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(Publicado em 26/04/2013)
Nos dias seguintes algumas pessoas me perguntaram o que eu quis dizer, no segundo parágrafo,
quando escrevi que a década de 1980 foi a "Década Perdida" e a década de 1990 foi "a década em
que estávamos perdidos".
Eu explico: é que, desde o início dos anos 2000 temos vivido um renascimento do mercado de trabalho
e de oportunidades para os engenheiros. E muita gente fala dos vinte anos anteriores como um
período negro na história dessa profissão no Brasil. Mas pouca gente se dá conta de que as duas
décadas foram ruins para os engenheiros, mas por motivos diferentes.
OS ANOS 1980
Nos anos 1970 o Brasil viveu o chamado "milagre econômico brasileiro", uma época de excepcional
crescimento econômico (construído à custa do endividamento do país) ocorrido durante o regime
militar no Brasil, especialmente entre 1969 e 1973, quando o crescimento alcançou números
espetaculares (superiores a 10% anuais, tendo alcançado picos de 13% anuais). Ninguém segurava
esse País! Uma beleza!
A partir de 1973 o crescimento da economia brasileira diminuiu, por conta do primeiro choque do
petróleo, em 1974. Mas o Brasil continuou crescendo, até 1979 numa média de 6,5% ao ano.
Convenhamos: nada mal, né?
Aí a capacidade de geração de divisas tornouse insuficiente para sustentar o ritmo do crescimento, a
inflação chegou a 94,7% ao ano e, ainda por cima, os EUA elegerem Jimmy Carter presidente, o que
também dificultou a sustentabilidade políticoeconômica da ditadura militar brasileira (Carter foi o
primeiro presidente desde Kennedy, que não deu pleno apoio norteamericano a regimes autoritários
na América Latina).
A dívida externa brasileira chegou a US$ 90 bilhões. Era praticamente impagável. E o Brasil entrou
numa recessão econômica que duraria até os primeiros anos da década de 1990. O principal efeito foi
um desemprego absurdo em todos os níveis, mas, especialmente nos setores produtivos. Exatamente
onde se encontra a Engenharia.
Portanto, para a Engenharia Brasileira, os anos 1980 foram o fundo do poço.
OS ANOS 1990
Embora muitos pensem naqueles vinte anos como uma sucessão de dificuldades de mesma natureza, é
importante observar que os problemas da Engenharia Brasileira nos anos 1990 não eram de ordem
econômica (como nos anos 1980) e sim de ordem estratégica, gerencial e tecnológica.
Com o advento do Real e a estabilização da economia os problemas dos engenheiros nos anos 1990
tinham mais a ver com gestão do negócio, tanto do ponto de vista operacional quanto de mercado.
A incorporação do Marketing como atividade necessária ao desempenho profissional era uma idéia
muito nova para engenheiros (e arquitetos) e a natureza conservadora dos profissionais fez com que a
Engenharia fosse uma das últimas das profissões liberais a entender o marketing como um
instrumento legítimo de estratégia empresarial.
Era grande o número de profissionais que repudiavam o marketing como coisa sem importância ou
ligada a “enganações”. Era muito comum ouvir profissionais (novatos ou veteranos) rezar a seguinte
cartilha:
“Marketing é coisa de quem não trabalha direito.”
“O melhor marketing é o trabalho bem feito.”
“A qualidade do meu trabalho é a minha garantia de mercado.”
“Não adianta fazer marketing se não existe qualidade por trás.”
“O marketing, na Engenharia e Arquitetura só é necessário quando o profissional não tem um trabalho
de qualidade.”
Esse pensamento retrógrado evidentemente atrasou o desenvolvimento do mercado para profissionais
que já estavam em estado de inanição produzida na década anterior.
Não bastasse isso, a década de 1990 foi especialmente pródiga em mudanças tecnológicas.
As tecnologias de informação (nossa matéria prima) sofreram alterações profundas com a entrada em
cena dos softwares de desenho (principalmente o CAD), os softwares de gestão de projeto (como o MS
Project, que, embora tenha sido inventado na segunda metade da década de 1980, popularizouse, no
Brasil, apenas nos anos 1990), a telefonia celular, os novos recursos da telefonia fixa, a TV por
assinatura e a grande estrela da Cia: a INTERNET (e, com ela, um novo mundo de oportunidades)
Os recursos de computação e de comunicação produziram algumas alterações profundas no mercado
de Engenharia e Arquitetura. A principal delas diz respeito à produtividade alcançada por profissionais
iniciantes. Com o uso dos modernos programas de edição de textos, editores de desenhos, planilhas,
programas especiais de cálculos, gerenciadores de banco de dados e outros recursos, os profissionais
iniciantes conseguiam alcançar um desempenho muito parecido com o de profissionais experientes,
especialmente quando o problema não envolvia muita criatividade ou domínio de tecnologia de
construção específica.
