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RESENHA CRÍTICA

DEMO, Pedro. “Os princípios da construção da ciência”. IN.: DEMO, Pedro. Introdução à
Metodologia da Ciência. 2ª Edição, SP, Atlas, 1985.

Nome Aluno: Silas Martins Barbosa RA: 202313160006

No capítulo "Os princípios da construção da ciência" de seu livro "Introdução à


Metodologia da Ciência", Pedro Demo descreve os princípios como hipóteses metodológicas
que orientam a pesquisa e a construção científica, sendo consideradas válidas de forma geral.
No entanto, Demo enfatiza a importância de questionar esses princípios, mesmo que sejam
parte de uma tradição consolidada. Ele ressalta que a criatividade é uma característica
fundamental da ciência “se a criatividade deve ser marca registrada da ciência, é contraditório
encerrarmos sua evolução dentro de um lastro conhecido ou apenas predominante.” (Demo,
1985, p.53)

Além disso, o autor destaca a necessidade de evitar a arrogância de considerar


ignorante aquele que não possui o mesmo conhecimento que nós. Ele reconhece que nossa
visão científica não é o único padrão absoluto, e que devemos ter abertura para outras
perspectivas e saberes.

Os princípios descritos por Demo refletem os dois lados típicos da ciência: o


epistemológico, que envolve a teoria do conhecimento e o processo lógico-cognitivo, e o
social, ligado à sociologia do conhecimento e aos condicionamentos sociais da construção
científica. Embora existam divergências, há consensos relativos e até mesmo um modo típico
de fazer ciência, que é cultivado e aperfeiçoado pelas universidades.

Demo aponta que essa forma de construção científica pode ser considerada ocidental,
seguindo a tradição grega, que estabeleceu as bases desse tipo de preocupação tanto no
aspecto lógico quanto no social. No entanto, ele ressalta que não sabe dizer se existem outras
formas de construir ciência, além dessa ocidental. Ele sugere que talvez seja possível construir
ciência de outras maneiras, embora não conheçamos esses outros modos.
Pode-se acrescentar ao pensamento de Demo que a tradição grega é derivada de um
compilado de conhecimentos provenientes de diversas origens. Esses conhecimentos foram
bem documentados e sistematizados pelos pensadores da época. Apesar da influência social
da cultura grega, o conhecimento pode ser atribuído a diversas culturas. Por exemplo, os
números indo-arábicos possuem múltiplas origens e já incluíam o zero, permitindo um
desenvolvimento mais avançado da matemática muito antes de serem aceitos pelos europeus.
Penso que a ciência se enriquece com o choque das culturas e que a chamada "ciência
ocidental" é a melhor sistematização dessa diversidade que temos até agora.

No livro "Perdas e Ganhos: Exilados e expatriados na história do conhecimento na


Europa e nas Américas, 1500-2000", Peter Burke realiza um estudo sobre imigrações e
imigrantes, relacionando-o com a história do conhecimento. Ele explora como o
conhecimento é construído coletivamente e como os saberes são deslocados junto com os
sujeitos. Apesar das perdas e dificuldades das imigrações e expatriações, muitos exilados
contribuem para o conhecimento e a inovação científica quando seus conhecimentos
estrangeiros se misturam a outras culturas.

Na área das ciências sociais, existe a noção de regularidade na realidade, sustentada


pela crença de que a realidade social segue padrões consistentes. Como afirma Demo, há uma
"crença secular segundo a qual a realidade tem um comportamento regular. Fala-se em 'leis'
do acontecer" (Demo, 1985, p.54). Por muito tempo, acreditava-se que a realidade social era
moldada principalmente pela vontade humana e não condições objetivas. No entanto, dois
marcos modificaram essa perspectiva. O primeiro está associado a Auguste Comte, que
introduziu a visão positivista da realidade, e o segundo é a contribuição de Marx com o
materialismo histórico para as ciências sociais.

Essa crença na regularidade do comportamento humano leva à noção de que o


comportamento humano pode ser tratado cientificamente. No entanto, Demo observa que a
abordagem marxista tende ao determinismo, o que significa que a explicação marxista pode
ser excessivamente determinista e baseada em uma única causa.
Apesar disso, reconhece-se a importância da abordagem marxista, pois ela trouxe uma
mudança metodológica significativa e influente. A realidade social não é governada
principalmente por intenções individuais, vontades ou níveis de consciência, mas sim por
condições objetivas. O ser humano molda a história dentro dessas condições, sendo
condicionado ou determinado por elas, dependendo das diferentes interpretações.

