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SEGUNDA CARTA A UM ENGENHEIRO RECÉM‐FORMADO

(Capitalizar Virtudes e Defeitos)


(Publicado em 06/05/2004)

Uma  vez,  em  1989,  por  conta  de  um  negócio  com  um  amigo,  acabei  ficando  com  um  terreno  no
loteamento  residencial  Schneider,  em  Rio  do  Sul.  Era  um  loteamento  distante  do  centro  e  o  terreno
ficava na parte mais alta, no final da rua, longe de tudo. Para chegar lá, só de carro, pois havia uma
subida  longa  e  difícil  de  vencer  à  pé  ou  de  bicicleta.  O  terreno  em  si  não  era  plano  e  sim  inclinado,
com a parte mais baixa na frente, junto à rua.

Pra falar a verdade, eu tinha consciência de que não havia feito um bom negócio, pois sabia que seria
muito difícil vender aquele terreno.
Sim, vender, é claro! Nem me passava pela cabeça fazer qualquer coisa com ele a não ser vendê­lo.

Coloquei uma placa no terreno e um anúncio no jornal.

Na primeira noite ligou um potencial cliente. Um comerciante lá de Ibirama.

"É sobre o anúncio no jornal. Eu queria saber como é que é o terreno..."

"Bem..."  eu  comecei,  meio  sem  jeito,  "o  terreno  fica  no  loteamento  Schneider,  lá  no  final  da  Ruy
Barbosa. Sabe onde fica?" (ele sabia).

"Muito  bem"  eu  continuei  "Fica  lá  em  cima,  na  parte  mais  alta.  É  na  última  quadra,  o  que,  aliás,  é
muito  bom,  pois  não  tem  trânsito.  Os  únicos  carros  que  chegam  lá  são  os  dos  vizinhos.  Para  as
crianças... o senhor tem crianças?" (ele tinha) "Para as crianças é um paraíso, pois podem brincar na
rua com a maior tranquilidade."

"O  terreno  é  inclinado  o  que  permite  uma  contrução  em  vários  níveis.  Um  bom  arquiteto  faz
maravilhas  em  um  terreno  inclinado"  (à  essas  alturas  eu  já  estava  empolgado  na  minha  função  de
vendedor)

"Os terrenos são todos grandes e a vizinhança é muito boa. E, como ele fica no fim do loteamento, é o
último lugar que um ladrão escolheria para se aventurar pois é o ponto mais distante da saída."

"Sem contar que, por ser o ponto mais alto é também o lugar de onde se tem a melhor vista de toda a
região"

E  assim,  fui  desfiando  as  características  do  terreno  e  capitalizando  todos  os  seus  defeitos  em
vantagens  que  geravam  benefícios  ao  potencial  cliente.  E  o  mais  interessante  é  que  eu  não  estava
mentindo,  nem  exagerando  em  nada.  Estava  apenas  (e  pela  primeira  vez)  descrevendo  as  coisas
positivas que o terreno tinha.

O cliente então prometeu visitar o terreno, no dia seguinte e então continuaríamos a negociação.

Desliguei  o  telefone,  olhei  para  a  minha  esposa,  que  estava  na  sala,  acompanhando  a  conversa.  Ela
deu aquele sorriso de quem já havia entendido tudo. E eu disse: "amanhã precisamos dar uma olhada
direito nesse terreno, antes de vender..."

Nem  preciso  dizer  que  não  quisemos  mais  vender  o  terreno.  Foi  como  se  eu  tivesse  comprado  o
terreno  de  mim  mesmo.  Fui  uma  descoberta.  O  terreno  era  lindo,  cheio  de  recursos.  O  lugar  era
perfeito  para  construir  uma  casa  bonita,  criar  filhos  com  liberdade,  receber  amigos,  curtir  a
natureza...

Ficamos  com  o  terreno  por  muito  tempo  e  chegamos  até  a  fazer  o  projeto  (muito  bonito)  para  uma
casa...  Mas  acabamos  mudando  de  cidade  e  o  terreno  foi  vendido  para  um  amigo  felizardo  que
construiu uma bela casa e mora lá até hoje.
Contei  essa  história  porque  no  sábado  fui  a  Florianópolis  participar  (representando  o  Clube  de
Engenharia de Santa Catarina) da formatura do curso de Engenharia Elétrica da UFSC.
Formaturas sempre me emocionam pois é um dia de coroação. A consolidação de uma vitória. E todos
(formandos, pais, mães, irmãos, professores, amigos, todos...) estão em estado de graça.

Conversa  vai,  conversa  vem,  um  jovem  engenheiro  falou,  com  uma  certa  preocupação:  "Espero  que
essa  alegria  se  mantenha  depois  de  segunda­feira.  Agora  é  que  vai  ser  dureza.  Enfrentar  o  mercado,
sem experiência, com essa cara de garoto..."
Lembrei  imediatamente  do  meu  terreno  em  Rio  do  Sul  e  fiz  um  pequeno  discurso  particular  para
aquele jovem amigo (e para os outros que estavam na roda): "Meu rapaz, eu disse. 

Não  tenha  medo  da  segunda­feira.  Nem  desta  que  vem  depois  de  amanhã  nem  de  nenhuma  outra
segunda­feira daqui pra frente.

Mas,  especificamente,  agora,  que  você  é  recém­formado,  não  tenha  medo  de  se  apresentar  ao
mercado. Use todas as suas potenciais fraquezas como vantagens para os potenciais clientes.

Diga  para  o  seu  cliente  que  a  sua  eventual  falta  de  experiência  é,  na  verdade,  uma  garantia  de
dedicação intensa e atenção redobrada.

Que a sua eventual insegurança é o que incrementa a sua responsabilidade, pois você, cuja reputação
profissional  é  ainda  incipiente  e  frágil,  vai  fazer  TUDO  para  que  os  resultados  sejam  perfeitos,
justamente para alcançar o mais rápido possível um bom nome no mercado;

Que  o  fato  de  não  ter  um  bom  número  de  clientes  já  atendidos  é  também  um  fato  positivo,  pois  isso
deixa  você  com  muito  mais  tempo  livre.  Praticamente  um  "personal  engineer"  dedicado  24  horas  por
dia à causa do cliente;

Que  a  sua  pouca  idade  é,  na  verdade,  um  dos  seus  mais  importantes  atributos  positivos,  pois  você
tem  o  viço,  a  saúde,  a  energia,  o  bom  humor,  a  criatividade  e  a  mente  aberta,  ingredientes  para  os
melhores resultados, especialmente na engenharia.

Enfim,  concluí.  Não  há  nada  em  um  engenheiro  recém­formado  que  não  possa  ser  capitalizado  como
coisa  positiva  e  que  não  possa  ser  utilizado  como  vantagem  competitiva  no  mercado  de  trabalho.
Experiência não é tudo. Engenharia se faz com muita coisa e muito dessa "muita coisa" você já tem.

Ou, como eu disse na conclusão de um outro artigo que eu escrevi em maio do ano passado: "Não se
menospreze e ninguém irá menosprezá­lo".

ÊNIO PADILHA
www.eniopadilha.com.br | professor@eniopadilha.com.br

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