimentos visando justamente o consumo destes indivı́duos -


que observam os preços como preços maiores do que eles estão dispostos a pagar -, tal expecta-
tiva implicará em prejuı́zo. É claro que isso pode, por três razões, não acontecer: a) alguns dos
empresários podem, desconfiando que a alta de preços na verdade é um fenômeno de diminuição
do salário real, simplesmente não iniciar projetos de curto prazo; b) os empregadores aumen-
tarão o salário de seus funcionários (lembre-se, sobretudo, que a redução dos salários pode
50
Sobre este tema, consulte [Hayek 1975] e [Garrison 1978]. Alguns lembretes devem ser feitos.
Basicamente, temos que o conceito de “troca intertemporal” abrange tanto a troca de consumo de bens no
presente pelo consumo de bens no futuro quanto oposto, isto é, a uma diminuição no consumo futuro para aumentar
o consumo no presente. Nesse sentido, para Garisson, o trabalho representa (da perspectiva do capitalista) um
consumo futuro de bens já que este pode ser convertido em consumo de bens apenas quando este participa de
um processo de produção completo (apto a oferecer, portanto, bens, ferramentas e produtos semi-acabados). A
venda dos serviços laboriais, sobretudo, representam (do ponto de vista do trabalhador) tanto a demanda por bens
presentes quanto (do ponto de vista do consumidor) uma oferta futura de bens.
Garrison também aponta o fato de que não existe expansão monetária neutra. Se a expansão monetária é
alcançada pela criação de crédito, obviamente não há simetria (inclusive temporal) na distribuição desse dinheiro.
Em outras palavras, créditos voltados por exemplo aos produtores fará com que o dinheiro caia desproporcio-
nalmente nas mãos de capitalistas (eventualmente parte poderá ser repassada, ou não, aos trabalhadores). Este
argumento pode ser encontrado em [Garrison 1978]:

But if the expansion is achieved by extending newly created credit to produ-


cers, it is not a neutral expansion. In the terminology of the present model the
newly created money falls disproportionately into the hands of capitalists (as
opposed to laborers).

51
O argumento de Caplan pode ser visto em [Caplan 2012].
significar diminuição temporária do desemprego, isto é, mais pessoas podem ser contratadas;
mas, neste cenário, caı́mos justamente ou na questão já prevista de expansão dos projetos de
consumo ou em um caso de aumento na produção futura, caso este que será visto adiante); c) os
indivı́duos podem continuar consumindo. Caso estas duas últimas opções se confirmem - caso
os indivı́duos continuem consumindo ou caso os salários aumentem -, temos que haverá uma
contração nos investimentos voltados para a produção - já que os investimentos passaram a se
concentrar no consumo ou no aumento do salário de funcionários que não estão mais produtivos
-, o que, no futuro, resultará em menos produtos disponı́veis no mercado e isso, por sua vez,
traz um aumento futuro nos preços desses bens. Como é possı́vel intuir, haverá menos consumo
- tratar-se-à de um perı́odo recessivo - de modo que o acesso à certos bens será eventualmente
inviável, e os empresários que continuaram apostando no consumo terão prejuı́zos.

Sobretudo, o que acontece caso a baixa taxa de juros - que reduzem os estı́mulos a se
poupar -, a alta oferta de crédito - que aumenta o estı́mulo do consumo - e um certo aumento
no consumo não sejam vistos como um convite para o inı́cio de projetos a curto prazo mas sim
como uma oportunidade de investimento a longo prazo onde, portanto, o valor presente lı́quido
seja tão alto quanto mais baixa for a taxa de juros? Em outras palavras, o que acontece se os
empresários vejam projetos de longo prazo - que geralmente possuem altos custos - que antes,
às taxas de juros anteriores, não eram vistos como lucrativos (dado que são muito arriscados e
caros)? Uma taxa de juros suficientemente baixa poderia tornar o que antes era muito caro - mas
com altas possibilidades de lucro - em algo não tão caro assim - mas, ainda assim, com iguais
possibilidades de lucro. Há pelo menos mais duas razões para que investimentos de longo prazo
aconteçam: a) os empresários observam os empréstimos que foram feitos hoje como divı́das que
serão pagas quando os seus projetos de longo prazo iniciarem a produção de modo que quem
antes estava impossibilitado de consumir - pagando empréstimos - estará novamente melhor
habilitado para o consumo; b) indivı́duos que querem consumir somente no futuro poupam e,
ao poupar, as taxas de juros caem. Sobretudo, “b” não será a principal explicação aqui adotada,
já que empresários podem perfeitamente não confundir a baixa taxa de juros exercidas por
bancos centrais com as baixas taxas de juros que seriam fruto da real preferência temporal dos
consumidores. Sendo assim, manteremos a explicação da percepção dos empreendimentos que
antes não eram lucrativos, e o item “a” como embasamento teórico subsidiário.