Ocorre que, em noventa por cento das atividades de Engenharia e Arquitetura, o que os clientes
procuram são soluções de pequenos problemas que não demandam, de verdade, grande experiência
específica ou criatividade super desenvolvida. Esses problemas exigem do profissional a capacidade de
formalizar a solução com qualidade adequada e no tempo mais curto possível.
Isto se chama PRODUTIVIDADE.
O profissional tradicional tinha conquistado a capacidade de solucionar problemas utilizando a sua
experiência e a sua criatividade, procurando se estabelecer no mercado com base na qualidade do
serviço oferecido.
Nunca havia se preocupado com produtividade. Nunca havia se dado conta de que o seu melhor
rendimento financeiro vinha dos serviços simples, dos projetos básicos, daqueles trabalhos que ele
conseguia fazer em menos tempo, com menos trabalho, mas que eram remunerados como se fossem
trabalhos do mesmo nível de sofisticação dos trabalhos principais.
Quando, na segunda metade da década de 1990, as universidades começaram a disponibilizar para o
mercado os primeiros profissionais 100% computadorizados (gente que usou computador desde os
tempos de colégio), algumas mudanças profundas começaram a ocorrer: esses profissionais novos
começaram a ser concorrentes reais numa fatia de mercado grande (aquela dos serviços simples e de
boa remuneração), em que reinavam absolutos os “veteranos”.
Na verdade, do ponto de vista de um cliente que procurava por um projeto para uma residência
simples ou para um pequeno prédio de dois pavimentos, existiam apenas duas diferenças entre o
profissional tradicional (o veterano) e o recémformado: o profissional novato terminava mais
rápido (porque usa os recursos do computador) e cobrava mais barato.
E essas duas diferenças faziam a diferença fundamental.
Eliminados do mercado de serviços simples (mas que sempre rendiam bons honorários), os
engenheiros e arquitetos descobriram que aqueles serviços em que as qualidades excepcionais (que
fizeram suas reputações e fortunas) continuavam existindo e sendo demandados pelo mercado. Mas,
com novas configurações de preços, a demanda desses serviços não garantiam mais um rendimento
adequado com o padrão de vida que já estava estabelecido.
Alguns descobriram rápido a solução: investir em produtividade.
Observese que nem é o caso de Marketing. É simplesmente produtividade com qualidade. Isto se
chama ADMINISTRAÇÃO EFICIENTE.
A grande dificuldade dos profissionais de engenharia e arquitetura nos anos 1990, portanto não era por
conta de problemas de mercado derivados da conjuntura econômica. Eram problemas de mercado
devidos à falta de preparo gerencial e competência administrativa.
Quem entendeu isso mais cedo saiu na frente. E, provavelmente, está voando agora, nos anos 2010
pois desenvolveu os pontos que efetivamente produzem diferencial competitivo: domínio de
tecnologia de produção, sistematização de processos produtivos, equipes de trabalho, gestão
financeira e marketing.
ÊNIO PADILHA
www.eniopadilha.com.br | professor@eniopadilha.com.br
Comentário do Ênio Padilha
EM TEMPO: a década de 1980 não foi perdida pra todo mundo. Engenheiros e Arquitetos
perderam muito porque o país parou de construir (e, portanto, parou de fazer projetos).
Mas não foi uma década perdida para os advogados, nem para os médicos e dentistas, que
foram menos afetados pelos perrengues econômicos da época.
A música brasileira, por exemplo, viveu uma de suas melhores décadas, com o surgimento
de grupos e artistas como Titãs, Barão Vermelho, Engenheiros do Hawaii, Capital Inicial,
Blitz, Nenhum de nós, RPM, Plebe Rude, Ultraje a Rigor, Legião Urbana, Paralamas do
Sucesso, Lulu Santos, Ira, Biquini Cavadão, Leo Gandelman, Kid Abelha, Sempre Livre...
esqueci alguém?