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10. Globalização comercial e financeira e a reorganização da economia global.

O que é globalização comercial e financeira?


Como a economia global está se reorganizando frente a esse processo?

*Globalização Produtiva
É o processo de integração das estruturas produtivas domésticas em uma estrutura
produtiva internacional.
É a relação entre a parcela da produção internacionalizada e o PIB mundial.
O processo de globalização produtiva se dá:
-pelo investimento direto internacional e a reinversão dos lucros desses investimentos
-pela difusão de padrões tecnológicos e modelos de organização industrial
-pela internacionalização das estruturas de mercado e da competição empresarial.
Esse processo está associado a uma estrutura produtiva formada por empresas locais,
beneficiando-se de vantagens competitivas tradicionais, usando tecnologia e técnicas
desenvolvidas a partir da realidade doméstica, com relativo isolamento da competição
internacional, exceto através do comércio exterior. Tais empresas beneficiam-se de
oligopólios diferenciados (pela força de suas marcas), oligopólios concentrados (devido
a barreiras protecionistas) e de rendimentos crescentes de escala.
O comércio internacional reflete vantagens competitivas adquiridas, explicadas por
aspectos institucionais domésticos e pela estratégia global das grandes empresas
transnacionais.
A globalização produtiva é um processo mais recente: aceleração do fenômeno até a I
Guerra Mundial, seguido de um retrocesso no Entre-Guerras e de uma grande
aceleração no pós-guerra.
Diáspora da burguesia cosmopolita: expansão do comércio internacional a partir do fim
das Guerras Napoleônicas. Até a década de 1850, o movimento internacional de K era
associada principalmente a empréstimos com grande participação dos bancos de
negócios britânicos, em sua maioria direcionados a governos ou empreendimentos
avalizados pelos governos. Os primeiros investimentos diretos no séc. XIX se
destinavam a empresas de infraestrutura (portos e ferrovias). Após 1870, começaram a
ser realizados os primeiros investimentos diretos na indústria manufatureira.
As estruturas produtivas do século XIX eram fundamentalmente nacionais, a
competição se dava pelo comércio e não por uma competição direta através da produção
nos mercados nacionais.
Crescimento da globalização comercial → revolução nos meios de comunicação →
condições tecnológicas para maior integração produtiva internacional.
A globalização produtiva só ocorreu, portanto, após o surgimento da moderna empresa
industrial (entre 1880 e a Segunda Guerra Mundial), a qual ultrapassa as fronteiras
nacionais, mas busca no mercado internacional o controle de recursos que não eram
supridos domesticamente. Eram chamadas de ETAs (Empresas Transnacionais Antigas)
por Swartz, e operavam muitas vezes em mercados ligados por relações coloniais. Havia
baixa articulação internacional, a não ser vínculos de propriedade e comerciais.
Após a II Guerra, surgem as ETs (Empresas Transnacionais Modernas),
predominantemente americanas, que alteraram a natureza do investimento direto
internacional graças a alguns fatores:
-o tempo e o espaço foram comprimidos pelas melhorias nos transportes e
comunicações;
-a projeção do poder político e econômico americano e o apoio governamental fizeram
as operações de empresas no exterior menos arriscadas e criavam um ambiente
favorável nos países hospedeiros;
-durante as décadas 1950 e 1960, as grandes empresas americanas viram-se compelidas
a ampliar seu acesso a mercados em rápido crescimento, como Europa Ocidental e
alguns países em desenvolvimento;
-as empresas se internacionalizaram porque mudanças na tecnologia, estrutura da
demanda, política governamental, infraestrutura nacional ou diferenças institucionais
influenciavam a competição inter-empresarial de diferentes países.
As ETs controlavam a tecnologia e o capital não disponíveis para os novos países
independentes da África e Ásia (descolonização), mas estes controlavam o acesso a
fontes de matérias-primas (petróleo e outros). Os países grandes exportadores de
petróleo do Oriente Médio passaram a ter maior poder de barganha, através da OPEP.