Sobre a razão principal, é preciso notar que os empresários podem, perfeitamente, intuir que
a baixa de juros não durará para sempre; sendo assim, a questão é: se os empresários acredita-
rem que a baixa de juros durará o suficiente para que eles iniciem processos de produção mais
longos e lucrem com isso (antes de uma alta na taxa de juros e de modo que as pessoas mudarão
as suas preferências ao invés de apenas ajustá-las), então é possı́vel intuir que a tendência será
essa; mas também é perfeitamente possı́vel que os empresários vejam esse cenário como insus-
tentável, isto é, que a taxa de juros voltará a subir antes que o investimento em processos de
produção mais longos se tornem suficientemente lucrativos ou simplesmente que a proporção
entre poupança/consumo dos consumidores será a mesma que antes da redução dos juros. Essa
percepção também se aplica ao motivo “a” (se a taxa de juros for vista como insustentavelmente
baixa antes que o consumidor quite suas divı́das, naturalmente a divida aumentará, o que não
habilita ninguém a consumir mais).

Mas adotamos uma linha não-determinista. Isso significa que o outro lado também é
possı́vel, isto é, os empresários podem acreditar que a baixa de juros durará o suficiente para que
eles iniciem processos de produção mais longos e lucrem com isso (quitando seus empréstimos)
ou que os endividados de hoje estarão livres amanhã de suas dividas e ávidos pelo consumo.
Esta percepção implica em um mudança de investimentos - das indústrias de bens de consumo
para as indústrias de bens de capital - de modo que os bens de capital fiquem mais caros e bens
voltados para o consumo mais baratos.

A primeira situação é aquela onde os consumidores podem manter a preferência temporal


anterior, e, portanto, as sociedades empresárias que investiram em produção voltada para o fu-
turo terão prejuı́zos, o que significa ou falência ou - caso os custos operacionais sejam menores
do que as receitas - apenas em prejuı́zo e ausência de reinvestimento. Isto acontece, como já
vimos, quando o aumento de dinheiro - fruto de uma expansão polı́tica da oferta monetária -
é seguido de um correspondente aumento dos preços, o que faz com que os indivı́duos, com
a mesma preferência temporal do que antes, não consumam, no futuro, nem muito mais nem
muito menos (e como houve investimento para o consumo futuro incompatı́vel com a demanda,
haverá prejuı́zo).

Mas é plenamente possı́vel que haja alteração na preferência temporal52 , ou seja, que os
indivı́duos passem a consumir ou mais ou menos. Se consumirem mais (isto é, se por alguma
razão houver uma mudança na percepção dos bens de tal forma que eles sejam vistos como
mais atrativos do que antes em relação ao ato de poupar, por exemplo) haverá, na medida deste
consumo, um prejuı́zo ainda maior aos projetos de longo prazo, já que os indivı́duos que rece-
bem aquele dinheiro extra passam a não só gastá-lo mas gastar mais do que antes, o que implica
52
Alterações na preferência temporal incluem alterações no gosto dos indivı́duos em relação aos bens assim
como em mudanças para a demanda de dinheiro. Nesse sentido, [Garrison 1978] assevera que:
A change in time preferences is not the only change in tastes that can cause a shift in the supply
and demand for present goods, although it seems to be the one that the Austrian theorists are most
concerned with. But shifts of the curves can also result from changes in the demand for money, e.g.,
from increases or decreases in liquidity preferences.
em altas dos preços. Como os investimentos estão voltados mais para o futuro, haverá ou es-
cassez no presente e sobra no futuro (prejuı́zo) ou os investimentos voltados para o futuro serão
abandonados.