Para Demo, a história não ocorre de forma subjetiva, mas sim dentro de regularidades
e padrões. O autor ressalta que nas ciências sociais é difícil sustentar explicações baseadas em
uma única causa. Além disso, ele alega que a crença na regularidade da realidade não implica
necessariamente em determinismo absoluto. Embora possa parecer caótico à primeira vista,
pois sofremos influência de fatores inconscientes que moldam nosso comportamento, quando
ouvimos relatos históricos em qualquer idioma, na realidade, são narrativas produzidas dentro
de uma estrutura gramatical, de forma ordenada e repetitiva.

A ciência ocidental tem como foco aquilo que é regular na realidade. Ela utiliza a
abstração generalizante, que consiste em deixar de lado as particularidades e concentrar-se no
que é comum a todos, a fim de formar conceitos gerais. Demo ressalta que, “Na realidade
concreta, não encontramos o conceito, mas uma versão histórica factual e particular dele.”
(Demo, 1985, p.55) Essa capacidade de generalizar baseia-se na crença de que a realidade
possui uma ordem interna, tornando-a substancialmente um fenômeno repetitivo.

Em geral, na primeira parte do capítulo, Demo discute a aceitação nas ciências sociais
de que a história ocorre dentro de regularidades, que o comportamento humano é tratável
cientificamente e que a ciência ocidental trabalha por abstração generalizante,
concentrando-se no que é comum e regular na realidade. Além disso, enfatiza-se a
importância da relação causa e efeito na explicação dos fenômenos. Acredita-se que um efeito
pode ser explicado ao encontrar sua causa. Esse esquema causa-efeito está especialmente
arraigado na realidade natural, onde a ideia de movimento está associada à ideia de
movimento ordenado.
Na parte 3.3 do texto “Condicionamentos Sociais", Demo começa destacando que o
conceito de lei ou causa/efeito, no sentido estrito, não se encaixa nas ciências sociais. Até
mesmo em ciências naturais, há autores que não aceitam a ideia de determinismo, pois veem a
ciência como uma proposta hipotética, não determinada. No entanto, o autor reconhece que a
ciência ocidental tende a ser determinista ao buscar regularidades da realidade.

Para falar de regularidades, Demo define o conceito de condicionamentos para


estabelecer regularidades na realidade como um outro tipo de determinismo, um tipo que
melhor se adequa à conviver com a história, a probabilidade, pois o “conceito de
probabilidade admite efeito contrário, não como exceção, mas como normal, dentro da
margem de possibilidades” (Demo, 1985, p.58). O comportamento social pode variar e
surpreender, mas a rotina e repetição predominam. A previsibilidade do comportamento é
baseada na suposição de regularidade, e isso é explorado nas técnicas de propaganda, que
buscam influenciar o comportamento das pessoas. A sociedade seria imprevisível se fosse um
fenômeno de volatilidade subjetiva.

Os fenômenos sociais apresentam uma face relativamente uniforme, o que permite seu
estudo científico. A vontade livre do ser humano não é negada, mas, “é possível manipular, de
forma objetivada, o fenômeno da inflação, da relação entre capital e trabalho, da neurose, do
amadurecimento mental, da migração rural-urbana, e assim por diante.” (Demo, 1985, p.58)
No entanto, mesmo com a possibilidade de manipulação, a complexidade específica dos
fenômenos sociais, tornam o seu tratamento mais difícil.