O processo mais importante de internacionalização de empresas deu-se no setor
manufatureiro, e foram países de maior mercado interno e maior dinamismo econômico
os mais beneficiados desse processo.
O resultado de como as empresas reagem aos desafios e oportunidades criadas pelas
transformações na ordem econômica internacional, pela aceleração do progresso técnico
e pela convergência dos níveis de renda per capita nas principais economias
industrializadas é o que conhecemos por competição global.
A partir da década de 1970 houve menor regulação dos investimentos internacionais,
gerando oportunidades crescentes às empresas transnacionais, porém houve ameaças
também crescentes: a maior competição internacional, a velocidade de introdução de
novas tecnologias, a rápida obsolescência (e até desaparecimento de certos produtos)
obrigavam as empresas a manter alto nível de eficiência e desempenho.
Indústrias tradicionais dependiam de mão-de-obra abundante e barata, já que faziam uso
de tecnologias estáveis difundidas no mercado internacional ou de fácil aquisição.
Indústrias de alta tecnologia dependiam de seu acesso a recursos financeiros e humanos
para P&D, da imagem de confiabilidade e qualidade de suas marcas e sua capacidade
gerencial.
Modelo do Ciclo do Produto: criado por Vernon (1966), classifica um produto em 3
estágios (novo produto, produto maduro e produto padronizado). Havia uma grande
distância entre acesso aos conhecimentos científicos contemporâneos e a transformação
desses em produtos comercializáveis. Uma vez introduzido o produto (novo produto)
em um país industrializado, parte de sua produção alcançava outros países via
exportação; logo passa a ser interessante produzi-lo em algum dos grandes mercados
consumidores (produto maduro); após ser padronizado e produzido em larga escala com
tecnologia difundida (produto padronizado), o principal fator para localização da
produção é o custo dos fatores e o o que determina os custos é o preço da mão-de-obra.
Modelo dos Gansos Voadores: criado por Akamatsu (1962), descreve o processo de
realocação das indústrias do país mais avançado para outros, através do comércio
internacional e do investimento, o que ocorre por mudanças de competitividade. O
investimento internacional levaria a uma divisão internacional do trabalho graças à
difusão da tecnologia, o que permitiria aos países seguidores produzirem parte dos
produtos desenvolvidos pelo país-líder, empregando a mão-de-obra mais barata que
esses países ofereciam.
Retrospectiva da internacionalização das empresas: empresas americanas (1950’s),
empresas europeias (1960’s) e empresas nipônicas (1970’s).
As empresas japonesas contribuíram para alterar a competição global, quando a partir
da década de 1980 passa a ocupar porções de mercado antes dominadas por empresas
ocidentais. Essa participação no mercado era possível porque as exportações de
produtos finais não vinham apenas do Japão, mas a partir de várias bases produtivas no
Leste Asiático, beneficiando da forte integração da estrutura produtiva naquela região.
O produto passou a ser identificado não mais pelo país em que era produzido, mas pela
sua qualidade através da marca.
As empresas americanas e europeias reagem à ascensão nipônica e ampliam o grau de
integração e divisão de trabalho da estrutura produtiva da matriz e suas afiliadas.
Organizaram-se em cada mercado em função dos custos locais e da estratégia global
formulada no centro de decisão. Qualquer parte da produção, ou mesmo todo o ciclo
produtivo, poderia ser feito em um ou mais países em que a filial local fosse competitiva
no mercado interno da empresa.
Novo padrão de investimento internacional: origina-se da necessidade das empresas de
ocuparem espaços estratégicos nos grandes mercados, beneficiando-se das vantagens
locacionais para produção e distribuição de seus produtos. As empresas tornam-se
atores globais.
A globalização produtiva é uma das mais importantes dimensões do fenômeno da
globalização.