Já o menor consumo implica que os indivı́duos pararam de se interessar pelos bens que atu-
almente essão disponı́veis (preferindo, por exemplo, ter maior liquidez), o que trará prejuı́zos
aos empresários que atendiam as atuais demandas de consumo. Isso poderá resultar em desem-
prego (sendo uma tendência tanto por uma questão de cortar gastos quanto pela possibilidade
de aumento na contratação envolvida nos projetos de longo prazo) e, talvez mais importante do
que isso, tanto os preços dos bens atualmente consumidos cairão (e isso serve como estı́mulo
ao consumo) quanto é possı́vel que haja mais investimentos nos processos de produção mais
longos, lembrando que o dinheiro guardado pode aumentar o número de empréstimos.

De qualquer forma, existindo ou não mais investimentos, há duas alternativas para o futuro:
os indivı́duos continuam não consumindo (prejuı́zo aos que iniciaram projetos de longo prazo)
ou passam a consumir mais (aqueles desempregados voltaram ao mercado e a maioria passa a
optar por menos liquidez). Sobre essa última alternativa, é possı́vel que alguns processos pro-
dutivos fiquem completos durante a transição das preferências (de menor consumo para maior
consumo), o que implicará em prejuı́zo; já os processos produtivos completos após a alteração
das preferências terão de passar, ainda, antes que eventuais aumentos na taxa de juros - que
fazem com que aqueles investimentos que antes eram aparentemente lucrativos não mais pare-
cerem lucrativos - acontecer, já que isso implicaria em prejuı́zo (sem falar na inadimplência).
Alguém poderia pensar que os negócios que sobreviveram trarão benefı́cios mas, na verdade, é
possı́vel que haja, devido às falências mencionadas e geradas pela inflação, menor competição
nestes setores, o que, por sua vez, significa preços mais altos e/ou bens de menor qualidade do
que existiria em um cenário competitivo.

Apesar disso, a existência de bancos centrais e a regulação do setor bancário permitem os


mais variados acordos entre o Estado e os bancos (e isso, de certa forma, completa o quadro
do corporativismo moderno), o que significa, a um só tempo: a) a possibilidade de atender
diversos interesses corporativos por empréstimos; b) o financiamento de grandes programas
governamentais; c) a utilização de empréstimos e o aumento a curto prazo do consumo como
ferramentas eleitorais. Concluı́mos, então, a indicação de algumas propriedades que podem ser
vistas ao longo das transições da coisa pública do século XIX, XX e XXI.

Resumindo algumas caracterı́sticas do sistema polı́tico moderno, temos de um lado uma


multiplicidade de instâncias decisórias - que envolvem sobretudo agências reguladoras - e, do
outro, uma pluralidade de ordenamentos jurı́dicos que do ponto de vista nacional privilegiam
quer a constitucionalização das matérias quer a socialização da propriedade privada e, do ponto
de vista transnacional e internacional, estabelecem direitos que são operacionalizados na relação
entre poder judiciário e câmaras de arbitragem (que acabam gerando, nos setores mais regula-
dos e que de alguma forma estejam envolvidos na tomada de crédito, um padrão burocrático que
tende a deixar soltos os interesses de grandes corporações), estando esses dois universos - que
podem ser resumidos como uma rede normativa e decisória - imersos em um Estado que pri-
vilegia a criação de monopólios politicamente estabelecidos - em uma cartilha de privatizações
seguidas de hiper regulamentação -, o que reforça a existência daquelas grandes corporações
que podem, por meio de estratégias de governança, estimular a criação de burocracias que cada
vez mais prejudiquem consumidores e/ou pequenas sociedades empresárias, o que gera uma
intensificação dos movimentos sociais compostos pelas mais diversas minorias de modo que os
centros de compatibilização entre esses interesses são os bancos centrais - que ao mesmo tempo
possibilitam quer a implementação dos grandes programas do poder legislativo e executivo via
financiamento de déficts quer o uso do crédito como ferramenta para “reerguer” consumido-
res e pequenos empresários lesados -, o poder judiciário - que muitas vezes deve decidir sobre
questões eminentemente polı́ticas de forma que os outros poderes tentam cada vez mais captu-
rar as decisões da magistratura - e a mı́dia - que jaz em uma tensão de denúncias a respeito dos
problemas do modelo corporativista e aderência ao modelo que une grandes interesses polı́ticos
e econômicos com a seleção das notı́cias.