O autor explica que no esforço de explicar a variação dos fenômenos, utiliza-se um


esquema formal para capturar essa variação. Como resultado só se consegue explicar a
variação se descobrir como ela ocorre de maneira invariável. Um exemplo desse conceito é a
revolução. Imagina-se que existem identidades tão fundamentais que pode-se aplicar o mesmo
conceito a um conjunto de fenômenos. Trata-se de uma mudança na história, mas essa
mudança não ocorre aleatoriamente, em um salto sem precedentes ou surgindo do nada. Ela
acontece condicionada por fatores, pelo menos em parte repetíveis e de certa forma regulares,
como qualquer fenômeno.
Quando um marxista ortodoxo afirma que só há revolução se houver uma mudança no
modo de produção econômica, ele está oferecendo um esquema formal para capturar essa
mudança. Quando também afirma que o capitalismo se explica basicamente através do
fenômeno da mais-valia, ele acredita ter encontrado a principal identidade desse fenômeno
que permite perceber que, apesar das mudanças possíveis na história, ainda é o mesmo
fenômeno. Há muitas variações internas, mas ainda afirmamos que, no fundo, é o mesmo
fenômeno, porque não perdeu sua identidade através da mais-valia. Isso é algo compreendido
de forma formal, um esquema que explica a variação histórica, mas ele mesmo não varia.

“Certamente intriga este tipo de problema que a dialética, por


exemplo, muitas vezes gostaria de camuflar. Incomoda àquele que
deseja primaziar a referência histórica. Todavia, é preciso compor-se
com tal característica que talvez não seja necessária à ciência, mas
que é componente típico do modo ocidental de produção científica. A
ideia de infra-estrutura econômica em Marx perfaz precisamente esta
crença, quer queiramos ou não.” (Demo, 1985, p.6)

O autor comenta que a ciência da realidade é frequentemente criticada por produzir


mais reflexão do que descoberta efetiva. No entanto, é importante reconhecer o valor da
filosofia como uma forma de reflexão metodológica, pois ajuda a aprofundar a análise e a
compreensão dos fenômenos sociais. A mediocridade das análises sociais muitas vezes reside
na falta de uma dimensão filosófica, que o mero domínio de técnicas estatísticas não pode
substituir. Uma análise profunda depende, em grande parte, de referências filosóficas que
guiam o roteiro teórico e metodológico da produção científica.

Para Demo, é crucial ressaltar que o principal pressuposto metodológico da ciência é


captar a realidade como ela é, a ciência se justifica por isso. Reconhecer as limitações da
relação entre sujeito e objeto nas ciências sociais não é desistir da pesquisa, mas preparar
condições mais aperfeiçoadas para a realização do trabalho científico.

Demo lembra que a realidade é inesgotável, e nenhuma teoria pode encerrar a


discussão de forma definitiva. Acreditar ter descoberto a última palavra sobre um assunto é
uma ilusão que leva ao dogmatismo. Reduzir o mundo a uma teoria limita nossa compreensão
e impede a consideração de ideias divergentes. O autor aconselha o cientista a perseverar na
abertura para a realidade e evitar o dogmatismo. Pois a ciência não deve ser vista como um
fim em si mesma, mas sim como um instrumento para captar a realidade. O espírito crítico é
um meio para preservar a realidade como parâmetro fundamental e deve ser aplicado de
forma autocrítica.

Por fim, Demo alerta que as ciências sociais podem correr o risco de se tornarem
meramente acadêmicas, afastadas da realidade e produzindo pesquisas que não possuem
vínculo com o mundo ao seu redor. É necessário evitar a autodefesa medíocre e promover um
ambiente de discussão crítica e autocrítica, que estimule a criatividade e a produção de
conhecimento relevante.

Em suma, a ciência da realidade busca captar a realidade como ela é. A filosofia


desempenha um papel importante como instrumento de reflexão metodológica. A modéstia e
o espírito crítico são fundamentais para preservar a realidade como parâmetro e evitar o
dogmatismo. A prática também é essencial para testar as ideias teóricas e compreender a
realidade de forma mais completa. O ambiente acadêmico deve promover a discussão crítica e
autocrítica, afastando-se de ideologias e buscando uma compreensão mais profunda da
realidade.

Demo apresenta uma análise crítica dos princípios da construção da ciência,


abordando questões relevantes, como a necessidade de criatividade e a abertura a diferentes
perspectivas. No entanto, ele escorrega um pouco ao tratar da diversidade cultural na
produção científica. Os conselhos mais importantes do autor são evitar o dogmatismo,
incentivar a reflexão filosófica e a autocrítica. No entanto, o texto carece de uma discussão
mais aprofundada, o que pode dificultar a compreensão do pensamento de Demo.

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