As empresas globais não são apátridas, pois toda empresa está conectada a um
determinado país ou conjunto de países, onde se localiza sua matriz e onde se encontra
seu núcleo de decisão política. A partir desse núcleo que elas negociam com os
governos para projeção de seus interesses estratégicos.

Globalização Financeira
É o processo de integração dos mercados financeiros locais (mercados de empréstimos e
financiamentos, títulos públicos e privados, monetário, cambial etc) aos mercados
internacionais.
A dimensão financeira é o aspecto mais importante da globalização.
A partir da década de 1970 houve crescimento das transações financeiras crossborder,
caracterizadas por dois aspectos:
-crescimento da mobilidade da poupança: eficiência relativa do K na alocação
intertemporal de recursos;
-desenvolvimento de transações que implicam em transferência de risco:
internacionalização dos serviços financeiros.
Em uma economia aberta, a existência de déficits/superávits em transações correntes e a
possibilidade de a conta capital ser superavitária ou deficitária permite uma dissociação
entre o nível de poupança e o investimento doméstico dos diferentes Estados nacionais.
É fundamental para testar os efeitos da globalização financeira, analisar:
-a capacidade desse processo de aumentar o nível de financiamento dos déficits em
transações correntes na economia mundial;
-se a globalização financeira tem reduzido a correlação entre poupança e investimento
doméstico, ou seja, países com baixa taxa de poupança mas grandes oportunidades de
investimento poderiam acelerar sua taxa de crescimento econômico importando
poupança.
A capacidade de financiamento de déficits em conta corrente é muito menor no período
recente do que no anterior à Primeira Guerra.
A globalização financeira recente não contribuiu de maneira significativa para aumentar
a capacidade de investimento.
Paradoxo de Feldstein-Horioka: reforça evidências de que a globalização financeira não
contribuiu para aumentar a mobilidade da poupança entre países.
Se os mercados fossem completamente integrados, um crescimento exógeno da
poupança doméstica deveria ser investido no país que oferecesse a maior taxa de
retorno, não afetando necessariamente o investimento doméstico.
Os estudos disponíveis mostram que os investidores têm grande preferência por manter
maior parte de sua carteira de títulos nos mercados domésticos.
Globalização financeira é caracterizada pelo grande crescimento e integração de
serviços financeiros em escala global, ou seja, um processo de criação de um mercado
mundial integrado de serviços financeiros.
Serviços financeiros: atividades dos bancos comerciais, bancos de investimento, seguro,
gestão de ativos, além de atividades do mercado financeiro internacional associadas à
diversificação de risco (mercado cambial e de derivativos), vendas de produtos
financeiros, garantia de transações etc.
Derivativo financeiro: instrumento financeiro cujo valor deriva do desempenho de outro
ativo financeiro, índice ou investimento.
O crescimento dos fluxos internacionais e a desregulamentação dos serviços financeiros
internacionalmente vem sendo acompanhada por frequentes crises. Isso oriunda do fim
do sistema de Bretton-Woods.
Sistema de Bretton-Woods: negociado para reorganizar as relações econômicas
internacionais depois da II Guerra, visando a evitar outra grande instabilidade monetária
nas tentativas de recriação do padrão-ouro. Baseava-se nos seguintes compromissos:
-dólar seria a moeda de referência do sistema;
-outras moedas deveriam se manter com regime de taxas de câmbio fixas;
-seriam controlados movimentos especulativos na conta capital;
-o FMI seria a organização responsável por supervisionar a operação do novo sistema
monetário.
O sistema de Bretton-Woods enfrentou um trilema macroeconômico: não é possível
implementar simultaneamente taxas de câmbio fixas, liberdade de movimento de K e
política monetária autônoma (voltada para fins domésticos).
Outros regimes de política cambial anteriores a Bretton-Woods: Padrão-Ouro (1880-
1914) e sistema de taxa de câmbio flutuante (1918-1925 e após 1973).