0.5 Conclusão

Como foi possı́vel visualizar ao longo deste artigo, o sistema polı́tico cria uma imagem do
sistema econômico e, ao formatá-la, acredita ser capaz de não só corrigir imperfeições do mer-
cado mas, ainda, de estabelecer - seguindo as sinalizações democráticas impostas pelo Estado -
um futuro que a própria sociedade não está disposta a cumprir - ou que não é capaz de fazê-lo
exatamente pelas distorções jurı́dicas proporcionadas pela tentativa estatal de se controlar a ins-
tabilidade complexa das transações econômicas. Eis o nosso Atlas/agente externo que, por não
saber lidar com a incerteza inerente ao mercado, prefere tentar extingui-la.

Quando o sistema polı́tico perceber que só pode controlar a si próprio - e que a função do
sistema econômico é infungı́vel - problemas tı́picos de um Estado viciado em tratar de modo
extremamente intrusivo as imagens polı́ticas das transações do mercado diminuirão - afinal ha-
verá menor produção de uma seleção polı́tica especı́fica que é auto-determinada pelo sistema
econômico como estı́mulos paradoxais atribuı́dos à configuração atual do Estado53 . Sendo as-
53
Nesse sentido é preciso lembrar que, conforme [Luhmann 1995], “Attribution to the environment (external
sim, se existem limites para além das caracterı́sticas públicas que foram traçadas no presente
trabalho, então estes limites são exatamente a inovação proporcionada pelo empreendedorismo
baseado na delimitação coerente dos direitos de propriedade.

Se o sistema polı́tico é especializado - e essa especialidade também implica em um limite


- na construção de decisões coletivamente vinculantes, isto é, em estı́mulos que tentam direci-
onar, à contragosto das coordenações privadas possı́veis, os rumos dos grandes temas (saúde,
educação etc), elucidar tais estı́mulos implica na clarificação da noção de limite do estrato
polı́tico.

Estes estı́mulos - de construção de decisões coletivamente vinculantes - se tornam mais


prováveis de serem aceitos mediante a própria constituição da autoridade, isto é, note que não
há autoridade sem um aceite prévio - ainda que por parte de terceiros - de que alguns indivı́duos
- os agentes polı́ticos - ocupam uma posição estratégica privilegiada em relação aos demais.
Isso significa que a autoridade constrói a si própria (por meio de uma integração daquilo que
chamamos de meios invisı́veis e simbólicos com os meios visı́veis e macroconstituı́dos). Em
outros termos, o processo de constituição da autoridade deve ser tal que mesmo diante de dis-
cordâncias quanto à existência da autoridade (ou de suas qualidades especı́ficas, como, por
attribution) is a strategy of systems.”.
Isso significa que o mercado utiliza a estratégia de identificar medidas polı́ticas como causas de efeitos que
são construı́das quando o sistema polı́tico auto-determina o trato de sua hetero-referência - que, aqui, vem a ser
uma imagem do sistema econômico - simplificando-o, como é necessário, mas de maneira a sugerir estı́mulos, via
contratos e propriedade privada - acoplamentos estruturais entre polı́tica e economia - que são auto-determinados
pelo mercado - as corporações - como uma hetero-referência do sistema econômico - uma imagem sobre o sis-
tema polı́tico - que progressivamente ganha espaço no interior do sistema (e tal “expansão” na hetero-referência
implica em problemas de construção quanto à auto-referência da economia). Para compreender um pouco melhor
a definição de Luhmann da diferença auto-referência/hetero-referência, é possı́vel pensar no seguinte argumento
presente em [Luhmann 2006]:

Toda observación del entorno debe realizarse en el mismo Sistema como ac-
tividad interna con ayuda de distinciones propias - para las que no existe en
el entorno ninguna correspondencia. De otra manera no tendrı́a sentido hablar
de observación del entorno. Toda observación del entorno presupone la dis-
tinción (autorreferencia/heteorreferencia), que puede hacerse sólo en el mismo
Sistema (dónde más?).