O sistema de Bretton-Woods, combinado com políticas keynesianas, nos países da
Europa Ocidental e EUA funcionou muito bem, viabilizando as maiores taxas de
crescimento econômico entre 1948 e 1971.
Década de 1970: marcada por uma crise financeira no início da década, pela primeira
crise do petróleo (1973) e pela crise gerada pela elevação da taxa de juros americana
(1979).
Isso levou a mudanças profundas na política econômica dos países:
-abandono das taxas de câmbio fixas nos países desenvolvidos e progressiva
liberalização do movimento de capitais de curto prazo;
-países em desenvolvimento também realizaram mudanças nas suas políticas
econômicas;
-países socialistas da Europa Oriental passaram gradativamente de economia
centralizada para o capitalismo selvagem;
-desvalorização do peso mexicano (1994-95);
-economias desenvolvimentistas da Ásia oriental entram em crise;
Rússia entra em crise e desvaloriza o rublo → primeira crise econômica pós-socialismo.
-crise na América Latina com a desvalorização do real e pressões sobre a taxa de
câmbio fixa argentina.
Conclusão: a globalização financeira foi mais um produto da desintegração do sistema
monetário internacional do que um objetivo perseguido por ela.
Para compreendermos o processo de reorganização da economia global, é importante
salientar que Globalização e Estado-nação não se contradizem; globalização e o estágio
atual do desenvolvimento capitalista, e estado nação é a unidade política territorial que
organiza o espaço e a população no sistema capitalista.
Desde os anos 1980, o Capitalismo Global constitui o sistema econômico caracterizado
pela abertura de todos os mercados nacionais e a violenta competição entre os Estados-
nação. Os países em desenvolvimento tendem ao catch up¸ enquanto os países ricos
tentam neutralizar tais esforços de competição, usando o globalismo como ideologia, e a
ortodoxia convencional como estratégia. O catch up é um conceito econômico de
convergência: o processo em que as economias em desenvolvimento se aproximam do
nível de riqueza acumulada das economias mais desenvolvidas
Enquanto a globalização comercial favorece países de renda média, a globalização
financeira controle seu crescimento. O nacionalismo permanece a ideologia com que
eles contam para enfrentar o globalismo. No âmbito político, um Sistema Político
Global está emergindo para corrigir as injustiças e desequilíbrios que são inerentes à
globalização.
Os Estados-nação são a forma abrangente de organização político-territorial nas
sociedades capitalistas industriais, como eram os impérios nas sociedades pré-
capitalistas. Conforme mostrou Ernest Gellner (1983), ao realizarem expansão territorial
as aristocracias militares e religiosas dos impérios não tinham idéia do que fosse
aumento da produtividade ou desenvolvimento econômico; suas preocupações
econômicas limitavam-se à imposição de taxas aos povos submetidos ou sua redução à
escravidão ou à servidão. Já nos Estados-nação, que são o resultado de um contrato
social nacional, os novos dirigentes não se limitam a concentrar força militar para
garantir sua segurança, mas têm o desenvolvimento econômico ou a competição
capitalista por maiores taxas de crescimento como um segundo objetivo central, e
buscam estender a educação pública e a idéia de produtividade sobre todo o território
nacional. A crença, portanto, de que a globalização estaria levando à perda da
importância das nações e dos Estados-nação contradiz a própria natureza das sociedades
modernas. A Revolução Capitalista dará origem aos modernos Estados nacionais, que
emergem gradualmente como fruto do esforço das nações de se dotarem de um Estado e
de um território. Na medida em que os mercados vão se abrindo, e a lógica do lucro e
da acumulação de capital e do progresso técnico vai se impondo em toda parte, novos
Estados-nação vão se constituindo, até que, no Capitalismo Global, os Estados-nação
passam a cobrir toda a superfície do globo terrestre. Nunca antes, portanto, o
capitalismo foi mais universal, e nunca antes a forma de organização político-territorial
soberana que é o Estado-nação foi mais espalhada e mais relevante.

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