Posto de outra forma, o Sistema Polı́tico privilegia a expansão de certas imagens - como o Estado - em detrimento
de outras - no caso, a imagem que o Sistema Polı́tico constrói sobre o mercado - e quanto maior for esta assimetria
entre a formatação das imagens - Estado e mercado - do Sistema Polı́tico, mais estı́mulos o Sistema Econômico,
quando interage com o Sistema Polı́tico, terá para fazer o mesmo, isto é, maiores serão as chances - e essa cau-
salidade probabilı́stica parece ser fruto da co-evolução dos dois Sistemas - do Sistema Econômico de expandir
a imagem econômica do Estado. É essa dupla expansão que caracteriza a atual consolidação das corporações,
que são os elos entre as imagens do Estado e do mercado por parte do Sistema Econômico. Essa expansão di-
minui a capacidade auto-referencial de observação econômica do próprio sistema econômico (o que chamamos
de distorções), já que há maior indicação do lado hetero-referencial do Sistema - que é composta também pela
imagem econômica da Estado - ao invés de existir um cruzamento menos assimétrico da fronteira da diferença
entre hetero-referência e auto-referência (mercado).
exemplo, quem, em quais situações, quais são os limites de cada autoridade etc) a própria auto-
ridade seja consultada para resolver os seus dilemas.

A autoridade, sobretudo, jamais significará fungibilidade de funções, isto é, burocratas ja-
mais poderão desempenhar o papel informacional de empreendedores e, ao contrário do que
se acredita, é o próprio mercado que estabelece o ambiente necessário para que se fale em
empreendedorismo - afinal, se não fosse assim, então terı́amos que o Estado seria capaz de for-
necer o ambiente de sinalizações possı́veis que só o lucro e os preços podem estabelecer, o que
implicaria que a fungibilidade entre funções, do sistema econômico ao sistema polı́tico, seria
possı́vel (uma falácia que foi combatida ao longo do presente trabalho). Isto não significa, é
claro, que o sistema econômico seja o centro da sociedade - que é, necessariamente, policontex-
tural -; a questão é que o Estado não pode tentar se valer dessa posição para cumprir a função
da construção de decisões coletivamente vinculantes.

Isto também não significa que Estado e mercado não possuem pontos de contato: mos-
tramos, por exemplo, que o fenômeno do corporativismo é, justamente, uma forma de utilizar
os contratos (agora dotados de funções sociais estatalmente estabelecidas) e as propriedades
(embebidas de um caráter público) como formas de interação entre um e outro. Ainda assim,
o Estado começa e termina em sua capacidade de prover decisões coletivamente vinculantes;
estes são os seus limites. Não há maneiras do sistema polı́tico valer-se de funções além de suas
capacidades. Por outro lado, a tematização estatal das informações - ou seja, quais informações
podem ser tratadas a partir das funções do Estado - encontram limites apenas na capacidade de
interações dos sistemas, ou seja, na capacidade dos sistemas construı́rem - não intencionalmente
- questões comuns. E, sobre isso, não há limites.

Clara delimitação de um lado - quanto aos aspectos funcionais - e irrestrita capacidade de


tematização de outro - os sistemas auto-determinam seus limites de tematização e os temas co-
muns servem como canais privilegiados de estı́mulos intersistêmicos. Alguém poderia pensar
que se trata de um limite ilimitado, isto é, que Atlas e Hércules se fundem em uma mesma
história. Ainda que a resposta pareça insatisfatória, as metáforas construı́das pela modernidade
ainda estão em construção - são esboços de histórias sem uma revisão definitiva. Cabe, as-
sim, tautológicamente voltarmos ao inı́cio deste artigo: como discriminar como, se e quando
podemos falar na morte das idéias?
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